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sexta-feira, 31 de maio de 2013

Derrotar a lei da terceirização - uma precupação também do funcionalismo

 
 
 
Editorial do sítio Vermelho:

A mais recente ameaça contra a CLT (que, neste 1º de maio, completou 70 anos de existência) é representada pelo Projeto de Lei 4330, sobre terceirização, que tramita no Congresso Nacional.

Se for aprovado, esse projeto vai promover um radical, e nefasto, retrocesso nas relações trabalhistas no Brasil, prejudicando os trabalhadores e deixando os patrões de mãos livres para burlar todos os direitos dos assegurados em lei, através da chamada terceirização. O projeto favorece patrões e está eivado de medidas que os trabalhadores e sindicalistas já anunciaram que não aceitam.


O projeto escancara a terceirização, denuncia Wagner Gomes, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. As empresas poderão usar a terceirização inclusive em sua atividade-fim, o que hoje é proibido pela Súmula 331 do TST, que regula a terceirização e só permite seu uso para a chamada atividade-meio (como segurança, limpeza, ou alimentação).

Se o projeto for aprovado poderão surgir inclusive, denuncia Wagner Gomes, empresas sem qualquer empregado contratado, mas apenas à base da terceirização.

A terceirização foi criada pelos patrões e aceita pelos governos neoliberais desde a década de 1980 para eliminar a proteção legal e social aos trabalhadores. Ela é usada pelos patrões para baixar salários, dividir os trabalhadores (dentro da empresa passam a existir duas categorias, os contratados e os terceirizados, com salários mais baixos e sem direitos, sendo objeto de desprezo pelos demais), e enfraquecer a atividade sindical.

Os patrões usam e abusam deste recurso para burlar a legislação trabalhista. Segundo a própria Confederação Nacional da Indústria (CNI), mais de 50% das indústrias brasileiras usam a terceirização, que representa 14% do número de empregados no setor (isto é, um em cada sete trabalhadores da indústria). Segundo o Ministério Público do Trabalho, existem hoje cerca de oito milhões de trabalhadores e 31 mil empresas terceirizadas.

Terceirização é sinônimo de precarização das relações trabalhistas. Ela ameaça a própria existência dos instrumentos de defesa dos trabalhadores, que são os sindicatos, como denunciou o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Renato Henry Sant'Anna, para quem ela "quebra a espinha do sindicato do trabalhador” ao colocar, no mesmo ambiente de trabalho, vários patrões diferentes (que são as empresas terceirizadas, contratadoras dos trabalhadores submetidos a esse tipo de relação precária) e, com isso, esfacela “a unidade que poderia unir os trabalhadores no sindicato". Para ele, está sendo criada uma massa de trabalhadores que não poderão se sindicalizar “de forma efetiva".

A compreensão do procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo é mais radical, e consistente. Ele considera o Projeto de Lei 4.330 “uma das piores ofensas aos direitos do trabalhador”, que pode rasgar os artigos 2º e 3º da CLT (são os artigos que definem quem é empregador e quem é empregado). Se for aprovado, diz ele, “o equilíbrio jurídico entre empregador e empregado conquistado por meio de muita luta será jogado no lixo”.

O debate será intenso. Os trabalhadores e as centrais sindicais não aceitam mudanças na legislação que coloquem em risco a CLT e os direitos sociais, que foram conquistados depois de lutas intensas.

As centrais querem regulamentar a terceirização, mas no sentido oposto ao pretendido pelo patronato. Para as centrais é fundamental consolidar, em lei, o entendimento que prevalece desde a Súmula 331, que proíbe o uso da terceirização na atividade-fim da empresa. As lideranças sindicais querem ainda que a empresa contratante seja também responsável pelas obrigações trabalhistas, que os direitos dos trabalhadores sejam iguais em relação às condições de trabalho e à representação sindical, e querem o reconhecimento do direito da categoria a informações prévias que justificam a terceirização.

A pauta das centrais consta da Agenda da Classe Trabalhadora por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, aprovada na Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras em junho de 2010, cujos fundamentos são a valorização do trabalho, a democracia e a soberania nacional.

Neste sentido, as centrais exigem que a tramitação de qualquer projeto de lei sobre terceirização no Congresso Nacional seja paralisada, sendo retomada apenas depois de negociações entre o governo e as lideranças sindicais para construir uma proposta alternativa ao projeto de lei 4330. O governo concordou, tendo sido marcada uma reunião para o mês de junho, na qual será debatida uma proposta de regulamentação da terceirização que garanta os direitos dos trabalhadores.

Ponto a favor da luta dos trabalhadores e das centrais. Toda vigilância é fundamental para derrotar a ofensiva capitalista contra os direitos dos trabalhadores. Toda mobilização é necessária para que a legislação que protege os trabalhadores seja consolidada e para que novos direitos sejam alcançados.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

As esquerdas e a pauta conservadora


Aécio Neves e Sergio Guerra


O deputado Sérgio Guerra (PSDB- PE) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) participam do seminário "Recuperar a Petrobrás é o nosso desafio”
Acovardadas, nossas esquerdas permitem que a direita estabeleça a pauta nacional: ‘mensalão’, redução da menoridade penal, violência, fracasso da política... 
“...e quando finalmente a esquerda chegou ao governo, tinha perdido a batalha das ideias”.

