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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

E que venha 2014 !!!

O     PERIGO    DAS   SEMENTES

perigo da semente


“Entrei em um ciclo vicioso. Cada vez mais comida, cada vez mais sorrisos, mais conversas e mais sementes. Sinto que estou perdendo o controle das coisas”


Crônica de Ricardo Philippsen, no blog do coletivo Bio Wit

Tudo começou com uma ideia que parecia inofensiva: A partir daquele dia, na pequena hortinha no fundo do quintal, eu deixaria as hortaliças completarem seu ciclo de vida. Em outras palavras, deixaria elas produzirem sementes. Esperava assim não precisar comprar mudas ou sementes com tanta frequência.
Eu não fazia ideia do que aconteceria depois disso.

No início fiquei fascinado, descobri flores que eu jamais tinha imaginado existirem, entrei em extase quando vi desabrochar a primeira flor da chicória, de um lilás exuberante ela passou a enfeitar a minha horta. As primeiras sementes vieram, amadureceram, foram colhidas e semeadas.

Ah se eu soubesse…

Tudo parecia bem, as mudinhas cresceram como esperado mas algo que eu não tinha previsto começou a acontecer: nem todas as sementes foram colhidas, algumas simplesmente se espalharam desordenadamente pela horta, caíram em canteiros que não lhes tinham sido destinados e foram levadas por pássaros para lugares ainda mais indevidos.

Acabei ficando com dó de arrancar as plantas, não achei que as consequências seriam tão grandes.

Com o passar dos meses fui perdendo o controle, a horta ficou bagunçada. Alface nascia do lado  do tomate, as cenouras brotavam por toda parte, framboesas e physalis cresciam ao pé de outras árvores e os canteiros de flores da minha mãe agora estavam infestados de comida.

Talvez eu devesse ter parado mas acabei me acostumando com a ideia e deixei a natureza seguir o seu curso.

Com o tempo não era mais apenas a bagunça, eu tinha um outro problema, a horta tinha se alastrado por todo o pátio. O pátio até que ficou bonito, começou a chamar a atenção, e para não fazer feio começamos a caprichar cada vez mais, eu não poderia admitir pros vizinhos que eu não estava no controle, comecei então, eu mesmo, a fazer canteiros.

Mais um problema. A produção ficou grande demais, e como todo mundo sabe, é pecado jogar comida fora. A solução, ou assim eu pensava, foi dar o excedente aos vizinhos. Ruibarbo para um, espinafre para o outro e em pouco tempo eu tinha as crianças dos vizinhos grudados na cerca pedindo morangos. Dias depois observei uma dessas crianças andar de um lado para o outro com uma enxada na mão, achando que aquilo era algo a ser copiado.

E não foi só isso, os vizinhos não entenderam nada. Ao invés de perceber que eu estava tentando me livrar das sobras eles ficaram felizes, vinham para a cerca conversar e insistiam em retribuir. Quando não era um convite para o café, um pacote de biscoito caseiro ou um pedaço de torta das frutas da minha horta, era um casaco que tava sobrando ou alguma outra coisa que eu talvez pudesse usar.

Para me livrar das folhas que já não serviam para consumo eu jogava elas por cima da cerca para as galinhas de um dos vizinhos. Em pouco tempo começaram a chegar os ovos para retribuir.

Um amigo resolveu agradecer doando esterco das suas vacas. Ovos valem mais do que restos de folhas, esterco mais do que as poucas verduras, logo, eu tenho que dar mais verduras, mas e depois? Ganho mais esterco, minha horta produz mais e eu tenho que achar outra pessoa para quem dar mais hortaliças.

Entrei em um ciclo vicioso. Cada vez mais comida, cada vez mais sorrisos, mais conversas e mais sementes. Já não preciso mais ir ao mercado comprar hortaliças, faz anos que eu ganho tanta roupa que não posso mais ir ao shoping comprar minhas próprias, passo tanto tempo na horta que mal sobra tempo para a internet, nem lembro quando foi a última vez que eu assisti televisão.

Sinto que eu estou perdendo o controle das coisas.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Ação parlamentar ou para lamentar?

As bancadas que contam no Congresso Nacional são as do agronegócio, das empreiteiras, da mineração, dos bancos, da bola, da bala... Elas se aglutinam como partidos de fato, hegemonizam comissões em que haja matérias de seu interesse e não obedecem ao comando dos partidos formais
por Chico Alencar
É costumeiro dizer que a existência do Parlamento chancela o caráter democrático do regime político. Nossa história, como a de muitos outros países, não confirma isso.
No Império, a partir de 1822, a Assembleia Geral reunia os “representantes do povo”. Mas os eleitos, a exemplo dos que chegavam às câmaras municipais, desde a Colônia, eram os “homens bons”. Machos, brancos, ricos nos padrões da época e... cristãos. A Monarquia parlamentarista brasileira chegou a revezar liberais e conservadores no ministério, auxiliando o sereníssimo e magnânimo D. Pedro II. O trono assentava-se na prosperidade de um “rei” que não era o Pelé, e sim o café. Aristocracia é rima, mas não solução para democracia. Os debates e discursos no Parlamento, entretanto, sempre reverberavam algumas questões candentes da sociedade, por mais elitista que ele fosse.

O abolicionismo e a emancipação tardia, com a Lei Áurea, revelam isso.

Na República Velha, dos “coronéis”, dos “bacharéis” ou do “café com leite”, a dominação oligárquica também moldava o Congresso Nacional. Eram inexistentes os representantes dos camponeses – maioria dos que trabalhavam no país predominantemente rural – e da classe operária nascente. O voto de cabresto e os currais eleitorais impediam essa presença. As autoridades da República dita democrática jamais perguntavam, ao colocar em prática suas políticas, sobre os interesses do povo, sobre seus quereres. A plebe marginalizada só era percebida quando, confrontando a lei (do mais forte), se rebelava, dizendo por A mais B, com armas na mão e braveza no coração, que não aceitava mais tanto C de controle e coerção. Foi assim em Canudos, Contestado, Caldeirão, Chibata. E no cangaço.

A Revolução de 1930 (“Façamos a revolução antes que o povo a faça”, alertou Antonio Carlos, presidente da província de Minas Gerais) não alterou muito esse quadro de debilidade da representação. É verdade que já estavam na cena política brasileira novos atores, oriundos das mudanças socioeconômicas da urbanização. Em décadas anteriores já se organizavam sindicatos operários, de forte influência anarcossindicalista. Uma organização de esquerda, o Bloco Operário e Camponês, chegou a eleger alguns parlamentares no Rio de Janeiro, mas eles foram cassados antes de assumir os mandatos. A incorporação das massas ao processo político só ocorria em espasmos e graças ao seu próprio combate. O voto secreto do eleitor, instituído pela Constituição de 1934, reduzia um pouco o poder dos “coronéis”, mas não os destruía. Os analfabetos, dois terços da população, continuavam impedidos de votar. O “novo” da República brasileira seguia sendo a velha combinação de liberalismo (formal), autoritarismo (patriarcal) e elitismo (patrimonial).

O Estado Novo (1937-1945) dispensou as formalidades e os incômodos do Parlamento, inspirando-se no corporativismo dos regimes fascistas da Europa. Difundiu-se, pela propaganda e pela extrema centralização governamental, que uma elite intelectual de técnicos, militares e políticos “modernos” seria capaz de interpretar os “verdadeiros interesses nacionais e das classes populares”.

