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domingo, 30 de novembro de 2014

O mal-estar do neodesenvolvimentismo


14.11.27_Giovanni Alves_Mal estar no neodesenvolvimentismo[Giorgio de Chirico, Orfeo trovatore

O neodesenvolvimentismo é considerado por nós como sendo um novo modo de desenvolvimento capitalista no Brasil apoiado numa frente política composta, por um lado, pela grande burguesia interna constituída pelos grandes grupos industriais tais como as empreiteiras OAS, Odebrecht, Camargo Correia, etc, e os grupos industriais da Friboi, Brazil Foods, Vale, Gerdau, Votorantim, etc e o agronegócio exportador – todos beneficiados pelo aumento das exportações focado numa agressiva politica de financiamento através do BNDES, voltados para promover as empresas e os investimentos brasileiros no exterior; por outro lado, pelas camadas organizadas do proletariado brasileiro (velha classe operária) e setores populares – incluindo o subproletariado pobre, beneficiados pelo crescimento da economia, redução do desemprego aberto e formalização do mercado de trabalho, oferta de crédito para dinamizar o mercado interno; aumento do gasto público e políticas de transferência de renda via programas sociais (Bolsa-família, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos, etc).
A burguesia interna não é burguesia nacional mas sim a grande burguesia brasileira – grandes grupos industriais, que não rompendo com o capital financeiro interacional, manteriam interesses, não apenas no crescimento do mercado interno, mas na política de financiamento da exportação com recursos do BNDES visando inseri-los na concorrência no plano internacional e tráfico de influencia e acesso a recursos do Estado político-oligárquico herdado pelos governos neodesenvolvimentistas.
Diferentemente do velho nacional-desenvolvimento lastreado na burguesia nacional, o neodesenvolvimentismo baseado nos interesses da burguesia interna se resignou à mundialização do capital renunciando, deste modo, ao projeto de desenvolvimento nacional-popular (o neodesenvolvimentismo é o desenvolvimentismo capitalista na era do globalismo sob a dominância do capital financeiro). Entretanto, setores populares da frente do neodesenvolvimentismo apoiam projeto nacional-popular de desenvolvimento digladiando-se com os interesses da burguesia interna no interior da frente política (por exemplo, os governos neodesenvolvimentistas, ao mesmo tempo que contemplam o agronegócio exportador, incrementam uma política de crédito para o pequeno produtor e assentamentos dos sem-terra; ao mesmo tempo que propicia ganhos aos sindicalismo como o aumento do emprego no setor público e privado, oficialização das centrais sindicais, melhoria salarial do funcionalismo público, recuperação do salário-mínimo, aumento da formalização no mercado de trabalho, o governo neodesenvolvimentista preserva os interesses estratégicos de acumulação e exploração da burguesia interna recusando-se a promover uma recuperação dos direitos trabalhistas e sociais corroídos na década neoliberal. Pelo contrário, mantem-se indiferente à ofensiva patronal que ocorre no Congresso Nacional e STF pela disseminação da nova precariedade salarial no Pais.
Ao promover ascensão política da grande burguesia interna em aliança com setores populares – e sem romper com o bloco de poder hegemonizado pelo capital financeiro internacional – Lula criou o que poderíamos considerar um ornitorrinco político – a frente política do neodesenvolvimentismo – sendo tal arquitetura política o próprio espírito do “lulismo”.
Fazendo um balanço dos últimos dez anos de governos Lula e Dilma, percebemos que ocorreu no país um “choque de capitalismo” que, impulsionado pela oferta de crédito e renúncias fiscais em prol dos monopólios, contribuiu, deste modo, para a expansão dos negócios, especulação imobiliária e acumulação do capital, e por conseguinte, a preservação (e ampliação) de formas arcaicas e modernas de degradação do trabalho no Brasil (o neodesenvolvimentismo – como não poderia deixar de ser – traz em seu código genético, traços da “modernização conservadora” que caracteriza as entificações capitalistas hipertardias e dependentes).
A expansão capitalista na era do neodesenvolvimentismo ocorreu no interior da macroestrutura do capitalismo neoliberal hegemônico no plano do mercado mundial – o que explicita os limites do neodesenvolvimentismo. Neodesenvolvimentismo não significa pós-neoliberalismo. Na verdade, neodesenvolvimentismo expõem densas contradições orgânicas no interior da sua frente política, expostas acima, quanto na relação do governo neodesenvolvimentista com o Estado neoliberal (sociedade política e sociedade civil) herdado da ditadura civil-militar e “modernizado” pelos governos neoliberais (1990-2002). A preservação do Estado político-oligárquico adequado ao capitalismo neoliberal contribuiu para que se mantivesse (e ampliasse) a corrupção da coisa pública com tráfico de influencias e propinas nos negócios operados pelas empresas públicas e grupos industriais da burguesia interna. (vida Operação Lava Jato, etc).
Na medida em que o neodesenvolvimentismo promoveu um “choque de capitalismo” no Brasil, implementou-se o toyotismo sistêmico no plano da produção do capital. É o que temos salientado nos últimos anos: a disseminação do espirito do toyotismo nas práticas de gestão da indústria, serviços e inclusive administração público, a exacerbação do fetichismo da mercadoria e as múltiplas alienações que permeiam a vida cotidiana, a crise de sentido e os carecimentos radicais que inquietam camadas médias (e populares) e a adoção do modo de vida just-in-time contribuíram efetivamente para a inquietação social que caracteriza as metrópoles brasileiras e a agudização da crise do trabalho vivo.
Com o “choque de capitalismo” da era do neodesenvolvimentismo, o capital impulsionou o processo de desmonte da pessoa humana nos seus elementos compositivos (subjetividade, alteridade e individualidade). Na era do neodesenvolvimentismo surgiram novas formas de precarização laboral que se articulam com a nova precariedade salarial caracterizada pelas práticas de flexibilização de jornada, remuneração e contratação do trabalho. Nos dez anos de neodesenvolvimentismo, apesar dos indicadores positivos da macroeconomia do trabalho expostos acima, cresceram a rotatividade do trabalho e a prática da terceirização laboral, expondo a formação de um novo e precário mundo do trabalho. A precarização do homem-que-trabalha ou a degradação da pessoa humana se manifesta no crescimento exponencial dos adoecimentos laborais.
O neodesenvolvimentismo nos governos Lula e Dilma tinha como estratégia política, o lulismo que implementou um “reformismo fraco”, evitando o enfrentamento direto não apenas com o grande capital financeiro internacional que hegemoniza o bloco de poder do capital no Brasil, mas também evitando o enfrentamento com a grande burguesia interna que compunha a frente política do neodesenvolvimentismo. O mote do lulismo era o lema “Lula, Paz e Amor” e o lema do governo era “Um Brasil para Todos”. Na verdade, a grande argúcia política do lulismo foi construir uma estratégia política que deslocasse politicamente frações do bloco de poder do capital – a burguesia interna – para seu projeto de governo com apoio de frações da classe trabalhadora organizada e o subproletariado pobre. O lulismo e a arquitetura da frente política do neodesenvolvimentismo tornaram-se o espírito da governabilidade do projeto político de governo conduzido por um Executivo do PT num país capitalista onde a correlação de forças a favor da classe trabalhadora após o dilúvio neoliberal era bastante desfavorável no plano político-institucional.
Entretanto é preciso salientar que o neodesenvolvimentismo da década de 2000 – os governos Lula – beneficiou-se da conjuntura favorável da economia mundial baseada, por exemplo, na bolha financeira e valorização das commodities. Na medida em que a economia brasileira crescia, reduzia-se o conflito redistributivo entre as classes que compunham a própria frente do neodesenvolvimentismo e inclusive, os conflitos redistributivos no interior das classes dominantes que compunham o bloco do poder do capital. Ao mesmo tempo o realinhamento eleitoral do PT que incorporou a base política do subproletariado pobre, deu-lhe impulso político, não apenas para Lula reeleger-se mas depois, eleger a sucessora Dilma Rousseff. Os indicadores positivos da macroeconomia do trabalho na era Lula compuseram os anos dourados do neodesenvolvimentismo em contraste, por exemplo, com os anos de chumbo do neoliberalismo da década de 1990. A última grande performance do neodesenvolvimentismo foi a política macroeconômica adotada como resposta à crise de 2008, alternativa às políticas de austeridade fiscal e monetária exigidas pela direita neoliberal e adotadas na União Européia.
Entretanto, a conjuntura da economia mundial se inverteu na década de 2010. A bolha financeira estourou em 2008 e o preço das commodities despencam no mercado mundial. Esse é o ponto significativo de inflexão da conjuntura que demarcará os limites do neodesenvolvimentismo nos governos Dilma. A crise financeira de 2008 alterou a dinâmica da conjuntura da economia mundial e prolongou-se, com diferentes modulações, na década seguinte, arrastando-se num longo depresso nas economias centrais (tal como a crise de 1929). No núcleo orgânico do sistema mundial do capital, emergiu em 2010, com vigor, a crise da União Européia impulsionada depois pelas medidas de austeridades neoliberais propostas pela Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Européia), atingindo principalmente, os países do sul da Europa, aumentando o desemprego e a pobreza social, desmontando os rudimentos de Welfare State construídos na era dourada do capitalismo central. A juventude altamente escolarizada que trabalha – o precariado – é a parte mais penalizada das políticas neoliberais de austeridade adotadas pelo capital financeiro nos países do sul da Europa. As perspectivas de recuperação da economia européia em 2013 frustraram-se e percebeu-se depois em 2014, sinas de desaceleração – e inclusive recessão – no carro-chefe da economia européia: a Alemanha. Ao mesmo tempo, apesar de ter saído da recessão., a economia norte-americana cresce a taxas medíocres e a economia japonesa não consegue sair da estagnação econômica de longa data. Mas um acontecimento significativo da primeira metade da década de 2010 não é apenas a persistência da crise européia e o crescimento medíocre da economia dos EUA e estagnação no Japão, mas a desaceleração da economia da China com impactos nos ditos países emergentes.
As perspectivas da segunda metade da década de 2010 não são promissoras – pelo contrário, não existem perspectivas de retomada da crise do capitalismo global, colocando dificuldades candentes para o segundo governo Dilma que herdou os limites do neodesenvolvimentismo. Internamente o bloco de poder do capital no Brasil se rearticula na década de 2010 visando não apenas desgastar e implodir a frente política do neodesenvolvimentismo, mas – no interior da própria frente política do neodesenvolvimentismo – a grande burguesia interna busca isolar e derrotar os setores populares no interior da frente política.
Por um lado, o capital financeiro, fração hegemônica do bloco de poder, que faz oposição sistemática à frente política do neodesenvolvimentista desde 2002, encontrou aliados em setores insatisfeitos da grande burguesia interna, que, num cenário de crise internacional, pressionam o governo Dilma para adotar medidas de redução do “custo Brasil”, isto é, desmonte dos direitos trabalhistas (o movimento parlamentar do PSB e do próprio PMDB indicam sinais de corrosão da frente neodesenvolvimentista).
O mal-estar do neodesenvolvimentismo ocorreu, num primeiro momento, em 2012 e 2013 – quando o governo Dilma confrontou diretamente o capital financeiro reduzindo as taxas de juros e utilizando bancos públicos para política de crédito. Naquele momento, a fração do capital financeiro hegemônica na grande mídia e frações insatisfeitas da grande burguesia interna que não conseguiram apoio do governo para implementar a Reforma Trabalhista visando reduzir direitos dos trabalhadores, sitiam o governo Dilma que encontra a partir de 2013, ano pré-eleitoral, um cenário de desgaste midiático por conta da queda do crescimento da economia devido a contenção de investimentos privados – parte do empresariado nacional num cenário de crise mundial recusou-se a investir; pressões inflacionárias, com novos conflitos distributivos entre as classes e camadas de classes; e pressões sociais por parte de camadas médias, órfãs do neodesenvolvimentismo.
As jornadas das ruas de 2013, movimento massivo impulsionado, por um lado, pelos limites do neodesenvolvimentismo, e por outro, enquadrado pela mídia neoliberal hegemônica, compõem o cenário primordial de mal-estar do neodesenvolvimentismo. As demandas sociais postas pelos protestos de rua não poderiam ser satisfeitos por um governo neodesenvolvimentista constrangido pelas contradições orgânicas da frente política e constrangido pela contradição crucial entre governo neodesenvolvimentista e Estado neoliberal. A estratégia política do lulismo construída num cenário macroeconômico favorável para redistribuição de renda sem confrontar o grande capital (década de 2000), torna-se inócuo num cenário de persistente crise econômica mundial e candentes conflitos distributivos entre classes e no interior das classes .Deste modo, as políticas do neodesenvolvismo encontram na metade da década de 2010 um cenário adverso tanto internamente quanto externamente – embora as duas situações se inter-relacionem.
Por um lado, o aprofundamento da crise do capitalismo global com a desaceleração da China, acompanhada pela desaceleração da economia alemã. No centro capitalista, pressões deflacionárias se contrastam com pressões inflacionárias no Brasil que obrigam o governo a aumentar os juros para contê-las num cenário de desaceleração da economia. Apesar do baixo crescimento, o governo Dilma mantém o gasto público com programas sociais, incomodando os setores da ortodoxia neoliberal não apenas ligados ao capital financeiro mas a grande burguesia interna que exige o ajuste fiscal. A dificuldade de fechar as contas do governo em 2014 expõem as dificuldades de manter as políticas do neodesenvolvimentismo que beneficiaram as camadas populares e ameaçam romper a frente política entre grande burguesia interna e camadas populares.
A corrosão da frente política do neodesenvolvimento em 2014 se explicita tanto no plano do processo sucessório – as últimas eleições para Presidência da República – quanto na própria governabilidade. No plano social, os limites do neodesenvolvimentismo se explicitam pelo menos desde 2013 com a pressão das ruas por reformas sociais. O governo, refém de suas contradições, constrangido pelo Estado neoliberal – e sendo ele próprio artífice do ornitorrinco político (a frente politica do neodesenvolvimentismo), proclama, como palavra de ordem, a Reforma Política visando desatar o nó gordão da governabilidade espúria. Na verdade, para que ocorram as reformas sociais necessárias para a democratização do Brasil torna-se necessária uma nova institucionalidade política capaz de representar efetivamente a vontade popular. Entretanto, o desejo do governo – pelo menos de parte dele, ligado ao setores mais avançados do PT – implica confrontar-se com os pilares da frente neodesenvolvimentista que contém larga representação de frações das classes dominantes do bloco de poder do capital.
As eleições de 2014 significaram no plano da governabilidade maiores dificuldades para o governo neodesenvolvimentista. Por um lado, um Congresso mais conservador resiste a reforma política capaz de representar a vontade popular. Por outro lado, num cenário de desaceleração e inclusive recessão econômica, o projeto de desenvolvimento com inclusão social não se sustenta. Crescer a economia tornou-se a única saída para preservar a frente do neodesenvolvimentismo. Ao mesmo tempo, crescem no interior da própria frente política hegemonizada pela grande burguesia interna, pressões para o governo Dilma adotar a agenda neoliberal que coloca como pressuposto da retomada da economia, um profundo ajuste fiscal que penaliza programas sociais e direitos dos trabalhadores.
A pressão pela agenda ortodoxa não é só da burguesia rentista mas de parcelas da burguesia interna que num cenário de aprofundamento da crise mundial, prepara uma ofensiva contra os direito dos trabalhadores no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal, por exemplo, aprovando projetos de lei da terceirização ampla e irrestrita. A alta corte constitucional no Brasil tornou-se a ferramenta da precarização do trabalho no Brasil vilipendiando a Justiça do Trabalho.
Portanto, no caso do Brasil, a explicitação dos limites do neodesenvolvimentismo leva a um profundo mal-estar social e político, colocando dificuldades candentes para o último governo Dilma, impondo-se, mais do que nunca, a pauta da construção de uma nova frente política hegemonizada pela esquerda capaz de mobilizar a sociedade brasileira e isolar as forças conservadoras e reacionárias no plano institucional. No plano da governabilidade, as imensas dificuldades exigem um salto de qualidade de intervenção política do PT, não apenas no Congresso Nacional, mas principalmente na sociedade civil, onde se dará efetivamente o embate pela preservação da democracia e conquistas populares da era do neodesenvolvimentismo e ampliação para além do próprio neodesenvolvimentismo da satisfação das necessidades sociais. A pauta da Reforma Política com constituinte exclusiva é o sine qua non para todas as reformas necessárias para democratizar o Estado e a sociedade brasileira. Inclusive, sem Reforma Política capaz de resgatar a representação da vontade popular no Congresso Nacional, a democratização dos meios de comunicação de massa não ocorrerá – como não ocorreu nos últimos dez anos de Lula e Dilma.
Entretanto, num cenário de crise da economia, caso o Brasil não cresça capaz de permitir a inclusão social e a redistribuição de renda sem confrontar os interesses do grande capital, a disputa política e a luta de classes podem tornar-se uma tarefa política inglória para setores populares num país onde não existem organizações de massa e direção política de esquerda capaz de hegemonizar o processo social. Como ocorreu em junho de 2013, num cenário de inquietação social e campanha midiática voraz, a direita deve pautar o movimento visando derrubar o governo antes mesmo do pleito de 2018.