Perry Anderson


A frase de Perry Anderson (editor da New Left Review),   tomei-a de um texto de Emir Sader (‘Neoliberalismo x posneoliberalisno na America Latina’), referia-se à França – à pobre França do Partido Socialista de François Hollande— mas poderia referir-se à Espanha (a pobre Espanha do Partido Socialista Operário Espanhol), ou à Itália na qual a preeminência política do  Partido Comunista Italiano, o PCI de Gramsci e Togliatti – ‘o maior partido do Ocidente’ – foi substituída pela era Berlusconi, o grotesco.  Mas, e é o que nos interessa, a observação se aplica igualmente ao Brasil de hoje, após a queda da ditadura (1984) e a derrota eleitoral do neoliberalismo conservador (2002/2006/2010), derrota a qual, todavia,  não se propagou para o campo da política.
Ao contrário, e apesar do agravante constituído pela tragédia europeia, é a visão neoliberal, reiteradamente desmentida pela realidade, que domina o debate, o noticiário e até mesmo ações de governo.
Em pleno 2013, a tese do candidato das oposições é retomar as privatizações de FHC. Qual é, agora, o objeto da sanha, se pouco nos sobrou: a Petrobras? O Banco do Brasil? A Caixa Econômica?
Nosso atraso ideológico vai beber água nas circunstâncias em que se deu a redemocratização.
Refiro-me ao fato de a ditadura haver conseguido transformar a ruptura necessária em transação negociada, assumindo o papel de sujeito do processo, e assim contendo em suas rédeas a transição ‘lenta e gradual’, nos termos da equação do general Geisel, que compreendeu uma reforma política reacionária, que sobreviveu à própria Constituinte em dois aspectos essenciais: a ampliação das bancadas que representam os estados menos populosos, distorcendo mais ainda o princípio democrático que estabelece que a cada cidadão deve corresponder um voto, e a obrigatoriedade de remunerar os vereadores, transformando-os nos indivíduos mais bem remunerados na maior parte dos municípios do País.
Aquela reforma teve como fruto perene a entronização do ‘baixo clero’ como principal bancada da Câmara dos Deputados, permeando todas as legendas nela representadas. Até aqui.
A sociedade resistiu durante 20 anos à ditadura, o movimento das ‘diretas-já’ --verdadeiro não plebiscitário à ditadura-- terminou por implodir o Colégio eleitoral e derrotar o candidato do regime, mas os termos da ‘transição’ foram concertados entre generais e políticos autoimitidos no mandato de delegados da sociedade brasileira.  O povo, em nome do qual tudo foi feito, teve de contentar-se com o papel que lhe reserva sempre uma História comandada pelos interesses da classe dominante: a plateia.
Por tramas do processo histórico, a esquerda não teve condições de conduzir o debate, e esse, paulatinamente, é dominado pelo pensamento neoliberal, ao qual aderem, primeiro, setores liberais que vinham da luta contra a ditadura, em seguida setores atrasados da própria esquerda, uns interessados em ocupar espaços na nova nomenclatura, outros, assustados com os ventos que sopravam do Leste, a partir da Queda do Muro de Berlim.
O Ocidente acenava com as vitórias de Thatcher, Reagan e, a seguir, Tony Blair. A desmontagem dos Partidos Comunistas em quase todo o mundo, e no Brasil a implosão do Partido Comunista Brasileiro (o ‘Partidão’) a que se seguiu a contrafação do PPS, foram um elemento a mais no arrefecimento da reflexão marxista.
Estavam criadas as condições propícias à ditadura do pensamento único. O imperialismo, dominante na política, dominante a cultura, na língua internacional, na linguagem tecnológica, na literatura, no cinema, na televisão, na globalização do american way of life, dominante do pensar, domina principalmente onde não precisa da força de suas tropas. Dominava e domina no plano ideológico, dominando corações e mentes.
Entre nós, de um lado a crise do movimento sindical e a astenia da Academia; de outro, o monopólio da informação e da opinião, professada por uma imprensa monopolizada ideologicamente.  Todos os jornais, reproduzindo as mesmas opiniões, se julgam ‘algo mais que um jornal’. O reacionarismo, o antinacional e o antipopular, o primitivo, o antidesenvolvimentismo, a superveniência do que vem de fora, a alienação, a superstição, o atraso, o não-Brasil são a característica ideológica de uma imprensa militante, hoje o principal partido político brasileiro.
Falo da televisão, do rádio e da imprensa escrita.
Falo de sua programação, de seu conteúdo, não apenas da desinformação dos noticiosos.
Não avanço o sinal mesmo quando afirmo que a grande imprensa brasileira é racista e de direita, à direita mesmo do empresariado nacional.
As palavras são do mais conspícuo representante do pensamento autoritário conservador brasileiro, o ministro Joaquim Barbosa, em recente conferencia na Costa Rica. Some-se a tudo isso a aliança entre a falsa fé religiosa (explorada mercantilmente no nível do charlatanismo) e a política partidária, uma se servindo da outra e ambas, a fé politizada e a política explorando a fé, alienando a população que subjuga ideologicamente para melhor explorar, construindo impérios econômicos e midiáticos e partidos políticos que vão disputar as entranhas do poder.
E as esquerdas, e os governos progressistas, como o avestruz da fábula que enterra a cabeça para não ver o perigo, fazem de conta de que nada veem, a se dizerem, empolgados por algumas vitórias eleitorais, que essa imprensa ‘não faz mais opinião’.
Não quero suprimi-la, nem mesmo diminuir sua força. Reclamo, apenas, o contraditório.
Mas essa imprensa é a única opinião a trafegar e é por seu intermédio que até os militantes dos partidos de esquerda se informam e muitos se formam.  E eis como muitos setores da esquerda brasileira passam a incorporar valores da direita e a reproduzi-los, pensando em posar de ‘moderna’. Em nome da governabilidade, nossos governos são obrigados a compor com a direita, pois só caminhando à direita é que a esquerda soma votos.
E, por essas artes, entramos todos a falar em choque de gestão, em lucratividade (sim, até a previdência social deve dar lucro!), em ‘métodos científicos’ de administração, em eficiência do setor privado, em despolitização da administração pública, em gigantismo do Estado, em excesso fiscal, em baixar a maioridade legal para 16 anos, em mais jovens negros e pobres na cadeia a título de política de segurança.
Quem dorme com morcego acorda de cabeça para baixo, diz o povo.
Os partidos de esquerda fogem do debate ideológico, ensarilham suas teses, saem de campo, tudo em nome da conciliação.
Os Programas e Manifestos são reservados para as dissertações de mestrado. Nada de confronto, nada de enfrentamento, como se a paralisia pudesse ser instrumento de avanço, e assim terminam reforçando o statu quo. Qual seu papel pedagógico e doutrinário no Congresso, nas Assembleias e nos governos?
Silentes, acovardadas nossas esquerdas permitem que a direita, sucessivamente derrotada nas urnas, estabeleça a pauta nacional, e nela nos enredamos: ‘mensalão’, redução da menoridade penal, violência, fracasso da política, fracasso dos políticos... o eufemismo de ‘fracasso da democracia’.
No governo e fora dele, os partidos socialistas não falam mais em socialismo, governo e partidos de esquerda passam a operar a ‘conciliação de classes’ com a qual acenam para a grande imprensa e o sistema financeiro. Nos sindicatos, a ‘política de resultados’ substitui a luta política ideológica. O somatório de tudo isso – e assim se descortina o cenário da emergência do pensamento de direita – é uma Justiça reacionária e um Supremo afoito, tentando judicializar a política, e, ao arrepio da Constituição, assumindo funções legislativas, ademais de condicionar a vida interna de um Congresso acuado.
O próprio presidente do STF, de novo o inefável ministro Barbosa, aliás de forma coerente, agride a vida congressual e os partidos, sem os quais não haverá democracia alguma em nosso país. E sabe disso. E por saber é que fala essas coisas. Cumpre, assim, a tarefa que lhe cabe nesse festival de agressões ao processo democrático: embala os sonhos de uma classe média reacionária em busca de um novo redentor.
O debate das eleições de 2010, lamentavelmente ditado pela direita, concentrou-se, num primarismo digno da TFP, num sim e num não ao aborto. Qual a nossa proposta de debate para 2014?

quarta-feira, 29 de maio de 2013

SISTEMA DE SEGURANÇA DO PODER JUDICIÁRIO

CNJ aprova criação de sistema voltado para a segurança do Poder Judiciário ( "ou sobre como a magistratura alcançará mais um adicional - o de periculosidade, muito antes que os seus Oficiais de Justiça o consigam ..." )

O Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em sua última sessão ordinária (14/5), proposta de Resolução que institui o Sistema Nacional de Segurança do Poder Judiciário (SINASPJ), que será regido por um conjunto de diretrizes, medidas, protocolos e rotinas de segurança que deverão ser seguidos por todos os tribunais brasileiros e constituirão a Política Nacional de Segurança do Poder Judiciário.

A instituição de um plano voltado para a segurança de magistrados surgiu ainda em 2011, após a ex-corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, constatar o aumento do número de juízes ameaçados no País. A ideia tomou impulso com o assassinato da juíza Patrícia Aciolli, no Rio de Janeiro, em agosto daquele ano, e as ameaças relatadas pelo juiz Paulo Augusto Moreira Lima, da Justiça Federal de Goiás, que se afastou do processo que tinha como réu Carlinhos Cachoeira.

Desde julho de 2011, 202 magistrados relataram à Corregedoria ter sofrido ameaças em virtude de sua atuação. A proposta de ato normativo foi finalizada pela Corregedoria Nacional de Justiça em meados de 2012 e começou a ser analisada pelo Plenário do Conselho, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do conselheiro José Guilherme Vasi Werner. O ato normativo aprovado na última sessão do CNJ é resultado de um consenso entre a proposta da Corregedoria Nacional de Justiça e as contribuições do conselheiro Vasi Werner.

O SINASPJ será composto por um Comitê Gestor, pelo Departamento de Segurança e Inteligência do Poder Judiciário (DSIPJ) e pelas Comissões de Segurança Permanente dos tribunais de Justiça, tribunais da Justiça Militar e tribunais regionais federais e eleitorais, já criadas pela Resolução n. 104/2010.


O Comitê Gestor será o órgão responsável pela definição da Política Nacional de Segurança do Poder Judiciário, que deverá ser submetida à aprovação do Plenário do CNJ. Caberá ao órgão também o planejamento, a proposição, a coordenação, a supervisão e o controle das ações do SINASPJ.

