A greve dos professores da rede estadual de São Paulo já dura
mais de dois meses. Nesse meio tempo, o governador Geraldo Alckmin tem
reiteradamente se negado a atender ao pedido de reajuste salarial
apresentado pelos professores. Alega que não pode conceder a equiparação
com os demais funcionários públicos com formação superior, pois isso
endividaria o orçamento público. E não contente com isso, ainda ordenou o
corte de ponto dos professores, o que em si é um ataque ao direito de
greve, tal como já foi demonstrado aqui.
Alegação similar de falta de verbas é dada até mesmo por um prefeito é
considerado de esquerda, já que integra o PSOL. Clécio Luiz, que
governa a cidade de Macapá também se nega a conceder o reajuste de 13%
afirmando que isso tornaria o orçamento público inviável. Ao contrário
de dar o exemplo atendendo às demandas dos professores em meio às greves
que assolam o país e escancaram a precarização nacional da Educação, a
intransigência do prefeito Clécio obrigou os educadores a acamparem em
frente à prefeitura, como debatemos aqui.
No Paraná a emblemática greve de fevereiro, seguida pela grotesca
repressão de Beto Richa contra os professores em maio, agora pode se
transformar numa greve geral do funcionalismo público.
Isso ocorre em meio à disseminação de escândalos de corrupção, que
envolvem todos os partidos políticos da classe dominante. Em São Paulo
estima-se que no ano de 2014 cerca de R$ 232 milhões de reais tenham
escoado pelo ralo da corrupção. E não apenas isso. Às vésperas de um ano
em que os governos, tanto federal quanto estaduais e municipais, estão
promovendo cortes que atacam os trabalhadores, os salários dos políticos
e dos funcionários de alto escalão mantiveram seus elevados patamares.
Esses mesmos políticos ainda sancionaram aumentos salariais para si
mesmos. Dessa forma, garantiram que no âmbito federal os salários da
presidente, vice e ministros passassem de R$ 26,7 mil para R$ 30,9 mil.
Os ministros do STF recebiam R$ 29,4 mil e agora R$ 33,7 mil. Já o
reajuste para os 513 deputados federais custou aos cofres públicos R$ 80
milhões por ano. Se somado ao aumento salarial garantido também aos 81
senadores, o gasto com o pagamento dos políticos dessa Casa é de mais de
R$ 93 milhões. Em São Paulo enquanto nega aumento aos professores,
reajustou seu próprio salário e de seus funcionários de alto escalão.
O desafio lançado por professores em greve e a Comuna de Paris: algo em comum
Sancionar aumentos a si mesmos é uma prática comum, e que costuma
passar incólume para os políticos. A ausência de um debate nacional, e
do protagonismo dos trabalhadores em tempos de paz lhes permite esse
privilégio. O que é negado a todos os trabalhadores, independente do
reconhecimento da importância de seu trabalho. Para conseguir reajustes,
muitas vezes simbólicos, os trabalhadores veem-se obrigados muitas
vezes a recorrerem a greves, e outros meios de mobilização. Mas se a
perspectiva de os trabalhadores definirem o quanto ganhariam parece
absurda, por que ela é tão naturalizada quando se trata dos políticos? A
separação do Estado em relação ao conjunto do povo, e sua consequente
elevação sobre àquele, atende à necessidade de prover a “paz social”
necessária à classe dominante.
E isso envolve também as benesses aos
políticos da classe detentora, que usufruem abertamente dessa democracia
feita por e para os ricos.
Mas os tempos aceleraram-se. Se por um lado é certo que a ordem
descrita ainda está longe de ser subvertida em favor dos trabalhadores,
há questionamentos até pouco inexistentes. E são muito importantes. As
imensas manifestações de junho de 2013, seguidas das greves de
trabalhadores de maio do ano seguinte, e mais especialmente agora com as
greves da educação que percorrem o país, constituíram-se como grandes
momentos de inflexão. Neles os privilégios dos políticos, e o
questionamento sobre o destino dos recursos públicos, começam a fazer
parte do debate nacional. Com as presentes greves dos professores isso é
latente.