***


Giovanni Alves é doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e professor da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com bolsa-produtividade em pesquisa e coordenador da Rede de Estudos do Trabalho (RET), do Projeto Tela Crítica e outros núcleos de pesquisa reunidos em seu site giovannialves.org. É autor de vários livros e artigos sobre o tema trabalho e sociabilidade, entre os quais O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo (Boitempo Editorial, 2000) e Trabalho e subjetividade: O espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório (Boitempo Editorial, 2011).

sábado, 29 de novembro de 2014

CAMPANHA SALARIAL 2014

"TODOS OS TRABALHADORES DO JUCIÁRIO ESTADUAL JUNTOS NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO."

                                           DIA 02 DE DEZEMBRO DE 2014 NA ALESP
Aprovação dos Projetos de Lei Complementares de interesse da categoria:
06-2013: criação de cargos de assistentes sociais e psicólogos
30-2013: reposição de 10,55% nos vencimentos dos servidores;
56-2013: nível universtiário para os oficiais de justiça;
12-2014: transformação dos cargos de agentes administrativos em escreventes;

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A SAÚDE DO TRABALHADOR DO JUDICIÁRIO ESTADUAL

 Na noite do dia 24 de novembro, na livraria Cortez, Perdizes, São Paulo, ocorreu o lançamento do livro "Trabalho e Saúde no Tribunal de Justiça de São Paulo - Repercussões na vida de seus trabalhadores" de autoria de Edith Seligmann-Silva (consultora e psiquiatra), uma das autoras - Agda Aparecida Delia (pesquisadora e socióloga), uma iniciativa das entidades AASPTJ-SP, ASSOJUBS, ASSOJURIS e AFFOCOS. Contou com a presença da Prof. Edith (Agda não pode comparecer por motivo de saúde) que explanou o árduo trabalho de pesquisa e os resultados. Teve a presença da Assojubs por Alexandre dos Santos (Presidente), Silvio Realle (tesoureiro) e Rosângela dos Santos (Secretária Geral), o Sintrajus pelos diretores Michel Iorio Gonçalves (coordenador geral), Adelson P. Gaspar (finanças) e Gisele Alonso (Secretária Geral), a AASPTJ-SP por Elisabete Borgianni (Presidente), Eduardo Campos Neves (primeiro secretário), a Affocos por Maurício Carlos Queiroz (Presidente), e representates da Assojuris e AOJESP. O TJ-SP estava representado pelo Secretário de Saúde Tarcísio dos Santos. O Sintrajus usou a oportunidade para demonstrar a preocupação que hoje aflige categoria que muitas vezes impede o trabalhador de se licenciar para tratar de sua saúde, uma vez que será descontado de seus auxílios alimentação e transporte. Fotos: Camila Marques/ASSOJUBS.



domingo, 23 de novembro de 2014

‘Esperamos que o governo avance um novo marco regulatório para as comunicações’


Correio da Cidadania


Para muitos, é tão óbvio quanto angustiante: a mídia empresarial brasileira é dominada por monopólios consolidados na época da ditadura militar e não representa qualquer esboço de democratização das comunicações. Apesar das mídias ditas alternativas, a diversidade de opinião nos grandes meios de comunicação é inferior à dos anos 50 do século passado. Além disso, a falta de vez e voz das maiorias é dramatizada por um vazio jurídico pouco conhecido do público. Isso sim, devidamente censurado do noticiário.

“Enquanto a imensa maioria do espectro radiofônico é controlada por grupos empresariais que visam o lucro, ao contrário de vários países, o Brasil não tem um forte sistema público de comunicação. As emissoras comunitárias carecem de apoio estrutural e financiamento, quando não são altamente criminalizadas. O acesso à internet no Brasil ainda é excludente para metade da população. Portanto, vivemos um quadro em que o exercício da liberdade de expressão é praticado por quem detém o controle da propriedade dos meios, e não pela sociedade em geral”, resumiu a jornalista Bia Barbosa, em entrevista ao Correio da Cidadania.

Na entrevista, a jornalista se vale da postura de diversos veículos nas eleições, de modo a deixar claro que tais grupos de mídia têm imensos interesses políticos e econômicos refletidos em seus conteúdos. “Acredito que os meios de comunicação ‘têm lado’ na disputa de um projeto de país. Tal lado, em períodos eleitorais, fica muito mais claro. O aspecto positivo é que, felizmente, uma parcela crescente da sociedade começa a se dar conta disso. Nesse caso, nem se trata de julgar se são conteúdos verdadeiros ou mentirosos”.

Barbosa comenta ainda diversos pontos a serem contemplados por um Projeto de Lei da Mídia Democrática, desenvolvido pelos diversos grupos que compõem o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e que visa, antes de tudo, regulamentar artigos constitucionais até hoje hibernados. No entanto, “não tenho perspectiva, e creio que essa seja a leitura mais comum do movimento pela democratização da mídia, de que haverá uma radical transformação no cenário no segundo governo Dilma”, pontuou Bia Barbosa.

Correio da Cidadania: Como analisa o atual cenário das comunicações no Brasil, especialmente no que diz respeito à sua propriedade, aos conceitos de liberdade de imprensa e expressão e à regulamentação da mesma?

Bia Barbosa: O cenário brasileiro das comunicações pode ser bem caracterizado pela grande concentração da propriedade. Enquanto a imensa maioria do espectro radiofônico (rádios e TVs) é controlada por grupos empresariais que visam o lucro, ao contrário de vários países, o Brasil não tem um forte sistema público de comunicação. As emissoras comunitárias carecem de apoio estrutural e financiamento, quando não são altamente criminalizadas. O acesso à internet no Brasil ainda é excludente para metade da população, que não pode ser considerada usuária da rede mundial de computadores.

Portanto, vivemos um quadro em que o exercício da liberdade de expressão é praticado por quem detém o controle da propriedade dos meios, e não pela sociedade em geral. Esse desafio nos coloca uma demanda muito grande de mobilização pra enfrentarmos a conjuntura e transformar o cenário midiático brasileiro.

Sabemos do enorme poder político e econômico das empresas de comunicação. Enfrentá-lo, para garantir que o poder público tenha vontade política de democratizar a voz e a liberdade de expressão, é algo que requer uma organização e mobilização muito grandes da sociedade civil. E é nesse sentido que temos trabalhado. O Intervozes é só um dos grupos que faz a luta, ao lado do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e centenas de outras entidades que têm essa luta como prioritária.

Correio da Cidadania: Qual a sua opinião quanto ao comportamento da mídia nos últimos anos, especialmente nas gestões petistas e no mandato de Dilma Rousseff, no que se refere a este contexto analisado?

Bia Barbosa: Acredito que os meios de comunicação “têm lado” na disputa de um projeto de país. Isso tem ficado cada vez mais claro ao menos em uma parcela da chamada grande mídia. Tal lado, em períodos eleitorais, fica muito mais claro. Vimos o comportamento dos grandes veículos no processo eleitoral, principalmente no segundo turno das eleições, mas é algo que se manifesta cotidianamente. Não só na eleição, mas nos grandes temas que envolvem o futuro da nação e os direitos da cidadania em geral.