A proposta aprovada elenca uma série de medidas que poderão ser adotadas pelo Comitê Gestor para garantir a segurança de magistrados. Entre elas a recomendação da remoção provisória de membro do Poder Judiciário em situação de risco, a recomendação de exercício provisório fora da sede, a requisição às polícias da União, dos estados e do Distrito Federal de auxílio de força policial e serviço de proteção policial a magistrados e seus familiares em situação de risco.


Também caberá ao Comitê Gestor a representação à autoridade policial para apuração de infrações praticadas contra magistrados no exercício de sua função; a representação ao Ministério da Justiça para requisição de instauração de inquérito pela Polícia Federal para apurar infrações cometidas contra magistrados, em caso de omissão dos órgãos locais, e proposição de pedido ao Presidente da República para intervenção das Forças Armadas, entre outras medidas.

O Comitê será presidido por um conselheiro indicado pelo Plenário do CNJ e integrado por um juiz auxiliar da Corregedoria, um juiz auxiliar da Presidência do CNJ, representantes das Comissões Permanentes de Segurança dos tribunais e membros de órgãos de inteligência e segurança, aprovados pelo Plenário.


O DSIPJ fará parte da estrutura do CNJ e será subordinado à Presidência. Será o órgão responsável, entre outras funções, por receber pedidos e reclamações de magistrados, supervisionar e coordenar a atuação dos Núcleos de Segurança e Inteligência dos tribunais e supervisionar e avaliar as medidas de proteção adotadas em favor dos magistrados e seus familiares.


Já as Comissões de Segurança Permanente dos tribunais ficarão responsáveis por elaborar o plano de proteção e assistência a juízes em situação de risco e deliberar sobre os pedidos de proteção feitos por magistrados ou pelo CNJ por meio do Comitê Gestor, entre outras funções.


A proposta aprovada pelo Plenário recomenda ainda aos Tribunais a adoção de algumas medidas mínimas para a segurança dos magistrados. A Resolução entrará em vigor 60 dias após sua publicação.

Fonte: CNJ

terça-feira, 28 de maio de 2013

Comer insetos para acabar com a fome?


Segundo a FAO, atualmente, cultiva-se o suficiente para alimentar 12 bilhões de pessoas, e no planeta somos 7 bilhões. Há comida. O problema é: em mãos de quem está a comida?
Esther Vivas
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) publicou na semana passada um relatório que causou certo alvoroço: “Insectos comestibles. Perspectivas de futuro para la seguridad alimentaria y la alimentación”, onde recomenda o consumo de insetos para dar de comer a um número cada vez maior de pessoas. Porém, acabar com a fome no mundo passa por começar a consumir insetos ou tornar accessível a comida às pessoas? Acho mais plausível a segunda opção.
Não tenho nada contra o consumo de "bichos”, o que, em outras latitudes está plenamente aceito. Segundo a FAO, hoje no planeta pelo menos dois milhões de pessoas ingerem regularmente escaravelhos, lagartas, abelhas, formigas, gafanhotos, lesmas e um longo etcétera. Um total de 1.900 espécies que são comidas na África, na Ásia e também na América Latina. E, segundo o mencionado relatório, têm alto conteúdo proteico, matérias graxas e minerais. Porém, para nós, a ideia de levá-los à boca nos produz nojo.
Os debates que, atualmente, giram ao redor da proposta da FAO em meios de comunicação diversos são feitos com clara visão etnocêntrica do que comemos, associando o consumo de insetos a um comportamento primitivo, como se nós tivéssemos a verdade absoluta sobre o que se pode e não se pode comer. Me pergunto: O que pensarão em outros países dos caramujos ao molho, do coelho assado, da paella, coelho com caramujos...? Creio que mais de um centro europeu não aguentaria nem dois minutos na mesa, imaginando seu coelho mascote cozido como bisteca e rodeado de moluscos babosos.
Porém, além das considerações culturais, creio que o problema da fome tem que ser abordado a partir de outra perspectiva. Não se trata, como solução mágica, de apostar na ingestão de insetos, independentemente de suas qualidades nutritivas, mas o nó da questão está em perguntar-nos como, em um mundo da abundância de alimentos, há tantas pessoas que não têm o que comer? Hoje, o problema da fome não reside na produção, mas na distribuição. Não se trata de produzir mais, ou de buscar novos produtos para comer; mas, de distribuir os que já existem e torná-los accessíveis a todos.
Segundo a FAO, atualmente, cultiva-se o suficiente para alimentar 12 bilhões de pessoas, e no planeta somos 7 bilhões. Há comida. O problema é: em mãos de quem está a comida? Os alimentos converteram-se em um instrumento de negócio por parte de umas poucas multinacionais da agroindústria que priorizam seus interesses empresariais em detrimento das necessidades alimentares das pessoas. Dessa forma, se não tens dinheiro para pagar o preço cada dia mais caro da comida ou acesso aos meios de produção, como terra, água e sementes, não comes.
Acabar com a fome passa por exigir justiça e democracia nas políticas agrícolas e alimentares. E devolver aos povos a soberania alimentar, a capacidade de decidir sobre o que e como produzir, distribuir e consumir. Antepor direitos a privilégios. E apostar em outro modelo de agricultura e alimentação: de proximidade, camponesa, agroecológica... Somente assim todo mundo poderá comer.
[*Original em español: em Público, 18/05/2013. +info: http://esthervivas.com]. 
Esther Vivas é autora do livro “Do campo ao prato. Os circuitos de produção e distribuição de alimentos”.
Tradução: Adital

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Kotscho: Tutor de outros poderes não fala de mordomias do STF

Joaquim ataca, mas não fala de mordomias do STF



Na mesma segunda-feira em que o Estadão rompia a cortina de silêncio que protege o Judiciário de críticas, ao revelar as mordomias aéreas dos meritíssimos ministros, em reportagem de Eduardo Bresciani e Mariângela Gallucci, Joaquim Barbosa, o presidente do Supremo Tribunal Federal, atacou o Congresso Nacional pela “ineficiência, inteiramente dominado pelo Executivo” e os partidos políticos em geral, que qualificou de “mentirinha”.

A surpreendente reportagem do “Estadão” conta que o STF gastou, entre 2009 e 2012, R$ 608 mil só com passagens internacionais de primeira classe para esposas de ministros e outros R$ 295,5 mil em viagens dos magistrados em períodos de recesso.

Além disso, o jornal denunciou que Joaquim Barbosa viajou 19 vezes por conta do STF em períodos nos quais estava de licença médica, tendo como destinos Rio, São Paulo, Fortaleza e Salvador.

Em sua longa palestra no Instituto de Educação Superior de Brasília, onde é professor, Joaquim Barbosa, que se apresentou como uma espécie de tutor dos outros poderes, não tocou neste assunto das viagens patrocinadas pelo STF, que consumiram um total de R$ 2,2 milhões dos cofres públicos nos últimos três anos.
Não que o falante Barbosa tenha contado alguma grande novidade que todos os cidadãos já não saibam sobre o funcionamento do parlamento e dos partidos políticos ou tenha ofendido membros de outros poderes, mas estranhamente preferiu o silêncio quando foi perguntado, após a palestra, sobre viagens pagas pelo tribunal e licenças médicas.

Ao ouvir a pergunta, o presidente do STF, como tem acontecido em outras ocasiões recentes, quando é questionado, mostrou-se bastante irritado:

“Eu não quero falar sobre este assunto. Eu não li a matéria. Essa matéria é do seu conhecimento, não é do meu”.
Pois deveria falar, já que se trata de uso de dinheiro público em proveito privado, embora o STF autorize este tipo de benefício, como informa a reportagem:

“O pagamento de passagens aéreas a dependentes de ministros é permitido, em viagens internacionais, por uma resolução de 2010, baseada em julgamento de um processo administrativo do ano anterior. O ato diz que as passagens devem ser de primeira classe e que este tipo de despesa deve ser arcado pela Corte quando a presença do parente for “indispensável” para o evento do qual o ministro participará”.

Alguém sabia disso? Qual o critério de “indispensável”? No meu caso, por exemplo, mesmo a trabalho sempre gosto de viajar acompanhado da minha mulher, mas quem tem que pagar a passagem dela somos nós.

N
a crítica aos partidos de “mentirinha” que tornam “o Congresso um poder dominado pelo Executivo”, o ministro Barbosa esqueceu de dizer que o Judiciário tem grande parte de responsabilidade nesta deformação institucional, como bem lembrou, em artigo publicado na “Folha”, o cientista político Humberto Dantas, professor do Insper, depois de listar vários casos em que o STF facilitou a proliferação de legendas.

“Diante de tais aspectos, não parece ser apenas o Executivo a furtar o Legislativo de seu papel.

Não há no país poder mais criativo em matéria eleitoral que o Judiciário. Assim, que o professor Barbosa seja capaz de observar que o órgão que preside contribui para reforçar a `mentirinha´ chamada `partido político´.
Antes do dia acabar, a assessoria do presidente do STF distribuiu nota para dizer que Barbosa falou na condição de “acadêmico e professor” e não teve “a intenção de criticar ou emitir juízo de valor a respeito do Legislativo”. Melhor assim, pois o presidente da Câmara, Henrique Alves, já tinha divulgado outra nota em que qualificou a manifestação do presidente do STF de “desrespeitosa”.
O que mais me chama a atenção neste episódio é que nós estamos habituados a ver e ouvir todos os dias duras críticas sobre mordomias contra membros do Executivo e do Legislativo, em todos os níveis, mas que me lembre é a primeira vez que um veículo da grande imprensa trata desta questão no Supremo Tribunal Federal.

Se os viajantes fossem membros de outro poder, certamente a reportagem repercutiria nos demais veículos, ganharia ares de escândalo e logo alguém pediria a instalação de uma CPI.

http://www.viomundo.com.br/denuncias/kotscho-tutor-de-outros-poderes-nao-fala-de-mordomias-do-stf.html 

domingo, 26 de maio de 2013

A farsa sindical das centrais


 




















O movimento sindical brasileiro passou por várias fases em sua curta, mas fértil, história de lutas, com muitas conquistas e muitas derrotas, sempre em busca de melhores condições de trabalho, de salário e, consequentemente, de vida.

Seus primeiros passos, no início do século XX, foram marcados pelo confronto ideológico com o capital, uma inspiração do movimento anarquista que havia crescido na Europa, no século XIX, e ganhava espaços na incipiente classe operária brasileira.

A partir do ano de 1922, com o surgimento do Partido Comunista Brasileiro, travou-se séria disputa pela hegemonia das lutas operárias no Brasil, entre a militância do PCB e dos anarquistas, com vitalização das lutas operárias e o crescimento dos sindicatos livres, classistas, muitas vezes com propostas revolucionárias. Mas também com o germe da divisão da esquerda, na luta pelo comando do movimento sindical livre.

Getúlio Vargas, ao assumir o governo, em 1930, provoca substanciais mudanças nos rumos do sindicalismo brasileiro, impondo sua legalização, seu atrelamento ao Ministério do Trabalho, colocando-o oficialmente como colaborador do Estado. Negou aos trabalhadores todo e qualquer direito de organização a partir do local do trabalho, enquanto concedeu plenos poderes para o empresariado. Segundo sua concepção, seria necessário ter o controle do movimento operário para garantir o crescimento da industrialização nacional, sem maiores percalços. Inteligentemente, passou a conceder uma série de direitos reivindicados pelas lutas operárias das duas primeiras décadas do século XX: jornada de 8 horas, férias de 30 dias, posteriormente a implantação do salário mínimo aos trabalhadores urbanos, entre outros direitos. Como se diz no interior, Vargas deu uma no cravo e outra na ferradura: atendeu parte das reivindicações históricas, mas colocou rédeas nos sindicatos; favoreceu enormemente a indústria nacional, mas concedeu alguns dos direitos reclamados pelos trabalhadores.

Muitos anos se passaram, o sindicalismo oficial teve momentos de crescimento, apesar do seu atrelamento ao Estado, conseguiu mais algumas conquistas, como o 13º salário, e passou a bater de frente contra o que se chamava na época aos interesses das multinacionais, sob a tutela do governo dos Estados Unidos. O golpe militar de 1964 silenciou a classe operária, interveio nos sindicatos, amordaçou e impôs derrotas aos trabalhadores.

Novas formas de organização operária, porém, foram se criando, à revelia da ditadura. A organização clandestina no chão da fábrica ganhou forças e, apesar da cruel repressão, acumulou forças, até que sua força reprimida viesse à tona, com novo vigor, em 1978, a partir da greve da Scania, e sua expansão pelo ABC, São Paulo e outras cidades do país.

Esse novo vigor operário revelou que era possível ir adiante, abrir novos espaços na vida política nacional e participar das mudanças que o povo brasileiro tanto exigia. A fundação da CUT em 1983 – além do PT e PC do B – foi o passo mais significativo do novo momento operário brasileiro. Mas o capital “não dormiu de botina”, trabalhou em surdina, usou de todos os recursos disponíveis para cooptar parte significativa das direções sindicais. Três meses após a fundação da CUT, nova central foi criada, a CGT, dividindo politicamente o movimento dos trabalhadores. Em 1991, com o apoio ostensivo de Collor de Mello e de empresas nacionais e multinacionais, nova central se cria: a Força Sindical, que introduziu o sindicalismo de “resultado”, em que trabalhadores de uma empresa vendem seus dedos em troca de alguns anéis de vidro.

Mas a CUT era a verdadeira face do movimento sindical combativo e classista. E assim permaneceu até declaradamente trocar as lutas operárias pelo projeto petista de colocar Lula na presidência do país, a qualquer preço. E o capital aceitou o desafio, passando a cortejar Lula, o PT e até o PC do B. Assim, a CUT se empenhou com todas as forças para eleger seu presidente, jogando a luta e a unidade dos trabalhadores na lata do lixo. PT, PC do B e CUT passaram a manipular suas bases e a desestimular a mobilização dos trabalhadores. Lula na presidência, campanha bancada com muito dinheiro do capital, levou consigo para o Planalto seus companheiros da central cutista e cooptou as direções das outras centrais, especialmente da Força (ou Farsa) Sindical.

Se a Força Sindical já era do capital, agora já não estava só nessa tarefa. Tinha a toda poderosa CUT ao seu lado. E juntas tramam o assalto aos direitos dos trabalhadores, aprovando as alterações constitucionais que permitem eliminar tais direitos (conquistados ao longo dos anos com muita luta e muito sangue de operários e trabalhadores do campo). Trechos de uma matéria são bem elucidativos dessa adesão das centrais sindicais aos interesses do capital: o comentário é de Cesar Sanson, professor de Sociologia do Trabalho na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

Eis parte do artigo.

“As centrais sindicais, entre elas a CUT e a Força Sindical, anunciaram que a partir de agora terão um espaço permanente de negociação com o governo, ou seja, passarão a sentar-se regularmente no Palácio do Planalto para negociações.

As centrais sindicais conseguiram o que está distante para outros movimentos sociais, como, por exemplo, o movimento indígena. Como destacamos em recente análise de conjuntura, o governo não tem problemas em receber e conversar com movimentos que estão na esfera produtivista-consumista, na esfera do formal, subordinada ao modelo fordista-desenvolvimentista. Demonstra, porém, enorme dificuldade em dialogar com os movimentos ‘étnicos’, com os movimentos que estão fora da lógica formal ou que não aceitam e resistem subordinar-se à sua agenda.

A Mesa Permanente de Negociação das centrais com o governo começa, entretanto, com uma agenda imposta pelo Palácio do Planalto. Foram deixados de fora o fim do fator previdenciário e a redução da jornada de trabalho para 40 horas, exatamente os dois pontos que as centrais mais queriam discutir. As centrais aceitaram que os dois pontos ficassem de fora da agenda em troca da promessa que mais à frente poderão ser discutidos.

O governo sugere oito pontos para a conversa. O mais relevante, entre eles, é o Projeto de Lei 4330 que prevê regulamentação da terceirização, leia-se institucionalização... O restante diz respeito a uma agenda que já vem sendo discutida e implementada, não haverá ganhos significativos, pois são conteúdos que não incomodam o capital.

Chama ainda atenção o fato de que na Mesa Permanente de Negociação não foi pautado o tema da desindustrialização – tema dos mais importantes e que vem pulverizando os melhores empregos no mercado de trabalho. Tampouco foram incluídas nas negociações contrapartidas criando mecanismos de estabilidade no emprego para as empresas que recebem generosos subsídios do BNDES. Recentemente, a General Motors em São José dos Campos, depois de receber dinheiro do governo, demitiu 600 trabalhadores.

Resumindo, o que está posto na Mesa Permanente de Negociação é muito pouco para o histórico de lutas, reivindicações e bandeiras construídas pelo movimento sindical brasileiro. É um enorme retrocesso e revela certo adesismo das centrais por não terem exigido a inclusão da redução da jornada de trabalho. O que vem sendo anunciado como uma conquista das centrais – um canal aberto e direto para negociações – é quase nada, ainda mais quando se considera que o atual governo tem parcela de sua origem no próprio movimento sindical”.

Em síntese, o que os dirigentes dessas centrais realmente querem é ter espaços políticos ao lado de quem dirige o país em favor das grandes empresas nacionais e internacionais. Para enganar suas bases, tais dirigentes fazem longos discursos, ocupam espaços na mídia conservadora, organizam shows financiados pelo capital e manifestações públicas com a presença de aposentados e desempregados bem remunerados. Quando não alcançam seus espaços, fazem a chantagem visando cacife para galgar os escalões da política tupiniquim, mas que em nada interessa ao povo trabalhador. Praticam, de fato, verdadeira Farsa Sindical.

Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

sábado, 25 de maio de 2013

A defesa do óbvio






Outro dia desses, vi uma postagem em uma rede social da internet com a seguinte frase: “que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?”. A frase era atribuída ao dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, também um conhecido frasista. Não tenho a menor certeza da autoria mencionada, mas de fato é muito penoso viver em um tempo onde o que deveria ser o óbvio passa a ser visto como complexo ou inviável, ou até mesmo desconsiderado.

O momento político e econômico do Brasil nos dá inúmeros exemplos dessa espécie de abobalhamento – ou, pior, acanalhamento – que afeta povos, sociedades, países inteiros em determinados momentos históricos. A própria Alemanha de Brecht, com toda a sua tradição intelectual e filosófica, se deixou levar pela aventura nazista e certamente pode ter sido a fonte de inspiração desta lúcida e realista frase atribuída a ele.

O Brasil experimentou, durante décadas do século passado, um processo de industrialização que nos permitiu constituir uma base produtiva complexa, para um país dependente e na periferia do sistema capitalista. Mantendo integrado um país territorialmente continental, fortalecemos nossa unidade com estruturas sofisticadas de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica; serviços de telefonia e telecomunicações; produção interna de bens de consumo, insumos e bens de capital.

É verdade, também, que esse processo manteve o país dentre os mais desiguais e injustos do mundo, situação que se torna mais grave, e dramática, quando constatamos as riquezas que temos e todas as prerrogativas que nos facilitariam construir uma sociedade de fato democrática, justa e harmoniosa. Esta é uma grave constatação, que apenas nos evidencia que o crescimento econômico, por si só, não é condição suficiente para enfrentarmos os desequilíbrios e injustiças que nos marcam e nos envergonham.

O sentido e a direção política das estratégias de crescimento econômico são essenciais de serem bem definidas, para que as suas consequências se revertam em favor das maiorias do povo, em geral, no nosso país, abandonadas e marginalizadas. Esta é, talvez, uma primeira obviedade que nossa história econômica demonstra: não nos basta crescer, mantendo-se estruturas econômicas e regras legais que facilitam a manutenção e ampliação da concentração de renda e riquezas.

Uma segunda obviedade decorre do processo mais recente de contrarreformas, que se encontra em curso no Brasil desde o início dos anos 1990. O processo anterior – o do século passado – se esgotou ao final dos anos 1970 e início da década de 1980, a partir da chamada crise da dívida externa. Apenas, após a renegociação da dívida externa do país, sob a chancela do Departamento de Estado e da Secretaria do Tesouro dos EUA, houve condições de se unificarem as classes dominantes do país em torno de um novo projeto político, representado pela nova ordem econômica imposta pelo Plano Real.

Abertura financeira, abertura comercial, privatizações e subordinação da dívida pública aos ditames de uma política monetária associada a uma política de valorização cambial produziram uma séria alteração estrutural na economia brasileira. Regredimos de forma espetacular, mas, na medida em que as grandes corporações, nacionais e estrangeiras, se beneficiaram, um novo pacto político foi forjado. Ao povo, a grande vantagem apresentada foi o “fim da inflação”, argumento até hoje acionado, sempre que algum objetivo das forças hegemônicas – tendo à frente bancos e multinacionais – se encontra sob risco ou ameaça.

A regressão mencionada se vincula à acelerada desnacionalização do parque produtivo; à desestruturação da capacidade de planejamento e gestão das funções do Estado voltadas ao atendimento das demandas sociais e à infraestrutura logística; à regressão produtiva da estrutura industrial; à reprimarização da pauta de exportações; à acelerada oligopolização e financeirização da economia. Ora! O que temos em curso é uma brutal regressão em relação ao que já fomos, em passado não muito distante.

Ao mesmo tempo, e certamente vinculado ao processo da nova hegemonia que se impôs, vivenciamos o rebaixamento da política e dos nossos partidos. O mundo dos negócios – e não da cidadania – parece ser o objeto da preocupação da maior parte do universo político-partidário. A metamorfose dos antigos partidos de esquerda é notória e programas sociais compensatórios, preconizados pelo Banco Mundial e voltados aos mais pobres, parecem ser o máximo possível a ser feito.

A verdade, nua e crua, é que voltamos a ficar – tal e qual na República Velha – extremamente subordinados às ondas de expansão do comércio internacional e aos humores dos financistas mundiais. São evidentes os imensos riscos que essa opção encarna. Contudo, assim como a euforia que marcou o país no período de 1994 a 1998 se desfez – não sem antes permitir a eleição e reeleição de FHC, em votações decididas já em primeiro turno –, parece que agora as ilusões daqueles que defenderam a ideia que vivenciávamos um neodesenvolvimentismo não se sustentarão.

Muito além de problemas conjunturais, traduzidos no pífio crescimento da economia e nas taxas de inflação, atenuadas pela irresponsável valorização do real, temos problemas estruturais graves. Nossas contas externas se deterioram com velocidade, com o movimento concomitante de redução do saldo comercial e ampliação do déficit da conta de serviços, projetando um resultado negativo das contas correntes do país, para esse ano, que poderá chegar a US$ 80 bilhões. A trajetória deste indicador é apenas um retrato dos equívocos a que estamos sendo submetidos. Entre os anos de 2003 e 2007, chegamos a ter um resultado positivo na conta corrente, por conta do boom dos preços das commodities. Entretanto, desde 2008 voltamos a apresentar déficits crescentes, que expõem potencialmente nossa vulnerabilidade externa. Em suma: estaremos novamente nas mãos dos investidores externos e da confiança dos mesmos em relação ao nosso país. Confiança que, como sempre, estará vinculada às facilidades e vantagens que a eles poderemos oferecer.

Como exemplo, lembro os criminosos leilões de petróleo que nesta semana foram retomados e que serão ainda incrementados, neste ano, com novas licitações para exploração de bacias de petróleo e gás, incluindo as cobiçadas reservas do pré-sal. Além, é sempre bom lembrar, das prometidas concessões de portos, aeroportos, ferrovias, rodovias e tudo aquilo que for do apetite dos investidores privados e de preferência estrangeiros.

Por tudo isso, o que talvez precisemos possa se resumir a uma obviedade: a necessidade de um modelo alternativo de desenvolvimento, soberano – de acordo com nossas potencialidades; democrático, pois fundado nas reais necessidades do povo; e de bases nacionais, envolvendo bandeiras históricas, como a reforma agrária e agrícola; uma verdadeira reforma tributária progressiva; uma reconfiguração da estrutura fiscal, com a descentralização de recursos, hoje na esfera federal e concentrados na administração da dívida pública, em prol do financiamento das políticas sociais e de infraestrutura; o fortalecimento da Previdência Social Pública, sob o regime de repartição e efetiva proteção a todos os assalariados do país, com rendimentos equivalentes ao valor-teto dos vencimentos do funcionalismo público; e, especialmente, a recuperação do Estado, na sua capacidade de planejar, executar e gerenciar uma nova ordem econômica, social e política.

Porém, para o país abraçar um programa desta natureza será necessário algo que está longe do óbvio: a vontade política de enfrentar riscos, desafios e a ousadia de avançar em projetos que se chocam contra os interesses de bancos e multinacionais. Será necessário reconstruir forças políticas, fiéis ao compromisso com a mudança e a ousadia, características abandonadas por aqueles que, ao chegarem ao governo, optaram pela covardia e acomodação.

 Paulo Passarinho   

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Videla: o que há para lamentar na morte do genocida



Videla se foi e, para mim, restou um consolo e uma humilhação. O consolo: ele morreu numa cela comum, depois de ter sido julgado – com o direito à defesa que ele não concedeu a ninguém – e condenado. Morreu preso, querendo chegar ao banheiro. A humilhação: nós, brasileiros, continuamos vendo os êmulos do genocida perambulando livres por aí. Outro dia, um desses seres covardes, Carlos Brilhante Ustra, apareceu defendendo o que fez. O artigo é de Eric Nepomuceno

  • Há uma única coisa a lamentar na morte do general Jorge Rafael Videla: seu silêncio.

Ele foi-se embora sozinho, abandonado por quase todos os seus pares e execrado pelos argentinos, e levando segredos que, se revelados, mudariam a vida de milhares de pessoas. Pessoas que saberiam como foram mortos os desaparecidos, e o que foi feito com seus restos, e saberiam da trama obscura e perversa do roubo de bebês, e as avós achariam seus netos roubados, e as mães saberiam de seus filhos mortos. 

Essa a única coisa a lamentar na morte do verdugo: os segredos que ele, covarde vil, levou para o inferno.

Morreu de forma justa: sua saúde vinha se deteriorando pouco a pouco, e na noite da quinta-feira, dia 16 de maio, teve aquilo que as boas famílias chamam de ‘indisposição gástrica’. Um problema, digamos, intestinal. E foi assim que ao amanhecer da sexta-feira tentou chegar ao banheiro. Não conseguiu: caiu duro no chão. 

Foi encontrado com as pupilas dilatadas e um esgar marcando seu rosto tenebroso, a boca cerrada para sempre. Aquela boca de gente ruim, sempre tensa, mesmo quando proferia absurdos. A boca que nunca se abriu para fazer nada que valesse a pena.

Morreu numa cela comum, num presídio militar a escassos 50 quilômetros de Buenos Aires. Uma cela com algum conforto: cama, mesinha de luz, relógio despertador, o inevitável crucifixo. Sim, porque Videla era um católico radical, um fundamentalista de comungar dia sim e o outro também, e que viveu ao amparo da Igreja Católica até o último suspiro. Apesar do que fez e mandou fazer, apesar de tudo, nunca foi excomungado.

Sim, sim: levou para a tumba um segredo perverso: onde estão os bebês que nasceram em campos clandestinos de concentração e foram dados de presente para policiais e militares? Onde estão os corpos dos desaparecidos? E por quê continuar chamando de desaparecidos os que a ditadura que ele impôs, dirigiu e orientou, assassinou?

Lembro bem de Videla chegando ao poder, integrando uma junta militar que no dia 24 de março de 1976 mergulhou a Argentina num oceano de breu e sangue. Eu morava em Buenos Aires, e trago recordações permanentes do turbilhão de violência e desmando que foi o país a partir da morte de Juan Domingo Perón. 

Assim que María Estela Martínez de Perón, a ex bailarina de cabaré no Panamá que se fazia chamar de Isabelita Perón, assumiu a presidência, começou o horror. 

Uma das figuras mais nefastas e bizarras da história argentina, o ex cabo de polícia José López Rega, assumiu, de fato, o poder. Isabelita era apenas uma idiota cercada de pompa e circunstância. O país passou a navegar à deriva, e o pesadelo rapidamente foi tomando forma: um grupo de extrema-direita, a Triple A – Aliança Anticomunista Argentina – desandou a matar a granel. E nas sombras, sorrateiro, o general Videla foi cimentando os alicerces do que viria depois. 

Sim, sim: lembro bem de Videla chegando ao poder, de seu ar prepotente e gelado, prometendo – ao lado do opaco brigadeiro Orlando Agosti e do mefistofélico almirante Emilio Massera – reorganizar o país. E de como logo de saída começaram as mortes, as torturas trucidando homens e mulheres, os desaparecimentos. Institucionalizando o pavor. As pessoas sumiam, tragadas pelo ar, e nunca mais de ouviu falar delas. 

E tudo isso, diga-se de passagem – é importante lembrar – com o apoio ou a omissão cúmplice de boa parte da sociedade, principalmente a portenha. Naqueles primeiros meses, quando se comentava que alguém tinha sumido, era comum ouvir como resposta um seco ‘por algo será’. E assim, muito rapidamente, o medo foi se impondo, assumindo o lugar da omissão, e o silêncio se instalou no país. 

O medo e o silêncio foram a terra abonada para que se instaurasse o horror que durou sete infindáveis anos e deixou marcas permanentes nos argentinos que vieram antes, nos que viveram aqueles tempos e se calaram, nos que viveram aqueles tempos e conseguiram sobreviver. 

Videla se tornou, sim, e com razão, o rosto abjeto de uma era de breu. Mas foi apenas o rosto visível, não o único rosto. 

Quando ele encabeçou o golpe, as organizações de esquerda, tanto as armadas quanto as desarmadas, estavam desmanteladas. O golpe militar e a implantação da ditadura mais sanguinária tiveram um único objetivo: impor uma política econômica determinada a fazer com que uns poucos ganhassem mais que nunca e uns muitos perdessem mais que nunca. 

Os efeitos dessa política econômica se fazem sentir até hoje. Aliás, já em democracia, um ex preso político, uma figurinha tão bizarra como sinistra chamada Carlos Menem, redobrou as aberrações da economia. Não por acaso, foi esse Menem quem ditou uma lei de indulto para os genocidas, entre eles Jorge Rafael Videla.

Sim, sim: lembro de Videla como lembro meus anos jovens naquela Argentina desvairada. E lembro de meus amigos que ele mandou matar, e de meus amigos que tiveram de se exilar, e de tanta coisa e tanta gente que sumiu na longa noite de trevas que durou curtos e tão permanentes sete anos. 

Videla caiu em 1981, e vieram outros generais bizarros. Ele não caiu pelos horrores que fez, mas pelos desvarios da economia que cometeu. Incrível, isso: o genocida caiu não por genocida, mas por ter esgotado uma política econômica que afundou a Argentina enquanto beneficiava alucinadamente uma meia dúzia de grupos empresariais.

Resta, disso tudo, um consolo e uma humilhação. 

O consolo: essa besta fera morreu numa cela comum, depois de ter sido julgado – com o direito à defesa que ele não concedeu a ninguém – e condenado. Morreu preso, querendo chegar ao banheiro. 

A humilhação: nós, brasileiros, continuamos vendo os êmulos do genocida perambulando livres, leves e soltos por aí. 

Outro dia, um desses seres covardes, brilhantemente desprezíveis, apareceu defendendo o que fez. E o que fez foi torturar, trucidar, pessoas. 

O imundo em questão tem nome e sobrenome: Carlos Brilhante Ustra.

Videla teve e tinha a mesma empáfia, quando comparecia a tribunais. A diferença que nos humilha é simples e clara. Videla teve e tinha a mesma empáfia enquanto declarava vindo e voltando para uma cela de preso comum. 

Brilhante Ustra teve e tem a mesma empáfia vindo e voltando para casa. 

Imunda casa. Imunda história. 

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O trem da história e o mito da falta de recursos

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Brasil continua a adiar construção de malha ferroviária, porque não haveria condições para tanto. Todos os dados demonstram: é argumento falso


Por Celso Vicenzi*

De tempos em tempos, Florianópolis costuma sediar encontros para debater o sistema de transporte e o que fazer para melhorar a mobilidade urbana. Nossas autoridades adoram posar de planejadores modernos. Há muitas soluções possíveis, sem dúvida, mas a melhor delas foi inventada no século XIX. Chama-se trem. Na Europa, nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, há de todos os tipos e modelos, principalmente a diesel e elétricos. Alguns circulam até com pneus de caminhão. Andando na superfície ou embaixo da terra, são um meio de transporte imprescindível para médias e grandes cidades.
Em Lisboa, bondes – ou “elétricos”, como denominam os portugueses – dividem o mesmo espaço das ruas com carros e ônibus. Sem conflitos. E ainda tem o metrô.
A cidade do Porto, ainda em Portugal, tem praticamente o número de habitantes de Florianópolis, e possui 60 quilômetros de linhas férreas em superfície – em boa parte junto com os automóveis – e nove quilômetros subterrâneas. Por que cidades como Porto e centenas de outras conseguem construir linhas ferroviárias viáveis e no Brasil se aceita a eterna desculpa de que o custo é muito elevado? Quanto custam os engarrafamentos para o país? A poluição? O gasto de combustível? Os acidentes de trânsito? As mortes no trânsito? Os feridos mutilados para o resto de suas vidas? Isso sem falar no tal “custo Brasil” para o transporte de mercadorias. Agora nossas autoridades, políticas e empresariais,  descobrem a urgência de uma “ferrovia do frango” para viabilizar toda uma cadeia de produção agropecuária. Há muito tempo, perdemos o trem da história.
Algum dia teremos que parar de promover debates “marqueteiros”, parar de apresentar maquetes que nunca saem das mesas e começar a implantar mais ferrovias, transporte aquaviário e vias rápidas para ônibus. E pagar o preço pelo atraso. Vai custar caro, sim. Mas vamos lamentar até quando? Até quebrar o país e inviabilizá-lo econômica e socialmente? Pequim tem hoje 442 quilômetros de linhas de metrô e começou a construí-las em 1965. São Paulo deu início logo depois, em 1974 – mais ou menos na mesma época da Cidade do México (1969). Hoje, os paulistanos dispõem de pouco mais de 70 quilômetros. A capital mexicana tem 200 quilômetros. Os custos são elevados tanto aqui quanto lá. Mas eles fazem, nós vamos ficando pelo caminho. Até mesmo em rodovias. No Brasil, apenas 12,9% das rodovias são pavimentadas. Na Argentina são 30%, no Chile 20%. Melhor nem comparar com a Índia (47%) ou México (50%).
Os trens cruzam os Estados Unidos de norte a sul, de leste a oeste. Europa e América do Norte possuem 70% das ferrovias do planeta. Trens que andam entre 200 e mais de 400 km/h e já competem com os aviões como opção de transporte rápido. Numa única estação de trem – Termini – em Roma, há 29 plataformas que ligam a capital romana às principais cidades do país. Há linhas na Europa que atravessam países. E nem é preciso mencionar a ligação Paris-Londres, que se dá ao luxo de ter 50,5 quilômetros de túneis embaixo do mar – atravessando o Canal da Mancha.
Até quando ouviremos a desculpa da falta de dinheiro? O Brasil é a oitava economia mundial. Países com PIB muito inferior possuem infraestrutura de transporte bem mais organizada. Por aqui, sobra desperdício. Nos damos ao luxo de ter um potencial de 40 mil quilômetros de vias navegáveis e utilizamos apenas 10 mil quilômetros. Temos 8 mil quilômetros de costa marítima, uma das maiores do mundo – ainda pouco usada.
No subsídio a automóveis, táxis e motos, o Brasil gasta a cada ano entre R$ 10,7 bilhões e R$ 24,3 bilhões – ou 86% de todos os subsídios das três esferas de governo (Manoel Schindwein, www.desafios.ipea.org.br). Sobra para o transporte público apenas 14% – ou algo em torno de R$ 2 bilhões. Em resumo: concedemos subsídios para aumentar os engarrafamentos nas  médias e grandes cidades e, com isso, gastar cada vez mais em duplicações de ruas, avenidas e rodovias, túneis e viadutos.  Sem falar em desapropriações para abrir espaços à sua majestade, o automóvel.
Está na hora de debater a quem pertence o espaço público. 
A toda a população, evidentemente. 
No entanto, apenas 20% dos usuários das vias públicas das grandes cidades são responsáveis pela ocupação de 80% delas. 
O espaço público foi privatizado para o automóvel, enquanto a maior parte da população, que não tem dinheiro para motos e carros, gasta cada vez mais tempo para ir de casa para o trabalho, em ônibus e trens precários. A ordem, na lista de prioridades, precisa ser alterada. Ônibus devem ter corredores livres. Ciclovias e linhas de trem — principalmente de superfície – precisam ser criadas e/ou ampliadas. Se duplicam e quadruplicam vias, por que nunca acham espaço para trens e bicicletas?
Em Londres, paga-se para andar de carro no centro. 
Em Cingapura, para comprar um carro é preciso provar que se tem onde estacioná-lo e ainda pagar uma taxa de US$ 11 mil para um período de 10 anos. O uso do automóvel precisa ser desestimulado, ao mesmo tempo em que se aumenta a eficiência e a comodidade do transporte público. 
Não há mágica. 
No espaço público, a prioridade deve ser do transporte público.
E, se não quisermos perder novamente o trem da história, é melhor começar logo a pôr o país nos trilhos. Literalmente.

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*Celso Vicenzi é ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, Prêmio Esso de Ciência e Tecnologia, com passagens por rádio, TV, jornal, revista e assessoria de imprensa. Lançou “Gol é Orgasmo”, com ilustrações de Paulo Caruso, editora Unisul. Assessora uma cooperativa de crédito (Sicoob), escreve humor no Jornal de Barreiros e no twitter @celso_vicenzi. Para contato: vicenzi@newsite.com.br

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Revolução cultural à brasileira

cineasta nelson pereira dos santos durante a filmagem de como era gostoso o meu frances 197142702 














Brasil - Vermelho - [Carlos Haag]

Nos anos 1950, cultura e política tiveram ligação de mão dupla que interessava a artistas e ao Partido Comunista do Brasil (PCB)


Na década de 1950, o Brasil se modernizava e partidos e movimentos de esquerda, bem como movimentos artísticos, acreditavam na possibilidade de uma revolução brasileira, nacional-democrática ou socialista. "Artistas e intelectuais tiveram um papel expressivo na construção da utopia de uma 'brasilidade revolucionária', que permitiria realizar as potencialidades de um povo e de uma nação", diz Marcelo Ridenti, professor de sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mas até hoje a compreensão dessa relação, entre política e cultura, é complexa e inclui nomes de peso do panteão cultural que foram comunistas, como: Jorge Amado, Nelson Pereira dos Santos, Caio Prado Jr., Nora Ney, Dias Gomes, Jorge Goulart e Di Cavalcanti, entre outros. "É um problema que não cabe numa equação simples que supõe a militância comunista de artistas e intelectuais como parte de um desejo de transformar seu saber em poder. Tampouco se pode supor que houvesse mera manipulação dos intelectuais pelos dirigentes do Partido Comunista Brasileiro [PCB]", explica o professor, que analisou a questão no projeto Artistas e intelectuais comunistas na consolidação do campo intelectual e da indústria cultural no Brasil. (Veja aqui)
"Num momento como o atual, em que as pesquisas evitam a politização dos temas, é importante recuperar como cultura e política se aproximaram num período turbulento como aquele, entre os anos 1950 e 1970", observa o pesquisador. Segundo Ridenti, vários campos artísticos e intelectuais consolidados a partir da década de 1950 só são pensáveis a partir das lutas em seu interior, em que os comunistas desempenharam um papel importante, por vezes levando os integrantes do PCB ou ex-militantes às posições de maior reconhecimento ou prestígio. Muitos mudaram de convicção política ao longo do tempo. A maioria fez uma autocrítica sobre a sua atuação naquele período, mesmo os que continuaram se identificando como de esquerda ou sendo comunistas. Houve também muita reclamação posterior de que o partido mantinha com eles uma relação "ornamental" ou "instrumental", ou seja, apenas para angariar prestígio ou divulgar uma linha política, sem falar nas críticas sobre o despotismo da direção, pronta a vigiar o imaginário dos militantes. "Só em parte isso é verdade. Esses artistas só puderam conquistar posições a partir do histórico de militância organizada, que, assim, esteve longe de significar mera manipulação de seus artistas e intelectuais. Era uma relação de mão dupla", observa o autor.
"De fato, o partido tinha uma linha política estreita e dogmática, dava pouco espaço a seus intelectuais, quase não contribuía para pensar a especificidade da sociedade brasileira, era marcado pelo centralismo e por relações autoritárias. Mas havia contrapartidas que mantiveram os artistas e intelectuais no partido apesar de tudo isso", fala Ridenti. Para ele, não se deve caricaturar a ação cultural do PCB nos anos 1950, um elemento expressivo constituinte da cultura brasileira. "A indústria cultural ainda não estava de todo estabelecida no país. Com a modernização, muitos artistas e intelectuais estavam em busca de um espaço que não fosse a Igreja ou o Estado, então as principais instituições organizadas nos tempos em que a universidade ainda estava em crescimento", lembra. Na maioria vindos da classe média que se expandia com a modernização do país, esses intelectuais não cabiam em nenhum dos dois espaços. "O PCB foi uma chance de organização, um fórum de debate cultural e político, que permitia ter acesso a uma rede de revistas pelo Brasil e de contatos no exterior."
Legitimidade
A organização no partido dava legitimidade a certos grupos e indivíduos que buscavam marcar posição (ou evitar perder prestígio) em suas atividades. "O grande exemplo foi Jorge Amado, que teve seu talento potencializado pela ligação com o PCB, cuja rede de contatos internacionais facilitou a publicação de seus romances em vários países. Por sua vez, ele emprestava o seu prestígio de escritor ao partido e acabou sendo eleito deputado pelo PCB na Constituinte de 1946", conta Ridenti. No exílio na França, a partir de 1948, aderiu ao movimento internacional pela paz e ganhou notoriedade mundial. "Sem desmerecer o talento de Amado, isso não teria acontecido se ele não fosse ligado ao partido. Foi por meio dessa relação que ele teve acesso a uma rede de contatos em diversos países da Europa e viu seus romances traduzidos em vários idiomas em razão disso. O mesmo aconteceu com Nelson Pereira dos Santos, que foi para a França e outros países com apoio do PCB e pôde conhecer vários cineastas", diz o pesquisador.
Amado se transformou em divulgador do realismo socialista no Brasil e mesmo quando se afastou do PCB nunca rompeu oficialmente com os comunistas. "Ele saiu à francesa. Só ganhou autonomia como autor depois de Gabriela, cravo e canela (1958)", fala Ridenti. As recompensas, porém, colocavam dilemas para os artistas, que testemunhavam as perseguições aos militantes dissidentes em escala internacional. "Eles também se inseriam nas redes comunistas como reprodutores do pensamento e da política produzida no centro, não como formuladores originais", nota o autor. "Realmente, entre os anos 1940 e 1950, durante o realismo socialista, houve um grande controle do partido sobre os artistas e intelectuais brasileiros ligados ao PCB. Mas, no geral, essa relação foi flexível, porque o partido não se interessava muito pela cultura, o que explica por que, nos anos 1970, os artistas tentaram construir uma política cultural para o PCB, que não tinha uma", lembra o historiador Marcos Napolitano, da Universidade de São Paulo (USP), autor do estudoPolíticas culturais e resistência democrática no Brasil nos anos 1970.
"Houve um entusiasmado movimento em que os intelectuais e o partido convergiram para pensar um projeto revolucionário de nação. O partido e os intelectuais de esquerda foram as grandes referências, por exemplo, para os cineastas dispostos a fazer uma arte política e, em tese, politizadora. Infelizmente, o partido poderia ter usado mais e melhor os diagnósticos feitos pelos artistas", observa a socióloga Célia Tolentino, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Marília, que estuda o tema em O pensamento social na literatura e no cinema, com apoio da FAPESP. "Os artistas não eram inocentes úteis para o PCB, também ganhavam com essa relação", nota Ridenti.
Autonomia
A maior ou menor autonomia do partido dependia da carreira paralela à política. Figuras como Dias Gomes ou Oscar Niemeyer, para citar dois exemplos, lembra o pesquisador, não sofreram nenhuma ingerência do PCB em sua vida e obra. Essa influência atingia mais (embora de forma desorganizada) os menos conhecidos. "Assim, se há casos em que o partido foi autoritário com os artistas, fica a pergunta: por que muitos deles seguiram na militância ainda assim? Havia o sentimento de pertencer a uma comunidade que se imaginava na vanguarda mundial e podia dar apoio e organização a artistas e intelectuais em luta por prestígio e poder, distinção e consagração em seus campos de atuação, para si e para o partido", diz o autor. Com esse movimento, os artistas comunistas prepararam o terreno para a renovação futura. "O Cinema Novo, dos anos 1960, não seria possível sem a história anterior de disputas no campo do cinema fomentada pelos cineastas comunistas", nota Ridenti.
"O mesmo vale para o desenvolvimento das novelas e da TV brasileira como um todo. Após o golpe de 64, a hegemonia do PCB entre intelectuais e artistas foi cortada e a partir de 1968 eles acabam abrigados na Rede Globo, apesar de a emissora ser partidária da ditadura. Figuras como Dias Gomes, Ferreira Gullar, Gianfrancesco Guarnieri, entre outros, além de encontrarem proteção, viram a TV como uma continuidade programática, acreditavam que era uma forma de falar com o povo. Por isso chegaram a ser rotulados de 'vendidos', quando estavam continuando a sua política cultural", diz o historiador Francisco Alambert, da USP, autor, entre outros, do artigo Mario Pedrosa: art and revolution. "Aos poucos, com o desenvolvimento da sociedade civil e da indústria cultural, as classes populares vão assumindo sua voz, não precisando mais de intelectuais falando em nome delas. A produção cultural vai se ligar ao mercado e ao espaço universitário, esvaziando os partidos e a ideia de revolução, rompendo a aproximação entre cultura e política", diz Ridenti.
"Não se pode, porém, esquecer o que houve no passado. É preciso compreender os dilemas e contradições das figuras humanas daquele tempo que não raro aparecem mitificadas nos escritos sobre elas", finaliza o pesquisador.

Diário Liberdade