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quinta-feira, 5 de outubro de 2017

SINTRAJUS REIVINDICA AO GOVERNADOR A GARANTIA DO ORÇAMENTO DO TJSP.


Na tarde de hoje, 5 de outubro, aproveitando a ocasião da visita de Geraldo Alckmin (PSDB) para cumprimento de sua agenda na Baixada Santista, a Assojubs e o Sintrajus, visando defender os interesses da categoria, tiveram um breve encontro com o governador do Estado e entregaram um ofício solicitando que o Executivo não efetue o habitual corte de verbas na peça orçamentária para o exercício de 2018 encaminhada pelo Judiciário. O documento protocolado junto à assessoria do governador descreve que o corte feito pelo Executivo prejudica os pagamentos devidos pelo Judiciário aos servidores. Entre os pontos elencados que afetam os servidores estão a data-base, a Lei 1273/15, nível universitário aos oficiais de justiça, a ser implementada em 2018, e o Projeto de Lei Complementar (PLC) 30/2013, que representa o pagamento de 2% ao ano para a recomposição das perdas acumuladas dos servidores. A Assojubs foi representada por Michel Iorio Gonçalves, presidente da associação e coordenador geral do Sintrajus, e por Claudia Damião, 1ª secretária da associação e diretora do sindicato.



sexta-feira, 25 de agosto de 2017

ATO EM ASSIS


Assine pelo Iamspe!!!

A Comissão Consultiva Mista (CCM) do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual está desenvolvendo uma campanha para que os funcionários públicos estaduais, das diferentes áreas de atuação, assinem um documento no intuito de entregar à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo para que seja garantida no Orçamento de 2018 a ampliação de recursos para a prestação do atendimento médico e laboratorial a 1,3 milhão de servidores em todo Estado, pois os valores arrecadados apenas com o funcionalismo mostram-se insuficientes para tal e o Executivo de São Paulo não contribui com a contrapartida de 2% aos cofres do Iamspe.
O abaixo-assinado pode ser entregue nas sedes da Assojubs ou para algum diretor da executiva ou regional da CCM Iamspe.http://www.assojubs.org.br/site/wp-content/uploads/2017/08/10.8.17_abaixo_assinado_ccm.pdf

Palestra sobre as reformas.


terça-feira, 13 de junho de 2017

ATO EM CUBATÃO


Visita á Comarca de Praia Grande

O bolo que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) deu em seus servidores ao não pagar integralmente a reposição salarial de 2016, o complemento de 3,5%, continua repercutindo. E desta vez foi na Comarca de Praia Grande, com um ato, organizado pela Assojubs e Sintrajus, na tarde desta terça-feira, 13 de junho, que reuniu os funcionários à entrada do fórum.A convocação dos servidores para o “bolo do TJ” na categoria foi feita por Sidnei Dalla Marta, representante da Assojubs e Sintrajus na Comarca. Atendendo ao chamado para a mobilização, os trabalhadores ouviram os informes passados por Michel Iorio Gonçalves, presidente da associação e coordenador geral do sindicato, que falou sobre a Campanha Salarial 2017, as reuniões de trabalho entre as entidades e o Tribunal, a cobrança da majoração do auxílio saúde e as atividades contra as reformas da Previdência e trabalhista, impostas pelo governo de Michel Temer (PMDB), e a terceirização total e irrestrita, já aprovada pelo Congresso.Foi reforçado por Michel Iorio a nova greve geral que está sendo construída para o dia 30 de junho em todo o país contra a retirada de direitos – muitas delas históricas – que será aplicada com a aprovação das reformas e da terceirização e a importância de uma participação em massa à paralisação
Presentes também ao ato Adelson Pereira Gaspar, tesoureiro da Assojubs e do Sintrajus, e Regina Helena Assis, secretária geral da associação e do sindicato. Ao final dos esclarecimentos foi feito o corte do bolo preparado para fazer alusão ao débito referente ao complemento de 3,5% da reposição salarial de 7,08%, a data-base de 2016, que a gestão de Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, presidente do TJ-SP, tem com a categoria.

Visitas ás Comarcas Caraguatatuba, Ubatuba, São Sebastião e Ilha Bela

O bolo que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) deu nos servidores ao não pagar integralmente a reposição salarial de 2016 não foi esquecido. Pelo Contrário, o complemento de 3,5% da data-base foi alvo de atos, organizados pela Assojubs e Sintrajus, em frente aos fóruns das comarcas de Caraguatatuba e Ilhabela, respectivamente na quinta e sexta-feira, dias 8 e 9 de junho.Em Caraguatatutba, Michel Iorio Gonçalves, presidente da Assojubs e coordenador geral do Sintrajus, Adelson Pereira Gaspar, tesoureiro de ambas entidades, e Regina Helena Assis, secretária geral da associação e do sindicato, com o apoio de David Tomaz Garcia, representante do Sintrajus na Comarca, reuniram-se com os servidores à entrada do prédio e passaram informes sobre a Campanha Salarial e a luta geral dos trabalhadores e fizeram o corte do bolo preparado para fazer alusão ao débito referente à correção das perdas inflacionárias que a gestão de Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, presidente do TJ-SP, tem com a categoria.Na Comarca de Ilhabela, atendendo ao chamado de Renato Saccioto, diretor regional da Assojubs, os servidores igualmente permaneceram à entrada do prédio para ouvir os esclarecimentos prestados pelos representantes da associação e do sindicato e também efetuaram o corte do bolo que o Tribunal deu na categoria como lembrança ao não pagamento do complemento de 3,5% da reposição salarial de 7,08%, a data-base de 2016.A caravana da Assojubs e Sintrajus ainda esteve nas comarcas de Ubatuba e São Sebastião para a distribuição do boletim informativo (jornal) elaborado em conjunto pelas entidades. Os dirigentes percorreram as unidades cartorárias dos fóruns passando os mesmos informes sobre a Campanha Salarial 2017, as reuniões de trabalho entre as entidades representativas e o Tribunal de Justiça e as atividades contra as reformas da Previdência e trabalhista, impostas pelo governo de Michel Temer (PMDB), e a terceirização total e irrestrita, já aprovada pelo Congresso, como a greve geral de 28 de abril e o Ocupa Brasília, em 24 de maio.
Nova greve geralJá há uma nova data para a realização de outra greve geral no país. A data definida é 30 de junho. Continuar e ampliar a mobilização contra a retirada de direitos!


