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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Prisões privadas: governo de SP quer mercantilizar até punição

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Medida estimula encarceramento em massa, restringe adoção de penas alternativas e onera Estado, ao obrigá-lo a sustentar aprisionamentos fúteis

Por Eduardo Maretti

A ideia do governo de São Paulo de criar megapresídios na Grande São Paulo é condenada com veemência por especialistas, sob os aspectos jurídico e econômico. 

Por meio de parceria público-privada (PPP), o governo de Geraldo Alckmin pretende construir três presídios com capacidade total para 10.500 presos.

O defensor do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, Bruno Shimizu, considera o projeto preocupante. “Para a defensoria, há um problema de constitucionalidade grave. O Estado tem o monopólio da força e da violência. O sofrimento não pode ser mercantilizado. A partir do momento em que se começa a transformar o poder de polícia do Estado em mercadoria, isso significa o colapso das instituições democráticas.” Segundo ele, já houve uma reunião informal entre representantes da secretaria e da Defensoria, mas a proposta ainda está pouco clara para se tirar conclusões.

Na quarta-feira, durante audiência na Assembleia Legislativa, o secretário de Administração Penitenciária, Lourival Gomes, disse que está à procura de terrenos para a criação de três PPPs. “É uma experiência que envolve a região metropolitana de São Paulo, não há a ideia de se expandir isso para o estado todo”, disse, argumentando ainda que as empresas vão se interessar pela ideia porque poderão lucrar “nos serviços de hotelaria, de segurança e de recuperação”.

Um dos perigos da gestão privada do sistema carcerário diz respeito à impossibilidade da convivência entre direitos individuais e lucro. “Nos Estados Unidos há cláusulas nos contratos de privatização pelos quais a unidade tem de se manter com 90% do limite máximo da lotação. Se a própria unidade vai administrar, ela não vai fazer grandes esforços para que as pessoas saiam de lá”, avalia o defensor público. “Quanto mais encarceramento, mais lucro. A unidade é que vai controlar as faltas graves, a emissão de documentos para a progressão de regime. Isso tudo pode ser barrado em função do lucro.”

O sistema paulista teria como modelo o que atualmente funciona em Ribeirão das Neves,a 45 minutos de Belo Horizonte. Inaugurado em janeiro de 2013 pelo governo mineiro de Antonio Anastasia (PSDB), o projeto foi anunciado como “modelo inédito de parceria público-privada” e é considerado o primeiro construído e administrado inteiramente pela iniciativa privada no Brasil.

O deputado estadual Durval Angelo (PT), oposição ao governador Anastasia na Assembleia Legislativa mineira, também vê graves problemas na solução encontrada para o sistema carcerário com PPPs. “Algumas atividades são específicas e próprias do Estado. A segurança e defesa social, assim como saúde e educação, é competência do Estado. Ele não pode abrir mão disso. Se abdicar disso, é o fracasso do Estado”, diz.

Na mesma linha, Marcos Fuchs, diretor-adjunto da ONG Conectas, diz que “zelar pelo preso é uma função do Estado, prevista na Constituição. O Poder Judiciário determinou a privação da liberdade. Cabe ao Estado receber esse preso para o cumprimento dessa determinação”.

Segundo o diretor da Conectas, a política de encarceramento em massa nos Estados Unidos, decorrente de o preso ser um negócio, vitimiza dependentes e usuários de drogas, autores de furtos e outros delitos de pequeno potencial ofensivo, o que faz com que a política seja cada vez mais criticada naquele país.
Solução onerosa

O custo do projeto tocado pela PPP em Minas, de R$ 280 milhões, ficou sob responsabilidade do consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), que venceu a licitação. O consórcio é composto por CCI Construções, Construtora Augusto Velloso, Empresa Tejofran de Saneamento e Serviços Ltda, N.F Motta Construções e Comércio e Instituto Nacional de Administração Prisional.

No modelo mineiro, cada preso custa R$ 2.800 por mês ao estado. O contrato prevê a gestão e administração do negócio pelo consórcio por 27 anos. Considerando o modelo de Minas como parâmetro, já que o paulista ainda está em gestação e há poucos detalhes, o estado de São Paulo desembolsaria R$ 28,35 milhões por mês (ou R$ 340 milhões anuais), caso o complexo chegue aos 10.500 presos anunciados pelo governo.

“Não seria melhor o estado montar escolas, centros de aprendizado, convênios com empresas dentro dos presídios, para empregar a mão de obra dos presos, até para se reduzirem as penas?”, questiona Fuchs. “Se o Estado vai pagar à empresa R$ 2.800 por preso, quem vão ser esses presos? Vai ser escolhido, vai ser aleatório? Certamente vai haver uma tendência a um maior encarceramento, porque vai virar um negócio. Vai haver um lobby fortíssimo por prender mais. Mas preso não pode ser objeto de contrato.”

O deputado Durval Ângelo usa de uma imagem para explicar como vê a parceria em Ribeirão das Neves. “A PPP é um acordo igual ao pescoço com a guilhotina. O poder público entra com o pescoço. O dinheiro do contribuinte e dos impostos é o pescoço.”

Segundo ele, devido à morosidade do projeto de Minas, ainda é cedo para se tirar conclusão definitiva. “Não conseguimos avaliar aqui ainda porque, como tudo em Minas, tem mais propaganda do que realidade. O sistema anunciado há oito anos era para ter cinco penitenciárias no complexo, com mais de 3 mil presos, mas tem uma só funcionando e outra para terminar. Está muito no início”.

Ao inaugurar a primeira unidade no início do ano, o governo previa que as quatro restantes seriam concluídas até dezembro de 2013, segundo reportagens publicadas à época.

domingo, 29 de setembro de 2013

Comprar, tirar, comprar ...