Cartazes desafiando Geraldo Alckmin a viver com o salário de um professor são encontrados com facilidade nas assembleias dos educadores em greve. Munidos de seus holerites para provar que recebem qualitativamente menos que o publicado pelo governo, alguns dentre os professores da rede estadual paulista em greve têm espontaneamente retomado um dos grandes legados históricos da Comuna de Paris.
Trata-se justamente da exigência de que os políticos ganhem o mesmo
que um trabalhador. Essa questão posta pelos insurretos parisienses era
fundamental para que se pusesse um “freio à caça ao emprego e ao
arrivismo” político. A questão da revogabilidade dos mandatos, caso os
políticos eleitos não respondessem às aspirações populares, também
emergia na Comuna como um mecanismo de controle sobre os políticos.
Dessa forma, o político e o funcionário estatal outrora de alto escalão
se veriam obrigados a serem servidores, e não mais usurpadores dos bens e
do poder do povo em favor próprio.
O fato de alguns dos professores em greve hoje defenderem isso não
significa que se inspirem conscientemente na Comuna de Paris, uma das
maiores provas da classe trabalhadora internacional. Ou ainda que sejam
todos marxistas e de esquerda. É antes de tudo uma demonstração da
vitalidade e concretude dessa demanda. Que emerge como uma reivindicação
justa. Como uma via não apenas de economizar dinheiro dos cofres
públicos gasto com privilégios absurdos dos políticos, e dessa forma
conceder o legítimo aumento salarial de que os professores precisam,
garantindo o mínimo do Dieese. Mas também como um mecanismo para
transformar o corpo político corrupto em um “parlamento de
trabalhadores”, para utilizar a expressão de Lênin.
Por isso essa deve ser uma campanha política vital para responder ao
inadmissível abismo que separa os salários dos professores e os dos
políticos. Uma campanha para ser assumida pelos trabalhadores,
juventude, pelo povo e certamente pelas organizações que se colocam como
esquerda.
A esquerda deve dar o exemplo
Isso inclui todos os parlamentares da esquerda. Mas não apenas em
palavras. Deveriam executar esse programa. E há exemplos em que isso
ocorreu. Raul Godoy e Nicolás del Caño, militantes do PTS e deputados
estadual e nacional argentinos respectivamente, pela Frente de Esquerda,
deixaram todos atônitos quando anunciaram que reteriam para si o mesmo
valor que o recebido por um professor. E que destinariam todo o restante
de seus salários como parlamentares para fundos de luta dos
trabalhadores em greve, ou em mobilização.
Essa ação carregada de um simbolismo que aponta a uma nova política,
efetivamente embasada nos interesses dos trabalhadores, fez com que a
grande mídia tenha definido Nicolás Del Caño como o “último romântico”.
Porém, apesar da tentativa da imprensa de tratar essa ação como um gesto
idealista quase pueril, a verdade é que isso calou fundo entre os
trabalhadores e a juventude, que cada vez mais demonstram estar cansados
da política tradicional dos partidos dominantes.
No Brasil, onde ocorrem atualmente inúmeras greves de professores, os
parlamentares de partidos que se colocam como esquerda, como por
exemplo, o PSOL deveriam seguir esse exemplo. Começando é claro por
mudar a política aplicada pela prefeitura de Clécio no Macapá, que se
recusa a atender os professores. Mas não só isso. Também superando de
uma vez a lógica de alguns de seus parlamentares, como Jean Wyllys que
declarou não achar pouco o seu salário bruto de deputado de R$
26.723,13. Seria uma excelente pedida que Jean Wyllys retivesse o mínimo
do Dieese para si, e destinasse o restante ao fundo de greve dos
professores. Que, aliás estão sem receber seus salários, simplesmente
por exercerem seu direito legítimo de greve. Jean Wyllys e os demais
parlamentares de partidos como o PSOL poderiam escolher inclusive como
destinar os mais de R$ 20 mil que lhe sobraria aos educadores dos mais
diversos estados. Já que greves hoje não faltam.
Por Simone Ishibashi