Reunião das Entidades

 O Sintrajus e Assojubs, representados por Michel Iorio Gonçalves, presidente da associação e coordenador geral do sindicato, Adelson Pereira Gaspar, tesoureiro de ambos, e Luiz Milito, vice-presidente da associação, estiveram na tarde desta segunda-feira, 12 de junho, na Capital, para a reunião das entidades representativas do Judiciário Paulista. Entre as deliberações da discussão sobre a Campanha Salarial 2017 ficou definido que as entidades farão pressão para marcar reunião com o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Paulo Dimas de Bellis Mascaretti. Também houve consenso sobre a participação nas Audiências Públicas do Orçamento 2018, que ocorrerão a partir deste mês, para propor emendas.
Em agosto, há a data indicativa de uma nova Assembleia Geral para o dia 11, a partir das 13 horas, na Praça João Mendes, em São Paulo.
Em relação à luta dos trabalhadores, as deliberações foram:
- De 13 a 29/6 - Reuniões e atos nas comarcas e prédios pela Campanha Salarial 2017 e greve geral;
- Dia 20/06 - Ato pelo Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual) na Capital, às 9 horas, em frente ao Hospital do Servidor Público Estadual (FSPE), e no Interior e Baixada Santista em frente aos Ceama (Centro de Assistência Médico-Ambulatorial);
- Dia 20/6 - Esquenta da greve geral com manifestação nas comarcas e panfletagens;
- Dia 30/6 – Greve geral contra as reformas da Previdência, trabalhista e a terceirização total e irrestrita.
Presentes
Além da Assojubs e Sintrajus, presentes à discussão a Assetj, Apatej, Assojuris, Aecoesp, Aojesp, Assejurd, Fespesp, AASPTJ-SP, Sindjesp, CGOJ e Exefe.
Texto: Camila Marques

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Onde foi parar o nosso dinheiro


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Não há nenhuma razão técnica para esta catástrofe em câmara lenta. Produzimos o suficiente para todos, cerca de R$ 11 mil de bens e serviços por mês por família de quatro pessoas, número que vale tanto para o mundo como para o Brasil: estamos exatamente na média mundial...

por: Ladislau Dowbor 
 

Crédito da Imagem: Alpino

Por desgraça, em economia a gente tem de fazer as contas. E no Brasil recente as contas não batem. As pessoas tendem a ter certa alergia aos números. Mas não há como entender as pragas que nos assolam sem se dar conta dos números. Francamente, eles não são complicados, apenas a escala é maior. Temos de contar em bilhões quando em casa contamos em milhares.

Para já, não estamos sozinhos na desgraça. É só olhar o que acontece nos Estados Unidos. Michael Moore resume de maneira genial: “É a equação norte-americana. Desinforme a população e torne-a ignorante e estúpida. A ignorância leva ao medo, o medo leva ao ódio. Trump conhecia muito bem essa parte da equação. E o ódio leva à violência” (Guardian, 21 abr. 2017). Estamos falando da erosão geral da governança. É só olhar o caos gerado no Brasil, na Argentina, na Venezuela, na Turquia, na França, na África, no Oriente Médio, nas Filipinas. Ressurgem atitudes que achávamos enterradas na Idade Média. O mundo volta a se cobrir de muros e arames farpados.

No centro dos desafios estão duas macrotendências que formatam a nossa sociedade. No plano do meio ambiente, estamos destruindo literalmente a vida no planeta. O aquecimento global, a contaminação das águas, a destruição da cobertura florestal, a liquidação das espécies – perdemos 52% da fauna do planeta em apenas quarenta anos, entre 1970 e 2010 (WWF, 2016). Estamos indo ladeira abaixo em ritmo vertiginoso, com mais tecnologias descontroladas e 7,4 bilhões de habitantes tentando agarrar o que podem no quadro do caos que temos chamado educadamente de “mercados”.

A segunda tendência estruturante é obviamente a desigualdade. No planeta, oito famílias dispõem de mais riqueza do que a metade mais pobre da população mundial, e o 1% mais rico tem mais do que os 99% restantes. Não há economia que possa funcionar assim. Os 28 maiores grupos financeiros do mundo manejam em média US$ 1,8 trilhão. O Brasil, sétima potência econômica mundial, tem um PIB de US$ 1,7 trilhão. O poder efetivo, que detém a autoridade sobre a alocação dos nossos recursos, simplesmente se deslocou, e com isso se desloca a capacidade de resgatar o controle e restaurar os equilíbrios. Não é apenas uma questão de justiça social: a própria economia deixa de funcionar. Desde a crise de 2008, o mundo vive no marasmo.

Não há nenhuma razão técnica para esta catástrofe em câmara lenta. Produzimos o suficiente para todos, cerca de R$ 11 mil de bens e serviços por mês por família de quatro pessoas, número que vale tanto para o mundo como para o Brasil: estamos exatamente na média mundial. Temos todos os estudos necessários e propostas sistematizadas sobre o que fazer e como, desde a Agenda 2030 aprovada em Nova York até as medidas ambientais aprovadas em Paris. Sabemos o que fazer e quanto custa tanto para enfrentar a mudança climática como para assegurar o acesso a um rendimento mínimo digno para todos e a inclusão produtiva. O que se perdeu foi a capacidade de colocar em prática as políticas, ou seja, a governança do processo, a própria capacidade de decidir sobre o processo decisório. Nosso problema não é econômico, é político.
Para onde migrou o poder? Essencialmente para os grandes grupos de intermediação financeira. Como escreve Joseph Stiglitz na sua proposta de “reescrever as regras”, “conforme a desigualdade aumenta, o sistema político se torna crescentemente atropelado (over-run) pelos interesses corporativos, e as políticas públicas requeridas para assegurar uma real igualdade de oportunidades tornam-se cada vez mais difíceis de implementar”.1 Ou seja, o problema não é político no sentido de que apenas elegemos a pessoa ou o partido errados, mas no sentido de que o processo decisório se tornou disfuncional.

Temos uma economia globalizada e uma política fragmentada em duzentos governos nacionais. Temos tecnologias impressionantes e um sistema de patentes, copyrights e royalties que trava o acesso ou as torna inoperantes. Temos, em particular, um sistema financeiro global, as famosas Sifis (Systemically Important Financial Institutions), que não prestam mais contas a ninguém. E manejam o acesso aos recursos necessários para viabilizar as novas políticas ambientais e sociais, e para financiar, inclusive, as atividades produtivas.   

