“Entendemos em geral por opinião pública uma esfera em princípio acessível a todos, na qual os indivíduos, enquanto membros do público, podem se comunicar de maneira relativamente livre uns com os outros sobre questões que interessam à comunidade. O acesso sem entraves às informações, à liberdade de expressão e à tolerância recíproca de perspectivas compõe essa opinião pública, fórum de comunicação para todos os que dizem alguma coisa ou que querem escutar o que dizem os outros.”
O reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por 7 contra 4
votos, da constitucionalidade das condições de elegibilidade
estabelecidas na chamada Lei da Ficha Limpa foi importante na
pavimentação do caminho ético na nossa ainda imperfeita democracia
representativa.
No entanto, faltam muitas outras medidas de aperfeiçoamento
democrático. A começar pelo “recall” (cassação popular de mandatos)
contra aqueles que traem os compromissos assumidos com os eleitores em
programas que apresentaram como candidatos.
Parêntese. O caso mais recente de recall ocorreu na Califórnia, com o
afastamento do governador Gray Davis, do Partido Democrata, e a eleição
do republicano Arnold Schwarzenegger. Em muitos cantões da Suíça, o
recall pode ser utilizado contra os representantes nas câmaras e nos
governos cantoneses. Na Constituição russa de 1918, os leninistas
conseguiram introduzir o recall e ele permaneceu nas constituições da
União Soviética de 1936 e 1977. Para Lenin, num escrito publicado no seu
jornal Iskra, editado na Suíça durante seu exílio, um
país não é democrático se o eleitor não contar com um instrumento para
retomar o mandato concedido ao eleito.
O recall recomendado por Lenin
acabou introduzido na então Alemanha Oriental, Hungria, Romênia,
Polônia, Tchecoslováquia e Bulgária.
No julgamento de ontem, um fato alarmante não pode cair no
esquecimento, em especial por ter a Lei da Ficha Limpa nascido da
iniciativa de 1,3 milhão de eleitores. Refiro-me ao proclamado, a plenos
pulmões, pelo ministro Gilmar Mendes revelando, como já fizera em outra
ocasião o ministro Cezar Peluso, que para ele a opinião pública não
conta. Da sua lavra é a frase que, colocada num âmbito de Brasil e não
regional, é equivocada: “Não se deve esquecer, ademais, que essa tal
opinião pública é a mesma que elege os chamados candidatos ficha suja”.
A “tal opinião pública”, quando se está num regime onde todo o poder
provém do povo e será exercido em seu nome, pesa sim. E não pode ser
desconsiderada quando em conformidade à Constituição (estado de
Direito).
No particular, quem pensa como o ministro Gilmar Mendes num estado
democrático revela insensibilidade, autoritarismo, arrogância,
prepotência e desconhecimento de que um ministro do STF pertence a um
órgão do poder e não é agente de autoridade. E sempre convém lembrar que
a palavra grega demokratia é composta de demos (povo) e kratos
(poder), que significa “poder do povo”.
Do povo, e não de Gilmar Mendes.
A respeito de opinião pública nas democracias, lembro de uma
definição inspirada na respeitada Hannah Arendt e transcrita no livro
intitulado Corrupção e Sistema Político (acabou de chegar às livrarias), de Leonardo Avritzer e Fernando Figueiras (edição Civilização Brasileira-RJ):
“Entendemos em geral por opinião pública uma esfera em princípio
acessível a todos, na qual os indivíduos, enquanto membros do público,
podem se comunicar de maneira relativamente livre uns com os outros
sobre questões que interessam à comunidade. O acesso sem entraves às
informações, à liberdade de expressão e à tolerância recíproca de
perspectivas compõe essa opinião pública, fórum de comunicação para
todos os que dizem alguma coisa ou que querem escutar o que dizem os
outros.”
O certo é que a opinião pública vai continuar a pressionar por
melhorias e Gilmar Mendes, desde que rasgou súmula do STF para soltar
por habeas corpus o banqueiro Daniel Dantas, pode não estar entre os
mais confiáveis se feita uma pesquisa de opinião pública.
Pano rápido. Por pressão da opinião pública, talvez
consigamos fixar prazo para mandato de ministros do STF e mudar os
critérios de escolha.
Wálter Fanganiello Maierovitch
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