No abrigo Vale do Sol, ex-moradores do Pinheirinho
reuniram-se nesse sábado, 25, para conversar com o defensor público
Jairo Salvador. Agentes provocadores impediram. As fotos acima são do repórter fotográfico Lucas Lacaz Ruiz, que foi ameaçado e intimado a parar de trabalhar no local
por Conceição Lemes
22 de janeiro. Por ordem da juíza Márcia Loureiro,
do governador Geraldo Alckmin e do prefeito Eduardo Cury (ambos do
PSDB), as cerca de 1.600 famílias (em torno de 9 mil pessoas) que
moravam em Pinheirinho foram expulsas violentamente de suas casas.
26 de fevereiro. Dos quatro abrigos da Prefeitura de
São José dos Campos para os ex-moradores do Pinheirinho, só resta o do
Centro Comunitário Morumbi. Primeiro, fechou o CAIC Dom Pedro. Depois, o
Ginásio Ubiratan. Ontem, sábado, 25, o Ginásio Vale do Sol.
“Na sexta-feira, fomos avisados de que teríamos de sair no sábado do
Vale do Sol e ir para o Morumbi ou para o Albergue Municipal Monte
Castelo. O pessoal está com tanto medo da polícia que teve família, com
criança de colo, que foi para o Morumbi quase meia noite de
sexta-feira”, conta-nos um ex-morador, pai de várias crianças. “Nós não
éramos moradores de rua, nós tínhamos a nossa casa, que fui destruída
com tudo dentro. Pedimos então para discutir o assunto na manhã desse
sábado. A dona Quitéria [assistente social ligada à Prefeitura]
concordou, mas foi da boca pra fora.”
“Ontem, logo cedo alguns homens ligados à Prefeitura começaram a
aterrorizar as famílias, a nos agredir, um deles chegou a dizer que a
minha cabeça estava a prêmio”, denuncia o ex-morador. “A polícia
assistiu a tudo, rindo junto com funcionários da Prefeitura.”
“Nós tínhamos combinado conversar com o defensor público, que chegou
lá cedinho, mas eles não deixaram, tamanha arruaça que aprontaram. A
polícia assistiu a tudo e não fez !”, indigna-se. ” Nem mesmo para
garantir a segurança do defensor público! Acabamos todos expulsos do
Morumbi; entre nós, tinha gente que já havia sido expulsa de dois
abrigos.”
INTIMIDAÇÃO, A “SOLUÇÃO” PARA RESOLVER O “PROBLEMA” DE MORADIA
Na verdade, diferentemente do que é divulgado pela Prefeitura de São
José dos Campos, o “esvaziamento” crescente dos abrigos não é porque
esses ex-moradores do Pinheirinho estão alugando uma casa para morar.
“Além das péssimas condições dos abrigos, o clima de terror
implantado neles pela Prefeitura foi tamanho que teve gente que preferiu
ir morar até na rua”, revela a vereadora Amélia Naomi, do PT de São
José dos Campos. “Policiais entram e saem dos abrigos, fazendo questão
de exibir as suas armas. As crianças vivem assustadas, com medo.”
No caso do Vale do Sol, nem os pouquíssimos jornalistas que continuam acompanhando a situação foram poupados.
A jornalista Alessandra Jorge, de São José dos Campos, se assustou
com o clima que encontrou ontem no Vale do Sol e no Morumbi: “Há um
clima de apreensão entre os abrigados. Guarda Municipal e pessoas
ligadas à Prefeitura estão fazendo pressão psicológica em cima das
famílias, para que não contem o que está acontecendo nos abrigos, que
não permitam mais fotos, sob a alegação de que a imprensa está
explorando a tristeza deles e isso só tem feito a situação deles
piorar”.
FOTÓGRAFO IMPEDIDO DE TRABALHAR; EQUIPAMENTO E VIDA AMEAÇADAS
Lucas Lacaz Ruiz é repórter fotográfico free-lance, trabalha portanto
como autônomo, e acompanha há um bom tempo o Pinheirinho e outros casos
de desigualdade social.
Ontem, ele sabia que o doutor Jairo Salvador, defensor público do
Estado de São Paulo, iria ao Ginásio Vale do Sol conversar com os
desabrigados e passar alguns informes. Foi para lá então registrar o
encontro e fazer uma reportagem sobre as condições de vida dentro do
abrigo. Era o único repórter fotográfico. Acabou impedido de trabalhar e
ameaçado:
– Quase não fotografei. Logo, de cara, um homem muito exaltado,
gritando, falou que não deveríamos filmar nem fazer fotos dentro do
Ginásio Vale do Sol. Eu obedeci, mas permaneci no local.
– A tensão, que já era grande dentro do Vale do Sol, aumentou. Mais
dois homens começaram a intimidar todas as pessoas, dizendo a PM iria ao
local expulsar todos com balas de borracha, spray pimenta, gás
lacrimogêneo… Foi quando uma colega que segurava um bebê no colo pediu
para que eu a fotografasse. Novamente, fui intimado a sair do local,
senão o meu equipamento seria danificado e a minha integridade física
ameaçada.
– Estava me encaminhando à portaria do ginásio, quando perguntei a um
guarda CGM (policial da Guarda Civil Metropolitana) se ele não faria
nada para impedir a ação daqueles homens que estavam atemorizando todas
as pessoas. Ele simplesmente me disse que estava ali para manter a ordem
e a segurança das pessoas. Eu questionei: “Estou sendo ameaçado e o
senhor não vai ou não pode fazer nada?” O GCM, novamente, me respondeu:
“É melhor o senhor obedecer, pois são eles que mandam aqui!”
– Mais uma vez fui cercado e intimado com gritos e ameaças ao meu
equipamento e à minha vida. Eles não estavam brincando, falavam sério.
– Já quase na parte externa do abrigo, onde o doutor Jairo Salvador
faria uma explanação sobre os direitos dos desabrigados, chegou, de
novo, um grupo de três ou quatro homens, gritando que todos deveriam
sair dali e ir para o Morumbi. Soube depois que a vereadora Amélia e o
doutor Jairo Salvador também foram expulsos. O doutor Jairo nem
conseguiu falar.
“Ontem, chegaram ao absurdo de ameaçar voluntários, que são
justamente as pessoas que estão levando ajuda humanitária aos
desabrigados”, volta à carga a vereadora Amélia Naomi. “O pior que tudo
isso foi articulado com a Prefeitura. O negócio era esvaziar o abrigo,
nem que as famílias ficassem ao deus-dará.”
“O que aconteceu foi banditismo, mesmo. Além de ameaçar e agredir
ex-moradores do Pinheirinho, agentes provocadores impediram que a
Defensoria Pública prestasse atendimento às famílias”, acusa Jairo
Salvador. “Lamentavelmente, terrorismo patrocinado pela própria
Prefeitura de São José dos Campos”.
Veja fotos do Pinheirinho no Boston.com (sugerido pelo Sidnei Gertel)
Nenhum comentário:
Postar um comentário