Esse último aspecto é essencial. O sistema financeiro não só trava as iniciativas necessárias para assegurar os equilíbrios ambientais e sociais, como também drena os recursos das empresas efetivamente produtoras de bens e serviços que geram empregos. A revista The Economist, na sua edição prospectiva para 2017, constata que “a taxa de distribuição dos dividendos subiu de menos de 40% em 2011 para mais de 70% em 2016. Em consequência, não é surpreendente neste contexto que a parte do investimento industrial relativa ao PIB tenha continuado a se reduzir. As empresas buscam transferir os fundos para seus acionistas em vez de reinvesti-los em suas operações. Assim, não é a liquidez que faz falta para investir. Estima-se que as empresas entesouraram mais de US$ 7 trilhões em liquidez no mundo – uma forma de inércia que vai se perpetuar em 2017 e para além”.2 Em outros termos: o capital financeiro drena o produtivo. Generaliza-se o capitalismo improdutivo no planeta. O rentismo não é só brasileiro. Voltamos ao século retrasado, em que as “famílias de bem” viviam de rendas.

Como passamos de um capitalismo em que a remuneração e a fortuna mantinham certa proporcionalidade com a contribuição produtiva para o presente sistema, que, em vez de remunerar produtores, remunera rentistas? Em poucas décadas, essencialmente desde os anos 1980, a parte dos intermediários financeiros no lucro corporativo norte-americano subiu de 10% para 42%. Epstein e Montecino, do Roosevelt Institute, fizeram as contas e constataram que o sistema financeiro, no seu conjunto, hoje mais drena a economia em vez de financiar suas atividades. Ou seja, não é apenas improdutivo; ele tem uma contribuição líquida negativa para a economia.

“Um sistema financeiro saudável é aquele que canaliza recursos financeiros para investimento produtivo; ajuda as famílias a poupar para poder financiar grandes despesas, como educação superior e aposentadorias; fornece produtos como seguros para ajudar a reduzir riscos; cria suficiente quantidade de liquidez útil; gera um mecanismo eficiente de pagamentos e inovações financeiras para fazer todas essas coisas úteis de forma mais barata e efetiva. Todas essas funções são cruciais para uma economia de mercado estável e produtiva. Mas, depois de décadas de desregulação, o sistema financeiro atual dos Estados Unidos tornou-se altamente especulativo, falhando de maneira bastante espetacular em realizar essas tarefas críticas.”

3. O conceito de custo líquido do sistema financeiro é muito útil, pois envolve a questão da produtividade sistêmica das finanças de um país. Para o Brasil, considerando os custos da crise iniciada em 2013, da qual o sistema financeiro foi a causa principal, poderíamos igualmente calcular o custo sistêmico. No caso norte-americano, os autores consideram que “precisamos incorporar os custos das crises financeiras associadas com a especulação excessiva e as atividades econômicas destrutivas, que são agora bem compreendidas, no sentido de terem sido essenciais na crise econômica recente”.


O capitalismo financeiro atual mudou as regras do jogo e deslocou o centro do poder. O fato de bancos e economistas do mercado utilizarem o conceito de “investimento” tanto para compra de papéis financeiros como para investimento produtivo dificulta a compreensão. Em inglês se distingue claramente o mecanismo produtivo que gera a renda (income) e a aplicação financeira improdutiva que gera “renta” (rent). Em francês é igualmente clara a diferença de revenu e rente, respectivamente. De forma mais explícita, na literatura inglesa utiliza-se o conceito de unearned income, rendimento auferido não por contribuição produtiva, mas por apropriação do trabalho dos outros. Muitos (como Michael Hudson) já utilizam o conceito de capitalismo parasitário. A diferença é que nos Estados Unidos se reconhece o papel dos bancos na crise de 2008 e no marasmo que continua, enquanto aqui se atribui a crise atual ao ridículo déficit fiscal, de menos de 2% do PIB.

Qualquer que seja o nome, vale a pena ver como essa deformação se manifesta no Brasil e como travou a economia. Em termos resumidos, a economia, para funcionar, depende de quatro motores: as exportações, a demanda das famílias, o investimento e a produção empresariais, e o investimento público em infraestruturas e políticas sociais.

No Brasil, as exportações não constituem nem de longe o principal motor. Os cerca de US$ 185 bilhões de exportações, representando como ordem de grandeza R$ 600 bilhões, mal chegam a 10% do PIB. Não somos como alguns países asiáticos onde o motor do comércio externo é essencial. Com uma população de 204 milhões habitantes e um PIB de R$ 6 trilhões, somos uma economia vinculada ao mercado interno. Se as dinâmicas internas não funcionam, o setor externo pouco poderá resolver. E, na fase atual de marasmo mundial, o setor externo não é alternativa.

A dinâmica principal tem de vir da demanda das famílias e das atividades empresariais. Aqui, o volume de recursos extraídos da economia por meio dos juros é absolutamente escandaloso e sem paralelo no mundo. Segundo o Banco Central, em janeiro de 2017 o montante de crédito em mãos de pessoas físicas e de pessoas jurídicas, ou seja, o estoque de dívidas das famílias e das empresas, era de R$ 3,1 trilhões, o que representa uma relação crédito sobre PIB de 48,7%. O montante da dívida não é particularmente elevado em comparação com outros países onde frequentemente ultrapassa os 100% do PIB. 

O escândalo está nos juros.

Fazendo a média entre os diversos tipos de crédito, o Banco Central apresenta o juro médio de 32,8%. Ou seja, o juro extraído do estoque de R$ 3,1 trilhões de dívida é de R$ 1 trilhão por ano. Trata-se do montante que famílias e empresas pagam aos intermediários financeiros e que deixa de se transformar em consumo das famílias ou em investimento pelo setor privado da economia. Isso representa 16% do PIB, valor apropriado pelo próprio sistema de intermediação financeira. Os 32,8% que cobra o sistema financeiro no Brasil podem ser comparados com a zona do euro, onde os juros se situam essencialmente entre 2% e 4% ao ano. Reitero: ao ano. E os bancos na Europa vão bem, obrigado. Particularmente importante são os cerca de R$ 800 bilhões que as famílias utilizaram de crédito livre em 2016, tipicamente para compras a prazo, pagando juros de 73%: são R$ 500 bilhões de capacidade de compra imobilizados em juros, 8,3% do PIB que passam para os intermediários financeiros em vez de serem utilizados para compras. Estranguladas pelos juros, as famílias não só param de comprar, mas também utilizam a liberação do FGTS para pagar juros, mais recursos apropriados por intermediários financeiros.