                 A história secreta da obsolescência planejada

Copa-2014: como sociedade financia estádios privados


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O caso exemplar do Atlético Paranaense expõe a “esperta” engenharia financeira empregada para desviar recursos públicos a empreendimentos de poucos

Por Ciro Barros e Giulia Afiune, na Publica

É um desafio entender a engenharia financeira montada para arcar com os custos da reforma da Arena da Baixada, estádio do Atlético Paranaense e sede dos jogos da Copa do Mundo de 2014 em Curitiba. Para garantir o evento da FIFA na “cidade-modelo”, como é conhecida a capital paranaense, articulou-se um modelo de negócios que envolve recursos do BNDES, do Estado do Paraná, da Prefeitura de Curitiba e do próprio Clube Atlético Paranaense (CAP) que opera o milagre de transformar dinheiro público em recursos privados. Um exemplo de como a questão dos investimentos e do legado da Copa está sendo tratada, de fato, no país.
O enredo começa com o lançamento da Matriz de Responsabilidades, em 13 de janeiro de 2010. Nesse documento, que trata dos investimentos para a realização da Copa 2014 no Brasil, ficou definido que em Curitiba, o estádio utilizado seria a Arena da Baixada, que passaria por reformas de 184,6 milhões de reais. O Atlético Paranaense, dono do estádio, entraria com R$ 113 milhões, o BNDES, com R$ 25 milhões para as obras e reformas da Arena, e as obras complementares, orçadas em 46,6 milhões de reais, ficariam a cargo da Prefeitura.
No dia 9 de agosto de 2010, porém, depois de entrevistas do presidente do Atlético Paranaense, Marcos Malucelli, afirmando que o clube “não se endividaria por causa da Copa do Mundo”, segundo ele, “de responsabilidade da cidade e do Governo do Estado”, houve uma reunião entre o então governador do Paraná, Orlando Pessuti (PMDB); o prefeito de Curitiba em exercício, Luciano Ducci (PSB); membros da diretoria do Atlético e representantes dos comitês municipal e estadual da Copa no Paraná. Ali ficou decidido que o clube teria direito a usar o instrumento do potencial construtivo, da Prefeitura, para financiar sua parte nos investimentos.
O potencial construtivo permite que os municípios gerem receitas adicionais, concedendo licenças especiais de construção, que permitem exceções às regras de zoneamento dos Planos Diretores Municipais. Por exemplo, se uma empresa está interessada em erguer um edifício de seis andares em uma área onde se permite a construção de prédios com, no máximo, quatro pavimentos, pode comprar certificados desse potencial construtivo e/ou negociar obras em benefício da cidade como contrapartida a autorização da prefeitura. Mas, as leis que regulamentam essas contrapartidas (Estatuto da Cidade e Plano Diretor Municipal) não são exatamente claras, o que complica na hora de medir se o investimento compensa os incômodos gerados pela exceção, às vezes grandes, como no caso de prédios altos em zonas residenciais. Por isso, além de contrapartidas sociais, são necessárias compensações em relação ao ônus causado pela flexibilização do zoneamento, a chamada gestão do solo.
Foi com base no potencial construtivo que a prefeitura, Estado e clube assinaram o convênio 19.275, publicado no Diário Oficial do Município de Curitiba em 28 de setembro de 2010. O documento estabelece na segunda cláusula que o valor das obras do estádio – recalculado para R$ 135 milhões – seria financiado em três partes de R$ 45 milhões entre governo estadual, municipal e o Clube Atlético Paranaense
Houve uma redução de investimento por parte do Atlético Paranaense, pois na cota do clube foram incluídas isenções fiscais e obras que já haviam sido realizadas. “O estádio do Atlético faltava praticamente um nível de arquibancada, ele já estava quase todo construído”, explica o engenheiro Luiz Henrique de Barbosa Jorge, da Comissão de Fiscalização da Copa 2014 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR). O Estado do Paraná também foi contemplado com a permissão de não repassar diretamente os R$ 45 milhões para a obra do estádio, que poderiam então ser empregados “na contratação e/ou execução de serviços e obras necessários para a realização dos jogos”. Quem saiu perdendo mais foi a Prefeitura de Curitiba, que passou a arcar com dois terços do investimento (R$ 90 milhões), cedidos na forma do potencial construtivo. Os valores, mais tarde, seriam reajustados.
Essa arquitetura do dinheiro dependia de leis que a autorizassem e, em novembro de 2010, foi publicada a Lei Municipal 13.620, que instituía os certificados de potencial construtivo adicionais à Arena da Baixada e, em dezembro foi aprovada a Lei Estadual 16.733 autorizando que recursos do tesouro estadual do Paraná fossem empregados na reforma do estádio.
Como, na época, aquela ainda era a “Copa da iniciativa privada”, o clube teria de oferecer sete contrapartidas: reforçar a parceria do poder público com as escolinhas de futebol do clube; ceder por cinco anos uma área correspondente a 50% da sua sede para a instalação da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (na gestão atual, o nome é Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude); continuar com uma parceria já existente com o Instituto Municipal de Turismo, ceder espaços no estádio – durante 50 meses após a assinatura do convênio -  para realização de eventos de interesse do Estado e município e, permanentes, para quiosques dos programas “Leve Curitiba” e “Feito Aqui Paraná”, de fomento ao artesanato; e um camarote ao Estado e outro ao Município na Arena da Baixada reformada, além de realizar, ao final daquele ano de 2010, um evento com as escolinhas parceiras do clube.