Os ares do final da Segunda Guerra Mundial chegaram ao Brasil, e nossa democracia liberal formal, recomposta, estabeleceu o pluripartidarismo e a garantia da expressão de correntes à esquerda, como o Partido Comunista (por breve tempo), o Socialista e o Trabalhista. Getúlio Vargas, que conduzira o país por quinze anos consecutivos e três distintas formas de governo (provisória, constitucional e unitária), já vislumbrava os novos caminhos: “Quando terminar a guerra, em ambiente próprio de paz e de ordem, com as garantias máximas à liberdade de opinião, reajustaremos a estrutura política da Nação, fazendo as necessárias consultas ao povo brasileiro”.

De uma ou de outra forma, quase sempre controláveis ou manipuláveis, o ente “povo brasileiro” ia adquirindo fisionomia e não podia mais ser ignorado. O chamamento “Trabalhadores do Brasil!” que Vargas fazia, nas comemorações do Primeiro de Maio, para anunciar “benesses” às “classes laboriosas” funcionava como anteparo à influência socialista e comunista entre os “de baixo”. Mas tanto os segmentos populistas quanto os mais ideológicos, defensores da auto-organização dos trabalhadores, iam conquistando espaço, inclusive nos legislativos.O golpe civil-militar de 1964, ao dissolver os treze partidos políticos de então e impor o bipartidarismo entre o “sim” (MDB) e o “sim, senhor” (Arena), empenhou-se em cassar parlamentares defensores das reformas de base. A ceifa foi grande, revelando que o Parlamento já não era tão irrelevante assim.

Após o “intervalo trevoso” da ditadura, chegamos à nossa etapa liberal-democrática atual, sob a égide da Carta Cidadã de 1988. Obtivemos inegáveis conquistas, com a capilarização da ideia de democracia como valor universal, tese do saudoso Carlos Nelson Coutinho. Mas é imperativo reconhecer que vivemos uma “democracia de baixa intensidade”, para usar a expressão de Boaventura Souza Santos. O clientelismo e os mandatos de negócios, que buscam sua reprodução por meio da “fidelização” do eleitorado paternalizado, dão o tom dissonante da democracia real. A participação popular nas decisões de âmbito municipal, estadual ou nacional, embora afixada como princípio constitucional, não é desejada nem estimulada. Os mecanismos desse ativismo são, em geral, esvaziados. Não se viabiliza a saudável combinação entre democracia direta, por meio dos conselhos e plebiscitos/referendos, e a expressão parlamentar. Os partidos ainda pretendem ter o monopólio da representação, apesar de seu escandaloso artificialismo: existiriam de fato 33 correntes de opinião e, consequentemente, de projetos de sociedade, manifestando a visão de distintos grupos e classes no Brasil? A verdade dessa degeneração partidária é que as siglas não correspondem às suas práticas: republicanos, social-democratas, socialistas, democratas, trabalhistas, comumente, não o são. Os nomes das legendas escondem sua real natureza: vínculos com os poderosos para reprodução de mandatos voltados para os bens particulares, e não para o bem comum.

Hoje, as bancadas que contam no Congresso Nacional são as do agronegócio, das empreiteiras, da mineração, dos bancos, da bola, da bala... Elas se aglutinam como partidos de fato, hegemonizam comissões em que haja matérias de seu interesse e não obedecem ao comando dos partidos formais. Não por acaso, 386 dos 513 deputados receberam financiamento de campanha desses segmentos, e apenas 1% só de pessoas físicas. O derrame do dinheiro das empresas torna as eleições cada vez mais previsíveis. Não foi por outra razão que a Câmara dos Deputados derrubou, em 16 de outubro, emenda para limitar os gastos de campanha e o Senado vetou, em 6 de novembro, a ampliação da prestação de contas, indo na contramão do “clamor das ruas”, que, cinicamente, diziam ouvir.

Apenas uma reforma política substantiva, que só o será com forte participação popular, poderá reduzir a influência do poder econômico na constituição dos executivos e dos legislativos, possibilitando que as maiorias sociais se tornem maiorias políticas. Sem mudança radical no sistema privado de financiamento de campanhas, na concepção e atuação dos partidos e na consciência do eleitor, que precisa se tornar um cidadão de tempo integral, continuaremos neste “museu de grandes novidades”. Vendo, como cantou profeticamente nosso Cazuza, “o presente repetir o passado”.


Chico Alencar

Professor de História e deputado federal (Psol-RJ).

domingo, 29 de dezembro de 2013

Assim será 2014? Santa ingenuidade!



Vi um pessoal fazendo previsões das boas notícias que sairão nos jornais em 2014, quer dizer, que gostariam que saíssem, que acontecessem de verdade, e embarquei nessa também. Algumas delas não são possíveis de se realizar em um ano apenas, mas poderiam começar agora e as notícias aparecerem como estão abaixo ao longo de alguns anos.

Aí vão algumas delas:

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Brasil organiza a melhor copa de futebol de todos os tempos. Nossa seleção joga maravilhosamente e é campeã. Depois rompe com a Fifa, que só quer lucrar em cima de nós. Por sinal, mascote escolhido por ela não pega. Nas ruas, nos bares, nos salões e nos lares, o Saci é festejado como mascote do povo.
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Congresso aprova lei e Dilma referenda: lugar de pregação religiosa é nas igrejas. Emissoras de rádio e televisão não podem mais ter programas religiosos. Boa música e noticiário com credibilidade são uma constante na programação de rádio e TV.
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Justiça prova que agora vale para todos: tucanos envolvidos em escândalos de corrupção vão para a cadeia.
Governo deixa de privilegiar agronegócio e passa a dar apoio a agricultores que plantam comida para os brasileiros.
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Desmatamento agora dá cadeia. Vários fazendeiros e donos de madeireiras já estão presos em regime fechado. Outros estão sendo caçados. Um dos resultados é que não há mais queimadas criminosas na Floresta Amazônica, no Cerrado, na Mata Atlântica e no Pantanal. Replantio de florestas com espécies nativas se expande pelo país todo.
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Mudança radical nos transportes: acabam privilégios para indústria automobilística e há aplicação inédita em metrôs, trens e transporte fluvial e marítimo de cargas e passageiros. Já é possível viajar em navios de cabotagem em toda a costa do Brasil. O trânsito melhora em todas as cidades, pois o transporte coletivo atende às necessidades da população.
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Economia vai muito bem e desemprego é zero no Brasil. Com isso, deixou de existir a bolsa família.
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Nenhuma criança está fora da escola, a qualidade do ensino é excelente e os educadores são tratados com dignidade. Escolas particulares fecham por falta de procura, já que todos preferem as escolas públicas.
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SUS atende bem todos a todos os brasileiros e não há filas. Com isso, planos de saúde deixam de existir.
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Chegam às livrarias biografias não autorizadas de Roberto Carlos, Paulo Maluf, José Sarney, Renan Calheiros, Bornhausen e mais um monte de gente.
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Departamentos de trânsito de todo o Brasil deixam de ser apenas receptores de multa e funcionam pra valer.
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Um novo jornal diário dá notícias verdadeiras, sem manipulação, e ganha público. Serve de exemplo para outros jornais, revistas semanais e telejornais, que estão mudando radicalmente de comportamento. A imprensa ganha credibilidade e a profissão de jornalista também.
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Mudanças na Lei Rouanet: não são mais empresas que selecionam projetos culturais beneficiados. Já que o dinheiro é público, agora profissionais de cada área, alicerçados pelo Ministério da Cultura é que escolhem.
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Reforma política é radical: deixam de existir legendas de aluguel. Partidos políticos ganham vergonha na cara e deixam de governar pelo sistema “toma lá, dá cá”. Agora governam de acordo com seu programa e com o que prometeram em campanha. Não há mais alianças espúrias nem cessão de ministérios e cargos em instituições públicas para obter apoio. Políticos que tentam trocar apoio por cargo são denunciados, perdem o mandato e podem ir para prisão.
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Lei obriga moradores de São Paulo a quebrar todo o cimento dos quintais, e enchentes diminuem bastante. O sistema de drenagem urbana teve uma grande reforma de verdade funciona bem e as coisas melhoram ainda mais.
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Enfim despoluídos os rios Tietê, Pinheiros e vários outros. Já é possível pescar neles. O mesmo acontece com rios que banham outras metrópoles, como o Capiberibe e o Beberibe em Recife e o Arrudas em Belo Horizonte. A despoluição foi completa também na baía de Guanabara, no lago Paranoá e na baía de Todos os Santos. O rio São Francisco recupera mata ciliar em toda a sua extensão e tratamento de esgotos de todas as cidades ribeirinhas. Por isso, tem água farta e limpa sobrando para transposição para áreas de secas.
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Bom, a lista é longa… Mas se houver motivo para umas quatro notícias dessas por ano já estará muito bom, não é?