O dreno sobre a capacidade de compra das famílias tem efeito direto sobre as empresas, que não têm para quem vender. O resultado é um efeito em cadeia: diminuem a produção, cortam investimentos, reduzem o emprego, o que encurta ainda mais a demanda das famílias. Além disso, como as empresas, no crédito livre, pagam 29% de juros (ordem de grandeza de 2% ao ano na Europa), elas não têm como recorrer aos bancos para atravessar a crise. E finalmente têm a opção de deixar de lado a produção de bens e serviços para colocar seu dinheiro em títulos da dívida pública, que rendem ao mês o que no resto do mundo rendem ao ano. As atividades empresariais produtoras de bens e serviços entram em crise de vez.

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O quarto motor da economia, o investimento público em infraestruturas e em políticas sociais, foi igualmente travado pelos elevados juros (Selic) sobre a dívida pública. Em 2015 foram R$ 400 bilhões pagos em juros, 7% do PIB, montante que poderia ter se transformado em dinamização da economia, mas foi apropriado essencialmente por intermediários financeiros. Somando os 16% tirados das famílias e das empresas e os 7% tirados dos nossos impostos, temos um dreno de 23%. Que parte disso volta para a economia real? Não temos esse número aqui. Nos Estados Unidos, a estimativa é que o dinheiro passa a rodar essencialmente na ciranda financeira, porque as aplicações financeiras rendem mais do que os investimentos produtivos. O sistema fica sistemicamente disfuncional. 

Viva o rentismo.

O prego no caixão vem do sistema tributário. No Brasil, 56% dos tributos consistem em impostos indiretos, embutidos nos produtos, o que significa que a progressividade dos impostos é liquidada. Somadas a fragilidade do imposto sobre lucros e dividendos, a evasão de impostos, que atingiu R$ 571 bilhões em 2015, e a sólida presença brasileira em paraísos fiscais, temos um estoque acumulado de US$ 520 bilhões, segundo o Tax Justice Network. A conclusão é óbvia: o sistema está travado não pelo ridículo déficit gerado pelas políticas públicas, e sim pelo conjunto de drenos que o sistema financeiro gerou no país.

5 Bem-vindo ao capitalismo improdutivo.








*Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP.
{Le Monde Diplomatique Brasil – edição 118 – maio de 2017}

1 Joseph Stiglitz, Rewriting the Rules of the American Economy. An Agenda for Growth and Shared Prosperity [Reescrevendo as regras da economia norte-americana. Uma agenda para crescimento e prosperidade compartilhada], Nova York, 2016, p.178.
2 The Economist, edição francesa, “Le monde en 2017”, p.51.
3 Gerald Epstein e Juan Antonio Montecino, Overcharged: the high cost of high finance [Sobrecarregado: o alto custo da alta finança], The Roosevelt Institute, jul. 2016, p.1 e 16. Disponível em: <http://rooseveltinstitute.org/overcharged-high-cost-high-finance/>.
4 Os dados detalhados e a tabela original do Banco Central podem ser encontrados em <http://dowbor.org/2017/03/o-escandalo-dos-juros.html/>; ver também a manchete da edição dominical de O Estado de S. Paulo de 18 de dezembro de 2016: “Crise de crédito tira R$ 1 trilhão da economia e piora recessão”.
5 Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), Sonegação no Brasil. Uma estimativa do desvio da arrecadação do exercício de 2016, Brasília, mar. 2017, p.27.

quarta-feira, 31 de maio de 2017

NEOLIBERALISMO, projeto político

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David Harvey provoca: cada fase do capitalismo gera uma forma de resistência que a espelha. Por isso, distintas gerações da esquerda não deveriam se estranhar

Fonte - blog OutrasPalavras


Entrevista a por Bjarke Skærlund Risager, na Jacobin | Tradução: Inês Castilho

Autor de numerosas outras obras, o geógrafo britânico David Harvey publicou em 2005 o livro Uma Breve História do Neoliberalismo [1], que marcou época pela análise desse novo modo de dominação capitalista. A entrevista que reproduzimos aqui foi realizada pela Jacobin.

Um excerto de sua Breve História do Neoliberalismo, portanto do Estado neoliberal, pode ser lido em Contretemps. Podemos igualmente consultar este artigo [em francês] de Razmi Keucheyan, que lembra a trajetória e originalidade intelectual do geógrafo marxista estadunidense.

Neoliberalismo é um termo maciçamente utilizado em nossos dias. Mas aquilo que as pessoas projetam nele é bastante turvo. Em seu uso mais sistemático, ele se refere a uma teoria, uma paleta de ideias, uma estratégia política ou um período histórico. Você poderia começar dando sua interpretação de neoliberalismo?

Sempre disse que o neoliberalismo era um projeto político lançado pela classe capitalista quando ela se sentiu muito ameaçada, política e economicamente, do fim dos anos 1960 até os anos 1970. Eles queriam desesperadamente apresentar um projeto político que reduzisse a força da classe operária.

A classe capitalista ficou então verdadeiramente com medo e se perguntou o que fazer. Ela não era onisciente, mas sabia que havia um certo número de frentes nas quais devia lutar: o front ideológico, o front político e acima de tudo a necessidade de reduzir por todos os meios possíveis o poder da classe trabalhadora. É a partir de lá que emergiu o projeto político que chamarei de neoliberalismo.

Poderia nos dizer um pouco mais a propósito dos fronts político e ideológico, assim como os ataques contra o mundo do trabalho?

No front ideológico, isso consistia em seguir o conselho de um cara chamado Lewis Powell, que havia escrito um memorando dizendo que as coisas haviam ido longe demais e que o capital precisava de um projeto coletivo. Essa nota ajudou a mobilizar a Câmara de Comércio e a Távola Redonda dos negócios. As idéias tinham então sua importância. Essa gente pensava que era impossível organizar as universidades porque elas eram muito progressistas; e o movimento estudantil, forte demais. De repente, eles montaram todos esses grupos de reflexão, think tanks como o Instituto Manhattan, as fundações Ohlin ou Heritage. Esses grupos levaram adiante as idéias de Friedrich Hayek, de Milton Friedman e da economia da oferta.
O plano era que esses think tanks fizessem pesquisas sérias […] que seriam publicadas de maneira independente, influenciariam a imprensa e fariam pouco a pouco o cerco das universidades. Esse processo tomou um tempo. Penso que eles estão agora num ponto em que não têm mais necessidade de coisas como a fundação Heritage. As universidades foram amplamente penetradas pelos projetos neoliberais que as cercam.
No que diz respeito ao trabalho, o desafio consistia em tornar competitivo o custo do trabalho local em relação ao custo do trabalho globalizado. Uma solução teria sido demandar mão de obra imigrante. Nos anos 1960, por exemplo, os alemães apelaram aos turcos, os franceses aos magrebinos e os ingleses aos trabalhadores originários de suas antigas colônias. Mas isso havia criado muito descontentamento e agitação social.
Desta vez, os capitalistas escolheram outra via: exportar o capital de onde havia uma força de trabalho mais cara. Mas para que a globalização funcionasse, era preciso reduzir as tarifas e reforçar o capital financeiro, pois esta é a forma de capital mais móvel. O capital financeiro e o fato de tornar as moedas flutuantes tornaram-se essenciais para conter a classe operária. Ao mesmo tempo, os projetos de privatização e de desregulação criaram desemprego. Portanto, desemprego no interior do país e deslocalizações para fora, assim como um terceiro componente, as mudanças tecnológicas, a desindustrialização por meio da automação e da robotização. Esta foi a estratégia para triturar a classe operária.