Contrapartidas que depois seriam classificadas como “irrisórias” e não proporcionais aos 90 milhões de reais que o clube recebeu em certificados de potencial construtitivo de acordo com a nota lançada em 2012 pelo Comitê Popular em Curitiba. Na visão do Comitê, além das contrapartidas sociais já serem desproporcionais, não há nenhuma prevista para amenizar e reduzir o impacto do potencial construtivo adicional. “O instrumento do solo criado, base para emissão dos CEPACs [Certificado de Potencial Adicional de Construção], é um mecanismo de política urbana e deveria se destinar às estratégias de desenvolvimento econômico e social das cidades, proteção do patrimônio histórico e ambiental. A manipulação da oferta e comercialização dessa quantidade de potencial construtivo do Município pelo CAP/SA constituirá um verdadeiro ‘banco de direitos de construir’, concentrando o controle do mercado de solo criado de Curitiba e reproduzindo a especulação”, diz um trecho da nota da organização.
Mãos à obra com dinheiro alheio
Para poder receber os certificados de potencial construtivo da Prefeitura de Curitiba, o Atlético Paranaense teve de criar uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), a CAP S/A Arena dos Paranaenses, 98% controlada pelo próprio clube e os outros 2% rateados entre conselheiros influentes (entre eles, está o atual presidente do CAP, Mario Celso Petraglia). A SPE foi criada em agosto de 2011, e em outubro daquele ano, as obras começaram. Detalhe: o convênio estabelecia, em sua primeira cláusula, que para receber o primeiro repasse de verbas, era condição sine qua non a desapropriação de imóveis no entorno da Arena da Baixada, mas enquanto as verbas vieram em agosto, as desapropriações só começariam depois do Decreto Municipal 1.957, de dezembro, categorizando os imóveis do entorno do estádio como de interesse público.
Em abril de 2012, os custos da reforma em andamento foram atualizados de R$ 184 milhões para R$ 234 milhões – R$ 123 milhões bancados por um empréstimo do BNDES, R$ 97 milhões pelo Atlético-PR, além de R$ 14 milhões gastos pela Prefeitura de Curitiba com desapropriações (já está acordado que o Atlético vai ressarcir esse valor até dezembro de 2014). Depois, alterou-se o convênio, pela Lei Municipal 14.219. Aprovada, no dia 28 dezembro de 2012, quando quase já se ouviam os fogos da virada do ano, a lei reajustou os valores de cessão de potencial construtivo pela Prefeitura de R$ 90 milhões para R$ 123 milhões. Também foi feito um termo aditivo, elevando o valor do convênio para cerca de R$ 180 milhões, mais uma vez repartidos – agora com cotas de R$ 60 milhões – entre Estado, Município e CAP. O Estado continuaria a cargo de outras obras relacionadas à Copa (e não do estádio), e o Município repassaria diretamente ao Atlético cerca de R$ 120 milhões em títulos de potencial construtivo.
Pela engenharia financeira montada, quem contraiu o empréstimo do BNDES foi o Estado do Paraná, que por sua vez o repassou à Agência de Fomento do Paraná. O Atlético Paranaense, via CAP S/A, então pediu um empréstimo à Agência oferecendo como parte da garantia (R$ 90 milhões dos R$ 120 milhões) os tais títulos de potencial construtivo gerados pela Prefeitura. Ou seja, como garantia ao empréstimo contraído com o Estado, o Atlético Paranaense ofereceu recursos que recebeu da Prefeitura. E, se não pagar, quem arca com o prejuízo é o Município de Curitiba. E a CAP S/A contraiu outro empréstimo, no valor de R$ 30 milhões, junto à Fomento Paraná no início deste ano.  Parte do potencial construtivo que não entrou como garantia do empréstimo (os R$ 30 milhões adicionais) poderá ser comercializada pelo Atlético Paranaense diretamente ou pela bolsa de valores, de acordo com o Decreto Municipal 895 de 2013.
O que agrava – e muito – o prejuízo da cidade, como explica o professor Leandro Franklin, da cadeira de Direitos Humanos do núcleo de Práticas Jurídicas da UFPR: “A partir do momento que esse potencial construtivo for jogado no mercado, ele não vai ter nenhum tipo de regulação por parte da Prefeitura de onde vai ser construído, onde vai ser utilizado. Quer dizer, vai ter um impacto na gestão do território, na organização do território em Curitiba que nem a sociedade civil nem o governo estão percebendo”.
Clique na imagem abaixo para ver o quadro explicativo produzido pelo Comitê Popular da Copa em Curitiba sobre a engenharia financeira da Arena da Baixada. O quadro consta no Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos em Curitiba, veja aqui o relatório executivo do documento.
Quadro_Explicativo
“Há todo um desvirtuamento do potencial construtivo e falta participação popular em todo esse processo”,  define Leandro Franklin. “Primeiro que essa liberação de dinheiro está sendo feita sem consulta pública, sem a população saber ou participar de nada. Tem gente que acha que potencial construtivo nem é dinheiro público. Essa gestão do potencial construtivo gera grandes impactos na cidade. Se isso for liberado, por exemplo, no bairro do Xaxim [na zona sul de Curitiba], vai ter um transtorno muito grande ali pelo aumento da população. Por isso exigimos que o Atlético assuma também uma contrapartida no que diz respeito à gestão do solo. É preciso se amenizar o ônus que vai ser gerado na região onde os títulos serão empregados. Se isso for para o mercado, vai ficar mais difícil”, afirma o professor da UFPR.
De sua parte, o Comitê Popular da Copa em Curitiba pretende entrar com uma denúncia no Ministério Público nos próximos meses no sentido de exigir maiores contrapartidas do Atlético Paranaense e de questionar o uso do potencial construtivo. “O Município está financiando praticamente tudo, o Atlético entrando com muito pouco, e o Comitê tem uma grande preocupação com o uso que está se fazendo de instrumentos urbanísticos como o potencial construtivo”, afirma Luana Coelho, assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, que integra o Comitê Popular da Copa em Curitiba. “ A lei que criou o potencial construtivo tinha um objetivo completamente diferente, que era de que esses valores, das vendas de potencial construtivo, fossem para equipamentos públicos, habitações de interesse social. Temos uma enorme preocupação com o impacto que isso pode ter como precedente negativo. Porque afinal, é um investimento público altíssimo numa obra privada sem nenhuma contrapartida do privado”.