blog do Mouzar

sábado, 28 de dezembro de 2013

O ano misterioso

João Guilherme Vargas Netto *

Com todos os acontecimentos retumbantes que se sucederam ao longo dos meses o ano de 2013 guarda, para os olhos do movimento sindical, um mistério.

Um crescimento econômico medíocre, alguns falando em travamento da economia e outros em esgotamento do modelo, ao mesmo tempo em que o emprego formal cresce e os ganhos reais de salários sobem em quase todas as categorias e regiões do Brasil.

Este é o grande mistério do ano que vai terminando e entendê-lo ou decifrá-lo é tarefa essencial para traçar os rumos sindicais em 2014.

O primeiro passo para o esclarecimento é a compreensão de que o modelo não se esgotou e, pelo contrário, sua lógica – mesmo que contrariada pelos adversários rentistas – mostra sua força: na contramão do mundo inteiro a economia brasileira tem precisado do emprego e do salário em altas para se manter e avançar, mesmo que a baixa velocidade.

Há, felizmente, certas conquistas, como a da política de aumento real do salário mínimo, que viraram um terceiro trilho de metrô, aquele no qual não se pode pisar sem risco de ser eletrocutado.
Outro elemento para decifrar o mistério é o continuado empenho do movimento sindical em reivindicar a pauta trabalhista e, ao mesmo tempo, mobilizar os trabalhadores e garantir campanhas e negociações vantajosas de salários. O jornalista João Franzin tem anunciado repetidamente o valor monetário adicionado à economia por meio dos ganhos salariais dos trabalhadores; as grandes ruas onde se concentra o comércio popular regurgitam de compradores e o consumo continua sendo a alavanca da situação econômica.

E, por último, a grande chave que desvenda o misterioso ano de 2013, é a unidade de ação do movimento; ela garante os ganhos referidos acima e mais o empenho pelo avanço de outras reivindicações, como a inutilização do fator previdenciário e a correção da tabela do imposto de renda e a ampliação de suas faixas.

Persistir no rumo econômico que privilegia emprego e salários, garantir conquistas salariais e empenho na defesa da pauta trabalhista e reforçar a unidade de ação, eis as chaves que abrem as portas do mistério de 2013 e nos posicionam, com vantagem, em 2014.

* É consultor sindical de diversas entidades de trabalhadores em São Paulo

http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=5588&id_coluna=23

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

O Time dos Sonhos do atraso e do reacionarismo

 
 
 
 
Os jornalistas mais reacionários de 2013: minha seleção...

Paulo Nogueira - Diário do Centro do Mundo


Bem, final de ano é tempo de retrospectiva.

O DCM acompanhou a mídia com atenção, e então vai montar sua seleção de jornalistas do ano, o Time dos Sonhos do atraso e do reacionarismo, o TS, o melhor do pior que existiu na manipulação das notícias.

A cartolagem é parte integrante e essencial do TS: Marinhos, Frias, Civitas, Mesquitas etc.

À escalação:

No gol, Ali Kamel, diretor de jornalismo da TV Globo. Devemos a ele coisas como a magnífica cobertura da meia tonelada de cocaína encontrada no famoso Helicóptero do Pó, pertencente à família Perrella.

Kamel é também notável pela sagaz tese de que não existe racismo no Brasil.

Na ala direita, dois jogadores, porque pela esquerda ninguém atua. Reinaldo Azevedo e Augusto Nunes são os selecionados. Os blogueiros da Veja são entrosados, e pô-los juntos facilita o trabalho de treinamento do TS.

Azevedo se notabilizou, em 2013, por ser comparado por diferentes mulheres a diferentes animais, de pato a rottweiler.

Nunes brilhou por lances de genialidade e inteligência – e total ausência de preconceito —  como chamar Evo Morales de “índio de franja” e classificar Lula de “presidente retirante”.

Uma disputa interessante entre Nunes e Azevedo é ver quem utilizou mais a palavra “mensaleiros”. Gênios.

Na zaga, uma inovação: duas mulheres. Temos a cota feminina no TS do DCM. Eliane Cantanhede, colunista da Folha, e Raquel Scherazade, a versão feminina de Jabor.

Ambas defenderam valentemente o país dos males do lulopetismo, e fizeram a merecida apologia de varões de Plutarco da estatura de Joaquim Barbosa, o magistrado do apartamento de Miami.

No meio de campo, três jogadores de visão: Jabor, Merval e Míriam Leitão. Sim, a cota feminina subiu durante a montagem do TS.

Jabor se celebrizou em 2013 pela rapidez com que passou da condenação absoluta à louvação incondicional das jornadas de junho quando seus superiores na Globo lhe deram ordem para mudar o tom.

Merval entrará para a história pelo abraço fraternal em Ayres de Britto, registrado pelas câmaras. Merval conseguiu desmontar a tese centenária e mundialmente reverenciada de Pulitzer de que jornalista não tem amigo.

E Míriam Leitão antecipou todas as calamidades econômicas que têm assaltado o país, a começar pela redução da desigualdade e pelo nível de emprego recorde.

Numa frase espetacular em 2013, Míriam disse que só escreve o que pensa. Aprendemos então que ela é tão igual aos patrões que poderia ser o quarto Marinho, a irmãzinha de Roberto Irineu, João Roberto e Zé Roberto.

No ataque, dois Ricardos, também para facilitar o entrosamento. Ricardo Setti e Ricardo Noblat. Setti foi uma revelação, em 2013, no combate ao dilmismo, ao lulismo, ao bolivarianismo, ao comunismo ateu e à varíola. Noblat já é um jogador provado, e dispensa apresentações. Foi o primeiro blogueiro a abraçar a honrosa causa do 1% no Brasil.

Para completar o trio ofensivo, Eurípides Alcântara, diretor da Veja. Aos que temiam que a Veja pudesse se modernizar mentalmente depois da morte de Roberto Civita, Eurípides provou que sempre se pode ir mais adiante.

Suas últimas contratações são discípulos de Olavo de Carvalho, o astrólogo que enxerga em Obama um perigoso socialista. Graças a Eurípides, em todas as plataformas da Veja, o leitor está lendo na verdade a cabeça privilegiada de Olavo.

Na reserva do TS, e abrindo espaço para colunistas que não sejam necessariamente jornalistas, dois selecionados.

O primeiro é Lobão, novo colunista da Veja e novo olavete também. No Roda Viva, Lobão defendeu sua reputação de rebelde ao fugir magistralmente de uma pergunta sobre o aborto.