Depois da publicação, em 2005, da Breve história do neoliberalismo, muito foi escrito sobre esse conceito. Parece haver principalmente dois campos: os pesquisadores que estão mais interessados na história intelectual do neoliberalismo e as pessoas que são sobretudo preocupadas com o “neoliberalismo realmente existente”. Onde você se situa?

Existe uma tendência nas ciências sociais, à qual eu tento resistir, que consiste em procurar uma fórmula mágica para explicar um fenômeno. Há assim uma série de pessoas dizendo que o neoliberalismo é uma ideologia e que escrevem uma história idealizada sobre ela. Um exemplo é o conceito de Foucault de “governabilidade” [designando uma presumível racionalidade própria à função de governar – nota do tradutor] que vê tendências neoliberais já presentes no século XVIII. Mas se vocês tomam o neoliberalismo unicamente como uma ideia ou um pacote de práticas limitadas de “governabilidade”, encontrarão numerosos precursores.
O que falta aqui é a maneira como a classe capitalista desenvolveu seus esforços durante os anos 1970 e o início dos anos 1980. Penso que é justo dizer que nessa época, ao menos no mundo anglo-saxão, ela se unificou de modo suficiente. Os capitalistas se colocaram de acordo sobre muitas coisas, como a necessidade de forças políticas que realmente os representem.
Esse período caracteriza-se por uma grande ofensiva em várias frentes, ideológicas e políticas, e a única maneira de explicá-la é reconhecer o alto nível de solidariedade da classe capitalista. O capital reorganizou seu poder numa tentativa desesperada de reencontrar sua prosperidade econômica e sua influência, que havia sido seriamente enfraquecido do fim dos anos 1960 até os anos 1970.

Houve várias crises desde 2007. Como o conceito e a história do neoliberalismo podem nos ajudar a compreendê-las?

Houve muito poucas crises econômicas entre 1945 e 1973. Nesse período, atravessamos problemas sérios mas não grandes crises. A virada para as políticas neoliberais operou-se no decorrer dos anos 1970 no quadro de uma crise severa, e todo o sistema sofreu depois uma série de outras crise. Bem entendido, estas produzem, a cada vez, todas as condições para crises futuras.
Entre 1982 e 1985, houve também a crise da dívida no México, no Brasil, no Equador e, no fundo, de todos os países em desenvolvimento, inclusive a Polônia. Em 1987-1988, vimos nos Estados Unidos uma grande crise de empresas de poupança e empréstimo; depois uma enorme crise em 1990 na Suécia, onde todos os bancos tiveram de ser nacionalizados; e por certo a Indonésia e o Sudeste asiático em 1997-1998, antes que a crise se espalhasse para a Rússia e depois para o Brasil e a Argentina em 2001-2002. Houve enfim problemas nos Estados Unidos em 2001, que foram tirando dinheiro na Bolsa de Valores para injetar no mercado imobiliário. Em 2007-2008, o mercado imobiliário implodiu, e isso foi uma grande crise. Você pode olhar um mapa do mundo e visualizar as crises percorrendo o planeta.
O conceito de neoliberalismo é útil para compreender esses fenômenos. Uma das grandes mudanças do neoliberalismo, em 1982, foi livrar o Banco Mundial e o FMI todos seus keynesianos. Eles foram substituídos por teóricos neoclássicos da oferta e a primeira coisa que estes decidiram é que doravante o FMI seguiria, em face de todas as crises, uma política de ajuste estrutural.
Em 1982, o México viveu uma crise da dívida. O FMI disse “nós vamos salvá-los”. De fato, eles salvaram os bancos de investimento novaiorquinos e impuseram políticas de austeridade. Como resultado das políticas de ajuste estrutural do FMI, a população mexicana sofreu uma perda de poder de compra da ordem de 25% nos quatro anos que se seguiram a 1982. Depois, o México sofreu quatro outros ajustes estruturais. Numerosos países conheceram mais de um. Essa prática tornou-se clássica.
O que fazem hoje na Grécia? É quase uma cópia do que fizeram no México em 1982. E é também o que se passou nos Estados Unidos em 2007-2008. Eles resgataram os bancos e fizeram a população pagar a conta através das políticas de austeridade.

Haverá qualquer coisa, nas crises recentes e no modo como elas foram geradas pelas classes dirigentes, que o faria hoje rever sua teoria do neoliberalismo?

Bem, não creio que a solidariedade da classe capitalista seja hoje o que era então. Em nível geopolítico, os Estados Unidos não estão mais na posição de conduzir a dança como faziam nos anos 1970.
Penso que assistimos a uma regionalização das estruturas globais de poder no seio do sistema dos Estados, com hegemonias regionais como a da Alemanha na Europa, do Brasil na América Latina ou da China no Leste da Ásia. Evidentemente, os Estados Unidos conservam uma posição dominante, mas os tempos mudaram. Trump pode comparecer ao G20 e dizer “devemos fazer isso”, e Angela Merkel lhe responder “não o faremos”, o que era inimaginável nos anos 1970. A situação geopolítica está, portanto, regionalizada, e há mais autonomia. Penso que é em parte um resultado do fim da guerra fria. Países como a Alemanha não dependem mais da proteção dos Estados Unidos.
Aliás, isso que chamamos “a nova classe capitalista” de Bill Gates, da Amazon e do Vale do Silício têm uma política que difere da dos gigantes tradicionais do petróleo e da energia. O resultado é que cada um tenta seguir seu próprio caminho, o que leva a conflitos entre por exemplo a energia e as finanças, a energia e o Vale do Silício etc. Existem sérias divergências sobre temas tais como as mudanças climáticas, por exemplo.
Um outro aspecto que me parece crucial é que o impulso neoliberal dos anos 1970 não foi imposto sem fortes resistências. Houve importantes reações da classe trabalhadora, dos partidos comunistas na Europa etc. Mas eu diria que ao final dos anos 1980 a batalha havia sido perdida. E como a classe trabalhadora não tem mais o poder de que dispunha àquela época, a solidariedade no seio da classe dirigente não é mais também necessária. Não há mais uma séria ameaça vindo de baixo. A classe dirigente se vira muito bem e não tem muita coisa a mudar.
Se a classe capitalista se arranja bem, em contrapartida o capitalismo vai bastante mal. As taxas de lucro se recuperaram, mas as taxas de reinvestimento são extremamente baixas. Por isso, um monte de dinheiro não retorna para a produção mas é dedicado à conquista de terras ou à compra de ativos.

