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domingo, 28 de setembro de 2014

Exclusão de minorias, outra distorção eleitoral


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Estudo revela: candidaturas de índios e negros não refletem sua presença na sociedade. Visita aos corredores do Congresso demonstra que grupos estão ainda mais ausentes no Parlamento  
Por Carolina Gonçalves, na Agência Brasil

Apenas 83 candidatos (0,32%) de um total de 25,9 mil que disputam as eleições gerais deste ano declararam-se indígenas. 
Nenhum deles concorre à Presidência da República ou aos governos estaduais. Os candidatos que representam os índios estão na corrida por cargos de deputado estadual (51), federal (24) e senador (3). A informação aparece como um dos destaques do levantamento Sub-representação de Negros, Indígenas e Mulheres: Desafio à Democracia, lançado em 19/9, pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em Brasília.
Esta é a primeira eleição em que os candidatos a cargos federais e estaduais tiveram que declarar raça e cor, conforme definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com os dados concentrados no Tribunal Superior Eleitoral, pesquisadores conseguiram confirmar alertas e críticas que já vinham sendo endossadas por organizações sociais e entidades representativas.
“A partir de agora, com os dados oficiais, a gente tem uma forma concreta de pressionar uma mudança no sistema partidário, como foi com a questão do gênero que já tem a legislação [que reserva] 30% [das candidaturas para mulheres]. A gente sabia que tinha desigualdade, mas não tinha um dado oficial”, explicou Carmela Zigoni, assessora política do instituto.
Ela admitiu ainda que a situação indígena nas eleições é uma das mais complicadas, tanto pela resistência de outros setores às políticas destinadas a esses povos quanto pela aceitação das legendas. “Por uma questão cultural, os indígenas têm sua própria forma de organização política, mas já existe um processo de indígenas quererem se candidatar, porque há uma compreensão de que eles têm que estar no espaço de poder. Os partidos têm que aceitar, mas nem sempre convidam ou promovem essas candidaturas.”
A maioria dos estados não apresenta candidatos indígenas. “Amazonas e Mato Grosso do Sul, que concentram as maiores populações indígenas do país, registraram nove e sete candidaturas respectivamente”, destaca o documento. Quase metade das candidaturas de indígenas está concentrada em três partidos: PT, com 16 candidaturas, seguido do PSOL (12) e do PCdoB (11).
Depois de convencer os partidos, tanto índigenas quanto negros e mulheres ainda precisam vencer outro desafio, segundo a pesquisadora. “Hoje quem financia as campanhas é um conjunto de interesses privados. Essas candidaturas [de negros, índios e mulheres] normalmente são minoritárias, têm menos recursos e menos espaço na mídia”, explicou Carmela, destacando a dificuldade de a sociedade conhecer esses candidatos e suas propostas.
No estudo, os pesquisadores do Inesc ainda alertaram que, mesmo que eleitos, candidatos indígenas terão mais uma barreira para vencer dentro do Congresso Nacional: a disputa de forças com representantes de setores do agronegócio e da mineração. “É o terceiro desafio. Se eleitos, terão que conseguir legislar dentro de uma Casa onde ainda os homens brancos são a maioria”, acrescentou Carmela.
As candidaturas de negros, que inclui pretos e pardos, estão concentradas principalmente nos partidos ligados às questões socialistas e operárias, como o PCB (59,8%), PCdoB (57,8%), PCO (63,3%), PSTU (48,4%) e o PSOL (52,7%). Nas maiores legendas, a presença de negros representa, por exemplo, 41,9% das candidaturas do PT, 37,7% do PSB, 32,8% do PSDB e 26,5% do PMDB.
Na avaliação da assessora política do Inesc, já existe um equilíbrio maior entre homens brancos e negros. “Mas se você passear nos corredores do Parlamento vai se perguntar onde estão esses homens negros. Vamos ter uma análise depois das eleições”, anunciou. Dos quase 26 mil candidatos, 38,6% são homens brancos e 30% são homens negros.

sábado, 27 de setembro de 2014

Do direito a tornar-se adulto com dignidade




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Ideologia dominante convida: após a juventude, aceitemos o capitalismo como inevitável. Para resistir, é preciso compreender que o possível não se resume ao real


Por Nuno Ramos de Almeida | Imagem: Adrien Dewisme, Vanité 2/3


Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Conosco quando estamos sós”

Natália Correia


Há um texto do escritor uruguaio Eduardo Galeano em que ele confessa a humilhação que sofre no barbeiro por lhe cobrarem apenas meio corte. Não acreditando no ditado de que é dos carecas que elas gostam mais, Galeano deixa cair uma frase que lhe alivia um certo sentimento de inferiorização diária: “Se o cabelo fosse importante, estaria dentro da cabeça e não fora”, e logo acrescenta convictamente: “Consolo-me comprovando que em todos esses anos caíram muitos de meus cabelos mas nenhuma das minhas ideias, o que é uma alegria quando penso em todos esses arrependidos que andam por aí.”