O outro é o professor Marco Antônio Villa, que conseguiu passar o ano sem acertar nenhuma previsão e mesmo assim tem cadeira cativa em todas as mídias nacionais.

O patrono do TS é ele, e só poderia ser ele: José Serra.

Mas Joaquim Barbosa pode obrigar Serra a cedê-la a ele, JB, nosso Batman, nosso menino pobre que mudou o Brasil e, nas horas vagas, arrumou um emprego para o júnior na Globo.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

ONU reconhece racismo estrutural no Brasil

Documento também desconstrói o mito da "democracia racial"
Da Redação, CAROS AMIGOS
O Grupo de Trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Afrodescendentes divulgou na sexta-feira (13) o comunicado final sobre sua visita ao Brasil. A visita foi realizada a partir de um convite feito pelo governo brasileiro, com o objetivo de de estudar a situação dos negros no País. No trabalho, o grupo afirmou que "os negros do País ainda sofrem racismo estrutural, institucional e interpessoal."
Segundo o documento, apesar do esforço do governo, o avanço do fim da discriminação racial acontece em ritmo lento. Nesse sentido as leis e medidas aprovadas pelo governo ainda não são suficientes para acabar com o racismo. Além disso o grupo refutou a tese de que o Brasil é uma "democracia racial" e até estranhou que houvesse quem reivindicasse esse título: "Ademais, constatamos também que alguns setores da sociedade acreditam que o Brasil é uma democracia racial".
Racismo
"Os afro-brasileiros constituem mais da metade da população brasileira, no entanto, são sub-representados e invisíveis na maioria das estruturas de poder, nos meios de comunicação e no setor privado. Esta situação tem origem na discriminação estrutural, que se baseia em mecanismos históricos de exclusão e estereótipos negativos, reforçados pela pobreza, marginalização política, econômica, social e cultural", afirmou o grupo.
O comunicado aponta que os negros no País recebem salários piores, têm baixa participação na administração pública, menos acesso à saúde, educação e Justiça. Além disso, foi identificado o abuso das autoridades especificamente sobre essa camada da população. "Fomos informados de graves violações de direitos humanos perpetradas pelas forças de segurança, em particular pelas polícias Civil e Militar, contra os jovens e adolescentes negros. Muitas dessas violações ficam impunes. Funcionários governamentais denunciaram a violência devastadora e os assassinatos. No entanto, a partir de reuniões com a sociedade civil, soubemos que isto continua sendo uma prática generalizada".
Avanços
Apesar do relato de todos esses problemas, o documento afirma que nos últimos 10 anos o Brasil demonstrou muita vontade política para superar o racismo, principalmente através das ações afirmativas, e aponta as medidas mais importantes nesse sentido, como a lei 10.639, que institui o ensino da história e da cultura da África e dos afro-brasileiros nas escolas, e o decreto nº 4.887, entre outros, que reconhecem e definem os títulos de propriedade das comunidades quilombolas.
No campo da educação, o grupo afirma que "o Estatuto da Igualdade Racial em 2010 é um passo crucial na promoção da igualdade para os afro-brasileiros", assim como a decisão da Suprema Corte em 2012 sobre a constitucionalidade das cotas raciais para acesso ao ensino superior, e as atuais discussões no Congresso sobre as cotas para cargos públicos.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A covarde violação dos direitos humanos

 

 

 

Leonardo Boff, no sítio da Adital:


Vivemos num mundo no qual os direitos humanos são violados, praticamente em todos os níveis, familiar, local, nacional e planetário.

O Relatório Anual da Anistia Internacional de 2013 com referência a 2012 cobrindo 159 países faz exatamente esta dolorosa constatação. Ao invés de avançarmos no respeito à dignidade humana e aos direitos das pessoas, dos povos e dos ecossistemas estamos regredindo a níveis de barbárie. As violações não conhecem fronteiras e as formas desta agressão se sofisticam cada vez mais.

A forma mais covarde é a ação dos "drones”, aviões não pilotados que a partir de alguma base do Texas, dirigidos por um jovem militar diante de uma telinha de televisão, como se estivesse jogando, consegue identificar um grupo de afegãos celebrando um casamento e dentro do qual, presumivelmente deverá haver algum guerrilheiro da Al Qaeda. Basta esta suposição para com um pequeno clique lançar uma bomba que aniquila todo o grupo, com muitas mães e crianças inocentes.

É a forma perversa da guerra preventiva, inaugurada por Bush e criminosamente levada avante pelo Presidente Obama que não cumpriu as promessas de campanha com referência aos direitos humanos, seja ao fechamento de Guantánamo, seja à supressão do "Ato Patriótico”(antipatriótico) pelo qual qualquer pessoa dentro dos USA pode ser detida por suspeita de terrorismo, sem necessidade de avisar a família. Isso significa sequestro ilegal que nós na América Latina conhecemos de sobejo. Verifica-se em termos econômicos e também de direitos humanos uma verdadeira latino-americanização dos USA no estilo dos nossos piores momentos da época de chumbo das ditaduras militares. Hoje, consoante o Relatório da Anistia Internacional, o país que mais viola direitos de pessoas e de povos são os Estados Unidos.

Com a maior indiferença, qual imperador romano absoluto, Obama nega-se a dar qualquer justificativa suficiente sobre a espionagem mundial que seu Governo faz a pretexto da segurança nacional, cobrindo áreas que vão de trocas de e-mails amorosos entre dois apaixonados até dos negócios sigilosos e bilionários da Petrobrás, violando o direito à privacidade das pessoas e à soberania de todo um país. A segurança anula a validade dos direitos irrenunciáveis.

O Continente que mais violações sofre é a África. É o Continente esquecido e vandalizado. Terras são compradas (land grabbing) por grandes corporações e pela China para nelas produzirem alimentos para suas populações. É uma neocolonização mais perversa que a anterior.

Os milhares e milhares de refugiados e imigrantes por razões de fome e de erosão de suas terras são os mais vulneráveis. Constituem uma subclasse de pessoas, rejeitadas por quase todos os países, "numa globalização da insensibilidade”, como a chamou o Papa Francisco. Dramática, diz o Relatório da Anistia Internacional, é a situação das mulheres. Constituem mais da metade da humanidade, muitíssimas delas sujeitas a violências de todo tipo e em várias partes da África e da Ásia ainda obrigadas à mutilação genital.

A situação de nosso país é preocupante dado o nível de violência que campeia em todas as partes. Diria, não há violência: estamos montados sobre estruturas de violência sistêmica que pesa sobre mais da metade da população afrodescendente, sobre os indígenas que lutam por preservar suas terras contra a voracidade impune do agronegócio, sobre os pobres em geral e sobre os LGBT, discriminados e até mortos. Porque nunca fizemos uma reforma agrária, nem política, nem tributária assistimos nossas cidades se cercarem de centenas e centenas de "comunidades pobres”(favelas) onde os direitos à saúde, educação, à infraestrutura e à segurança são deficitariamente garantidos. A desigualdade, outro nome para a injustiça social, provoca as principais violações.

O fundamento último do cultivo dos direitos humanos reside na dignidade de cada pessoa humana e no respeito que lhe é devido. Dignidade significa que ela é portadora de espírito e de liberdade que lhe permite moldar sua própria vida. O respeito é o reconhecimento de que cada ser humano possui um valor intrínseco, é um fim em si mesmo e jamais meio para qualquer outra coisa. Diante de cada ser humano, por anônimo que seja, todo poder encontra o seu limite, também o Estado.

