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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A população de São Paulo há de acordar

por Emiliano José, em Carta Maior
 
Fiquei refletindo esses dias sobre uma série de acontecimentos, todos em São Paulo, e me perguntando, quase inocentemente, se seriam um acaso. 
 
Será que o Estado de São Paulo é perseguido pelo desatino, pelo autoritarismo, pelo destempero dos governantes, pela insanidade, pelo governo sem freios, pelo uso das armas e da brutalidade pelo Estado? Pensei em Hannah Arendt e na banalidade do mal. Mas, falar em banalidade do mal é falar também em quem o produz, em quem o torna uma banalidade, e o mal se afirma não pela conjunção de personalidades perversas, mas pela política, pelo exercício da política. Comecei, então, nessa reflexão, a me desvencilhar do pecado da inocência, a descartar acasos, e pensar então que pudesse haver alguma lógica em tudo aquilo.
Afinal, foi em São Paulo que massacraram estudantes da Universidade de São Paulo, numa violência inaceitável, incompreensível, intolerável. Por que tantos policiais, por que uma operação daquele tamanho para enfrentar, é, eles pensaram assim, em enfrentar, como numa guerra, aqueles jovens desarmados? Pois é, mas aconteceu. Depois, veio o pogrom da Cracolândia, um dos mais terríveis episódios de desrespeito aos seres humanos que se tem notícia no Brasil recente. A referência aos pogroms nazistas não é uma tentação panfletária. E mais recentemente, o ataque de tropas da Polícia Militar e de contingentes da Guarda Municipal contra a comunidade de Pinheirinho, em São José dos Campos, para salvaguardar os interesses do conhecido especulador Naji Nahas.
Será que o destino do PSDB é converter-se mais e mais no oposto daquilo que foi pensado pelos seus fundadores, e destaco aqui a figura de Mário Covas como um político que, creio, tinha de fato ideais profundamente democráticos?  Não quero personalizar, não quero dizer apenas e tão somente que o governador Geraldo Alckmin é um homem conservador, um homem da extrema-direita, um cultor da Opus Dei. De que adiantaria? Afinal, Serra, na campanha, fez tudo o que a Opus Dei queria, chegou, quem sabe, a ir além, ao vestir a persona de um autêntico Torquemada, a perseguir mulheres que abortassem. Nem adianta dizer que Fernando Henrique, por exemplo, é a favor da descriminalização das drogas. Onde está uma única palavra dele condenando o pogrom da Cracolândia? É o partido que se unifica nesse tipo de política que se desenvolve em São Paulo.
O que está em curso em São Paulo é um programa. Um pensamento. Uma filosofia. Afastar pela violência, pela bestialidade das armas do Estado, tudo aquilo que contrariar o pensamento dominante no Estado, e dominante já há algum tempo. Afastar o que eles consideram fora da ordem – os estudantes que incomodam, os drogados que sujam a cidade, os moradores de Pinheirinho que contrariam os interesses especulativos. Por que não pensar em dialogar exaustivamente com os estudantes e criar as condições democráticas da desocupação da USP? Por que não imaginar uma política consistente de saúde para enfrentar o problema dos seres humanos usuários de crack? E uso o termo seres humanos porque necessário nesse caso, como lembrança. Por que não negociar à exaustão para resolver o drama de uma população inteira, em Pinheirinho, que só queria fazer valer o direito de morar?
Há muito tempo que o PSDB desacostumou-se com o diálogo. Fernando Henrique Cardoso começou com isto. Não há quem não se lembre dos ataques a trabalhadores da Petrobras no seu primeiro governo. Ele copiava Margaret Thatcher. O PSDB em São Paulo deu prosseguimento a essa visão, com absoluto rigor e disciplina.  Me recordo da reação de um representante do governo Alckmin a respeito do pogrom da Cracolândia, que é revoltante: “Como você consegue fazer com que as pessoas busquem tratamento? Não é pela razão, é pelo sofrimento. Dor e sofrimento fazem a pessoa pedir ajuda”.
Da mesma forma que se descartam políticas de saúde, tratamento para pessoas dependentes do crack, dispensam-se as armas do diálogo, da conversa, do convencimento dos estudantes ou dos pobres que viviam em Pinheirinho – e aqui, como já disse, para saciar a fome especulativa de um Naji Nahas. É como se nunca houvesse outra saída que não a da porrada. Todos devem se convencer de que o governo tem a força, bruta, e ponto final. Que detém o privilégio de usar as armas e fazer as pessoas sofrerem. Que sofrendo, em todos os casos, elas entenderão o que o governo quer, e, assim, obedecerão.
Esta é a lógica, o pensamento, a filosofia do PSDB. Não fosse, e certamente apareceriam tantos parlamentares, tantas personalidades do partido a condenar o que Wálter Fanganiello Maierovitch chamou, em artigo recente publicado na revista CartaCapital, inspirado nas lembranças de Tomás Torquemada, de “o torturante método de São Paulo”,  e, como disse anteriormente, esse torturante método espraia-se em diversos acontecimentos, e eu lembrei aqui apenas três deles. O que me impressiona é assistir ao governador Alckmin falando com tanta placidez na televisão sobre o salário-aluguel que daria aos desalojados pelo seu torturante método. Parece que foi uma operação trivial, e não outro pogrom, como o foi Pinheirinho.
A população de São Paulo, penso, há de acordar. Não é possível assistir passivamente a tanta violência, desrespeito aos direitos humanos, ao Estado de Direito, que sempre pressupõe diálogo. A democracia não pode conviver com tanto autoritarismo. E não se pense que torcemos para que essa escalada na direção do pensamento autoritário do PSDB prossiga. Mesmo como adversários de nosso projeto político, gostaríamos de tê-lo como um partido democrático, capaz de governar à base do diálogo, de compreender os movimentos sociais como um fenômeno positivo. Infelizmente, até agora, só temos visto este partido se contaminar por um pensamento conservador e autoritário, digno do medievo trevoso. Infelizmente.

Emiliano José

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