O aspecto positivo é que, felizmente, uma parcela crescente da sociedade começa a se dar conta disso. E a entender que o conteúdo veiculado em tais meios é feito a partir de opções político-ideológicas deles mesmos. Nesse caso, nem se trata de julgar se são conteúdos verdadeiros ou mentirosos. Mas o simples fato de a população conseguir entender que há opções claras por trás das escolhas editorais, com defesas ou críticas a projetos, já faz com que telespectadores, ouvintes e leitores tenham uma postura mais crítica e autônoma em relação ao que tais veículos publicam, sem achar que ali constam verdades absolutas e inquestionáveis.

É claro que ainda temos desafios muito grandes. A televisão, em especial, tem um poder muito grande na formação da opinião pública nacional, mas avançamos cada vez mais no sentido da compreensão das pessoas sobre o papel dos meios de comunicação, entendendo suas escolhas e linhas editoriais, o que permite uma leitura mais crítica desses veículos.

Correio da Cidadania: Acredita que o novo mandato de Dilma possa avançar um processo de radical democratização da mídia, é possível ter otimismo quanto a isso?

Bia Barbosa: Temos de ser otimistas, se não, desistimos de lutar. Mas não tenho perspectiva, e creio que essa seja a leitura mais comum do movimento pela democratização da mídia, de que haverá uma radical transformação no cenário. Saudamos a presidente Dilma quando diz que pretende abrir debate com a sociedade sobre a necessidade de fazer a regulação dos meios de comunicação.

É importante para desmistificar a ideia de que qualquer regulação é censura, como propagandeiam diariamente os meios de comunicação, que não querem, justamente, a democratização do setor. Com isso, colocam na cabeça das pessoas que a regulação poderia cercear a liberdade de expressão no país, o que não é verdade.

Assim, temos expectativa de que as declarações da presidente, tanto no segundo turno como nas entrevistas após o resultado eleitoral (ao dizer que o setor das comunicações, assim como outros, a exemplo da economia, precisa ser regulado, a fim de enfrentar a concentração da propriedade, quebrar monopólios, garantir uma diversidade maior de vozes no espaço midiático), se tornem ações concretas. E que, de fato, seja aberto o debate com a sociedade sobre a necessidade de um novo marco regulatório para as comunicações.

Do nosso ponto de vista, dos movimentos sociais, cobraremos que tal agenda seja realmente implementada. O que não pode continuar acontecendo é, depois de 12 anos de governo de esquerda no país, o debate seguir interditado. Não temos expectativa de que a questão, delicada e polêmica, se resolverá em quatro anos. Mas pelo menos o debate tem de ser aberto.

Correio da Cidadania: Quais medidas seriam, em sua opinião, essenciais a caminho dessa democratização? Como, por exemplo, a ideia de propriedade pública entra nesse contexto?

Bia Barbosa: O movimento social tem um conjunto de demandas já construído, a partir das resoluções da primeira Conferência Nacional das Comunicações, em 2009, que foram sistematizadas em torno de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, o Projeto da Mídia Democrática. Esse projeto, para o qual coletamos assinaturas em todo o país, prevê, em primeiro lugar, a regulamentação dos artigos da Constituição Federal que tratam da comunicação, desde o que proíbe o monopólio até os que preveem a garantia do direito de resposta, o incentivo à produção independente e regional, a complementaridade entre os sistemas públicos, privados e estatais. Todos esses artigos carecem de leis específicas, o que faz com que sigam valendo como princípios constitucionais, mas não sejam implementados na prática.

Nosso Projeto de Lei da Mídia Democrática também avança em outras questões, como a importância de garantir a diversidade da representação étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de respeito às pessoas com deficiência nos meios de massa etc. Defende mecanismos de proteção aos direitos das crianças e adolescentes na mídia, fala da importância de políticas públicas que incentivem a radiodifusão comunitária...

Enfim, trata-se de um conjunto de propostas que convidamos todos a conhecer. Também está no site Para Expressar a Liberdade, que sintetiza uma série de questões fundamentais de garantia do direito à comunicação no Brasil.

Correio da Cidadania: Finalmente, o que pode nos contar do seminário promovido pelo Fórum Nacional de Democratização das Comunicações e as atividades que se seguirão na Câmara dos Deputados?

Bia Barbosa: O seminário realizado pelo FNDC foi preparatório para o Fórum Brasil de Comunicação Pública, que ocorreu na Câmara e reuniu diferentes atores do campo público. Emissoras de rádio e TV, legislativas, públicas, comunitárias, universitárias e educativas, têm uma série de desafios a enfrentar para a consolidação do campo público da comunicação brasileira.

Nos últimos anos, tais entidades estavam desarticuladas, sem espaço de diálogo para construir estratégias comuns de ação. E como sabemos que o campo privado e comercial é muito forte e organizado, a garantia de espaço para o campo público requer muita articulação e mobilização. O que tentamos construir no Fórum é justamente isso, para pensarmos estratégias comuns. Foram mais de 300 pessoas participando e pode-se encontrar tudo no site e no canal de TV da Câmara.


 Escrito por Gabriel Brito e Paulo Silva Junior


terça-feira, 18 de novembro de 2014

XI ENCONTRO ESTADUAL DA CCM-IAMSPE


XI ENCONTRO ESTADUAL DA CCM-IAMSPE
Nos dias 17 e 18 de novembro, ocorreu o Encontro anual da CCM-IAMSPE,com o apoio da Frente Parlamentar em Defesa do Iamspe da Alesp e a pedido do deputado estadual Marcos Martins (PT), que contou com a presença dos diretores do Sintrajus Michel Iorio Gonçalves (Coordenador Geral) e Gisele Alonso (Secretária Geral), Rosângela dos Santos,Secretária Geral da Assojubs, CCM Regional IAMSPE, Prof. Guilherme Nascimento, CAPESP, CCM Regional IAMSPE e representando a CCM - Município de Cubatão - a Presidente Gisele Alonso (já mencionada) e José Ailton Gomes (Secretário) do Sifuspesp. Na parte da manhã do primeiro dia houve uma solenidade em homenagem aos 30 anos da CCM-IAMSPE, durante a solenidade houve uma homenagem aos ex-presidentes Prof. Décio Grisi, Prof. Osvaldo Pio Soares, Profa. Juracy Pereira Loconte (in memoriam), Profa. Maria Walneide Ribeiro de Oliveira Romano, Profa. Maria Antonia de Oliveira Vedovato, Prof. Marcos Francisco Alves. Houve pronunciamento dos deputados Arnaldo Faria de Sá (PDT), Major Olimpio (PDT), Carlos Giannazi (PSOL) e Marco Aurélio de Souza (PT) - Vice-Presidente da Frente Parlamentar em Defesa do IAMSPE e o Secretário de Gestão Pública Estadual Waldemir Aparício Caputo e Latif Abrão Júnio, Superintendente do IAMSPE. A mesa foi presidida pelo Presidente da CCM-IAMSPE Estadual Sylvio Micelli (Assetej). Na parte da tarde as palestras: "Posturas para o paciente com sequela de AVC e outras doenças neurológicas" apresentada pelo Dr. Fernando Campos Gomes Pinto, escritor e neurologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP – HCFMUSP – Participante efetivo do programa Encontro com Fátima Bernardes e Cintia Lessa Lima Cancellier, escritora e fisioterapeuta do Hospital do Servidor Público Estadual – Francisco Morato de Oliveira. "Serviço de Buco-Maxilo Facial do HSPE. Saiba como usar mais este serviço" apresentada pelo Prof. Dr. Fernando Regioli, Cirurgião-Dentista do Hospital do Servidor Público Estadual – Francisco Morato de Oliveira. 
No segundo dia as palestras "A Integridade do Servidor Público com foco na Preparação para Aposentadoria" – Programa Nova Etapa da Afpesp
apresentado pela Profa. Dra. Thais Helena Costa, Vice-Presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP) e "Uma avaliação da gestão do IAMSPE – 2008/2014" apresentada pelo Dr. Latif Abrão Júnior, Superintendente do IAMSPE. Após a última palestra, foi dada a palavra aos presentes que por parte dos delegados da Baixada Santista fizeram críticas à gestão pela falta de um pronto atendimento e a precariedade no atendimento dos convênios. Foi exigido como única saída para a Baixada Santista, tendo em vista os Hospitais da região possuírem seus próprios planos de saúde, uma unidade própria do IAMSPE de pronto atendimento.









Radicalizar a democracia para vencer a barbárie


jurista


Por Rosângela Bion de Assis, para Desacato.info


Dias 27, 28, 29 e 30 de outubro, o Instituto de Pesquisas e Estudos Jurídicos e Culturais (IPEJ) realizou o “I Congresso Internacional de Direitos Humanos – Barbárie ou Civilização? Os 23 anos do Movimento Direito Alternativo”, na Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis, mantida pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (Cesusc), em Florianópolis. Professores, advogados, juristas e pesquisadores, alguns conhecidos mundialmente, falaram e debateram durante conferências, palestras, debates e oficinas, filmes e exposições. Foram dias intensos, de questionamentos profundos.
Baltazar Garzón, jurista espanhol, conhecido mundialmente ao emitir uma ordem de prisão em desfavor do ex-presidente do Chile, Augusto Pinochet, pela morte e tortura de cidadãos espanhóis, proferiu a palestra de abertura do evento. Para ele, a atual crise na Espanha tem origem na não apuração dos crimes praticados pela ditadura franquista. Garzón defendeu o processo de apuração, punição e reconhecimento dos direitos dos violentados pelas ditaduras militares, como passo fundamental para a consolidação da democracia. Sem isso, as instituições democráticas perdem a credibilidade.
O jurista espanhol afirmou que não há como promover a justiça total, já que cerca de 2/3 dos casos ficam sem solução, mas é possível investigar e esclarecer quem financiou o golpe e quem se beneficiou com ele. Garzón, citou a Argentina como o país que mais avançou nesse rumo, com mais de 1.000 processados. Ele também apontou a importância da apuração do papel da imprensa nessas ditaduras, já que empresas se beneficiaram enormemente em troca de benefícios.

Discurso de inclusão, realidade de exclusão
Na palestra, “Teorias Críticas e Educação em Direitos Humanos”, realizada dia 28 de outubro, pela manhã, Cristiane Derani, Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo e Pós-douturado na Ecole des Hautes Etudes em Sciences Sociales, Paris, falou sobre os efeitos das mudanças climáticas no mundo, com a perda do enraizamento cultural e de origem de países inteiros. A elevação do nível do mar põe em risco a existência de países pela perda do território. Derani questionou o que será feito da população das ilhas do pacífico. Povos tradicionais, cujo vínculo com a terra extrapola questões meramente econômicas e impossibilita a simples relocação. Para eles a terra tem o mesmo significado que placenta para o bebê. Ou seja, a perda terra seria a perda do próprio ser.
Ainda na mesa que abordou as “Teorias Críticas e Educação em Direitos Humanos”, David Sanchez Rúbio, professor de filosofia do direito na Universidade de Sevilha-EPS, co-diretor do Programa de Doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento  da UPO-ESP, afirmou que 3/4 da humanidade não tem seus direitos reconhecidos e que somente 0,1% dos direitos sejam resolvidos judicialmente. Para ele, o discurso é de inclusão num território de exclusão, resultando que os Direitos Humanos sejam um privilégio não usufruído por grande parte da humanidade.
Para Rúbio, no Ocidente, o Direito não tem sensibilidade pelos Direitos Humanos; não existe cultura, nem jurídica, nem não jurídica, é uma cultura minimalista, de efeitos restritos, impedindo a transformação da sociedade. Ele citou que o homem, branco, proprietário, heterossexual burguês é considerado superior à mulher negra, ou pessoas de outras etnias.
O professor defendeu que as ações em defesa dos Direitos Humanos não fiquem restritas aos órgãos públicos, desempoderando todos os demais. “Os Direitos Humanos só aparecem quando são violados. O que acontece antes?” Ele valorizou as práticas que impeçam que eles sejam violados: “a pessoa pública e privada ativista e cotidianista na luta pelos Direitos Humanos, no contexto familiar e no trabalho, que não deixa somente na mão do governo e das instituições públicas”.