Falemos um pouco mais das resistências. Em seu trabalho, você insiste no fato, aparentemente paradoxal, de que a ofensiva neoliberal se desenvolveu paralelamente a um declínio na luta de classes, pelo menos no Norte, em favor de “novos movimentos sociais” pela liberdade individual. Poderia explicar como o neoliberalismo gerou certas formas de resistência?

Aqui está uma questão a meditar: o que faz com que cada modo de produção dominante, com sua configuração politica particular, crie um modo de oposição que se constitui em seu reflexo? À época da organização fordista da produção, o reflexo era um movimento sindical centralizado e partidos políticos baseados no centralismo democrático. À época neoliberal, a organização da produção para uma acumulação flexível produziu uma esquerda que é também, na verdade, seu reflexo: trabalho em redes decentralizadas, não hierarquizados. Penso que é muito interessante. E até certo ponto, o reflexo do espelho valida o que tentava destruir. O movimento sindical, assim, sustentou o fordismo.
Penso que neste momento muita gente à esquerda, sendo muitos autônomos e anarquistas, reforçam na verdade o neoliberalismo em seu jogo final. Muita gente de esquerda não quer saber dessa afirmação. Mas a pergunta que se coloca é, evidentemente: haverá um meio de se organizar que não seja no espelho do neoliberalismo? Podemos quebrar esse espelho e organizar qualquer outra coisa, que não jogue o jogo do neoliberalismo?
A resistência ao neoliberalismo pode assumir diversas formas. No meu trabalho, ressalto o fato de que o lugar de realização do valor é também um ponto de tensão. O valor é produzido no processo do trabalho, e é um aspecto muito importante da luta de classes. Mas o valor se realiza no mercado através da venda, e uma boa parte da política tem aí seu lugar. Uma grande parte da resistência à acumulação do capital se exprime não somente no lugar de produção, mas também através do consumo, na esfera da realização do valor.
Tome a indústria de automóveis: grandes fábricas podiam antes empregar cerca de 25 mil pessoas, e hoje empregam 5 mil porque a tecnologia reduziu a necessidade de trabalhadores. O trabalho encontra-se assim cada vez mais deslocado da esfera da produção para a esfera da vida na cidade. O principal centro de insatisfação, no quadro das dinâmicas capitalistas, desloca-se para a esfera de realização do valor, para as políticas que têm impacto na vida cotidiana na cidade. Os trabalhadores evidentemente preocupam-se com um monte de coisas. Se nos encontramos em Shenzhen, na China, as lutas no quadro do processo de trabalho são dominantes. E nos Estados Unidos teríamos apoiado a greve de Verizon [2] por exemplo.
Mas em vários pontos, o que domina são as lutas em torno da qualidade da vida cotidiana. Vejam as grandes lutas dos dez a quinze últimos anos. Um conflito como o do Parque Gezi, em Istambul, não foi uma luta trabalhista. O descontentamento tinha a ver com a política cotidiana, a falta de democracia e o modo de tomar decisões. Nos levantes ocorridos das cidades brasileiras, em 2013, foram também os problemas da vida cotidiana os detonadores: os transportes e as despesas suntuosas para a construção de grandes estádios em detrimento de escolas, hospitais e moradias acessíveis. Os levantes a que assistimos em Londres, em Paris ou em Estocolmo não estavam ligados ao processo de trabalho, mas à vida cotidiana.
Nesse terreno, a política é muito diferente daquela que é implementada no local de produção. Na produção, o conflito opõe claramente o capital ao trabalho. As lutas pela qualidade de vida são menos claras em termos de configuração de classe. As políticas claramente de classe, que procedem em geral de uma compreensão do processo de produção, tornam-se teoricamente mais vagas à medida que se tornam mais concretas. Elas expressam uma disputa entre classes, mas não no sentido convencional.

Você acha que se fala demais de neoliberalismo e não o suficiente de capitalismo? Quando é mais apropriado usar um ou outro desses termos, e quais são os riscos de confundi-las?

Muitos liberais clássicos dizem que o neoliberalismo foi longe demais em termos de desigualdade de renda, que todas essas privatizações foram longe demais e que há numerosos bens comuns a proteger, como o meio ambiente. Há também modos de falar do capitalismo, como quando falamos de uma economia de partilha, que na verdade acaba por ser extremamente capitalista e exploradora.
Há a noção de capitalismo ético, que significa apenas ser razoavelmente honesto ao invés de roubar. Algumas pessoas pensam que é possível uma reforma da ordem neoliberal em direção a uma outra forma de capitalismo. Penso que talvez haja uma forma de capitalismo melhor que essa que existe hoje – mas não tão melhor. Os problemas fundamentais tornaram-se agora tão profundos que, sem um vasto movimento anticapitalista, será de fato impossível chegar até eles. Gostaria então de colocar as questões atuais em termos de anticapitalismo, em vez de antineoliberalismo. E quando ouço as pessoas falarem sobre neoliberalismo, me parece que o perigo é acreditar que não é o próprio capitalismo, de uma forma ou de outra, que está em questão.


Notas
[1] Publicado pela Oxford University Press. https://www.amazon.com.br/Brief-History-Neoliberalism-David-Harvey/dp/0199283273
[2] Sete semanas de greve nessa gigante das telecomunicações possibilitaram obter 10,5% de aumento de salários em três anos para 36 mil assalariados e a contratação de 1.400 pessoas até 2019.





David Harvey

David Harvey é professor inglês de geografia e antropologia na Universidade da Cidade de Nova York (CUNY). Um dos estudiosos mais importantes da área de ciências humanas, autor de diversos livros sobre o desenvolvimento da geografia moderna, retoma o marxismo e o conceito de classes sociais como crítica ao capitalismo global. Foi um dos principais formadores do conceito de direito à cidade. Veja seus livros em nossa livraria.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Por que trabalharemos até morrer?