sábado, 28 de setembro de 2013

CNJ mantém pena de juíza condenada à disponibilidade pelo TJSP

Gláucio Dettmar/Agância CNJ
CNJ mantém pena de juíza condenada à disponibilidade pelo TJSP



















O Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) manteve, nesta segunda-feira (23/9), a punição que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) aplicou à juíza Carmem Silvia de Paula Camargo por violações à Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). Em 2011, a magistrada foi posta em disponibilidade, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço pelo TJSP, e tentava reverter a punição no CNJ, mas teve seu pedido de revisão disciplinar negado por unanimidade durante a 175ª Sessão Ordinária do Conselho.

De acordo com o relator da Revisão Disciplinar 00004136-84.2011.2.00.0000, conselheiro Emmanoel Campelo, ficou comprovado que a magistrada confeccionou chancelas (carimbo que servia como assinatura da juíza) e as distribuiu a subordinados. As chancelas foram usadas "para a assinatura de despachos e decisões, prática que se tornou indiscriminada", afirmou o conselheiro no seu relatório.

A magistrada também seria responsável por atrasar o andamento de processos, como remarcação de audiências e sessões do júri, e repassar a servidores funções próprias de um juiz, como a produção de sentenças e decisões. Além disso, a juíza paulista também se ausentava frequentemente, sem se justificar, da comarca onde trabalhava, no interior de São Paulo, e emitia decisões por fax sem consultar os autos.

"A decisão anota que tal prática era empregada especialmente às sextas-feiras, para o exame de mandados e contramandados de prisão e alvarás de soltura", relatou o conselheiro Campelo.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Crianças sem identidade, o trabalho infantil na produção de castanha de caju

Meninos e meninas têm as mãos queimadas por ácido e perdem digitais na quebra da castanha de caju. Mesmo após denúncias, problema persiste no Rio Grande do Norte.

Texto e fotos por Daniel Santini, da Repórter Brasil
da série especial 
Promenino*
Enviado a João Câmara (RN) - Olhe a ponta do seu dedo. Repare no conjunto minúsculo de linhas que formam sua identidade. Essa combinação é única, um padrão só seu, que não se repete. As crianças que trabalham na quebra da castanha do caju em João Câmara, no interior do Rio Grande do Norte, não têm digitais. A pele das mãos é fininha e a ponta dos dedos, que costumam segurar as castanhas a serem quebradas, é lisa, sem as ranhuras que ficam marcadas a tinta nos documentos de identidade.
O óleo presente na casca da castanha de caju é ácido. Mais conhecido como LCC (Líquido da Castanha de Caju), esse líquido melado que gruda na pele e é difícil de tirar tem em sua composição ácido anacárdico, que corrói a pele, provoca irritações e queimaduras químicas. No vilarejo Amarelão, na zona rural de João Câmara, as castanhas são torradas – além de corroer a pele, o óleo é inflamável – e quebradas em um sistema de produção que envolve famílias inteiras, incluindo as crianças.
colocara uma legenda aqui
Com a pele cada vez mais lisa, as pontas dos dedos perdem as digitais, e as linhas e traços de identidade se esfacelam (clique nas fotos para ampliar)
O óleo é pegajoso. Basta pegar uma castanha e quebrá-la para ficar com a pele manchada por alguns dias. Nem todas as crianças e os adultos que trabalham no processo sabem que o óleo é ácido. Muitos acham que a mão fica assim machucada por conta da água sanitária utilizada para tirar o preto encardido da mão depois de horas seguidas manuseando e quebrando as castanhas torradas. “Se fosse assim, as pessoas que usam água sanitária para limpeza estariam roubadas! É o óleo LCC que tem uma ação irritante, ele é cáustico, produz lesões e chega a retirar as digitais”, explica o médico Salim Amed Ali, autor de diferentes estudos sobre doenças ocupacionais para a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), do Ministério do Trabalho e Emprego. A perda da identidade não é permanente. Com o tempo, as digitais voltam se a pessoa se afastar da atividade.
Sobrevivência
O médico fez pesquisas específicas sobre a saúde de trabalhadores de unidades industriais de processamento de castanhas de caju e diz que a atividade pode ser considerada insalubre. No caso em questão, em que a produção é totalmente artesanal e as famílias dependem do trabalho para sobreviver, ele destaca quão contraditória é a situação. “A subsistência está calcada em condições de trabalho inviáveis. Para viver, o sujeito precisa se submeter a condições inaceitáveis e as crianças acabam sacrificadas. Não dá para aceitar isso em pleno século 21”, afirma.
Um menino e uma adolescente se revezando ao redor da mesa. A garota é quem cuida do fogo, alimenta a lata improvisada com cascas de castanha e controla as labaredas espirrando água com uma garrafinha. A fumaça sobe e cobre seu rosto. Um cachorro dorme perto do fogo. Eles estão nessa atividade desde a madrugada, começaram às 3 horas. É preciso começar cedo, no sol do sertão nordestino, não dá para continuar com o calor de meio-dia.
Os trabalhos começam cedo, devido ao calor do sertão nordestino; ao meio-dia, o sol é muito forte para prosseguir
O garoto tem 13 anos e, assim como a irmã, cursou até a quarta série do ensino fundamental mas tem dificuldades para ler e escrever. Largou a escola na quinta série porque teria de viajar uma hora de ônibus para ir até uma que atende alunos mais velhos, localizada na área urbana de João Câmara – trabalhar e estudar ao mesmo tempo já é difícil quando a escola é perto; quando não há escolas perto, impossível. Ele quebra as castanhas com agilidade, seus dedos fininhos seguram, selecionam e escapam das pancadas duras.
São poucas as palavras, ambos trabalham em silêncio e as respostas são curtas. Na mesa vizinha, os mais velhos reclamam da falta de água – a que a prefeitura tem entregue para abastecer as cisternas do bairro é salobra. “Dá dor de barriga e aí a gente tem de comprar água de garrafa, vê se pode”, conta uma mulher de 63 anos, que já passou fome e acha melhor que as crianças trabalhem com castanhas do que colhendo algodão ou roçando pasto para o gado, atividades que exerceu quando criança.
Meninas, meninos, pais, mães e famílias inteiras se misturam para organizar a produção das castanhas
Em outra unidade de produção, uma família adapta o ritmo à existência de um recém-nascido. Uma adolescente, também de 15 anos, se reveza com o marido de 18 anos e sai, de tempos em tempos, para amamentar o bebê. “Eu lavo as mãos bem antes de pegá-lo, para não sujá-lo”, conta a mãe, antes de fazer uma pausa às 4 horas. O trabalho costuma ir até as 11 horas e, à tarde, todos trabalham tirando a pele fininha.