Jornalistas mortos e privilégios mantidos
Ainda na manhã do dia 28 de outubro, na palestra “Direitos Humanos e Processos de Luta, Diálogos desde o Pensamento Crítico”, Luiz Fernando Coelho, doutor em Ciências Humanas e livre docência em filosofia do direito pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), especialista em Direito Comparado, abordou a teoria crítica do Direito, que converge para repensar todas as teorias críticas para uma visão holística, para acompanhar o avanço da ciência e da tecnologia. Ele defendeu que os Direitos Humanos sejam incorporados aos Direitos Fundamentais como cláusulas pétreas.
Nessa mesma palestra, Manuel Eugenio Carballido, professor dedicado a educação popular na Venezuela, membro da red de apoyo por la Justicia y la paz, professor  de teoria tradicional e teoria crítica de direitos humanos da Universidade Pablo de Olavide de Sevilla, apontou exemplos em  que  barbárie se apresenta como civilização e se apropria do discurso dos Direitos Humanos. Para ele, o direito da propriedade privada está no centro do discurso dos Direitos Humanos. “Os donos dos meios de comunicação se utilizam do discurso da liberdade de imprensa para manter seus privilégios, mas esse discurso não serve para impedir que jornalistas morram, como em Honduras, onde 30 já morreram, citou Carballido.
O professor Venezuelano falou que o capitalismo globalizado se apropriou do discurso dos Direitos Humanos, e que os setores sociais precisam se aproriar e reinventar os Direitos Humanos. “É uma tragédia que um homem branco, hetero, proprietário católico não seja igual a uma mulher, negra, sem bens. Deveria ser.”
Para Carballido, o capitalismo gera uma forma de compreender a vida e é preciso criar alternativas. “Estamos vivendo uma crise civilizatória, as pessoas está confundindo liberdade com liberdade de consumir. Temos o desafio de realizar um diálogo intercultural afetivo, não é só um desafio político. Temos que recuperar a capacidade da utopia.” Usando a expressão citada pelo palestrante, suas palavras foram para os presentes “uma injeção de energia revolucionária”.

A reprodução da barbárie
Ainda na palestra “Direitos Humanos e Processos de Luta, Diálogos desde o Pensamento Crítico”, Edmundo Lima de Arruda Jr., doutorado em Sociologia – Université Catholique de Louvain, pós-doutorado em Sociologia Política na Universitè Paris 8 Saint Denis e pós-doutorado em Sociologia na Universitè Paris X Nanterre, abordou o leque cada vez maior de interesses em busca de reconhecimento. Arruda defendeu que o movimento pelos Direitos Humanos repense suas contribuições para a reprodução da barbárie. Ele citou os mil chineses assassinados por ano, por pena de morte. “A primeira potência do mundo, desrespeita totalmente os Direitos Humanos”.
No dia 29 de outubro, na Palestra que tratou dos “Fluxos Migratórios Forçados e Fórmulas de Interdições Humanitárias”, Virgínius Lianza da Franca, doutor em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), falou dos 630 haitianos que vieram para o Brasil, percorrendo 8.300km a pé, atravessando 16 países, fugindo de uma grave crise econômica. Ele citou os instrumentos legais que estão sendo construídos para oferecer refúgio para as 82 nacionalidades que existem no Brasil.
Também na manhã do dia 29, que palestra que abordou “Magistratura, Psicanálise e Direitos Humanos”, Alexandre Moraes da Rosa, juiz de direito do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, doutor em direito pela UFPR, com estágio de pós-doutoramento em Direito ( Faculdade de Direito de Coimbra e Unisinos), falou da paranóia do juiz contemporâneo. Para ele, a presença da matriz religiosa na elaboração do pensamento não se desfaz da noite para o dia. O juiz afirmou que hoje estagiário faz sentença, “nós temos a ilusão de que as decisões judiciais acontecem pela razão, mas não passa de uma ilusão”.

Somos todos potenciais agressores
Nessa mesma palestra, Lédio Rosa de Andrade, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul e da Associação dos Juízes para a Democracia, citou que seria mais correto falar de direitos fundamentais já todos os direitos são humanos, mas alertou: “Todos somos potenciais agressores dos direitos humanos”.
Lédio afirmou que o Brasil tem hoje uma magistratura jovem, adoecida, deprimida, decorando um conteúdo inútil para a prova que depois nunca mais utilizarão, trabalhando num país injusto onde não se pode fazer justiça.
Também na mesa “Magistratura, Psicanálise e Direitos Humanos”, Roberto Aguiar, advogado, foi secretário de Segurança Pública no Distrito Federal e no Rio de Janeiro, professor na Universidade de Brasília (UnB) afirmou que o Direito não tem mais relação com o mundo de hoje. Para ele, a retórica jurídica é feita pra afastar as pessoas, é uma retórica sem sentido, uma linguagem feita para o povo não entender, para esconder do povo. “O juiz não é neutro, é conservador e antigo e Direito é poder de coerção orientado pelo Estado”.
Aguiar que já publicou mais de 40 obras, entre livros e artigos, afirmou que “vamos chegar ao ponto do orgasmo eletrônico e não vemos que isso é uma forma de dominação!”.  Ele denunciou que empresas americanas estão comprando escolas brasileiras e isso põe em risco a existência do pensamento crítico nas estruturas educacionais do país.  O professor também falou do mito do Brasíl pacífico e sem preconceito: “esse mito precisa ser destruído, vivemos num país tenso.”

Dormir e sonhar é fundamental
Na manhã do dia 30 de outubro, que aborou as “Ações e Perspectivas para Efetividade dos Direitos Humanos”, Willis Santiago Guerra Filho, mestre em direito pela Pontifícia Universidade Católica de são Paulo, doutorado em Ciência do Direito, Universität Bielefeld, Alemanha e em Filosofia (IFCS-UFRJ), citou que a ditadura militar adotou a tortura como prática de governo, era uma repressão jurisdicizada que tirou a vida de pessoas da pior maneira possível. “Como eu pude me iludir que o Supremo Tribunal Federal da ditadura militar iria interpretar a Constituição de forma democrática? Que seria possível desvincular Direito de política?” Para Willis é preciso reformar as instituições, como o Tribunal Superior do Trabalho.  “Tem ministro do Supremo admitindo que  a prisões brasileiras não garantem a dignidade humana. E falam como se não tivessem nada a ver com isso”.
O palestrante defendeu a reforma política, que não está na pauta. Para ele, é preciso ouvir o titular maior do poder, o povo. Estamos caminhando para a barbárie da civilização da razão, ou barbárie tecnologizada.
Willis chamou a atenção para a expoliação do tempo, para a subtração do tempo. “Hoje até o festejo também é trabalho, monetarizaram inclusive o carnaval. Em qualquer época do ano é possível festejar um carnaval. A festa da farsa é a farsa da festa.” Ele afirmou que estamos sendo os grandes violadores dos nossos Direitos Humanos e sequer nos damos conta. “Não sei o que fazer para nos alertar de que dormir e sonhar é fundamental!”, concluiu.

Radicalizar a democracia para vencer a intolerância
Ainda na manhã do dia 30, a palestra sobre “O Mundo do Trabalho e os Direitos Humanos”, Leonardo Wandelli, doutor em direitos humanos e Cidadania pela UFPR, diploma de Estudios Avanzados em Derechos Humanos y Desarollo pela Universidad  Pablo Olavide de Sevilha, Juiz do Trabalho da 9 Região, falou que a modernidade nos ensinou a separar o tempo do trabalho do tempo da vida, como se o tempo de trabalho fosse um tempo de não vida. Ele defendeu que o tempo do trabalho seja dedicado ao exercício dos direitos fundamentais, pois junto com a precarização da compra e venda da força de trabalho vem a precarização da vida. “Há uma epidemia de adoecimento físico e psíquico no ambiente de trabalho”, alertou.
Wandelli afirmou que as pessoas trabalham para o outros, com os outros, sobre as coisas do mundo e sobre si. “É auto realizar-se. É uma boa missão para os profissionais do direito”, defendeu.
Também nesta mesa, Sérgio Servulo da Cunha, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), representante da AOB nacional no Movimento pela Ética na Política o no Fórum Nacional contra a Violência no Campo, defendeu que “que o tempo de intolerância seja suplantado pela fraternidade e pela radicalização da democracia, que é o maior antídoto da intolerância.”
Para o palestrante, no direito do trabalho há um ponto de partida: a união dos trabalhadores; e um ponto de chegada: a melhoria das condições de trabalho. “O que temos em relação aos Direitos Humanos no mundo do trabalho foi construído com sangue, suor e lágrimas. Nada foi agraciado pelos patrões.”
Sérgio Servulo da Cunha  afirmou que a representação eleita no congresso aprofunda o conservadorismo e o patrimonialismo. As eleições sinalizaram que o Brasil precisa radicalizar na democracia e no diálogo, principalmente no mundo do trabalho. Ele apontou que as taxas de filiação aos partidos políticos no Brasil são baixas, em 2012, cerca de 10%. “As pessoas não querem debater e participar e isso tem consequências em todas as instâncias da sociedade.”

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Organizando a indignação


14.11.10_Ruy Braga_Podemos



Por Ruy Braga.
Que el miedo cambie de bando,
Que el precariado se haga visible,
Que no se olviden de tu alegría.
Ismael Serrano, La Llamada


Os sismos causados pelo movimento dos Indignados espanhóis ameaçam se transformar em um terremoto político devastador para o neoliberalismo. De acordo com uma pesquisa eleitoral divulgada na última semana pelo jornal El País, o Podemos, partido recém-criado pela aliança entre o jovem precariado espanhol e intelectuais de esquerda, alcançou 28% das intenções de voto para as eleições legislativas de novembro de 2015. Este resultado coloca-o dois pontos à frente do oposicionista Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e oito adiante do Partido Popular (PP) do atual primeiro-ministro, o conservador Mariano Rajoy. Apenas para efeitos comparativos, nas eleições legislativas de maio de 2011, o PP havia conquistado 45% dos votos…

Herdeiro da auto-mobilização da juventude e dos trabalhadores precarizados, o Podemos coroa a indignação social de toda uma geração de jovens espanhóis que, apesar de seus diplomas, agoniza entre o subemprego e a exclusão social. Apoiando-se na crítica a um sistema plasmado por políticas austeritárias impostas pela Troika (isto é, a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu), os Indignados insurgiram-se contra o regime bipartidário (PP/PSOE) que há trinta e dois anos domina o país. E conquistaram uma rara vitória organizativa por meio de um modelo de ação coletiva cujo eixo gravita em torno da ocupação de espaços públicos e da organização de assembleias populares.

Além de potencializar a defesa radical dos direitos sociais da cidadania sob fogo cerrado da Troika, este método favoreceu a resistência às formas tradicionais de cooptação política. Mesmo quando certa desmobilização abateu-se sobre a onda de ocupações iniciada em 15 de maio de 2011, o movimento soube se reaglutinar em torno de coletivos dedicados a inúmeros temas sociais aos quais se somaram intelectuais e ativistas da Esquerda Anticapitalista (um pequeno agrupamento de origem trotskista). Estavam lançadas as bases de um projeto cujos 8% dos votos na eleição europeia de 11 de março deste ano já haviam surpreendido muita gente.

Tendo em vista a composição social do movimento, não é estranho que suas lideranças sejam cientistas sociais da Universidade Complutense de Madri, tais como Pablo Iglesias, recém-eleito deputado europeu, e Íñigo Errejón, coordenador-geral da campanha do partido para o parlamento europeu. Da crise de financiamento das universidades às condições degradantes do mercado de trabalho, uma geração de estudantes que trabalham e trabalhadores que estudam tem estimulado o diálogo das ciências sociais com públicos extra-acadêmicos.