O fato é que vivemos num tipo de sociedade mundial que colocou a economia como seu eixo estruturador. A razão é só utilitarista e tudo, até a pessoa humana, como o denuncia o Papa Francisco é feita "um bem de consumo que uma vez usado pode ser jogado fora”. Numa sociedade assim não há lugar para direitos, apenas para interesses. Até o direito sagrado à comida e à bebida só é garantido para quem puder pagar. Caso contrário, estará ao pé da mesa, junto aos cães esperando alguma migalha que caia da mesa farta dos ‘epulões’.

Neste sistema econômico, político e comercial se assentam as causas principais, não exclusivas, que levam permanentemente à violação da dignidade humana. O sistema vigente não ama as pessoas, apenas sua capacidade de produzir e de consumir. De resto, são apenas resto, óleo gasto na produção.

A tarefa além de humanitária e ética é principalmente política: como transformar este tipo de sociedade malvada numa sociedade onde os humanos possam se tratar humanamente e gozar de direitos básicos. Caso contrário a violência é a norma e a civilização se degrada em barbárie.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Espírito natalino e consumismo exacerbado

O espírito natalino desnuda a realidade mais cruel do modelo

no qual estamos sendo conduzidos. Não basta só o consumo. 

É necessário o consumismo exacerbado.

por Jaciara Itaim 

A chegada do mês de dezembro reproduz a cada ano cenas que poderiam ser consideradas completamente irracionais por algum alienígena que se aproximasse de nosso País. Estamos em pleno final de ano, auge do verão aqui no hemisfério sul, com temperaturas bastante elevadas. No entanto, os ambientes todos estão tomados por indivíduos fantasiados com roupas pesadas e quentes, imitando a figura emblemática e mitológica do Papai Noel. A tentativa é de reproduzir o contexto da Lapônia, uma província da Finlândia, onde as temperaturas podem atingir mínimas de -20° C nessa época do ano.

Vem daí então o imaginário da neve, do pinheirinho, do trenó com as renas e tudo o mais que cerca o ambiente de Natal. Estranho sincretismo esse que conseguiu unir as tradições bíblicas que envolvem o nascimento de Jesus às estórias fantásticas do velhinho barbudo do norte europeu em um território equatorial e do outro lado do Oceano Atlântico. A tradição dos presentes - que remonta, na verdade, à chegada dos reis magos no dia 6 de janeiro - foi sendo aos poucos substituída pela pressão social em torno da oferta dos presentes no próprio dia do nascimento do menino Jesus.
 
Consumir, consumir, consumir e oferecer

Assim, o espírito natalino se converteu à sanha das compras e das aquisições. Festejar o Natal passou a ser sinônimo de desejo de consumo, impulso expresso por todos - desde as crianças até os adultos de todas as idades e gerações. As cartas ingênuas à entidade desconhecida de barriga grande e barbas brancas, as trocas de presentes no ambiente de trabalho, as festas familiares com as encomendas acertadas previamente ou sob efeito surpresa do amigo-secreto. Pouco importa a forma, uma vez que o essencial é um elemento apriorístico: o consumo.

É importante reconhecer que a realidade brasileira é pródiga na criação e na ampla aceitação social de datas “comemorativas”, onde o foco é sempre o presentear outrem por meio de compras. Apesar de o Natal ocupar, de longe, o primeiro lugar em importância e em faturamento, na seqüência surgem outros momentos que são utilizados para que a indústria e o comércio esquentem seus motores ao longo do ano. É o caso do Dia das Mães, Dia dos Namorados, Dia das Crianças e Dia dos Pais, para citar alguns exemplos. Para além das questões de natureza cultural e de sociabilização, a grande marca deixada pelas organizações que constituem a nossa formação capitalista relaciona-se ao verbo comprar. Ou seja, transformar esse misto de desejo e de imposição social em circulação de mercadoria, em movimentação acelerada de valores de troca e de valores de uso.

Nesse aspecto, ganha relevância o papel desempenhado pelas estruturas de propaganda e marketing. Trata-se da criação de necessidades sociais e culturais de forma artificial e exógena, em processos onde os indivíduos se sintam motivados a desenvolver determinadas ações ou a adotar certos comportamentos em nome de uma espécie de “unanimidade construída”. O verdadeiro bombardeio a que estamos todos submetidos por várias semanas antes mesmo da data da ceia tem uma mensagem muito clara. Natal feliz é Natal com presente. Quem não recebe nada comprado na data deve se sentir menosprezado ou desprezado por aqueles que o cerca. Quem se atreve a não comprar presentes para oferecer não merece o carinho nem o bem querer de seus pares. A comemoração é fortemente carregada do elemento simbólico: o querer é avaliado a partir da quantidade, da exuberância e dos preços.

A criação das necessidades e a generalização das compras

Vale recordar, por outro lado, a importância adquirida por uma forma muito especial, em meio à multiplicidade de estratégias mercadológicas: a publicidade dirigida ao público infantil. Apesar da festa não ser dirigida apenas às crianças, o foco recai sobre essa parcela expressiva da população, que termina por exercer influência significativa sobre as decisões das famílias no período. Ainda que os espaços de tangência entre a ética e a legalidade estejam presentes em todo o tipo de propaganda, no caso específico do universo infantil a situação é ainda mais escabrosa. São pessoas ainda em processo de formação e amadurecimento, sem quase nenhuma capacidade de discernimento entre o necessário e o supérfluo, entre o real e a fantasia, com pouca referência a respeito de preços e capacidade de aquisição. Ou seja, é o caso típico de atividade que deve ser proibida por lei - em razão de seus reconhecidos efeitos nocivos para o conjunto da sociedade – e não ser liberada em nome da liberdade do mercado e da possibilidade de amplo de acesso à informação.

O padrão civilizatório hegemônico nos tempos atuais determina que a conquista da felicidade e a vigência do bem estar estão intimamente associados à capacidade do indivíduo ter e comprar. A posse dos bens é elemento sempre martelado pelos meios de comunicação, a todo momento associada à imagem da pujança, da beleza e do amor. Quem tem, pode. Quem tem mais, pode mais. Quem tem mais caro, pode ainda muito mais. Ocorre que na sociedade capitalista, a tendência é a da generalização das relações mercantis. Assim, via de regra, para se ter algo é necessário processar o ato da compra. A relação de troca se realiza por meio do equivalente geral, o dinheiro. E para os que ainda não reúnem as condições de recursos para a compra do presente desejado, o sistema oferece o instrumento mágico que permite a antecipação do consumo: o crédito.

A intermediação da esfera financeira ajuda a completar o ciclo da realização do capital, com a garantia de que o consumo se efetive mesmo na ausência dos recursos monetários no momento da aquisição do bem. Isso porque o modelo envolvido na dinâmica do capitalismo pressupõe a produção e a venda das mercadorias de forma contínua, sempre em escala crescente, para promover a acumulação concentrada de riqueza.

Esmagamento do espaço para práticas de sustentabilidade

De forma geral, a lógica que orienta a ação da empresa privada é a da maximização do lucro no curto prazo, sem nenhuma perspectiva de médio e longo prazo. No jogo pesado das disputas por novas fatias de mercado não existe muito espaço para a noção da sustentabilidade. Pouco importa se ela se refere ao aspecto econômico, ao elemento social ou à sua dimensão ambiental. Assim, o que interessa na “racionalidade” inerente ao processo de acumulação de capital é o crescimento do consumo em toda e qualquer escala. Portanto, a mudança comportamental envolvendo inovações como “consumo consciente” ou “processos sustentáveis” só se viabilizam com a entrada em cena das políticas públicas, proibindo determinadas ações ou estimulando outras alternativas. A lógica pura do capital, atuando com plena liberdade, combina uma dialética de criação e destruição em sua própria essência. 