REFORMA DA PREVIDÊNCIA
Devido às características do mercado de trabalho brasileiro, a capacidade de contribuição dos trabalhadores é bastante limitada. Consideremos apenas o alto nível de informalidade, a rotatividade elevada e a baixa remuneração. Isso implica que, ao chegar aos 65 anos, parte das pessoas não terá atingido os 25 anos de contribuição exigidos e não poderá se aposentar



"Como se a única alternativa para o nosso envelhecimento fosse trabalhar mais. Como se o prolongamento das nossas vidas não fosse algo a se comemorar, mas um fardo insustentável que temos que pagar... "



por: Lucas Salvador Andrietta

temer morte
Fica cada vez mais claro para todos que as reformas trabalhista e previdenciária propostas pelo governo Temer se apoiam em justificativas rasas, numa estratégia midiática agressiva e numa violência policial desmedida e antidemocrática.

A postura do governo é consequência de um fato evidente: não há nenhum apoio social às reformas. Nem ao governo. Num país que tenta entender e lidar com a recente polarização na superfície da esfera político-partidária, pesquisas de diversos vieses mostram importantes pontos de convergência. Coxinhas, mortadelas e outros quitutes do nosso variado espectro político-gastronômico ampliam cada dia mais a rejeição a Temer. As pesquisas indicam ainda que o tema da Previdência, juntamente com a corrupção, tem sido determinante no aumento da rejeição ao governo.

É nítido, também, que o governo intensifica a sua estratégia midiática para propagar o slogan falso e ameaçador de que é preciso reformar a Previdência hoje para que ela não acabe no futuro. E faz isso abandonando abertamente qualquer tipo de pudor e recheando o noticiário de absurdos éticos, como encontros casuais no cabeleireiro com empresários da comunicação, intermediação de amigos comuns para decidir sobre questões de interesse público, jantares opulentos para conquistar apoio e outros expedientes. Lembremos ainda da crescente verba pública destinada à publicidade, as amigáveis entrevistas dadas por ministros em programas de TV e a cobertura pasteurizada e parcial das notícias relativas à reforma.

É claro, também, como toda e qualquer forma de resistência vem sendo sistematicamente repreendida pelas forças policiais de todo o país. Os episódios ocorridos durante a greve geral do dia 28 de abril são apenas amostras do papel que a polícia tem desempenhado – desde muito antes do golpeachment, é sempre necessário lembrar – na contenção da resistência às reformas impopulares.

No Rio de Janeiro, por exemplo, a polícia iniciou a agressão aos manifestantes antes mesmo que o ato tivesse início. Em Goiânia, um policial quebrou um cassetete no rosto de um cidadão durante a manifestação. Dias antes, Rafael Braga foi condenado a onze anos de prisão por uma acusação forjada.

Esses episódios são lembretes pontuais de que a violência e o racismo da polícia e do judiciário não são casos isolados que podem ser resolvidos apenas administrativamente, pelo “afastamento dos envolvidos”, pela “abertura de inquérito”, pela “apuração dos fatos” ou por outras declarações de boa intenção por parte dessas instituições. Enquanto isso, um economista influente reduz a complexa reforma trabalhista a uma trivialidade qualquer, desdenha do “esperneio” da maioria da população, ao mesmo tempo que elogia a restrição do debate público ao uso de gás lacrimogêneo.

A postura do governo demonstra que não há espaço aberto para debater questões relativas aos direitos sociais que estão sendo retirados da população. Apesar das justificativas rasas apresentadas na propaganda, a reforma se apoia em argumentos meramente orçamentários. A questão parece reduzir-se à ideia de que a Previdência é um luxo que o Brasil não pode mais pagar. Isso se soma à ideia de que os cortes de gastos sociais serão suficientes para reverter a crise que o Brasil enfrenta.

O debate dentro da ordem
Independentemente das sofisticadas teorias econômicas que elaboram e divergem sobre a política econômica, o gasto público e o ciclo atual vivido pelo país, chama a atenção a má qualidade do material apresentado pelo governo para defender a reforma previdenciária. Veja-se, por exemplo, as projeções grosseiras feitas pelo governo para 2060, que foi analisada e contraposta por um estudo recente.

Os propositores da reforma apoiam-se no senso comum a respeito do tema. Na percepção geral e entre quem estuda o tema, há grande consenso de que a Previdência precisa ser reformada. As políticas públicas são formuladas em contextos históricos específicos e podem deixar de responder às transformações sociais posteriores.

Por essa razão, muitos países do mundo estão rediscutindo seus regimes previdenciários para dar respostas a questões como a desigualdade entre beneficiários, o envelhecimento populacional, o aumento da expectativa de vida e as mudanças no mercado de trabalho.

Mas reformar a Previdência não implica necessariamente reduzir direitos. Se houver o interesse em mantê-los, é preciso pensar em como garanti-los na prática: não apenas definindo suas regras de acesso, mas também sua estrutura de financiamento. A sociedade deve decidir quem é que paga a conta.
Mais do que isso, para nós, coloca-se o desafio de pensar num sistema adequado à realidade brasileira. Não apenas copiando parâmetros e tendências de outros países, mas considerando nossas desigualdades sociais e regionais, a realidade do nosso mercado de trabalho, nossa estrutura tributária, entre outros elementos. No contexto atual, isso passa por contrapor os argumentos do governo sobre esses temas, como tem sido o esforço de muitos especialistas.
O governo, ainda que ilegítimo, optou por cumprir os ritos formais da nossa democracia representativa no encaminhamento da reforma. Note-se, por exemplo, a realização de audiências públicas sobre o tema, em que importantes contrapontos e denúncias foram apresentados. Como era previsível, esta fase encerrou-se com alguns recuos do governo em pontos marginais da proposta, sem que o essencial fosse revertido.

Assim conclui-se formalmente a participação direta da sociedade nas mudanças, deixando claros os limites da ordem estabelecida. A partir de agora, o destino da reforma depende da articulação parlamentar – amplamente favorável ao governo – e da capacidade de enfrentamento e resistência nas ruas.

A velhice que nos espera

Entre as lacunas deixadas pelo material que o governo apresenta, a que mais chama a atenção é a ausência completa de alternativas aos direitos sociais que serão retirados. O texto demonstra a falta de preocupação com as consequências esperadas da reforma e uma profunda insensibilidade com a situação que grande parte da população deve enfrentar quando envelhecer.
As mudanças propostas dificultam o acesso à aposentadoria. Consideremos apenas as quatro principais: 1) a imposição da idade mínima de 65 anos; 2) o aumento da carência mínima de 15 para 25 anos; 3) as mudanças na aposentadoria rural; e 4) as mudanças no BPC.