Assim, reflexões sociológicas acerca da ação coletiva pós-nacional (Iglesias) ou da luta pela hegemonia na América Latina contemporânea (Errejón), por exemplo, tanto alimentam a crítica ao totalitarismo econômico imposto pela Troika, quanto advertem para os estreitos limites participativos da democracia representativa. Não por outra razão, um reconhecido líder do Podemos, também professor de sociologia da Universidade Complutense de Madri, Juan Carlos Monedero, afirmou recentemente:

“[Antonio] Gramsci dizia que os tempos de crise são tempos em que o velho ainda não morreu e o novo ainda não nasceu. As instituições vinculadas à Constituição espanhola de 1978 estão aí, mas já não funcionam e as novas instituições estão por construir. [...]. A conclusão é que o esgotamento da democracia representativa, a perda de credibilidade de uns políticos que se converteram em burocratas do neoliberalismo, transformou-se na necessidade de inventar novas soluções. Era preciso gente que viesse de fora da política, de fora do sistema, que tivesse a sua profissão e que falasse uma linguagem que as pessoas entendessem. [...] Não viemos do nada. Viemos de muitas lutas, de muita participação em diferentes movimentos sociais. Também de partidos. E estamos num momento histórico em que, como diz o meu mestre, Boaventura de Sousa Santos, é muito importante pensar de outra maneira para que seja possível construir de outra maneira. É preciso romper o marco político em que entregamos aos especialistas a gestão do político, porque os cidadãos perdem a possibilidade de controlar as metas coletivas. [...]. Há que romper a hegemonia de um modelo capitalista que nos transforma a todos em mercadoria e que mede a vida em termos de rentabilidade. [...]. Costumo dizer que vivemos tempos em que precisamos de um ‘leninismo amável’. [...]. [Necessitamos de] um leninismo que enfrente o que chamamos a ‘casta’ [financeira] de uma maneira dialogada e deliberativa. Somos uma força que conjuga uma altíssima participação popular com a capacidade de decisão popular.”
Maria João Morais e Filipe Pacheco. “Número dois do Podemos diz que ‘linha que separa direita da esquerda esgotou-se’”. Jornal de Notícias, Lisboa, 4 nov. 2014.
 
Muitos dirão que o Podemos não advoga uma saída socialista para a crise europeia. O “Documento final do programa colaborativo” elaborado em assembleias cidadãs que atraíram milhares de ativistas ano passado é, na verdade, uma agenda para a democratização do Estado social de direitos. Além de várias concessões à pequena propriedade, as medidas econômicas apresentadas são de natureza socialdemocrata, concentrando-se na criação de empregos por meio da redução da jornada de trabalho, na regulação social das empresas públicas, na democratização do Banco Central Europeu e no reforço à proteção trabalhista.

As medidas políticas propugnadas pelo documento denotam igualmente a adesão a um reformismo forte. Além de exigir a auditoria cidadã da dívida pública, o Podemos propõe o fortalecimento dos mecanismos de controle popular do orçamento de Estado, a democratização dos meios de comunicação, a defesa e a ampliação dos direitos das mulheres, dos grupos LGBTs e dos trabalhadores imigrantes. Em princípio, nenhuma dessas bandeiras é verdadeiramente incompatível com as relações de produção capitalistas. No entanto, nos marcos da crise que atualmente devasta o sul da Europa, a simples defesa do Estado social já configura um sério desafio à reprodução de um capitalismo financeirizado incapaz de realizar concessões aos subalternos. 

Neste sentido, uma eventual vitória de Pablo Iglesias para o cargo de primeiro-ministro seria um duríssimo golpe na Troika. Considerando que Iglesias foi o único dos sete dirigentes políticos citados pela pesquisa do El País a receber uma avaliação positiva do eleitorado, sua eventual eleição é bastante plausível. E como na canção de Ismael Serrano, o medo parece estar mudando de lado: preocupado com os resultados da sondagem eleitoral, o tradicional banco inglês Barclays divulgou um relatório afirmando que o “forte crescimento” do Podemos ameaça a política de austeridade espanhola (ver Katy Barnato, “Why a pony-tailed academic could rock Spain”). Contra este tipo de ataque, Iglesias e seus companheiros têm se empenhado em construir alianças internacionais com forças afins como, por exemplo, o Bloco de Esquerda de Portugal (ver Rita Brandão Guerra, “Bloco e Podemos trocam contributos entre Lisboa e Madrid”. Público, Lisboa, 3 nov. 2014).

Infelizmente, o movimento português de protesto social intitulado “Que se Lixe a Troika!”, cujas duas manifestações, ocorridas nos dias 15 de setembro de 2012 e 2 de março de 2013, reuniram cada uma mais de 1 milhão de pessoas nas principais cidades do país não evoluiu, até o momento, rumo a uma organização à la Podemos. Há inúmeras razões para isso que vão desde a forte hegemonia do Partido Comunista (PCP) sobre o movimento sindical português à massiva emigração de jovens que fragiliza a militância dos novos movimentos, como, por exemplo, a Associação de Combate à Precariedade Precários Inflexíveis. No entanto, tendo em vista o aprofundamento da crise no sul da Europa, é de se esperar que os sismos do terremoto espanhol sejam logo sentidos também em Lisboa.         

Evidentemente, há ainda um bom tempo até as eleições legislativas de novembro de 2015. Não devemos menosprezar a possibilidade do PSOE liderado pelo jovem secretário-geral Pedro Sanchez Perez-Castejon restabelecer no próximo ano uma posição majoritária entre os eleitores espanhóis. Além disso, parte importante do excelente desempenho do Podemos nas enquetes advém da atração exercida por seu “leninismo amável” sobre os eleitores que votam nulo. Trata-se de uma base de votos um tanto ou quanto fluída. Este fato aumenta a necessidade de que o partido estreite os laços com a classe trabalhadora tradicional e seus sindicatos. No entanto, apesar de todas estas precauções, é indubitável que a aliança entre o jovem precariado espanhol e intelectuais de esquerda inventou uma alternativa politicamente sedutora. 

Ao menos por enquanto, a sobrevivência do Estado social na Europa depende do devir deste projeto.



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Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da USP e ex-diretor do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) da USP, é autor, entre outros livros, de Por uma sociologia pública (São Paulo, Alameda, 2009), em coautoria com Michael Burawoy, e A nostalgia do fordismo: modernização e crise na teoria da sociedade salarial (São Paulo, Xamã, 2003).

domingo, 16 de novembro de 2014

Leandro Konder - homenagem a um lutador


Leandro Koner_Carlito 






















Entrevista especial com Leandro Konder.


É com profunda tristeza que nos despedimos de Leandro Konder. Ser humano extraordinário, autor, coordenador de coleção, conselheiro e, acima de tudo, um amigo e companheiro de lutas. Konder sofria de Mal de Parkinson e faleceu em sua casa nesta tarde do dia 12 de novembro.

Leandro foi um dos mais importantes filósofos marxistas do país. 

Filho do líder comunista Valério Konder, foi preso e torturado durante a ditadura militar brasileira e se exilou, em 1972, na Alemanha e, posteriormente, na França. Regressou ao país em 1978 e passou a se dedicar com afinco ao estudo das obras de Lukács e ao seu projeto de difundir o marxismo em terras brasileiras. Pela Boitempo, publicou Em torno de Marx, Sobre o amor e As artes da palavra. Desde 2005 coordenava a coleção Marxismo e Literatura, a qual passou a ser dividida com Michael Löwy no último ano.
 
Na esteira das homenagens da editora a Leandro Konder, o Blog da Boitempo disponibiliza a entrevista completa realizada por Emir Sader e Maria Orlanda Pinassi para a Margem Esquerda #5.

 Também participa como interlocutor da conversa Carlos Nelson Coutinho, ou “Carlito”, que também nos deixou cedo demais no final de 2012. Abaixo, o texto integral; o leitor também tem a opção de baixar a entrevista completa diagramada em PDF clicando aqui.

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Leandro Konder é um desses intelectuais que dedicam a vida à crítica social e à construção do socialismo. A inquietação teórica é marcante em sua obra, tão vasta como essencial aos leitores de Georg Lukács, Antonio Gramsci, Walter Benjamin, Fourier e Flora Tristan, entre outros autores e militantes do combate anticapitalista que Leandro ajudou a tornar conhecidos no Brasil.
Numa tarde de janeiro de 2005, Leandro concedeu esta entrevista à Margem Esquerda, reunido com Emir Sader, Maria Orlanda Pinassi e o amigo e companheiro de jornada Carlos Nelson Coutinho. Ficam registrados nas páginas a seguir alguns momentos preciosos de sua trajetória singular.

 
Margem Esquerda [ME] – Uma boa forma de começarmos a conversar é conhecendo um pouco da sua formação marxista e da influência que seu pai – Valério Konder – eventualmente exerceu sobre ela.
Leandro Konder [LK] – Meu pai era catarinense de Itajaí. O pai dele foi prefeito da cidade durante muitos anos.
ME – Em que época foi isso?
LK – Fim do século XIX, início do século XX. Mas a grande figura da história não era o meu avô, o que eu demorei um tempo para perceber, mas a minha avó, mulher dele. Ela era uma mulher de personalidade fortíssima, teve nove filhos; uma vez levou todos para o cais do porto, subiu uma montanha, apontou para o mar e disse assim: “Um dia vocês vão crescer e vão conhecer o mundo. O mundo fica lá. Isso aqui é Itajaí. Itajaí não é o mundo”. Em linguagem figurada, exagerando um pouco, eu diria que ela tinha uma personalidade tão forte que neurotizou os nove filhos. Uns eram mansos, outros bravos. O filho mais velho era integralista, foi preso como espião: passava informação aos alemães e aos japoneses durante a guerra. Na prisão, os outros o inocentaram, dizendo que ele era tão boquirroto que ninguém lhe contava nada. Então ele foi absolvido por essa razão infamante.
Papai estava entre os doidinhos mansos; ele veio para o Rio de Janeiro estudar medicina. Chegou aqui e logo entrou em contato com os comunistas. Convertido, passou a influenciar a mãe, que não era nem nunca foi marxista, mas apoiava a opção do meu pai pelo comunismo por motivações não muito racionais, por afeto, talvez, mas também porque era muito inquie­ta no plano religioso. Ela foi sucessivamente crente de várias religiões, menos da católica, que era a religião da sogra, com quem ela se dava muito mal. Terminou a vida como rosa-cruz.
Meu pai começou a trabalhar como médico em um hospício – ele queria ser psiquiatra; depois desistiu, procurou a medicina social e se tornou sanitarista. Na ocasião, ele tinha um amigo chamado Leandro Ratzbona, a quem devo meu nome. Ratzbona, cujo nome tem origem latina, vinha de uma cidade do sul da Alemanha e era um apaixonado por filosofia, especialmente por Kant. Papai leu Kant, mas preferiu seguir o caminho dos marxistas. Ele não tinha uma boa base filosófica marxista, preferindo adotar idéias próprias; em todo caso, superou o determinismo mais duro. Ele falava para mim: “O sujeito faz as coisas, as coisas são condicionadas, mas o homem é capaz de fazê-las”. Eu, ainda estudante, querendo me tornar marxista, acabei por me tornar um materialista vulgar; mas meu pai me ajudou a superar isso. Esse papel do sujeito na história bagunçava o esquemão do materialismo vulgar.
O negócio dele era a ação, tendo participado de algumas atividades paralelas à revolução de 1935 e, por causa delas, acabou sendo preso. Já casado com minha mãe, que estava grávida, ele teve de fugir. Em Petrópolis, minha mãe entrou em trabalho de parto. Assim que ele entrou na casa de saúde, foi preso. Assim, nasci dando origem à prisão do meu pai, o que já me garante vinte anos de análise.
Outro momento importante foi quando descobri a pobreza da literatura na vulgata marxista, no marxismo oficial, dominado por soviéticos esquemáticos, sectários. Eu, que me interessava pela cultura, pela literatura, perguntei se ele conhecia algum marxista sério, estudioso da literatura, que pudesse me recomendar. Na época, meu pai era secretário do Movimento Geral dos Partidários da Paz no Brasil, uma organização “biombo” do Partido Comunista, e por conta disso viajava sempre para a França. Em uma das viagens ele me trouxe o livro La signification presente du realisme critique1, de Lukács, que tinha acabado de ser publicado por lá. Meu primeiro contato com Lukács veio daí.
ME – Em que ano foi isso?
LK – 1959.
ME – Você já tinha se formado?
LK – Sim, em direito. Tentei ser advogado criminalista, mas não deu certo, por isso me tornei advogado sindical. Ao mesmo tempo, eu continuava interessado por questões literárias e aquele livro de Lukács fez a minha cabeça. Na seqüência eu encomendei outros livros dele, como A destruição da razão2. Por conta disso descobri um baiano doidinho, que também se interessava por Lukács – o Carlos Nelson. Ele escreveu um artigo absolutamente entusiasmado por Sartre3 e o enviou para a revista Estudos Sociais, de cujo comitê de redação eu fazia parte. O artigo causou constrangimento entre alguns companheiros, mas resolvemos criar uma nova seção – Problemas e debates – só para publicar o artigo do Carlos Nelson.