Assim, o que todos verificamos à nossa volta com a aproximação do espírito natalino é a cristalização mais evidente da forma de funcionamento da economia capitalista. Nas sociedades hegemonizadas pelo padrão civilizatório do mundo ocidental, o mês de dezembro radicaliza e potencializa o comportamento social que assegura a reprodução ampliada dessa forma particular de organização social e econômica. Não basta um Natal que seja marcado apenas pelo espírito da solidariedade e pelo sentimento da fraternidade. O período das festas deve ser o momento do consumo, por excelência.

Os ingredientes que contribuem para manter esse gigante em movimento são introduzidos de forma crescente ao longo do processo. Isso significa a incorporação crescente de bilhões de novos agentes no mercado consumidor e a generalização do acesso às compras em escala global. Além disso, torna-se necessário avançar bastante nos processos envolvendo a chamada “obsolescência programada”, de forma a garantir a continuidade do ciclo de consumo por meio da redução da vida útil dos produtos. A propaganda também joga um papel essencial, ao incutir nos indivíduos valores e desejos que estão muito distantes das necessidades, digamos, mais reais e concretas.

Em suma, não é mais suficiente que as pessoas exerçam sua função de compradores finais de bens e serviços. O espírito natalino desnuda a realidade mais cruel do modelo no qual estamos sendo conduzidos. Não basta apenas o consumo. Faz-se necessário o consumismo exacerbado.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Riscos de manipulação no plantão judiciário




Os procuradores da República Allan Versiani de Paula, André de Vasconcelos Dias e Marcelo Malheiros Cerqueira, que atuam na unidade do Ministério Público Federal em Montes Claros (MG), formularam consulta ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a falta de limitação temporal à formulação de pleitos durante plantões forenses nos Tribunais .

Eles perguntam ao CNJ se, à luz do ordenamento jurídico (especialmente os princípios do juiz natural, do devido processo legal, da lealdade processual e da boa-fé), é possível a impetração de Habeas Corpus, Mandado de Segurança ou outra medida judicial, sob a alegação de urgência, perante os plantonistas em Tribunais, mesmo quando já se seguiu algum plantão anterior ou grande lapso temporal após a decisão judicial ou os fatos que lhe deram origem.

Segundo informa a assessoria de imprensa do MPF em Minas Gerais, os procuradores da República entendem que os plantões judiciários (de fim de semana, feriados e os do recesso forense), por constituírem exceção ao princípio do juiz natural, merecem interpretação restritiva, somente encontrando justificativa em caso de urgência imediata, isto é, a parte só poderia se valer do primeiro plantão que se seguisse ao ato ou decisão que se pretenda impugnar.

Entendimento diverso transformaria os plantões em um instrumento de burla às regras de competência, especialmente nos tribunais, em que, havendo diversos desembargadores igualmente competentes para a apreciação de determinadas matérias (cíveis ou criminais), a definição do relator se dá de modo transparente, objetivo, público e equitativo, por livre sorteio.

“Ausente proibição expressa, e tampouco circunscrição temporal ao pressuposto da urgência, enseja-se a aberração da livre, consciente e intencional escolha, pelo litigante, do Juiz que melhor atenda seus interesses”, afirmam os consulentes. “A questionada distorção comporta gradações, que vão dos casos da ‘mera’ escolha do julgador plantonista cujas convicções e posições jurídicas melhor se amoldam à pretensão do litigante aos casos de corrupção, infelizmente existentes.”

Ressaltando que a consulta não tem, em momento algum, qualquer intenção correicional, até porque, segundo eles, “não se tem conhecimento de quaisquer faltas funcionais imputáveis aos magistrados, que teriam sido vítimas das manobras de alguns operadores do Direito”, os procuradores demonstram a necessidade de regulamentação da matéria a partir de fatos concretos ocorridos no âmbito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), como também em tribunais superiores.

Além das situações em que os advogados aguardam plantões dos magistrados cujas posições jurídicas sejam as que lhes convêm, a Consulta também lembra que a lacuna na regulamentação dos plantões constitui terreno fértil à corrupção, citando o caso de um desembargador federal, então vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, afastado por suposta “venda” de liminares durante o regime de plantão judiciário.

Mais recentemente, em 2012, um desembargador do TJ-MG também foi denunciado por supostamente negociar liminares em plantões. De acordo com a denúncia do MPF, os advogados aguardavam o plantão criminal desse desembargador, para, mediante o pagamento de vantagens indevidas, obterem liminares favoráveis aos seus clientes.

Para os procuradores da República, é inegável que a Resolução do CNJ que regulamenta os plantões contém uma lacuna no que diz respeito ao limite temporal para a formulação de pedidos pelas partes.

Por isso, eles requerem que ela seja suprida pelo Conselho Nacional de Justiça, de modo a restringir o uso das medidas de urgência ao primeiro plantão que se seguir à decisão judicial ou à circunstância fática que originou a interposição ou impetração da medida, evitando-se a manipulação do uso dos plantões pelos operadores do Direito (sejam advogados ou membros do MP).


Por Frederico Vasconcelos em seu blog

Raio-X da cesta básica revela pobreza alimentar


131212-CestaBásica

Base da nutrição de milhões de brasileiros, ela tem carboidratos e sódio demais. Faltam-lhe, grãos integrais e frutas. Além de sustentar, poderia informar e estimular variações alimentares 