A imposição da idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres extingue a Aposentadoria por Tempo de Contribuição. Hoje, essa modalidade abrange um terço dos 30 milhões de aposentados brasileiros. Ela afeta principalmente aquelas pessoas que conseguem, ao longo da vida de trabalho, contribuir por 35 ou 30 anos e que hoje conseguem se aposentar em torno dos 55 anos. Além disso, as mudanças na regra de cálculo dos benefícios impõem um fator previdenciário que deve reduzir ainda mais o valor dos benefícios.
Atualmente, quase 70% dos beneficiários do INSS recebe apenas um salário mínimo. Para o governo, esses são os “privilegiados” do mercado de trabalho brasileiro e a reforma teria o grande mérito de promover a igualdade entre os trabalhadores, já que todos se aposentarão com a mesma idade mínima. Num país onde as pessoas entram no mercado de trabalho, em média, antes dos 17 anos, isso significa prolongar a vida de trabalho de todos. Em vez de melhorar as condições dos mais prejudicados pelo sistema, fazemos a opção de nivelar os direitos por baixo. Mas essa não é a mudança que terá o maior impacto sobre a população idosa.

O aumento da carência mínima afeta a maior parte dos trabalhadores brasileiros, que se enquadram na modalidade de Aposentadoria por Idade, cerca de dois terços dos aposentados hoje. Com as regras atuais, os trabalhadores que chegarem aos 65 anos podem solicitar a aposentadoria, desde que tenham contribuído com 180 mensalidades (15 anos) ao longo de toda a sua vida de trabalho. O governo propõe aumentar essa exigência para 300 mensalidades (25 anos).

Na prática, essa mudança deve impedir que um grande contingente de pessoas se aposente. Devido às características do mercado de trabalho brasileiro, a capacidade de contribuição dos trabalhadores é bastante limitada. Consideremos apenas o alto nível de informalidade, a rotatividade elevada e a baixa remuneração. Isso implica que, ao chegar aos 65 anos, parte das pessoas não terá atingido os 25 anos de contribuição exigidos e não poderá se aposentar.
As desigualdades, portanto, podem se manter ou se acentuar, pois aqueles que têm uma inserção mais precária no mercado de trabalho tenderão a prolongar sua vida de trabalho ou, eventualmente, não conseguirão se aposentar de forma alguma. Isso significa, na prática, dificultar o acesso ao direito de aposentar-se para uma população que começa a trabalhar muito cedo, trabalha por muito tempo, com muita intensidade e chegará à velhice totalmente desamparada. Se somarmos a isso os efeitos da reforma trabalhista, as condições de acesso à aposentadoria deverão ser ainda mais prejudicadas.

O desprezo pelos direitos sociais fica mais explícito quando se trata das mudanças propostas para a Aposentadoria Rural. Esse direito foi inicialmente pensado para atender a um grupo grande de trabalhadores, que executa um trabalho socialmente necessário e árduo e que, por não ter um rendimento constante na sua atividade, tinha baixa capacidade de contribuir nos moldes dos trabalhadores urbanos assalariados. Por isso, sua contribuição é feita no momento da venda de sua produção e, ao atingir a velhice, aqueles trabalhadores que comprovarem ter trabalhado por quinze anos em atividade rural têm o direito de solicitar uma aposentadoria no valor de um salário mínimo. A proposta do Governo para essa modalidade é igualar as regras de acesso ao do trabalhador urbano, exigindo contribuições mensais por longos períodos de tempo, sem considerar a irregularidade da renda das famílias atingidas pela mudança. Na prática, a mudança inviabiliza a aposentadoria de um grande contingente de pessoas que atualmente trabalham nessas condições.
Por fim, aqueles que, hoje, não conseguem se aposentar, podem solicitar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), popularmente conhecido como LOAS, que oferece um salário mínimo para maiores de 65 anos ou deficientes físicos cuja renda domiciliar per capita não ultrapassa um quarto do salário mínimo. O governo propôs – e recuou levemente – que a idade para acessar o BPC subisse para 70 anos e, além disso, que o valor dos benefícios deixasse de acompanhar a valorização do salário mínimo.

A seletividade e o “déficit”
O aspecto mais perverso das reformas previdenciárias talvez seja o fato de que, nos termos em que se coloca a questão, elas nunca resolverão os problemas para os quais supostamente são realizadas. Isso fica explícito no debate sobre o déficit da Previdência.
Desde que respeitemos a Constituição Federal, é evidente que as contribuições e tributos que arrecadamos para financiar a seguridade são mais do que suficientes para pagar os benefícios. Na prática, é o INSS quem transfere recursos para que o governo gaste com outras finalidades.
Mesmo considerando os gastos previdenciários totais, que incluem servidores públicos, fica claro que os maiores responsáveis pelo tal “rombo” na Previdência são precisamente as categorias que não serão afetadas por essas reformas. É preciso parar de referir-se aos aposentados do setor público como uma grande massa homogênea de privilegiados, uma vez que a maior parte deles é composta por pessoas com remunerações baixas e médias: professores, enfermeiros, assistentes sociais, policiais, escriturários em geral e outras ocupações. Esses serão afetados pelas reformas.
Por outro lado, um grupo pequeno de funcionários de alto escalão, do Poder Judiciário, das Forças Armadas, recebe benefícios suficientes para pagar dezenas de salários mínimos. Além disso, conseguirão provavelmente aposentar-se mais cedo que a maioria.

Vida que segue?
Portanto, não é possível aceitar os argumentos apresentados pelo governo sem nenhum questionamento sobre a seletividade das reformas, à falsa ideia de que não há alternativas de financiamento – por exemplo, o imposto sobre grandes fortunas –, e de que o Brasil deve acompanhar os “parâmetros internacionais”, desconsiderando a sua realidade.
Não faltam propostas e discussões sobre como a Previdência Social – e cada um dos direitos sociais por ela garantidos – poderia ou deveria ser. Poderíamos ainda pensar, de forma radical, em como explorar as muitas possibilidades de combinação entre o trabalho e o tempo livre, considerando os avanços que nos permitem produzir cada vez mais riqueza e viver vidas cada vez mais longas.
Porém, o que está colocado nesse momento é a retração dessas possibilidades, como se não houvesse alternativas a seguir. Como se a única alternativa para o nosso envelhecimento fosse trabalhar mais. Como se o prolongamento das nossas vidas não fosse algo a se comemorar, mas um fardo insustentável que temos que pagar. Que pelo menos possamos envelhecer resistindo de todas as formas possíveis.

*Lucas Salvador Andrietta é economista, mestre em Economia Social e de Trabalho pela Unicamp e doutorando pela mesma instituição.

Fonte -  Le Monde Diplomatique Brasil