ME – Quando você entrou no partido?
LK – Em 1951. Em 1950 meu pai foi candidato ao Senado. Peguei gosto, fiz campanha eleitoral, coloquei faixas, cartazes, fiz papel de massa nos ­comícios. Nós éramos os auxiliares, nos infiltrávamos na massa e quando o companheiro falava, dizíamos em coro “É isso mesmo, é isso mesmo”. Em 1951 perguntaram-me se eu queria desenvolver essa atividade em caráter permanente. Ali mesmo me recrutaram, o que me criou um problema desagradável, porque o programa mais importante da minha vida até então – a esperança de felicidade – era a festinha de sábado à noite, em Ipanema. Por isso eu dormia de madrugada e muitas vezes via o sol raiar; domingo de manhã bem cedo, sete horas, minha tarefa era subir a favela para distribuir material, mas eu faltava. Fui advertido duas, três vezes… Fui salvo pelo gongo; a denúncia contra os crimes de Stalin cancelou a minha punição e acabei sendo considerado precursor de novos métodos. Eu não tinha a menor idéia do que seriam esses novos métodos. Achava que para ter método tinha que ser durão e eu era favorável aos métodos stalinistas. Não se devia alterar aquilo. Mas, justo eu, fui pioneiro da mudança. Um dia encontrei o companheiro Hélio, era esse o seu nome de guerra, em um botequim no Flamengo e ele me chamou de “precursor”. Eu tive a fraqueza de caráter de aceitar.

ME – Quem é a sua geração dentro do PCB?
LK – Tenho uma idéia de proximidade com o Givaldo [Barbosa], com a Zuleika [Alembert] – que era um pouco mais velha – e com o Armênio Guedes, que era bem mais velho. Aliás, o Armênio é um fenômeno; ele tem 80 e tantos anos, mas segundo o [Milton] Temer e o Carlito [Carlos Nelson], ele envelheceu até os 40, desde então permanece o mesmo. O [Luís] Werneck Viana, mais moço do que eu, e os irmãos Cupertino – o Renato e o Fausto.

ME – E no plano cultural, aqueles que depois estiveram no CPC [Centro Popular de Cultura da UNE]?
LK – No CPC, os meus amigos eram o Vianinha e o João das Neves. Outros, como o [Carlos] Vereza, eu apenas conhecia.

ME – E a revista Estudos Sociais?
LK – Na revista estavam o Astrojildo Pereira, já muito velhinho, o Mário Alves e o Jacob Gorender. O Armênio era o dissidente, mas convenceu os demais de que era preciso renovar os membros da revista; acabaram colocando três jovens: o Fausto Cupertino, o [Jorge] Miglioli e eu. Mas eu não percebia o que estava acontecendo. Havia uma luta interna, uma divergência política profunda entre o Armênio e os outros.

ME – O debate se dava a partir do XX Congresso do PCUS, entre a linha dura e o kruschevismo?
LK – Não era bem isso, não. Era mais complicado, tinha que ver com a política interna. Era o seguinte: o Armênio tinha a idéia de criar um partido de novo tipo, um partido que não se prendesse a URSS, mas para isso era preciso apoiar o nacionalismo. Daí a atitude dele simpática ao ISEB [Instituto Superior de Estudos Brasileiros], que elaborava uma doutrina nacionalista. O Gorender e o Mario Alves tinham uma visão bastante crítica disso. Às vezes eu estava com um, às vezes com outros, mas ninguém criava caso, o clima era simpático. Entre os jovens o primeiro que falava era eu, depois falava o Miglioli, pouco, e o Fausto fechava.
A revista quase sobreviveu ao golpe de 1964; chegaram a liberar algum dinheiro depois disso. Portanto, não tínhamos problemas de recursos, além de que havia um número pronto, com a análise da conjuntura, mas se chegou à conclusão de que seria uma aventura publicá-la. Recuamos e o número que estava pronto não saiu.

ME – Depois de Lukács, qual é o outro ciclo de influência na sua formação?
LK – Depois do Lukács veio o Gramsci. O Carlito já se antecipava nisso, foi ele quem descobriu a originalidade do Gramsci. Eu tinha lido alguma coisa dele, mas o Carlito conhecia melhor sua obra. Então passei a ser lukacsiano na teoria filosófica e gramsciano na teoria política. O Trotski eu li mal e porcamente, com grande preconceito. Do Freud comprei um livrinho em um sebo – A interpretação dos sonhos –, argumentando comigo mesmo: “Bom, eu preciso ler também o Freud, que escreve com muita clareza, para me expressar melhor em alemão”. Passei a noite toda lendo e pela primeira vez tive a sensação de que, como marxista, eu sabia mais do que Freud. Anos e anos mais tarde, no exterior, fodido, voltei a ler Freud mais seriamente e cheguei à conclusão de que esse filho da puta sabia mais coisas do que eu. Aí a desgraça se abateu sobre a minha vida, pois ele me fez rever tudo…

ME – Qual foi a primeira vez que foi para a Europa?
LK – 1967.

ME – Já no exílio?
LK – Ainda não. Em 1967 fui convidado para ir à Romênia. O embaixador romeno no Brasil gostava muito do meu pai e um dia ele me disse: “Como membro da Associação de Escritores, tenho a possibilidade de sugerir que eles convidem você para ir à Romênia”. Foi a minha primeira vez no ­exterior, e na volta passei um mês na Itália, que ninguém é de ferro. Muitos anos depois voltei a encontrar-me com ele, arrasado com a história da Romênia.
Em 1968 eu voltei para a Europa como co-organizador de uma delegação de brasileiros no Festival Mundial da Juventude em Sófia, na Bulgária. Em 1969 fui para Berlim Oriental receber uma homenagem póstuma a meu pai, que tinha falecido recentemente. Com isso, eu estava indo uma vez por ano; mas em 1970 não, porque fui preso. Aliás, essa parece uma história do barão de Itararé, que falava de um professor que foi preso por causa do terceiro cafezinho, apesar de a mãe dizer a todo instante que ele ia se dar mal. Eu adaptei essa piada à minha própria história: não fui à Europa e me prenderam. Em 1971 voltei para estudar alemão e, depois, em 1972, fui para lá, aí sim, já exilado.

ME – Durante quanto tempo você ficou exilado?
LK – O exílio durou três anos. Eu fui absolvido, mas como estava trabalhando não dava para voltar de repente e fiquei mais três anos fora.

ME – Em que cidade da Alemanha você morava?
LK – Em Bonn, uma cidade muito chata.

ME – Assim como Brasília?
LK – Não, Brasília tem aquelas audácias do Niemeyer. Em Bonn, a única coisa mais interessante é a casa do Beethoven, mas se omite o fato de que, assim que chegou à maioridade, ele foi embora, saiu daquela casa correndo. Eu fiquei na Alemanha durante cinco anos, de 1972 a 1977; depois, mais um ano e meio no sul de Paris, participando das atividades dos comunistas brasileiros na França. Foi quando eu me casei com a Cristina.

ME – Os cinco anos que você ficou na Alemanha foram em Bonn?
LK – Que podem se contados em dobro, por insalubridade…

ME – E o que você fazia lá, qual era sua atividade?
LK – Eu trabalhava na universidade, onde era leitor de literatura brasileira e de língua portuguesa. Lá eu conheci um colombiano chamado Gutierrez Girardot, com traços de índio, que tinha sido aluno do Heidegger, mas também era marxista, um heideggeriano-marxista. Ficamos amigos e ele me dizia: “Você tem dois defeitos. Primeiro, você é leninista. Lenin no tiene caracter. Em segundo lugar, você é admirador de Lukács, que alugou seu talento a serviço de Stalin”. Apesar de tudo, ele dizia aquilo com amizade, me protegia e me garantia o emprego. Na época eu trabalhava pouquíssimo e ganhava bem, em marcos alemães, e logo que começavam as férias eu aproveitava para viajar pela Europa.

ME – Você já tinha incorporado Lukács. Na sua estada na Alemanha, quem mais você incorporou teoricamente?
LK – Um amigo meu, que nunca se entusiasmou muito pela filosofia do Walter Benjamin, ficou muito impressionado com o talento dele. Esse meu amigo está aqui presente [referindo-se a Carlos Nelson]. Ele leu Benjamin antes de mim, mas acho que mergulhei mais profundamente no universo benjaminiano. E isso tem que ver muito com a minha temporada na Alemanha.

Carlos Nelson Coutinho [CNC] – Quem primeiro leu Benjamin foi o [José Guilherme] Merquior. Ele nos recomendou ler A obra de arte na época da sua reprodutibilidade técnica4. Mas não me lembro de ter lido Benjamin antes de você.
LK – Leu, sim. Eu trouxe Benjamin para essa constelação, para esse universo não muito claro, não muito coerente, de referências marxistas filosóficas heterogêneas. Foi aí que entrou o Benjamin. Se fosse para escolher alguém de uma área conexa, o Carlito escolheria o Adorno. Você é mais adorniano do que benjaminiano.

CNC – Não sou, não, mas acho que o Adorno é o centro de um pensamento muito mais sólido.
LK – Politicamente não tenho dúvida, mas filosoficamente…

ME – Como vocês já disseram, às vezes é difícil delimitar o que é Carlos Nelson, o que é Leandro Konder.
LK – É verdade, é outra confusão também.

CNC – Como falou o Chico [Buarque] sobre aquela confusão de pernas: “e agora com que pernas eu devo seguir?”.

ME – Certa vez Carlos Nelson disse que se sentia meio cabotino ao fazer homenagem a você, que se sentia como se estivesse fazendo homenagem a si mesmo. O caminho de vocês, com essa proximidade, é similar ao de outros intelectuais?
LK – Marx e Engels.

ME – E quem é quem?
LK – Eu acho que eu sou Engels, mas um Engels mais bem-humorado.

CNC – Mais bem-humorado do que o Engels é impossível. O Marx é que era mal-humorado. Mas acho que a pergunta é no sentido de brasileiros que seguiram mais ou menos o mesmo percurso.
ME – Não exatamente, mas de gente que fez dupla intelectual, que teve uma alimentação mútua.
CNC – Esse também foi o caso de Adorno e Horkheimer. Mas nós nunca escrevemos nada juntos, a não ser coisas circunstanciais.
LK – Uma resenha na revista Civilização Brasileira, condenando a invasão da Tchecolosváquia, em um ato de indisciplina, para forçarmos a direção a nos punir.

CNC – Assinado por nós dois existe ainda o prefácio à primeira edição do Gramsci.
LK – Que não corresponde precisamente nem ao que eu nem ao que você pensávamos, mas acabamos chegando a um certo acordo.

ME – Vocês já tiveram alguma divergência teórica ou política importante?
CNC – Eu era mais fanaticamente lukacsiano do que o Leandro. Ele já tinha algumas aberturas para Gramsci, para Benjamin.
LK – Eu tinha tendências revisionistas mais fortes do que ele.

ME – E politicamente, houve alguma vez em que as diferenças pesaram?
CNC – Não.

ME – Vocês sempre caminharam juntos na crítica às orientações do partido?
CNC – Que eu me lembre, nós nunca gostamos da União Soviética, malgrado o pai do Leandro ser pró-soviético.