Há uma raça de pessoas que normalmente cita, como atestado de bom comportamento, a famosa frase de recorte autobiográfico atribuída ao ex-chanceler alemão Willy Brandt de que “quem aos vinte anos não é comunista não tem coração e quem assim permanece aos quarenta não tem inteligência”.

No fundo cresceríamos com a idade. 

O processo de um tipo se tornar adulto passaria por uma juventude em que começamos por não aceitar o mundo tal qual existe com todas as suas gritantes injustiças, e sobretudo acharíamos que temos forças para tudo mudar. A esse estado suceder-se-ia o choque da realidade, o bom senso e o crédito à habitação e as prestações dos eletrodomésticos, de tal maneira que aos 40 saberíamos que temos de aceitar “as coisas” e tentar viver da forma mais confortável no melhor dos mundos possíveis.

 
Neste processo de chegada à idade adulta não faríamos mais que aceitar as nossas inevitáveis limitações e preparar-nos para viver a realidade. A ideologia dominante não faria mais que assegurar que este capitalismo e este mundo estariam aqui para sempre. E, como a cultura popular e os maus filmes de ficção científica demonstram, é mais fácil imaginar uma grande catástrofe que destruísse o planeta, ou mesmo uma invasão de extraterrestres, que a simples mudança de um regime e modo de produção injusto, que desperdiça recursos e destrói o planeta. O capitalismo será, segundo este pensamento que pretendem coagir-nos a aceitar, a realidade que sobreviveria ao fim mesmo de toda a realidade: as máquinas automáticas venderiam Coca-Cola mesmo que os seres humanos desaparecessem para as consumir.


O nosso principal problema está nessa mesma aceitação da realidade como elemento estruturante do possível. Se consideramos que viveremos sempre num regime de banqueiros, em que os lucros têm eles e os prejuízos pagamos nós; se achamos inevitável ficarmos com uma democracia em que, independentemente do nosso voto, os políticos fazem o que lhes apetece; se transigimos com a continuação de um regime de corrupção “normal”, em que o contribuinte paga os contratos ruinosos que os políticos assinam com grupos com quem vão depois trabalhar; então temos a realidade que merecemos e vamos deixá-la em herança aos nossos netos.


A existência de situações de injustiça não decorre de sermos adultos, mas de sermos parvos.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Por uma Pedagogia da Descoberta


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Sociedade está madura para Educação que reduza papel dos currículos obrigatórios e estimule prazer do conhecimento — exercitado em bibliotecas transversais e de livre acesso


Por Derbi Casal, em Bibliotecas Sem Fronteira


A escola mata a descoberta. Ela entrega o conhecimento pronto em um currículo, definido de acordo com aquilo que é considerado por autoridades como conhecimento válido, todo o resto é excluído.
O que há nesse “resto”?  Toda  a experimentação, o conhecimento informal, aprendido nas vivências, os saberes tradicionais, transmitidos pelos mais velhos e a descoberta.
A serendipidade (o princípio da descoberta) só existe quando há liberdade de escolha por caminhos diferentes e aleatórios. A descoberta se dá, principalmente, quando não estamos procurando exatamente aquilo. Esse processo, que não pode ser controlado, é inexistente na grade escolar. Na escola somos todos considerados incompetentes para adquirir nosso próprio conhecimento. E nunca somos estimulados à fazê-lo.
A palavra serendipidade surgiu em referência a um antigo conto persa sobre os três príncipes de Serendip. Em suas aventuras eles viviam se deparando com situações inusitadas e fazendo descobertas ao acaso, encontrando respostas para questões que eles sequer haviam feito. Tinha um pouco de sorte envolvida, mas era a sagacidade dos meninos, um toque genial de mentes abertas para a descoberta, que realmente operava a magia.
Essa qualidade da descoberta não é de forma alguma privilégio de mentes superiores. É uma habilidade e um posicionamento, uma forma de ver o mundo, disponível para qualquer pessoa.
Bibliotecas são um excelente lugar para o exercício de serendipidade e nas escolas elas ficam isoladas das pessoas, que mal as frequentam nos intervalos das aulas. Temos alguma contação de história, mas livros previamente escolhidos. Mesmo quando eles não são previamente escolhidos, raramente é o acervo todo ofertado à escolha e, mesmo que fosse, ainda assim seria apenas uma atividade controlada, algum livro teria de ser “o escolhido”, os outros permanecerão inertes nas estantes.
Em geral é proibido (ou vigiado) andar entre as estantes a procura de livros que não se sabe ainda quais são. Isso é feito em nome da “ordem” que sempre vem de cima, e está sempre acima da vivência, pairando sobre ela, limitando suas possibilidades libertadoras.
Há um tipo de acesso à biblioteca, que é transversal, não linear, baseado quase que puramente na serendipidade. Ao conduzir uma leitura, indo de um texto à outro, colecionando trechos diferentes de cada livro sobre determinado assunto, eu estou praticando a descoberta. Aliás foi essa prática que desenvolveu a ciência como hoje a conhecemos e o acesso não linear a uma coleção de livros foi o embrião do hipertexto.
Essa forma de utilizar acervos surgiu lá na antiguidade e se tornou evidente na Biblioteca de Alexandria. Foi responsável pelo desenvolvimento da filologia, da geografia, da matemática, da astronomia, da medicina, da poesia, da filosofia, da história e de muitas outras ciências e saberes.
A serendipidade foi a maior consequência de se acumular livros em uma sala. Isso desenvolveu toda uma economia e ergonomia do saber: o surgimento da paginação, da referência, da citação, da glosa, do colofão, dos sumários, dos resumos, das bibliografias, dos catálogos, das resenhas… Todas essas formas de diálogo entre livros, escritores e leitores.
Uma biblioteca nunca é a mesma para duas pessoas praticando a descoberta. As escolhas, mais ou menos aleatórias, de livros formam caminhos, percursos diagonais, transversais, paralelos, pela coleção toda. O prazer de percorrê-los é como o prazer do desconhecido, é desbravar os universos não domesticados do saber. E é possível reiniciar muitas vezes o processo, sempre com resultados inusitados.
A autonomia de percorrer estantes, pegar livros, ler um trecho, procurar outro livro, compará-lo com um terceiro, pegar uma enciclopédia e, partindo de um verbete qualquer, buscar outras fontes, é o principio do amor pela pesquisa e do autodidatismo. São qualidades fundamentais para o pensamento livre e crítico.
Não provoca nenhum espanto a pouca valorização das bibliotecas e da leitura nos dias de hoje. É um reflexo do que a educação faz com a descoberta. Em tempos em que a homogeneidade de ideias, comportamentos e atividades e a obediência a regras, controles e currículos é o que está nas bases da educação, é bastante esperado que as capacidades revolucionárias e libertadoras das bibliotecas sejam caladas.
A busca por uma forma de educação livre passa pelo resgate da descoberta como veículo da potência humana. A serendipidade em substituição à rigidez curricular. É aí que está a importância esquecida das bibliotecas!
Em uma pedagogia da serendipidade, a descoberta é o centro do aprendizado e  a biblioteca é o coração da escola.

domingo, 21 de setembro de 2014

Por que a nova política defende velhos pactos?

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 Por Edson Teles.

Recentemente pudemos ver na mídia o anúncio da candidata à presidente da República, Marina Silva, em favor da manutenção da interpretação de que a Lei de Anistia de 1979 tornou inimputáveis os agentes do Estado que violaram os direitos humanos durante a ditadura. Em novembro de 2008, por meio de artigo publicado em jornal da grande mídia, a atual candidata defendeu o oposto: “a tortura é crime hediondo, não é ato político nem contingência histórica. Não lhe cabe o manto da Lei de Anistia. À justiça aqueles que, por decisão individual e intransferível, utilizaram esse instrumento torpe”.

A mudança de opinião não surpreende. Quando surgiu a possibilidade da nova Marina vencer as eleições próximas, seu programa político começou a sofrer remendos de governabilidade. Deixou de condenar a homofobia e de defender o direito ao casamento homoafetivo; mudou de posição sobre a energia nuclear e aproximou-se de antigos agroadversários. Também não surpreende pelo fato de as três principais candidaturas ao cargo de presidente concordarem, é certo que com discursos diferenciados, em não modificar a atual interpretação da Anistia de 79.

Sabemos que o argumento fundamental para a defesa da impunidade sobre os crimes da ditadura repousa na falácia de um pacto de reconciliação nacional obtido com a aprovação da lei naquele ano de plena ditadura. Sim, como sabemos o Congresso era biônico e recém cassado, “eleito” sob regras eleitorais manipuladoras e diante de um bipartidarismo opressor da diversidade de opiniões. Pessoas estavam presas, cassadas, exiladas, mortas e desaparecidas. Corpos sofriam, diretamente ou via trauma, as infindáveis sessões de tortura. Por que então os discursos acerca da lei de 1979, sob uma lógica de governo, apontariam para um pacto? Um grande acordo nacional? Uma reconciliação entre torturadores e seus mandantes com os lutadores pela democracia e contra a ditadura?

Uma resposta unívoca a estas questões certamente é impossível. Contudo, podemos tentar esboçar alguma análise e isto parece se tornar viável a partir do conflito entre o passado e o presente, por meio da atualização destes e daqueles discursos.

É certo que tacitamente o surgimento da Lei de Anistia em fins de 1979 deu àquele período um certo aspecto de acordo, ainda que imposto por inúmeros mecanismos de controle e repressão. Os comitês pela anistia haviam mobilizado milhares de pessoas país afora em favor da anistia aos presos e da responsabilização dos crimes, bem como pela localização dos desaparecidos. A Lei, desta forma, aparentava ser um primeiro passo nestes caminhos. Os exilados voltaram, parte dos presos foram soltos (permaneceram na cadeia os opositores envolvidos com a resistência armada ao regime ditatorial) e, logo após, houve uma pequena liberalização da organização partidária.

A chamada “redemocratização” envolvia lentas aberturas políticas convivendo com os velhos mecanismos de controle e repressão. Algumas leis da ditadura deixavam de existir e outras, como a Lei de Segurança Nacional, eram mantidas ou envernizadas para se camuflarem no novo regime democrático. Em todos os passos da redemocratização – Diretas Já!, Colégio Eleitoral, Congresso Constituinte, primeira eleição direta para presidente, entre outros – o tema da responsabilização jurídica, moral e, especialmente, política com relação aos crimes da ditadura foi silenciado, fossem quais fossem os atores em cena.

Nos anos seguintes, todos os governos democráticos, eleitos já sob a nova Constituição, mantiveram de algum modo o velho pacto. Alguns fizeram leis de indenização, outros avançaram mais ao criarem a Comissão Nacional da Verdade e mudarem a lei de acesso à informação. Porém, ainda que aspectos morais, jurídicos e históricos sobre a ditadura passaram a ser acessados pelas novas gerações e pelas instituições do Estado de Direito, a responsabilização política pelos malefícios da grave ditadura militar – e civil – vivida no país foi escamoteada e, de forma paradoxal, ao mesmo tempo de modo cada vez mais descarado e também mais astuto.

Para não retroagirmos muito, basta atentarmos para as decisões do Supremo Tribunal Federal e outras instâncias deste poder que negam, quase sistematicamente, o acesso à justiça – reinterpretação da lei de 1979 negada no STF em 2010, voto favorável de ministra do STJ contra a condenação do coronel Ustra conquistada no Tribunal de São Paulo, desembargadores alegando a anistia para não autorizar abertura de processos sob demanda do Ministério Público. O Estado brasileiro mantém o silêncio sobre a responsabilização política seja no não cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos – que exige a localização dos corpos desaparecidos e a responsabilização penal –, seja na absurda negação de informações por parte das Forças Armadas, órgão do Estado comandado por um Ministério da Defesa civil desde os anos 90. O Congresso Nacional recusa-se a apreciar o projeto da deputada Luiza Erundina determinando a reinterpretação da Lei de Anistia e, na ocasião de aprovação por acordo de líderes da lei que criou a Comissão da Verdade, repetiu o discurso oficial do antigo pacto fundado na extorquida “reconciliação nacional” (artigo primeiro da lei da CNV).

Citamos apenas algumas ocorrências para deixar evidente que os pactos, tanto o de silêncio sobre a responsabilização política acerca da ditadura, quanto sobre o casamento homoafetivo, as formas agressivas de ocupação do solo no país, entre outros, apesar de antigos, não são de fato “velhos”.

Os pactos têm funções de eficiência pragmática e instrumental. Ao mudar de posição, a candidata da nova política se mostra, ao mesmo tempo, tão velha quanto a Lei de Anistia de 1979, mas também tão nova quanto é a renovação destes acordos. Os velhos pactos renovados traduzem a pobreza da experiência política das instituições da democracia. Enquanto nas casas e ruas as pessoas se amam e vivem juntas independente de sua condição biológica ou as cidades e a política começam a serem transformadas a partir da luta conjunta das várias formas de existência já conhecidas ou que estão sendo criadas cotidianamente, as instituições, leis e pactos se mantém velhos e se renovam em seu conservadorismo.

Se há nas experimentações da vida e do social uma linguagem corporal, física, política em constante e plena inovação, há um discurso e uma ação convencional, pobre e conservadora que visa justamente exercer a função pragmática de controle das novas subjetividades e transformações.

Condenar politicamente as violações do passado seria o mesmo que mandar de volta aos quartéis as tropas estacionadas nas periferias de importantes cidades do país; seria desmilitarizar a polícia e acabar com este quarto poder da República; seria um ataque profundo na repetição insana da tortura nas dependências policiais e carcerárias do presente; seria coibir a impunidade dos agentes do Estado de ontem e de hoje; seria condenar a repressão aos movimentos sociais; seria atacar de frente as discriminações econômica e social contra as periferias.

Talvez pudéssemos inverter a questão inicial deste texto – por que a nova política defende velhos pactos? – e, ao invés de uma interrogação, afirmarmos que a velha política defende os novos pactos travestidos de antigos discursos legitimados pelo processo político da transição controlada da ditadura para a democracia.

***

Edson Teles é doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), é professor de filosofia política na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

sábado, 20 de setembro de 2014

Educação com qualidade


“Viemos ao mundo para dar nome às coisas: dessa forma nos tornamos senhores delas ou servos de quem as batizar antes de nós” - Lya Luft, escritora
Qualidade é um substantivo inerente ao ser humano e a seus afazeres. O ofício de educar, dentre outros, pressupõe qualidade. A qualidade é gerada na satisfação pela conquista de aprendizagens, protagonizadas por educadores e educandos. O prazer nas relações de ensino-aprendizagem está na construção do conhecimento como algo útil, agradável e capaz de desencadear alegria e realização. O educador é um dos maiores interessados em qualidade na educação; a escola carrega potenciais de sua satisfação, uma vez que o fracasso dos educandos também representa o seu próprio fracasso.

Quem ganha com a desqualificação da educação pública? Quem ganha quando os professores e professoras não são tratados com a dignidade que merecem? Quem goza de alguma vantagem quando os alunos de nossas escolas saem das mesmas sem condições de ler e interpretar o mundo, para melhor inserir-se nele? Ninguém, muito menos os professores ou os alunos, ou a sociedade.

É um avanço que a sociedade queira discutir qualidade na educação. É, no entanto, injusto e leviano supor que o insucesso da escola pública recaia unicamente sobre os professores e professoras, usando-se para tanto a meritocracia como uma forma de punição e seleção dos professores. Os professores e a comunidade escolar sabem do seu maior mérito: a resistência e a sobrevivência da escola pública, durante as últimas décadas.

Existem razões suficientes para querermos uma escola pública e de qualidade. No entanto, questiona-se a legitimidade das avaliações de seu desempenho sem uma ampla discussão e participação dos maiores interessados e sem uma ampla discussão na sociedade sobre o papel da educação no atual contexto histórico.

Rubem Alves, quando discute “Qualidade em educação”, lembra que “a educação, na medida em que lida com a vida das pessoas e a vida do país, deve ser a área mais rigorosamente testada e é preciso que seja excelente. Entretanto, é aquela em que os testes são mais difíceis e as avaliações, vestibulares e provões quase nada significam: nada garante que a qualidade, medida por critérios acadêmicos numéricos consiga passar os testes que a vida impõe”.

Alves afirma que as avaliações escolares sempre são anunciadas com a intenção de “consertar a máquina” (a estrutura dos sistemas de ensino). E logo responde: “eu, ao contrário, acho que não há nada de errado com a máquina. Não há o que consertar. Acontece que os alunos, mais precisamente os corpos dos alunos – tem também seus mecanismos de “controle de qualidade”. Se eles não aprendem é porque os seus corpos reprovam a máquina. Seus corpos vomitam o que a máquina lhes enfia goela abaixo. O resultado do “examão” seria a prova disso”. E pondera ainda que nosso corpo só aprende dois tipos de conteúdos: os que dão prazer e os que levam ao objeto de prazer (aqueles com razões para serem aprendidos). “A máquina funciona como deve. O problema é que a comida que ela serve é imprópria para a inteligência”.

Faz bom tempo que os educadores/as reclamam qualidade. Faz tempo que apontam impróprio o tratamento que os governos lhes dispensam. Todo este contexto pressiona seu ambiente de trabalho, fere suas inteligências e limita imensamente o seu prazer de ensinar. Há que se considerar ainda que todo tratamento impositivo se torna indigesto e que os muitos jeitos de fazer educação só merecem reconhecimento se ajudarem as pessoas a viver melhor no mundo, exercendo sua cidadania e sendo mais felizes. O resto, pouco ou nada tem a ver com qualidade.

Nei Alberto Pies, professor de rede municipal e estadual.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

REMOÇÃO 2014: LISTA FINAL PARA AGENTE ADMINISTRATIVO, OFICIAL DE JUSTIÇA, ASSISTENTE SOCIAL E PSICÓLOGO

Foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico (DJE) (18/09/2014), a lista final do Processo de Remoção 2014 para os cargos de agente administrativo judiciário, assistente social judiciário, contador judiciário, oficial de justiça e psicólogo judiciário, bem como as orientações de quando os servidores poderão assumir seus postos de trabalho nas comarcas escolhidas.
https://www.dje.tjsp.jus.br/cdje/consultaSimples.do?cdVolume=8&nuDiario=1736&cdCaderno=10&nuSeqpagina=1

As discretas invasões da burguesia


Uma das seis magníficas piscinas do Clube Pinheiros, onde título de sócio custa cerca de R$ 100 mil. Revista Época considerou-o "o melhor de S.Paulo", mas não informou que ocupa irregularmente área pública
Uma das seis magníficas piscinas do Clube Pinheiros, onde título de sócio custa cerca de R$ 100 mil. Revista Época considerou-o “o melhor de S.Paulo”, mas omitiu que ocupa irregularmente área pública

Clubes seletos. Bancos. Faculdades privadas. Associação de Magistrados. Em S.Paulo, organizações privadas surrupiam áreas públicas, mas mídia silencia e governador tolera...

Por Guilherme Boulos

Não vamos falar aqui de Pedro Álvares Cabral, muito embora a origem das escrituras de imóveis privados sobre áreas públicas esteja nas capitanias hereditárias dos portugueses. Já faz muito tempo e ninguém mais se interessa pelo assunto.

O que gera furor é quando os sem-teto descamisados ocupam áreas ou edifícios ociosos para poderem ali morar. É um ataque ao direito e à lei. Onde já se viu, invadir o que é dos outros? Forma-se então uma “Santa Aliança” entre promotores, o Judiciário e políticos de plantão em defesa do Direito à Propriedade.

“Invadiu, tem que ‘desinvadir’!”, disse certa vez o governador de São Paulo para delírio da elite paulista.

Pois bem, é preciso ser coerente. 

Invadiu, tem que “desinvadir”? 

Vamos lá. 

Apenas na cidade de São Paulo, as áreas públicas invadidas ou com concessão de uso irregular para a iniciativa privada representam mais de R$600 milhões de prejuízo anual para o poder público. A CPI das áreas públicas de 2001 mostrou que as 40 maiores invasões privadas representavam na época 731 mil m² de área.

E quem são os invasores?

Comecemos pelo setor de divertimentos. 

Os clubes Pinheiros, Ipê, Espéria, Paineiras do Morumby e Alto de Pinheiros estão total ou parcialmente em áreas públicas e com cessão de uso irregular.

Invadiu, tem que “desinvadir”! Cadê a bomba de gás na piscina do Morumbi?

Ah sim, isso sem falar no Clube Círculo Militar de São Paulo e no Clube dos Oficiais da Polícia Militar. E aí, quem topa despejar?

E os shoppings então… Os shoppings Continental, Eldorado e Center Norte invadiram expressamente áreas públicas, especialmente em suas zonas de estacionamento. No caso do Center Norte, o abuso é gritante. A invasão foi legitimada pelo Judiciário, o que segundo o Relatório da CPI configurou uma “decisão inusitada, inédita e revestida de ilegalidades que prejudicam o Município”.

Ué, o Judiciário legitimou invasão?! Cadê o direito à propriedade? No caso, ainda mais grave, trata-se de propriedade pública.

Compreensível, na medida em que a Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis) está sediada numa área pública, com irregularidades na cessão de uso, no bairro nobre do Ibirapuera. E aí, não vai ter bala de borracha nos ilustríssimos juízes?

Querem mais? 

As agências do Bradesco na praça Panamericana e no Butantã invadiram áreas públicas em seus empreendimentos. O mercado Pão de Açucar, na mesma praça Panamericana, e o Extra da Avenida Jucelino Kubitschek fizeram o mesmo. Assim como as faculdades privadas Unisa e Unip Anchieta.

Por sua vez, o Itaú Seguros e a Colgate-Palmolive foram denunciados pela CPI de 2001 por concessão de uso irregular de áreas públicas.

Outro caso escandaloso é o da Casa de Cultura de Israel, ao lado do metrô Sumaré. Não satisfeitos em invadir o território palestino, os israelenses resolveram também tomar área pública em São Paulo. Tiveram concessão de uso de área pública e não cumpriram com termos e prazos.

E aí, Governador: Invadiu, tem que “desinvadir”! Cadê a tropa de choque para despejar essa turma toda?

E ao Judiciário paulista – tão rápido em conceder liminar de reintegração de posse contra as ocupações de sem-teto – pergunta-se: onde está o mandado contra os clubes, os shoppings e os bancos?

Neste momento, há mais de 25 ordens de despejo contra ocupações de sem-teto só no centro de São Paulo. Nas periferias são outras tantas. Várias foram cumpridas nas últimas semanas, normalmente com truculência policial, como a da Rua Aurora, quando o advogado Benedito Barbosa da Central de Movimentos Populares foi agredido e preso abusivamente.

Também neste momento mais de 8 mil famílias sem-teto, de ocupações da região do Isidoro, em Belo Horizonte, estão à beira de serem jogadas violentamente na rua. A PM mineira está preparando uma operação de guerra, que poder vir a ter conseqüências trágicas nos próximos dias.

E então? Querem defender o direito à propriedade acima do direito à vida? Defendam, mas sejam ao menos coerentes. Despejem primeiro os bancos, mercados, shoppings e clubes em áreas públicas para depois virem falar da legitimidade de despejar trabalhadores sem-teto.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O dia em que Marcuse encarou a PM


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Por Deni Rubbo.


Nas explosões do ano de 1968, o filósofo Hebert Marcuse foi perguntado em uma palestra se se poderia combater o medo com a violência. O autor de O homem unidimensional respondeu que a violência é algo muito perigoso aos mais frágeis. E acrescentou que existem diferentes aspectos de violência com funções igualmente diferentes. Assim, existiriam dois modus operandi que regulam a violência: a violência da agressão e a violência da defesa. Ou seja, existe a violência da polícia, do Exército, da Ku Klux Klan e uma violência de oposição que responde a essas manifestações agressivas de violência.

Hoje em São Paulo, mais de 45 anos depois das palavras de Marcuse o cruzamento da violência da agressão com a violência de oposição cruzaram-se no cruzamento da Ipiranga com a avenida São João. Trabalhadores, moradores do centro, negros, mulheres, grávidas, crianças e sem teto enfrentaram a violência da sociedade, a violência legal, a violência institucional. Sua violência, a violência dos moradores (sem moradia) foi defensiva. Eles têm razão.

Por volta das dez horas, no cruzamento, aglomeraram-se uma multidão de pessoas e alguns ocupantes da Frente de Luta por Moradia (FLM) que haviam saído do prédio logo após a liminar de reintegração de posse em um hotel abandonado na São João, para observar os próximos movimentos da ação policial. Havia muita indignação. A polícia fez um cordão e não deixou ninguém passar. Depois de alguns minutos, um policial chamou uma das pessoas que ali se encontrava e disse:

– Não queremos entrar em conflito. Só entraremos em ação caso sejamos provocados. Prometemos.

A moradora concordou com o policial, virou-se para o restante do grupo e anunciou:

– Nós não vamos arremessar nada neles, nem pedras, nem paus. Nós nunca damos o primeiro tapa, ouviram? Por favor, vamos permanecer aqui de maneira pacífica.

Todos concordaram, aplaudiram e cumpriram com o prometido.

Quinze minutos depois, a mesma polícia, descumpriu sua promessa e executou a violência da agressão, explicada por Marcuse. Balas de borracha e gás lacrimogênio espalharam-se pelas ruas tão rapidamente que quanto mais se corria, mais elas apareciam. A ardência dos olhos só era um detalhe. Nesse mesmo momento, a televisão transmitia que “vândalos” haviam iniciado a violência e a polícia simplesmente estava retaliando. Curiosamente, graças ao manejo de habilidade linguística da sociedade estabelecida, nunca se chama a violência policial de violência. Por outro lado, com toda facilidade, se nomeia violência à ação dos moradores que se defendem da polícia. Nesse mesmo momento uma mulher grávida caiu na rua, bem ao meu lado. Rapidamente a socorri e então ela me disse.

– Precisamos resistir, eu e ele (o bebê). Precisamos de futuro. Precisamos estar juntos.

Desnorteado, apavorado, em frações de milésimos de segundos, consegui não sei como nem porque lembrar de Eles não usam Black-Tie (Leon Hirzman, 1981) e da cena em que Maria (Bete Mendes), grávida, levava chutes na barriga da polícia. E aquelas palavras, tão fortes, intensas, também me recordaram outra cena de um outro filme, Segunda Feira ao sol (Fernando León de Aranoa, 2002) em que o personagem Sanca (Javier Bardem) é questionado sobre o fracasso da greve que desencadearam e, posteriormente, foi pretexto para sua demissão. “De que adianta? Não conseguiram nada e, além disso, ninguém mais se lembra”. Ele responde: “fizemos que as pessoas soubessem e conseguimos ficar juntos”. Nem ela, nem eu, nem quem estava lá vai esquecer.

Para mim, de agora em diante a música de Caetano Veloso, “Sampa”, inspirada no cruzamento da Ipiranga e a avenida São João ganha uma triste paródia: a “dura poesia concreta das tuas esquinas” tornou-se repressão concreta de tuas armas; a “deselegância discreta de tuas meninas” transmutou-se para estupidez indiscreta das autoridades, do povo oprimido pela falta de moradia, da propriedade sagrada que expulsa ocupantes, da feia fumaça que circula as ruas, intoxica, arde. Eu vejo surgir policia por todos os cantos, mas vejo, em meio às nuvens de gás pimenta, o “possível novo quilombo de Zumbi”.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

E para isso, haverá dinheiro em caixa ?

PROVIMENTO CSM N.º 2202/2014
O CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA , no uso de suas atribuições legais,
CONSIDERANDO que o pagamento de diárias devidas aos magistrados como indenização por serviços prestados em local diverso de sua sede e por despesas com deslocamento e hospedagem ficou sujeito, a partir de 4 de março de 2008, ao teto mensal equivalente a 1/4 (um quarto) do subsídio do juiz substituto;
CONSIDERANDO a ilegalidade da limitação estabelecida, admitida pelo próprio Conselho Superior da Magistratura, no exercício de controle administrativo interno, por ocasião da edição do Provimento CSM nº 2.047, de 28 de fevereiro de 2013;
CONSIDERANDO os efeitos ex tunc da invalidação e que a regularização do pagamento das diferenças referentes às diárias não resta obstada pela prescrição quinquenal;
CONSIDERANDO o deliberado pelo Conselho Superior da Magistratura nos autos SOCF 2.1.4 nº 2010/122.718, em sessão realizada no dia 02 de setembro de 2014;
RESOLVE:
Artigo 1º. O § 2º do art. 3º do Provimento CSM nº 2.047, de 28 de fevereiro de 2013, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 3º. ....................................................................................
.................................................................................................
§ 2º. Para regularização do pagamento de diárias limitadas ao teto mensal de 1/4 (um quarto) do subsídio do juiz substituto, os juízes que receberam diárias a partir de 4 de março de 2008 deverão ter creditadas as diferenças entre o pagamento efetuado e o pagamento integral”.
Artigo 2º. Este provimento entra em vigor na data em que publicada, revogadas as disposições em contrário.
REGISTRE-SE. PUBLIQUE-SE. CUMPRA-SE.
São Paulo, 02 de setembro de 2014.
(aa) JOSÉ RENATO NALINI, Presidente do Tribunal de Justiça, EROS PICELI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, HAMILTON ELLIOT AKEL, Corregedor Geral da Justiça, SÉRGIO JACINTHO GUERRIERI REZENDE, Decano, ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO, Presidente da Seção de Direito Privado, GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Presidente da Seção de Direito Criminal, RICARDO MAIR ANAFE, Presidente da Seção de Direito Público.

domingo, 14 de setembro de 2014

Carta aberta à classe trabalhadora e aos presidenciáveis


14.09.08_Carta aberta à classe trabalhadora e aos presidenciáveis2 

Por Jorge Souto Maior, Graça Druck, Lincoln Secco, Paulo Arantes, Marcus Orione, Luiz Renato Martins, