Judiciário e Coronelismo
por Kenarik Boujikian Felippe
Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal deve decidir uma ação que
tem como intuito bloquear a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), no que diz respeito à iniciativa dos procedimentos disciplinares
contra juízes e desembargadores.
O que esta por trás deste processo e de outros que visam coibir as
atribuições fixadas na Constituição Federal ao CNJ, órgão criado com a
reforma do Judiciário?
Resposta: o coronelismo, que no Judiciário é forte o bastante para
que com unhas e dentes segure os anéis. Está arraigado em sua estrutura
de poder, em suas entranhas, aculturou-se de tal modo que é blindada às
mudanças estabelecidas pelos legisladores.
O retrato do coronelismo no Judiciário, especialmente perceptível
face à atuação do CNJ nestes seus primeiros anos de existência, pode ser
apontada particularmente no que representa a terrível “confusão” entre a
coisa pública e a privada; nos favorecimentos pessoais de toda ordem,
como o pagamento de valores de forma privilegiada, em total desrespeito
aos princípios constitucionais da moralidade e transparência; a
designação de mais ou menos funcionários nos cartórios pelas relações
de amizade, sem critérios objetivos e transparentes; o favorecimento de
designação de funcionários para a segunda instância, como demonstrou
pesquisa realizada em Pernambuco; o desvio de verbas; os gastos
descontrolados, perseguição de juízes por manifestação de opinião; o
corporativismo; distribuição de processos muito aquém para
desembargadores do órgão especial; impunidade que beneficia as cúpulas e
membros dos Tribunais, etc…etc…
Mais grave é o descaso do coronelismo judiciário com os que estão no
andar de baixo, que não são pessoas dotadas de dignidade, pois para o
coronelismo a existência de andares e castas é uma premissa. Tal foi
demonstrado com a realização dos mutirões carcerários. Presos e presas
não recebem o tratamento respeitoso de jurisdicionados, como se não
tivessem direito de acesso à justiça. Em relação a São Paulo,
estranhamente, o CNJ não inseriu o relatório do mutirão, conforme
consulta realizada no site.
Registro que o CNJ não pode se imiscuir na questão jurisdicional, sob
pena de ferir o princípio consagrado na Constituição Federal e em
documentos internacionais, da independência judicial, que não existe em
benefício do magistrado, mas do povo, para que o juiz possa decidir, sem
que os coronéis do judiciário possam interferir em suas decisões, sem
pressioná-los, como a dar telefonemas para que decidam assim ou assado.
Isto é fato. Acontece. Recentemente, magistrado do Rio de Janeiro
recebeu um telefonema destes e pediu que o presidente apresentasse o
pedido por escrito. Acreditem: o presidente do TJRJ assim o fez e
conseguiu-se documentar esta conduta.
E mais recentemente, aqui em São Paulo, o próprio presidente declarou
em nota pública que comandou a operação militar de desocupação do
“Pinheirinho”. Qual o fundamento para que um presidente de tribunal atue
em um processo, senão nos casos previstos em lei? Não há previsão legal
de poder de avocação de processo e de seus atos por qualquer
desembargador.
Há que se reconhecer que o CNJ abriu um pouco da caixa preta deste
Poder, por vezes de forma excessivamente midiática e muitas como também
fosse um coronel, querendo controlar a conduta pessoal do magistrado,
usando da fúria normativa, inclusive querendo que o juiz se submeta às
decisões jurisprudenciais, sob pena de sanção para o momento de promoção
(apenas alguns exemplos).
O foco do CNJ muitas vezes é equivocado, a gestão administrativa do
Judiciário como se fosse uma empresa privada é fruto de uma visão
mercadológica do Poder. O que o Judiciário necessita é de práticas
democráticas. O CNJ deve ser o guardião da independência judicial, do
princípio do juiz natural, deve ser o órgão a pensar e idealizar novas
formas de realização de justiça e não apenas ser um cobrador de números.
É necessário também rever a própria estrutura do CNJ, pois o controle
social do Judiciário, ninguém pode mais ter dúvida, é imprescindível.
Entretanto, é fatal pensar que é basicamente um órgão de cúpula,
dirigido pelo próprio presidente do STF, composto majoritariamente por
magistrados indicados pelas cúpulas do Judiciário. Onde estão a
Universidade, as pessoas de outras áreas, porque só temos pessoas do
direito a compor o CNJ, onde estão os sociólogos, os economistas,
administradores, filósofos, etc…?
A cidadania tem direito de controlar todos os seus poderes de Estado,
pois são seus. O Judiciário deve se subordinar ao povo soberano, os
juízes têm que se subordinar ao povo e somente o farão se cumprirem o
seu papel de garantidor de direitos.
Como afirmado pela Associação Juízes para a Democracia, em nota
pública, a competência disciplinar do CNJ, encontra apoio no art. 103-B,
§ 4.º, incisos III e V da Constituição Federal, é salutar conquista da
sociedade civil. Os mecanismos de controle da moralidade administrativa
e da exação funcional dos magistrados garantem legitimidade ao poder.
Nem todos os juízes compactuam com a nefasta tradição de impunidade
dos agentes políticos do estado, mas todos os juízes sabem que até hoje
nada é feito em relação à conduta dos desembargadores, e o caso de São
Paulo, estopim das ações propostas no STF, é exemplar. Muitos ouviram
que foi realizado pagamento de forma irregular, mas tudo ficou no âmbito
da fofoca, do mal dizer. Mas o que foi feito até que tudo viesse
publicamente à tona?
Absolutamente nada, pois a postura preferencial é jogar para debaixo
do tapete, como se isto fosse melhor para a imagem do Poder Judiciário.
Não é justo que todos os juízes sejam confundidos com o que existe de
mais nefasto no Poder e os relatos e exemplos acima não podem ser
generalizados e isto o CNJ pode e deve fazer.
A necessidade de democratização do Judiciário é premente e um bom
começo seria o Supremo Tribunal Federal, enviar ao Congresso sua
proposta de nova lei de regência, pois passados 23 anos da Constituição
Federal, ainda somos obrigados a viver sob uma lei promulgada pela
ditadura militar. A colocação do projeto de lei no ambiente próprio, no
Congresso Nacional, permitiria que a sociedade discutisse os marcos
desejáveis para uma justiça democrática.
Espera-se que o Supremo Tribunal Federal tenha coragem para romper
com o conservadorismo que ainda impera no Judiciário e atenda a
expectativa social, que foi apresentada pela carta “Pela Transparência e
Democratização do Poder Judiciário”, lançada por diversas organizações
sociais, que clamam que os órgãos e os agentes do Poder Judiciário
brasileiro respeitem os marcos republicanos instituídos com o advento da
Constituição de 1988 e com a Reforma do Poder Judiciário.
Leia também:
Nenhum comentário:
Postar um comentário