Thais Herrero, no Pagina22

A caixa de papelão cheia de produtos que muitos trabalhadores do país recebem para complementar o salário é crucial para a alimentação de famílias que fazem dela a base das refeições ao longo do mês. Será que essas cestas, chamadas “básicas”, contêm o que é essencial para uma alimentação saudável? Página 22 ouviu especialistas em nutrição para avaliá-las. A conclusão é que estão longe de ser a referência para uma alimentação balanceada.
Faltam alimentos frescos, como frutas e legumes, e mais fontes de vitaminas e fibras. Enquanto isso, sobram açúcar, sódio e carboidratos. “Uma pessoa pode até sofrer de carência de vitaminas se sua alimentação for muito baseada na cesta”, alerta a nutricionista Valdirene Francisca Neves dos Santos, doutora de Ciências da Saúde pela Unifesp e professora titular de Nutrição e Enfermagem na Unip.
O fato de ser composta por alimentos não perecíveis é um gargalo à inclusão de vegetais, que estragariam rapidamente sem conservação adequada. Cenouras, ervilhas e milho enlatados seriam até uma opção, mas contêm muito sódio e aditivos químicos. As frutas secas também podem ser adicionadas, mas em desvantagem, visto que muitas são enriquecidas em açúcar e possuem mais calorias por porção do que as versões frescas.
Para suprir a carência de alimentos frescos, o vale-alimentação para ser usado no supermercado é uma boa saída que as empresas podem adotar. A nutricionista Lara Natacci, sócia-diretora da Dietnet Assessoria Nutricional, ressalta que a medida deve vir junto a ações de educação alimentar para induzir a bons hábitos. “Quem recebe a cesta básica tende a aproveitar todos os ingredientes, principalmente no caso de pessoas de pouca renda”, diz Lara.
Como tudo o que vem na caixa vai parar na mesa, é ainda mais relevante que as opções sejam balanceadas. Lara sugere que, junto aos produtos, as cestas tragam panfletos com informações simples e dicas de uma boa alimentação. Receitas para preparar os alimentos seriam bem-vindas. “Não basta dar o alimento. É preciso ensinar a comer também.”
Arroz, macarrão, farinhas e biscoitos são fontes de carboidratos, uma energia de rápida absorção e uso pelo organismo. São essenciais para o funcionamento do corpo e vão bem para quem faz trabalhos que exigem força física mas, ainda assim, não contêm todos os nutrientes de que o corpo precisa para exercer suas funções vitais. Junto com os carboidratos, é preciso consumir os alimentos “reguladores”, fontes de vitaminas e sais minerais.
Todos os alimentos da cesta são processados. Como os fabricantes, em geral, usam o sódio como um conservante de baixo custo, nossa comida já vem carregada com esse elemento. Somando isso ao saquinho de sal refinado, chegamos a um excesso de sódio.
O quilo oferecido é mais que suficiente para o consumo de uma família ao longo do mês e pode estimular o uso exagerado do tempero. “Em um país que busca diminuir a quantidade de sódio que a população consome, por conta dos riscos que traz à saúde, oferecer 1 quilo de sal por cesta básica é algo que deveria ser revisto”, alerta Valdirene.
A dupla mais querida da cozinha brasileira chega em abundância nas cestas básicas. Os especialistas comemoram: são alimentos que, juntos, fornecem fibras, vitaminas do complexo B, ferro, potássio e zinco. E resolvem parte da falta de proteínas do conjunto de alimentos. O arroz é rico em amido, que favorece a absorção das proteínas vegetais contidas no feijão. Três colheres de arroz para uma de feijão possui a quantidade essencial de aminoácidos que precisamos diariamente. O feijão é o campeão em fibras da cesta. Mas, para variar a dieta da população e a oferta de grãos, às vezes sua substituição por lentilha ou soja cairia bem.
Os peixes enlatados são a alternativa de proteína animal que a cesta oferece. A sardinha e o atum constituem boas fontes de ômega-3, que ajuda na prevenção de diversas doenças, sobretudo nas cardiovasculares. Porém, geralmente há apenas uma latinha nas cestas. “É insuficiente para a alimentação de uma família durante um mês”, ressalta Valdirene. Outro problema é que, como todo enlatado, vem carregada de sódio e aditivos químicos.
Apesar da presença significativa de gordura e açúcar, os biscoitos não são um grande problema da cesta porque cumprem a tarefa de fonte de carboidratos. A questão é como esses biscoitos são consumidos. “Se o pacote de 200 gramas é ingerido aos poucos e de forma dividida entre os membros da família toda ao longo do mês, não há impacto tão grande na saúde”, diz Valdirene. Isso também acontece com a maionese e o creme de leite. É só uma questão de moderação.
Ao passar pelo processo de refino, tanto o arroz quanto as farinhas perdem nutrientes que estavam na casquinha que envolvia o grão. Por isso, as versões integrais são mais ricas e dão maior sensação de saciedade ao serem ingeridas. Como a maioria dos brasileiros não está habituada a esse tipo diferenciado de alimento, as cestas poderiam conter um saquinho de integrais e outro de refinados. Inseri-los aos poucos é uma forma de a população aderir a novos hábitos sem ser “forçada”, diz Valdirene. “Não é porque as pessoas não gostam de um tipo de alimento que não se deve oferecê-lo. A cesta pode ter uma função educativa.”
Alimentos integrais, frutas secas e oleaginosas são saudáveis e saborosos, porém caros para os padrões das cestas básicas. A nutricionista Lara sugere que, para que entrem na cesta, saiam dela o que há de menos primordial, como biscoitos, misturas para bolos e achocolatados.

Há alguma variedade entre as cestas de diferentes estados do País que têm itens regionais e que permite a entrada de alimentos saudáveis e mais baratos por serem locais. No Norte, por exemplo, é possível encontrar a castanha-do-pará, rica em selênio, mineral que combate o envelhecimento celular.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Dica para as férias: Mostra "Resistir é Preciso" até 06/01/2014



Exposição idealizada pelo Instituto Wladimir Herzog para contar, através da linha do tempo de 1960 a 1985, a história da resistência à ditadura militar no Brasil. Neste período em que diversos setores da sociedade civil lutaram pelo reestabelecimento da democracia no país, artistas e intelectuais da música, literatura e artes plásticas produziram obras que clamavam por democracia e denunciavam os abusos e crimes da ditadura. A mostra apresenta lutas pela reconstrução democrática com espaço para fotojornalismo, vídeo depoimentos e farta documentação do período. Curadoria de Fábio Magalhães.

Visitas mediadas à exposição Resistir é Preciso com educadores.
Para visitas de escolas ou grupos superiores a 10 pessoas, segunda e de
quarta a sexta, é necessário agendamento prévio pelo tel. (11) 3113-3649,
de segunda a sexta, das 9h às 17h (máx. 45 pessoas por horário).
 Recomendação etária: a partir de 8 anos


Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo
Rua Álvares Penteado, 112 - CentroCEP: 01012-000 | São Paulo (SP)(11) 3113-3651/3652

Riscos públicos, retornos privados

A determinação de patamares de retorno elevados para os investimentos em infraestrutura afeta a formação de expectativas para a taxa de juros da economia, impedindo que ela se reduza a médio e longo prazo. Esse estilo dos bancos é bastante conhecido da sociedade, que paga a conta do nosso capitalismo sem riscos
por Regina Camargo
Os inegáveis gargalos na infraestrutura impõem fortes restrições a um novo salto do desenvolvimento socioeconômico do país, reduzem a possibilidade de o país retomar taxas mais vigorosas de crescimento do PIB e impactam a qualidade de vida da população. De acordo com estudos do Banco Mundial,1 seriam necessários, para acelerar o desenvolvimento do país e fazê-lo transitar para padrões mais elevados de renda, os seguintes aportes em infraestrutura:

• Um investimento de 3% do PIB somente para manter o estoque de capital existente, acompanhar o crescimento populacional e universalizar, em vinte anos, os serviços de água, saneamento e eletricidade.

• Um investimento de 4% a 6% do PIB, por vinte anos, para alcançar o padrão de infraestrutura existente hoje nos países do Leste asiático ou acompanhar a modernização que vem ocorrendo na China.

• Um investimento de 5% a 7% do PIB, por vinte anos, para alcançar um novo patamar, quantitativo e qualitativo, de desenvolvimento  socioeconômico.

Para enfrentar tais desafios, em 15 de agosto de 2012, o governo federal lançou a primeira etapa de um novo pacote de concessões para incentivar os investimentos em infraestrutura no país, no âmbito do Programa de Investimento em Logística. Nessa etapa está prevista a aplicação de R$ 133 bilhões, nos próximos 25 anos, na reforma e construção de rodovias federais e ferrovias. Desse total, mais da metade – R$ 79,5 bilhões – será investida nos próximos cinco anos. Os investimentos em rodovias somarão R$ 42 bilhões e em ferrovias, R$ 91 bilhões.

No caso das rodovias, serão concedidos nove trechos que compreendem 7,5 mil quilômetros, e o modelo de concessão prevê a seleção das concessionárias pelo menor valor da tarifa de pedágio, que só poderá começar a ser cobrada quando pelo menos 10% das obras estiverem concluídas.

Para as ferrovias, o modelo será o de parceria público-privada (PPP), no qual as empresas se responsabilizam pela construção, manutenção e operação, e o governo, por meio da Valec (empresa estatal do setor ferroviário, remanescente da Vale do Rio Doce, privatizada nos anos 1990), comprará toda a capacidade de transporte de cargas e a revenderá aos interessados, isto é, às empresas que queiram transportar sua produção por esse modal.

O governo assumirá o risco da demanda por transporte ferroviário nos doze trechos concedidos, portanto, se a procura for menor que a capacidade instalada, o prejuízo será arcado pelo governo.