ME – Você e seu pai brigavam muito, Leandro?
LK – Não, eu evitava brigar com ele. Lembro-me, por exemplo, de quando dois escritores – Siniavsky e Daniel – foram condenados na União Soviética. Eu escrevi um artigo crítico, que saiu publicado n’A Folha da Semana, um jornal do Partido Comunista, dizendo que não tinha lido os dois autores, que eles até podiam ser horrorosos, mas que cabia à sociedade civil puni-los, deixando que os livros encalhassem nas prateleiras. Então, saiu um manifesto assinado por intelectuais do Rio e nele estavam a minha assinatura e a da minha ex-mulher. Meu pai ficou puto e foi se queixar de mim pro Carlito…

CNC – Eu estava na Bahia e por isso não assinei…
LK – Ele achou que talvez você tivesse se preservado da contaminação e do horror. Ele disse: “Olha aqui. Assinou o Leandro e ainda por cima assinou duas vezes”.

CNC – Quer dizer, ele e a mulher. Ir contra uma decisão do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética parecia um absurdo a dr. Valério.

ME – Qual foi o primeiro livro que você publicou?
LK – Se chamava Marxismo e alienação5. Enquanto eu o escrevia, preparei também a tradução dos Ensaios sobre literatura6, um livro do Lukács, publicado em 1965, em que eu assinava a apresentação.

ME – Esse livro foi ainda no Brasil, não? Depois disso o que veio?
LK – Em 1966 veio Kafka: vida e obra, que faz parte de uma coleção da José Álvaro Editora, depois comprada pela Paz e Terra. O terceiro foi Os marxistas e a arte7, um livro que o Michael Löwy resenhou, fazendo algumas críticas bem contundentes, mas muito civilizadas e corretas.

ME – Era um conjunto de ensaios sobre arte?
LK – É, mas tinha um capítulo sobre Trotski que o Michael não gostou.
CNC – A resenha do Michael nunca foi publicada porque era para o número quatro da Teoria e Prática,8 que não saiu. Mas o Michael mandou uma cópia para o Leandro.

ME – Essa foi a primeira aproximação entre vocês?
LK – A gente já se conhecia, mas não tinha intimidade. Eu conheci o Roberto [Schwarz] antes do Michael, de quem me aproximei no exílio. Uma vez, o Roberto veio ao Rio e fomos ao teatro ver uma peça do Chico Buarque, Roda viva. Lembro-me de ter ficado com um medo danado de alguns atores me identificarem e fazerem algumas brincadeiras desagradáveis. Eles jogavam pedaços de fígado na platéia e minha camisa era nova.

ME – Isso foi tudo que você publicou no Brasil antes do exílio ou outras obras foram publicadas?
LK – Publiquei Marx: vida e obra, naquela mesma coleção da José Álvaro Editora (1967). Depois, já no exterior, publiquei Introdução ao fascismo9, em 1976.
CNC – Você passou um bom tempo sem publicar.
LK – Com essas confusões todas de adaptação, mudança de vida.

ME – Você não escreveu livros de análise sobre o Brasil?
LK – Não, tem um livro meu, bem ruinzinho, Os comunistas e a democracia no Brasil, sobre a conjuntura brasileira, especificamente sobre o Partido Comunista.

ME – Na sua estada na Alemanha, o que você publicou ou acumulou para publicar depois?
LK – Quando voltei da Europa, publiquei um livro sobre Lukács10 e O que é dialética11, que vendeu bem.
CNC – Esse livro chegou à 30a edição.
LK – Na seqüência vieram o Barão de Itararé: um humorista da democracia (1981) e O marxismo na batalha das idéias12, um conjunto de ensaios. Vieram ainda A derrota da dialética13, minha tese de doutorado, e Walter Benjamin. O marxismo da melancolia14.

ME – O livro A derrota da dialética foi bem criticado.
LK – O Prestes, por exemplo, ficou muito irritado com o livro; disse que eu não fazia diferença entre a dialética idealista e a dialética materialista. Ele fala isso numa entrevista: “o Leandro escreveu sobre a morte da dialética”. Na cabeça dele a dialética é invencível, portanto se a dialética foi derrotada, ela morreu. Essa é a conclusão dele. Depois eu entendi o lapso, mas é curioso isso. Tinha um outro resenhador crítico, que falou o tempo todo que o título do livro mudou para A reforma da dialética. A dialética marxista precisava ser preservada, não podia ser submetida a aventuras revisionistas ousadas demais. Então, se o livro é bom, não teoriza sobre a derrota da dialética, sobre a reforma da dialética. Daí vem o outro ato falho dele, de ter mudado o título do livro. Foi o José Nilo Tavares, que morreu.

ME – Esse foi o seu livro mais polêmico?
LK – Acho que sim. Depois tem um livro de interesse filosófico na política que é O futuro da filosofia da práxis15. Os intelectuais e o marxismo16 é um conjunto de artigos que eu escrevi para a Tribuna da Imprensa, ao longo de 1990, com caráter jornalístico.

ME – Você falou do Lukács, do Gramsci e do Benjamin. E os debates sobre o estruturalismo francês, o Althusser…
LK – Eu me lembro de ter acompanhado com emoção o trabalho do Carlito O estruturalismo e a miséria da razão17. Eu fiquei solidário, mas achava aqueles textos do Althusser muito chatos. Eu o entendi melhor depois que ele morreu, quando saiu o livro O futuro dura muito tempo.18 Fiquei comovido, mas já era tarde. Depois vêm Flora Tristan e Fourier19, um mergulho na utopia.
CNC – Tem também um livro que foi republicado recentemente, As idéias socialistas no Brasil20.
LK – É um livro de divulgação, republicado pela editora Expressão Popular, do MST, uma edição linda, com fotos. A edição original era mixuruquinha e a editora do MST fez do livro uma edição da qual me orgulho. A Expressão Popular também republicou o meu livro sobre Marx. Depois disso vem o livro sobre Brecht21, que escrevi pelo prazer da leitura dos seus poemas. Ele escreve de maneira muito simples e ao mesmo tempo muito elegante e gostosa. Fiz a mesma coisa com a história dos romances de Balzac, que não saiu, porque ao relê-lo o achei meio transbordante. Preferi então fazer uma versão condensada do texto que acabei incorporando ao novo livro que vai ser publicado pela Boitempo22, que – além do Balzac – tem um audacioso ensaio sobre Fernando Pessoa.

CNC – Você já tinha escrito sobre Fernando Pessoa23 em 1961, com um título meio caiopradiano.
LK – Aquele era um ensaio, este de agora é completamente diferente.

ME – Depois vem o livro sobre ideologia24, que é o último.
LK – Tem os dois romances também – Bartolomeu e A morte de Rimbaud25.

ME – Você tem algum livro em andamento?
LK – Tinha, mas morreu. Criei problemas que eu não soube resolver e extinguiu-se.

CNC – Você não vai retomar?
LK – Acho muito difícil. Existem mortes provisórias e mortes definitivas. Acho que esta é definitiva.

ME – Vamos falar um pouco do século XXI. O que você considera que foi importante no passado e que continua sendo importante na atualidade?
LK – Como é que a gente faz para reavivar essas coisas…

CNC – O que você acha que ficou do marxismo para o século XXI?
LK – Basicamente a filosofia, a concepção marxista do homem, a concepção da história. Há outras coisas que se tornaram mais complicadas.

ME – A teoria da alienação se mantém?
LK – Talvez, mas isso não está muito claro para mim. Talvez ela tenha de ser desenvolvida e aí ressurja. As análises políticas do Marx eu acho que estão envelhecidas.

CNC – Quais, por exemplo? A luta de classes é ainda uma categoria vigente?
LK – No espírito, na origem dessa teoria, é o que me é muito caro. Acho que ela é reveladora de uma contradição subterrânea profunda e permanente. O terreno da luta de classes desvela uma contradição essencial. Mas os escritos em que Marx trata da luta de classes têm a marca de um certo envelhecimento.

CNC – Quer dizer que a luta de classes mudou, mas não acabou?
LK – Eu acho que ela assumiu formas novas, muito complicadas, e não estamos ainda em condições de dominar esse conhecimento das suas novas formas.

ME – Quais são os autores contemporâneos que te ajudam a repensar essas questões?
LK – Encontrei estímulos em autores como Perry Anderson, de quem eu li algumas coisas interessantes; o [Fredric] Jameson também tem movimentos interessantes.

CNC – Acho melhor ler o Gramsci pela vigésima vez. Lembra que o Lukács dizia que, em vez de ler os neopositivistas, é melhor reler Aristóteles pela décima vez?

ME – E sobre o Brasil, quais foram os autores que mais o ajudaram a compreendê-lo?
LK – Eu gosto muito do Antonio Candido, que faz crítica literária e da cultura como chaves para entender mais amplamente o modo de produção e de organização da cultura brasileira. Eu gosto do Sérgio Buarque; eu gosto do Caio Prado, como historiador, não como filósofo. Li pouco do Florestan, não tenho condições para opinar. O Nelson Werneck Sodré tem algumas coisas muito boas, equilibradas, sensatas, mas às vezes é um tanto limitado.

ME – E na literatura? Quais são seus autores preferidos – brasileiros, estrangeiros, poetas, ficcionistas?
LK – Eu gosto muito do Fernando Pessoa, do Kafka, do Proust; gosto de Graciliano Ramos, do Grande Sertão: Veredas e de outros contos do Guimarães Rosa. Gosto daqueles contos violentíssimos, devastadores, do Rubem Fonseca, gosto também do romance Agosto. Na poesia, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto e Ferreira Gullar. E Brecht.

ME – Além da política e da vida intelectual, de que mais você gosta? De futebol?
LK – Gosto muito.

ME – Você jogou?
LK – Certa vez fiz uma tentativa como zagueiro em um time de praia, mas eu era muito ruim. Então encerrei minha carreira com um gol contra.

ME – Você assistiu algum jogo memorável na sua vida?
LK – Eu vi a final da Copa de 1950: Brasil e Uruguai. Fomos com meu pai ao Maracanã. Eu tinha 14 anos e meu irmão 12; até levamos um caixotinho porque ele era pequenino.

ME – Pode ter havido umas 200 mil pessoas nesse dia?
LK – Pode ter havido, não época eu não tinha elementos para calcular.

ME – Os três gols foram em um arco só. Você estava perto ou longe desse arco?
LK – Eu estava longe, por isso tive certa dificuldade em aceitar que tinham sido gols, sobretudo o segundo. Eu me lembro de cenas, na saída do estádio, o povo indo embora – e era grande a quantidade de homens – chorando. Para aquela geração não tinha isso de chorar. Todos ouviam, desde pequenos: “homem não chora”.

ME – Seu pai e você choraram?
LK – Meu pai não queria nem que se falasse no assunto.

CNC – Seu pai gostava de futebol?
LK – Não. Ele foi para esse jogo no entusiasmo, patrioticamente, interessado pelas coisas da política porque, na época, ele era candidato a senador. Estávamos em julho e as eleições seriam em setembro. Na saída, eu via muita gente chorando, alguns vomitando, um trauma bravo.

ME – Como você viveu momentos trágicos, como a morte do Getúlio e o golpe de 1964?
LK – A morte do Getúlio eu vivi como uma situação surreal. Na época, estudava na faculdade, que ficava a duzentos metros do Palácio do Catete. Era a Faculdade de Direito, primeiro da Universidade do Distrito Federal, mais tarde Universidade do Estado da Guanabara, por último UERJ. Lá pelas 8:30 h eu estava caminhando para ver se encontrava um amigo, como não o encontrei fui ao Palácio do Catete. Quando o Getúlio se matou eu estava na frente do Palácio do Catete. Mas eu não sabia disso. Então, peguei um ônibus e quando estava chegando em casa, na praça General Osório, alguém gritou: “O Getúlio se matou! O Getúlio se matou!” Eu nem desci do ônibus, fui direto até a casa da minha avó, entrei, ela não sabia de nada, eu disse: “Vamos ligar o rádio!”. Ligamos o rádio e aí veio a leitura da carta-testamento e a notícia da morte do Getúlio. Depois disso, eu tive a minha primeira idéia política própria; até então eu era um mero repetidor e continuei um pouco assim. Mas aí eu me disse: “Bom, com o suicídio, com essa carta-testamento, temos de nos voltar amistosamente para as massas trabalhistas. São nossos aliados, queiram eles ou não, vamos trabalhar juntos.