O emprego de crianças na quebra da castanha de caju está incluído na lista de piores formas de trabalho infantil, ao lado de atividades como beneficiamento do fumo, do sisal e da cana-de-açúcar. A situação a que estão submetidas as crianças de João Câmara (RN) não chega a ser novidade. A auditora fiscal do trabalho Marinalva Cardoso Dantas, coordenadora do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho da Criança e de Proteção ao Adolescente Trabalhador, tem realizado sucessivas ações de fiscalização, denunciado a situação e cobrado soluções. “Não dá para aceitar que as crianças continuem nessa situação, mas não basta reprimir, é preciso oferecer alternativas”.
A representante do poder público reconhece o problema na região, mas admite: “não conseguimos avançar”
Além de identificar as crianças e reunir informações para relatório a ser entregue ao Conselho Tutelar da cidade, ela também tem procurado cobrar providências por parte da prefeitura sobre a situação das famílias. Os programas sociais são considerados insuficientes pelos moradores, que reclamam da atuação do poder público. “Sabemos do que está acontecendo, mas até agora não conseguimos avançar”, admite Maria Redivan Rodrigues, secretária de Assistência Social e primeira-dama de João Câmara, que promete solucionar o problema em um ano, até setembro de 2014. O Brasil se comprometeu a erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2015, mas, mesmo com denúncias, situações com a de João Câmara persistem.
Em 24 de fevereiro de 2012, o promotor Roger de Melo Rodrigues, do Ministério Público Estadual, abriu o Inquérito Civil nº 06.2012.00003777-7 após denúncias. “Ele disse que ia processar as famílias, tentou proibir as pessoas de trabalhar, deixou todo mundo apavorado. Foi muito ruim”, diz Ivoneide Campos, presidente da Associação Comunitária do Amarelão. “A fumaça faz mal, a gente sabe, mas as famílias não querem mudar o método com que sempre trabalharam. E não adianta forçar, tem de transformar em querer, ajudar na busca de alternativas”, defende.
Procurado para comentar a reclamação, o promotor negou, em nota, que sua atuação tem sido meramente repressiva. Ele diz que “os problemas relacionados à queima de castanha, tais como impacto ambiental, danos à saúde dos moradores e trabalho infantil, não têm passado desapercebidos do Ministério Público Estadual” e que “em vez de buscar a repressão de delitos relacionados ao caso, esta Promotoria tem priorizado o diálogo com a respectiva comunidade, já havendo sido realizadas duas reuniões no local com todos os interessados e representantes de órgãos municipais, estaduais e federais, objetivando a construção de um consenso para solucionar o caso”.
O promotor reclama, porém, que embora “busque uma resposta adequada e legítima aos problemas, tem enfrentado alguma resistência relacionada ao costume já enraizado, da parte de algumas famílias locais, de proceder à queima de castanhas ao alvedrio dos respectivos danos decorrentes, o que não impedirá uma atuação isenta e efetiva para a resolução do caso”.
Potiguar
Entre as famílias que dependem do processamento de castanhas de caju para sobreviver estão as de um assentamento localizado na região de índios Potiguar, um dos poucos núcleos remanescentes dessa etnia que no passado povoou o estado inteiro. Os ganhos são mínimos. A castanha crua é comprada de pequenos produtores da região de Serra do Mel. Um saco de 50 kg rende, em média, 10 kg de castanha processada. As famílias contam que ganham de R$ 30 a R$ 100 por semana, vendendo a produção a intermediários que revendem em feiras e mercados de cidades.
Assim que as castanhas estão torradas, as mãos se levantam; pancadas quebram uma noz, depois outra e outra, e outra
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O óleo se esparrama em torno das unhas, pela ponta dos dedos e, quando se vê, as mãos inteiras já estão cheias de ácido
Tentamos identificar quem lucra com isso, mas é um sistema muito primitivo. As indústrias organizaram a produção e estão processando diretamente as castanhas, não identificamos nenhuma envolvida. Os intermediários são pequenos comerciantes que adquirem o produto diretamente com as famílias”, explica o auditor fiscal José Roberto Moreira da Silva.
Criatividade na busca por soluções para as famílias não falta. Nilson Caetano Bezerra, do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho da Criança e de Proteção ao Adolescente Trabalhador Aprendiz, por exemplo, sonha em fazer parcerias com as empresas de produção de energia eólica, que fazem multiplicar o número de torres de geração na região, para empregar adolescentes como aprendizes. E em providenciar máquinas para que os adultos não tenham de manusear as castanhas torradas. Experiências com mecanização já aconteceram, mas o descasque manual ainda é o preferido porque a taxa de desperdício é menor.
Mesmo que já exista formas de produção mecanizadas, ainda há preferência pelas técnicas manuais, que seriam mais produtivas
Em fevereiro, o juiz Arnaldo José Duarte do Amaral, titular da 9ª Vara do Trabalho de João Pessoa, visitou a comunidade e também encontrou as crianças trabalhando na produção de castanhas. Ele escreveu um artigo sobre a questão e, desde então, tenta articular soluções e envolver mais interessados em resolver o problema. “Quando estive lá como juiz, me perguntavam se ia prender alguém. Não é esse o papel do judiciário, o objetivo não é prender ninguém, é achar solução”, diz, defendendo a formação de cooperativas e mecanismos de economia solidária como o melhor caminho para erradicar o trabalho infantil e melhorar a condição de trabalho dos adultos. “A gente tenta corrigir essas questões há séculos, sem sucesso. Não bastam ações repressivas, que vão além de tentar punir.”

* Reportagem produzida em parceria com Promenino/Fundação Telefônica Vivo, e publicada também no site Promenino, que reúne mais informações sobre combate ao trabalho infantil

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

No México, sindicatos denunciam impactos da regulamentação da terceirização

Organizações avaliam que reforma trabalhista aumentou precarização no país. No Brasil, Congresso Nacional discute modificações semelhantes
Por Daniel Santini
No destaque na capa de um dos jornais sindicais: "Mais Outsorcing (como é conhecida a terceirização no México), menos direitos. Foto: Daniel Santini
No destaque na capa de um dos jornais sindicais: “Mais outsorcing (como é conhecida a terceirização no México), menos direitos. Atrás, o advogado Rodrigo Olvera Briseño fala sobre o tema. Foto: Daniel Santini
As alterações na legislação, resultado de um difícil processo de negociação entre empregadores e sindicatos, não agradaram ninguém, conforme explica Rodrigo Olvera Briseño, advogado mexicano ligado à organização Cereal, que atua na defesa de direitos de trabalhadores. “A reforma passou com algumas condicionantes. A terceirização passou a ser regulamentada, mas com algumas regras, o que acabou não agradando nem os que queriam as mudanças”, diz. “O argumento era que a terceirização já era uma realidade, então precisaria ser regulamentada. Isso aconteceu, mas, na prática, a maioria das empresas continua terceirizando todas as atividades de maneira generalizada, ignorando as novas regras”.
O principal problema, explica, é a mudança nos mecanismos de responsabilidade solidária. Hoje, pelas novas regras, se uma empresa contrata outra para cumprir sua atividade fim, que por sua vez contrata trabalhadores sem observar direitos básicos, ela não é mais diretamente responsabilizada como acontecia no passado. Mesmo se beneficiando diretamente dessa produção terceirizada, é o intermediário, considerado o patrão direto dos trabalhadores terceirizados, que tem de arcar com custos de indenizações trabalhistas e pagar por violações. Os impactos da regulamentação da terceirização foi destaque no relatório anual da organização e em outras publicações sindicais.
Felipe Ortuño Hernández, advogado da Frente Autêntica do Trabalho (FAT) e do Centro de Direitos Humanos Victoria Díez, presente no encontro, estudou os impactos da terceirização e também faz críticas. Recentemente, em umaapresentação sobre o tema, destacou, citando estudo da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), que nem a flexibilização de contratos, nem a facilidade de demitir pessoas, nem o pagamento por horas de trabalho, nem a intenção de aumentar salários por meio da produtividade mostraram-se uma “receita ideal”, como defendiam os empresários, para combater o desemprego e a informalidade.
Desde a aprovação da reforma, as taxas de desemprego no país são mais altas do que em relação aos mesmos meses no ano anterior, com exceção de fevereiro e março, conforme é possível observar no quadro abaixo. Além disso, apontam os sindicatos, a qualidade das vagas existentes piorou. Ainda não há dados referentes a agosto deste ano.

Taxa de desemprego no México
A questão da terceirização, também chamada em espanhol de “outsourcing” ou “subcontratações”, está prevista nos artigos 15-A, 15-B, 15-C, 15-D, 1004-B e 1004-C da nova lei. Clique aqui para ler, em espanhol, a nova lei, e aqui para ver uma tabela organizada pelo governo com as principais mudanças.
Brasil
As alterações que aconteceram em relação à legislação trabalhista no México são semelhantes às que estão sendo discutidas no Congresso Nacional no Brasil. Durante o encontro, representantes do Sindicado dos Metalúrgicos de Campinas chamaram a atenção para o Projeto de Lei 4330, proposto pelo deputado Sandro Mabel (PMDB-GO). O texto prevê a regulamentação das terceirizações no Brasil, abrindo de maneira significativa a possibilidade de empresas ampliarem a subcontratação de empregados, e acabando com a responsabilidade solidária em caso de precarização nas cadeias produtivas. Hoje, se uma confecção terceiriza a produção de roupas contratando oficinas que, por sua vez, empregam escravos, ela é considerada responsável pela situação a que os trabalhadores que produzem as peças que vende estão submetidos. O entendimento é de que, se a empresa se beneficia diretamente, tem responsabilidade sobre a maneira como a cadeia produtiva está organizada.
O projeto de lei altera isso e pode agravar a exploração de trabalhadores no Brasil. “No México, no Brasil, na Europa, em qualquer lugar do mundo temos visto o aumento da precarização. E o argumento principal é que é preciso adotar mudanças porque estão sendo adotadas em outros países, que se não abrirmos mão de direitos as empresas vão migrar. Isso não está certo. Devemos nos unir contra esse processo”, apontou no encontro Jair dos Santos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas. Entre os problemas apontados pelas organização estão o fato de empregados terceirizados acabarem sem os mesmos direitos que os demais, ganhando menos, e sem acesso a benefícios básicos como férias e décimo terceiro salário – as mulheres acabam sem conseguir licença maternidade.
Participaram do encontro representantes da organizações sociais que atuam na defesa de direitos de trabalhadores de países como Canadá, El Salvador, Guatemala, Honduras, Holanda e Peru. Todos presentes manifestaram preocupação com o aumento das subcontratações no mundo. “A precarização está acontecendo a todas e todos com essa globalização”, diz Yadira Minero, do Centro de Direitos das Mulheres, em Honduras. Ela reforça que, após o golpe militar no país em 2009, a situação para trabalhadores e movimentos sociais piorou consideravelmente.
No Brasil, a ameaça a direitos básicos virou motivo de preocupação das principais confederações sindicais brasileiras e motivou uma vigília de trabalhadores em Brasília (DF), em julho. A pressão fez que a votação do PL na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados fosse adiada e provocou a convocação, pelo presidente da casa, Henrique Alves (PMDB/RN), de uma Comissão Geral, prevista para acontecer nesta quarta-feira, 18. Uma Comissão Geral é uma sessão de debates sobre determinado tema realizada no plenário e que conta com a participação de representantes de diversos setores da sociedade. Enquanto, isso, a tramitação do PL 4330 está suspensa.
Por enquanto.
* O repórter viajou a convite da organização do evento. O evento foi organizado de maneira conjunta pelas organizações Somo Cereal. A primeira trabalha com mapeamento de cadeias produtivas internacionais e monitoramento de responsabilidade de multinacionais por impactos nos países em que atuam. A segunda, com a organização de trabalhadores, com programas de formação, mobilização, intermediação de reclamações trabalhistas e assistência jurídica.

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EDITAL DE CONVOCAÇÃO


ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA


O SINDICATO DOS TRABALHADORES E SERVIDORES PUBLICOS DO JUDICIARIO ESTADUAL NA BAIXADA SANTISTA, LITORAL E VALE DO RIBEIRA DO ESTADO DE SÃO PAULO - SINTRAJUS, vem convocar seus sindicalizados, para participarem da Assembléia Geral Extraordinária que será realizada no dia 28 de setembro de 2013, às 10:30 horas em primeira convocação, ou às 11:00 horas em segunda convocação, no endereço da Av. São Francisco, nº 276/278 – centro de Santos/SP(ASSOJUBS), com a seguinte ORDEM DO DIA : a) Leitura, discussão e aprovação da ata da assembléia anterior; b) realização da Assembléia Geral Extraordinária para eleição dos membros da Comissão Eleitoral, que coordenarão o processo de renovação da diretoria colegiada, nos termos do 70º do Estatuto Social; c) Demais assuntos de interesse da categoria. Santos, 24 de setembro de 2013.

HUGO ROGÉRIO NICODEMO COVIELLO


COORDENADOR GERAL

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Antecâmara da morte: manicômio brasileiro exterminou 60 mil pessoas

Internos faziam parte de minorias excluídas do convívio social. Genocídio é tema do livro "Holocausto brasileiro", de Daniela Arbex

Fellipe Torres - Diario de Pernambuco


Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Controlar os meios para criar uma sociedade de bem nascidos. Esse é o significado original do conceito de “eugenia”, criado em 1883 pelo antropólogo inglês Francis Galton (1822-1911), primo de Charles Darwin (1809-1882). O termo ganhou forte conotação negativa após a eugenia nazista, a pedra fundamental da ideologia de pureza racial que culminou no Holocausto, como ficou conhecido o extermínio de milhões de pessoas em campos de concentração europeus durante a Segunda Guerra Mundial. Caso o leitor considere o assunto distante de nossa realidade, basta dizer que as mesmas ideias de “limpeza étnica” embasaram um genocídio silencioso cometido no Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais.

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação


Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Foram pelo menos 60 mil mortes no hospício, onde apenas 30% dos “pacientes” tinha diagnóstico de doença mental. A maioria dos internos fazia parte de minorias excluídas do convívio social, como epiléticos, mendigos, alcóolatras, homossexuais, prostitutas, meninas grávidas violentadas ou que perderam a virgindade antes do casamento. A instituição foi criada em 1903 com 200 leitos, e alcançou a marca de cinco mil pacientes na década de 1960. 

A matança foi tema de uma premiada série de reportagem produzida em 2011 pela repórter Daniela Arbex, do jornal Tribuna de Minas, agora transformada no livro Holocausto brasileiro (Geração, 256 páginas, R$ 39,90). “Em 2009, um entrevistado me mostrou fotos do manicômio tiradas por Luiz Alfredo e publicadas na revista O Cruzeiro. Nenhuma daquelas imagens me remetia a hospital, e sim a campo de concentração. As pessoas conhecem Barbacena como ‘a capital dos loucos’, sobretudo aqui em Minas Gerais, mas quase ninguém sabe o que se passava de fato em Colônia”, diz a autora.
 
 
LEVANTAMENTO 
Daniela Arbex. Foto: Fernando Priamo
Daniela Arbex. Foto: Fernando Priamo
Durante um ano, a jornalista investigou as crueldades cometidas naquele local ao longo das décadas. Descobriu que, ao chegarem, as pessoas tinham os cabelos raspados e eram rebatizadas. Pacientes comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados. Alguns morriam de frio, fome e doenças. Às vezes os eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do município. “Havia uma omissão coletiva. Quem sabia dos atos violentos, ou participava deles, preferia fingir que aquilo não estava acontecendo. A violência foi naturalizada, banalizada”, comenta Daniela Arbex. 

Mesmo cinco décadas após ter conhecido in loco a realidade do manicômio, o repórter fotográfico Luiz Alfredo ainda guarda na memória o que viu e registrou. “Diferente do trabalho de um profissional que vai para a África e encontra cenas de miséria por lá, cheguei em Barbacena sem saber direito o que estava fazendo e sem saber o que iria encontrar. De repente vi tudo aquilo. Fiz imagens chocantes”. 

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
 
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
No Hospital Colônia, cerca de 16 pessoas morriam por dia. Corpos eram vendidos ou decompostos em ácido para viabilizar o comércio das ossadas. Entre 1969 e 1980, mais de 1,8 mil corpos foram vendidos para faculdades de medicina de todo o país, sem que ninguém questionasse. Em valores atualizados, renderam R$ 600 mil. A realidade de Barbacena começou a mudar a partir dos anos 1980, quando a reforma psiquiátrica ganhou força. 

Um dos cabeças do movimento antimanicomial, o psiquiatra italiano Franco Basaglia visitou a instituição em 1979. Logo em seguida, convocou coletiva de imprensa para dar a seguinte declaração: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo presenciei tragédia como essa”. À afirmação, somou-se o documentário Em nome da razão, gravado dentro do Hospital Colônia por Helvécio Ratton, considerado o “golpe de misericórdia” de Barbacena. Reformulado, o local abriga hoje cerca de 160 pacientes. 
 
 
Crédito: Geração Editorial/divulgação
Crédito: Geração Editorial/divulgação
LIVRO
Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex
Editora: Geração
Formato: 15,6 x 23 cm
Páginas: 256 
Preço: R$ 39,90
 
 
 
 
 


A CRUEL REALIDADE PSIQUIÁTRICA 

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Cerca de 12% da população do país (22 milhões de pessoas) precisa de algum atendimento em saúde mental, aponta o Ministério da Saúde. Em 2011, completou uma década desde que as normas brasileiras foram alteradas para propor um modelo de atenção a esses casos, aberto e de base comunitária. Nesses dez anos, 45 hospitais psiquiátricos fecharam, e o número de leitos especializados caiu de 50 mil para 30 mil. Estava prevista a progressiva extinção dos manicômios, mas a falta de preparo provocou desospitalização em massa, e a consequente carência de rede extra-hospitalar capaz de atender à demanda.

Bernardo Dantas/ DP/D.A Press.
Bernardo Dantas/ DP/D.A Press.
Decano da psiquiatria pernambucana, com mais de cinco décadas de atuação, o médico Othon Bastos aponta que o modelo vigente, baseado em Centros de Atenção Psicosocial (Caps), deveria e poderia ser melhor. Em entrevista ao Viver, falou sobre preconceito contra doentes mentais, a cultura do isolamento e as reformas psiquiátricas realizadas em âmbito global, nacional e local.

“A Tamarineira se chamava Hospital de Alienados. Era uma uma antecâmara da morte. Havia um niilismo terapêutico, que abria espaço para fome, promiscuidade e outras mazelas”, relata o psiquiatra. “Isso começou a mudar em 1918, com Ulysses Pernambucano, que fez reforma da assistência psiquiátrica no estado”.

ENTREVISTA OTHON BASTOS 

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Doentes mentais sempre foram vítimas de preconceito? 

Sim. Trata-se de um fenômeno pancultural e pan-histórico, ou seja, os transtornos estão presentes em sociedades de todos os tempos. Historicamente, sempre houve discriminação. A própria bíblia se refere aos doentes mentais como “amaldiçoados”. No século 15, dois padres dominicanos escreveram o Malleus Maleficarum, ou, em português, Martelo das bruxas, espécie de manual da inquisição, que descrevia as doenças mentais e relacionava orientações para torturar e matar os doentes.

O isolamento também tem raízes históricas?
Se observarmos o episódio da Queda da Bastilha, na França, veremos que aquela era uma prisão habitada sobretudo por doentes mentais, tanto recolhidos nas ruas quanto entregues pelos parentes. A rejeição familiar é algo muito presente. Há pouca tolerância. Antes dos tratamentos atuais, manter um doente mental em casa em surto agudo era impossível. Hoje ainda é muito difícil. A instituição do asilo para doentes mentais surge com fins filantrópicos, criada por João de Deus (1495-1550), considerado santo. 

Quando a psiquiatria como a conhecemos tomou forma?
O pensamento psiquiátrico surgiu com o médico francês Philippe Pinel (1745-1826), que destruiu os grilhões que acorrentavam os doentes e escreveu uma classificação das doenças mentais. Esse fenômeno se repetiu no mundo todo, e cada país teve o seu próprio Pinel. No Brasil, tivemos Juliano Moreira (1873-1933). Aqui, os casos de doença mental na família real portuguesa inspiraram desde cedo os cuidados psiquiátricos, a começar por D. Maria, a Louca. O primeiro hospital, o Asilo D. Pedro II, foi criado no Rio de Janeiro e internou figuras como Lima Barreto. Esses asilos sempre ficavam em áreas distantes dos centros urbanos, como era o caso da Tamarineira, no Recife.

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Como era o atendimento psiquiátrico oferecido em Pernambuco no passado?

A Tamarineira se chamava Hospital de Alienados. Era uma uma antecâmara da morte. Havia um niilismo terapêutico, que abria espaço para fome, promiscuidade e outras mazelas. Isso começou a mudar com Ulysses Pernambucano de Mello Sobrinho (1892-1943), que fez reforma da assistência psiquiátrica. Era um homem além do seu tempo. Logo após se formar no Rio de Janeiro, em 1918, foi nomeado para ser médico alienista da Tamarineira.

No que consistiu a reforma?
Ulysses Pernambucano criou o Serviço de Assistência a Psicopatas, que incluia terapia ocupacional, uma ferramenta importante no tratamento. Como a maioria das doenças mentais são crônicas, parte desses doentes eram encaminhados para as duas colônias em Pernambuco, uma em Barreiros (masculina) e outra em Monjope (feminina). Eram o fim da linha para os doentes crônicos e sem família.

A realidade das colônias de Pernambuco eram muito diferentes da de Barbacena?
Barbacena foi o pior hospital colônia do Brasil. Era uma “Psicopatópolis”. Não podia ser comparado aos de Monjope e Barreiros, em Pernambuco. Lá faltavam médicos e recursos. Tinha superlotação, ócio, isolamento social e maus tratos. Os serviços particulares também não eram muito diferentes. Passavam pelos mesmos problemas, exceto a fome. Mas não chamaria o que aconteceu em Barbacena de holocausto. Se houve um holocausto brasileiro foi a Guerra do Paraguai. 

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Quando essa cultura de isolamento começou a mudar?

O modelo hospitalocêntrico, com atendimento em unidades psiquiátricas dentro dos hospitais, sempre foi o dominante, até que começou a ser combatido em todo o mundo. Houve até um movimento de revolta chamado antipsiquiatria. Essa luta foi por motivos reais, como os maus tratos recorrentes, e até teve um lado salutar, que foi o combate aos asilos, mas o lado negativo da antipsiquiatria era o fato de negar as doenças. As pessoas diziam que as doenças eram apenas de origem social ou política. 

Qual foi o novo modelo proposto?
Houve um movimento nacional para reforma do modelo hospitalocêntrico, em favor do tratamento ambulatorial. Mas boa parte dos profissionais, inclusive eu, não apoiamos o fechamento de todos os hospitais psiquiátricos, pois não podemos dispensá-los. Muitos surtos precisam ser tratados. Caiu-se no modelo capicêntrico (voltado para os Caps - Centros de Atenção Psicossocial), que tem virtudes como as equipes multidisciplinares, com terapeutas ocupacionais, enfermeiros especializados e serviço social atuante. 

Há também pontos negativos nesse novo modelo?
Algo que lamentei foi quando mudamos os pacientes para o Hospital das Clínicas, onde eles ficam enclausurados. Os doentes mentais precisam pisar no chão e ter sol aberto. Não se coloca enfermaria psiquiátrica em prédio sem pátio. Isso é relevante porque as doenças mentais são um dos maiores problemas de saúde do país. Os Caps deveriam e poderiam ser melhores.