Nas ferrovias, o modelo de PPP assegura a fonte de financiamento dos projetos pela iniciativa privada, embora transfira ao governo os riscos do negócio, mas, no caso das rodovias, num primeiro momento, a questão ficou em aberto. De onde sairiam parte dos recursos para viabilizar o vultoso programa de investimentos, dadas as restrições ao investimento público impostas pela necessidade de gerar superávit primário – um dos pilares intocáveis da política macroeconômica – e pela limitação de recursos do BNDES?

Em outros períodos da história do país, o financiamento da infraestrutura foi viabilizado pelo endividamento interno direto e indireto, ou seja, por meio da expansão da dívida pública ou das próprias empresas, mas isso ocorreu num contexto internacional muito diferente do atual e teve graves impactos fiscais e no balanço de pagamentos. Por isso, não é desejável replicar tal estratégia.

Desde o anúncio do Programa de Investimento em Logística, em agosto de 2012, assistiu-se a uma intensa movimentação dos grupos de interesses potencialmente envolvidos com os projetos – empreiteiras nacionais e estrangeiras, bancos privados e públicos, fundos de pensão, consórcios internacionais de investidores.

Ao mesmo tempo, foi retomado o debate na mídia sobre a ineficiência da atuação do Estado na área de infraestrutura, apontando suas falhas congênitas, relacionadas essencialmente às incertezas do quadro legal e regulatório e à qualidade das instituições encarregadas de executar o investimento público, fortemente orientadas por motivações e condutas mais políticas que técnicas. Essas falhas inibiriam o chamado “espírito animal” da iniciativa privada do país, tornando-a avessa ao risco dos empreendimentos com longo prazo de retorno.

No caso específico dos bancos privados, a natureza de seu funding– composto basicamente por depósitos à vista de curto prazo do público – e as exigências determinadas pelas regras dos Acordos de Basileia, que são normas internacionais para o funcionamento dos bancos, especialmente após a crise de 2008-2009, imporiam fortes constrangimentos à participação dessas instituições no financiamento de longo prazo dos projetos de infraestrutura.

Outro fator que limitaria a alavancagem de recursos para o financiamento de projetos de infraestrutura seria a incipiência de nosso mercado de capitais, que não possui instrumentos adequados à mobilização de recursos na proporção requerida por esses projetos.

Quase oito meses após o lançamento do Programa de Investimento em Logística e dado o aparente desinteresse dos potenciais investidores privados nos projetos, o governo anunciou mudanças na taxa de retorno para os investidores e na Taxa Interna de Retorno (TIR) dos projetos, elevando-as. A taxa de retorno para os investidores saltou de iniciais 11% para 16% a 20%, e a TIR aumentou de 5,5% para 7,2%.

Além disso, o governo simplificou as garantias exigidas das concessionárias nos financiamentos feitos pelos bancos públicos e passou a exigir garantias distintas para cada fase do projeto. A partir do quinto ano das concessões, o retorno gerado pelos projetos (arrecadação de pedágios) será a única garantia do financiamento e no momento anterior ao início das obras os vencedores dos leilões de concessões terão de oferecer garantias correspondentes a apenas 20% do valor do projeto. Ademais, todos os projetos terão a cobertura da Agência Brasileira Gestora de Fundos e Garantias (ABGF), que responderá pela securitização dos chamados “riscos não gerenciáveis” dos projetos, e as concessionárias serão responsáveis por somente 20% dos riscos iniciais do empreendimento.

Por fim, os financiamentos serão bancados em até 70% pelo BNDES e terão prazo de 25 anos, com cinco anos de carência para o início da amortização. O custo dos financiamentos será a Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP – mais 2%, quando feito por bancos privados, e 1,5%, quando feito por bancos públicos.

A principal inovação, entretanto, dos atuais projetos de infraestrutura em transportes são os empréstimos sindicalizados, uma modalidade de financiamento que reúne um pool de bancos públicos e privados − nesse caso, BNDES, Itaú-Unibanco, Bradesco, Santander, BTG Pactual, JP Morgan, Bank of America, Safra, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, em que o BNDES entra com a maior parte dos recursos e os outros bancos complementam. O governo pretende que essa inovação se aplique a investimentos em outros segmentos, como energia elétrica, aeroportos e portos, de forma a viabilizar, a curto prazo, o volume de recursos necessários aos projetos em infraestrutura sem pressionar ainda mais o BNDES, que é praticamente a única fonte de financiamentos de longo prazo do país.

O acordo entre o governo e o pool de bancos foi selado em 12 de setembro e previu mecanismos que permitem às instituições financeiras “acomodar” em seus balanços operações de crédito bilionárias e de longo prazo sem colocar em risco o chamado Índice de Basileia, que é a relação entre o capital próprio do banco, o tamanho e o risco de sua carteira de crédito. Na nova modalidade de empréstimo sindicalizado, o BNDES entra com a maior parte do funding, mas os bancos arcam com o risco do crédito em seus balanços, ou seja, se o consórcio que tomou o empréstimo ficar inadimplente, os bancos terão de contabilizar esse prejuízo em seu passivo e, dado o volume bilionário das operações, haveria risco de comprometimento de seu capital próprio. Para arcar com esse risco, os bancos terão uma taxa de retorno mais elevada sobre os financiamentos, que será a TJLP mais 2%, como já comentado, além de pagarem spreads mais baixos ao BNDES pelas operações de repasse dos recursos aportados pela instituição.

Em seguida ao acordo entre o governo e os bancos, o presidente mundial do banco Santander, Emilio Botín, anunciou que a corporação destinará US$ 10 bilhões para o financiamento das concessões do Programa de Infraestrutura Logística. Na sequência, o Bradesco anunciou a captação do primeiro fundo de investimento voltado ao financiamento de projetos de infraestrutura, também conhecido como debêntures.

O governo aposta nesse programa de concessões para “destravar” a economia e elevar os investimentos e a taxa de crescimento do PIB nos próximos anos. Como estamos em ano pré-eleitoral, a retomada do crescimento econômico justifica a aceitação da lógica de que a infraestrutura é um negócio como qualquer outro, cujos investimentos requerem elevados retornos e garantias que praticamente eliminem o risco.

Pouca atenção parece estar sendo dada às consequências dessas novas modalidades de financiamento, principalmente em relação aos bancos privados, que estão cobrando retornos elevadíssimos – 7,2% –, quando a taxa internacional praticada nesse tipo de empreendimento não chega a 1%. A determinação de patamares de retorno elevados para os investimentos em infraestrutura afeta a formação de expectativas para a taxa de juros da economia, impedindo que ela se reduza a médio e longo prazos. Esse estilo de jogo dos bancos é bastante conhecido da sociedade, que acaba pagando a conta do nosso capitalismo sem riscos.

Outros aspectos que até agora não foram bem definidos em relação aos projetos de infraestrutura em logística são, entre outros, como será evitado o superfaturamento de obras e como será feita a fiscalização do cumprimento de cronogramas e dos impactos socioambientais dos empreendimentos, ou seja, como se evitará que os interesses privados – que miram acima de tudo a maior rentabilidade para seus negócios – suplantem os interesses do Estado e da sociedade.

Todos os cuidados estão sendo tomados para assegurar os investimentos nas condições mais vantajosas para bancos e empresas. Espera-se o mesmo zelo do governo para com a aplicação dos recursos, a qualidade das obras e seus benefícios para a sociedade.


Regina Camargo
Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).


Ilustração: Lollo

1 Citado por Cláudio R. Frischtak, “O investimento em infraestrutura no  Brasil: histórico recente e perspectivas”, Pesquisa e Planejamento  Econômico, v.38, n.2, ago. 2008.

http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1560