ME – Quantos anos você tinha?
LK – 18.

ME – Algum outro momento, como o XX Congresso do PC da URSS, foi marcante?
LK – Foi, foi muito marcante. Durante anos eu guardei o relatório do Kruschev e ainda devo ter em algum canto por ai. O partido dizia que aquilo era falso, que havia sido forjado pela CIA, mas depois se viu que era verdadeiro. Eu li o relatório secreto e fiquei muito impressionado. Aos poucos fui me dando conta de uma coisa que me impressionou muito: era a falta de marxismo do Kruschev. A análise que ele fez dos crimes do Stalin é uma análise moralista, sem qualquer interpretação de inspiração marxista.
CNC – Togliatti disse isso. Quando responde a uma pergunta sobre o stalinismo, ele diz que o culto à personalidade não é um conceito marxista.

ME – O golpe de 1964 também foi um momento marcante para você?
LK – O golpe de 1964 foi uma coisa mais direta. Em 1964, quando veio o golpe, as conseqüências sobre nós foram mais profundas. O pessoal do partido ficou atarantado. Eu lhes contei a história da revista Estudos Sociais, o pessoal queria lançar a revista, outros disseram: “Não, não lancem, que a ditadura é pra valer”.

ME – O Prestes teria declarado, em Recife: “Estamos no governo, vamos para o poder”; havia a perspectiva de uma vitória estratégica.
CNC – Ele declarou na televisão, em março de 1964, que o candidato do partido para as eleições presidenciais de 1965 era Jango Goulart. Aí lhe disseram que o Jango não podia, pela Constituição, e ele respondeu; “Muda-se a Constituição”. A idéia do nosso lado era meio golpista.
ME – E também havia o “Cunhado não é parente, Brizola presidente”.
CNC – Mas o partido não era brizolista, pelo contrário. O Brizola estava à nossa esquerda.
ME – Não se pensava no Juscelino?
LK – Não. Nós apoiamos o Negrão de Lima [eleito governador do Rio de Janeiro em 1965].

ME – No dia do golpe, onde você estava?
LK – No dia do golpe eu fui procurar um amigo que hoje é presidente da Academia Brasileira de Letras, o Ivan Junqueira, poeta, que não era comunista, e o João das Neves, que era ator e autor, que também não era do partido. Fomos zanzar pelo centro da cidade, com uma situação tensa. Lembro da história meio cômica em que o João ia passando pelo meio da rua e um soldado disse que não podia. “E na calçada, pode?” “Na calçada pode”. Então o João, que tinha treino físico, andava pelo meio-fio, ao lado do soldado, que ficava esperando, com o cassetete na mão, na rua, pra dar uma porrada nele. Vimos também um grupo que hostilizava jogando pedras na embaixada dos Estados Unidos.

ME – Qual foi a principal reação do partido diante do golpe?
LK – Perplexidade. Lembro-me de que no dia soubemos que o golpe tinha vindo mesmo, porque antes só havia boato. Então nós fomos lá para casa, lembro que tinha um cara que botou os pés em um banquinho de cozinha que estava na sala e disse: “Companheiros, cabeças vão rolar. Por erros nossos, erros graves, cabeças vão rolar”. Achei a coisa sinistra. A gente sofria uma derrota daquelas e o cara achando que nós é que éramos os responsáveis por aquilo.

ME – Você tinha estado no comício de 13 de março? Do que você se lembra?
LK – Da mulher do Jango. Eu estava lá, infiltrado, perto do palanque, para vê-la.

ME – Era o maior comício em que você havia estado na sua vida?
LK – Era um comício enorme. Gente da minha família falava que aquilo era um “comício das lavadeiras”, falavam de tanques e de roupa suja. Eu fiquei indignado, um comício daquele tamanho, marcante…

CNC – Roupa suja, por quê?
LK – Roupa suja por causa das fofocas, das rivalidades, quem vai derrubar quem, quem vai assumir no lugar de quem.

CNC – Teve muita gente ali, mas não tanta gente assim. Calcula-se hoje que havia umas 300 mil pessoas.
ME – Há pesquisas do Ibope, não divulgadas na época, que demonstravam que o governo tinha muito apoio.
CNC – Apoio ele tinha, havia ganhado o plebiscito em janeiro de 1963, ganhou com proporção de 5 a 1. Havia até uma musiquinha: “Eu vou fazer o x no quadrinho ao lado da palavra não, parlamentarismo não”.
LK – Lembra da outra musiquinha? “Na hora de votar, eu vou jangar, eu vou jangar, eu vou votar no Jango Goulart. Para vice-presidente eu já tenho em quem votar, no Jango Goulart”. A música do Lott era: “Espada de ouro, quem tem é o marechal, Lott, Lott, por que ele é o ideal, porque defende o petróleo, que é meu e de você”. Tinha que dar merda. Em 1955 eu votei no Juscelino, sou veterano.

CNC – Fala um pouco do governo Lula, o que você está achando?
LK – Eu acho que ele tem um capital de popularidade, de imagem, que está desgastada, mas que tem força e ele ainda mantém um caminho que pode dar na reeleição. Se vier crise é ruim, porque põe a esquerda contra a parede, e ela se ressente de Lula não ter dado certo, independentemente da autonomia, da postura crítica. Mas, se der certo, a esquerda também fica mal, porque fica sangrada, anêmica, enfraquecida…

CNC – Se der certo em que sentido?
LK – No sentido da reeleição.

ME – Quando é que você se deu conta de que esse não era um governo de esquerda?
LK – Quando os meus amigos me convenceram disso. Segundo o Temer, o acordo foi feito antes das eleições, a montagem do gabinete com o Meirelles e o Palocci.

ME – Essa situação de um governo de esquerda, com um dirigente de origem operária, você compara com que outra situação?
LK – Os casos que me ocorrem não servem. As diferenças são mais importantes que as coincidências. As experiências socialdemocratas são muito variadas, contraditórias, às vezes perversas, nenhuma delas dá conta do que está acontecendo no Brasil agora.

ME – Por que o Brasil, que tinha uma esquerda comparativamente mais atrasada que outros países da região – o Chile, o Uruguai, de alguma maneira a Argentina –, de repente se tornou a contramão da esquerda, que tinha o Lula, o PT, a CUT, o MST, o orçamento participativo? A esquerda nunca foi tão fraca, em escala mundial, desde que inventaram a palavra esquerda. De repente, o Brasil tornou-se o elo mais frágil da cadeia.
LK – Tem um negócio que não está muito claro pra mim: que força nós conseguimos efetivamente ter a partir do movimento de massas? Será que esse movimento de massas tem uma força na qual nós podemos nos apoiar, ou é só aparência? Será que o movimento de massas tem força própria ou será uma força ilusória?

CNC – Mas teve. O próprio PT surgiu em função disso, do fato de que havia um movimento de massas significativo. Agora eu acho que está debilitadíssimo. Tirando o MST, que mesmo assim está meio…
ME – O PT foi criado em função desse movimento de massas, mas foi se distan­ciando dele. Em razão disso, o que você pensa do futuro dos partidos políticos? O partido político ainda tem uma dimensão importante na luta pelo socialismo?
LK – Baudelaire, o poeta que eu cito há cinqüenta anos, diz: “Só se destrói realmente aquilo que se substitui”. Não acho que os partidos políticos tenham sido substituídos ou possam ser substituídos agora, de repente, por outra forma. Os partidos continuam a dar conta de uma demanda real, de uma necessidade. Nesse sentido, há uma crise dos partidos, sem dúvida. Mas a gente tem de pensar a partir do arquivamento deles, do desaparecimento deles ou a partir de uma renovação que nós não sabemos ainda como fazer?

ME – Você participou de dois partidos na sua vida.
CNC – De três, eu diria.
LK – Durante trinta anos, participei do Partido Comunista Brasileiro. Depois participei do MDB [Movimento Democrático Brasileiro].

ME – Você foi para o MDB quando saiu do PCB?
CNC – Esse foi um momento de discordância entre nós, porque eu nunca fui para o PMDB, não. Eu diria que o segundo foi o PT, o terceiro é o Psol.
ME – A idéia original de vocês, quando saíram do PT, era fundar um Fórum Socialista, que abrigasse os críticos de esquerda de dentro e de fora do PT. Como se deu a passagem rápida dessa idéia para a idéia de fundar já um partido?
LK – Eu não sinto muito a necessidade de atuação partidária. O Psol tem essa tentativa de ser um partido com características diferentes dos outros. Os outros partidos, inclusive o PT, assumiram determinadas características meio melancólicas. O Psol tem essa aura romântica, que eu acho simpática.

ME – Você tem a sensação de melancolia com esse desfecho, com o PT chegando ao governo com essa cara? Com que palavra você expressaria isso?
LK – Uma certa tristeza de ver pessoas que a gente conheceu em outras situações – mostrando combatividade, mostrando certa valentia – adotando atitudes tão apagadas, tão deliberadamente adaptadas ao status quo, a uma realidade constituída, renunciando ao projeto original.

ME – Qual foi o seu momento mais entusiasta no PT, quando você mais se identificou, mais se deixou empolgar?
LK – Quando entrei no PT, em 1989, me inscrevi na organização dos estudantes e professores da PUC. Fui para uma reuniãozinha besta, tinha umas doze pessoas, todos radicalíssimos. E aí minha intervenção foi provocadora e as reações engraçadas. Se nós formos ao poder por meio de eleição, se formos obrigados a manter um calendário eleitoral e promover a realização de eleições que poderiam nos tirar do poder, a maioria considerou que jamais faria essa concessão de abrir mão. Abrir mão dessa conquista, para manter um formalismo, com a entrega do poder aos nossos inimigos. Aí eu discordei e perguntei se eles achavam que nós teríamos força para segurar o poder contra os nossos inimigos, vitoriosos no caso de uma eleição. Ai comecei a desarmar os espíritos e terminei dividindo. Dos doze, seis ficaram numa posição e seis na outra. Aí eu acho que foi o momento em que me senti mais animado. Essa foi uma situação que eu nunca vivi no Partido Comunista. Vivi outras emoções, mas não essa, de ter mudado metade das posições.

ME – O momento de saída de vocês do PCB teve um sentimento similar de melancolia ao da saída do PT?
LK – No PCB, acho que ficamos decepcionados com o fato de que no exterior nós tínhamos alguns aliados, alguns simpatizantes na direção e a perspectiva de vir para o Brasil fundar um jornal legal, coisa que fizemos. Mas houve um acordo dos detentores do poder aqui no Brasil com os dirigentes que vinham do exílio, e esse acordo levou ao nosso isolamento.

CNC – A melancolia com o PT é maior. A forma PC já estava meio superada. O PC não estava dirigindo o processo, o PT estava subindo. Além disso, a forma PC já começava a demonstrar um esgotamento. Mas nós tínhamos esperança de renovar o PC, aquela idéia do eurocomunismo que já estava dando errado lá também. A melancolia histórica com o PT, pelo menos no meu caso, foi mais dura. Mas eu brinco sempre: com o PC eu tinha um casamento monogâmico, com o PT nunca tive. Então, de certo modo foi mais fácil, nesse sentido.
ME – Como é sua relação com o MST?
LK – De muita simpatia. Eles me prestigiam muito. Eu acho que o movimento social que melhor reage à crise, por enquanto, embora se ressinta de algumas dificuldades, é o MST. Mas ele não pode substituir o partido.


***
Leandro Konder nasceu em 1936, em Petrópolis (RJ), filho de Valério Konder, médico sanitarista e líder comunista. Formado em Direito, Leandro exilou-se em 1972, após ser preso e torturado pelo regime militar, e morou na Alemanha e depois na França até seu regresso ao Brasil em 1978. Doutorou-se em Filosofia em 1987 no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Em 2002 foi eleito o Intelectual do Ano pelo Fórum do Rio de Janeiro, da UERJ. Um dos maiores estudiosos do marxismo no país, coordena, em conjunto com Michael Löwy, a coleção Marxismo e literatura, da Boitempo, onde publicou Sobre o amor, As artes da palavra e Em torno de Marx.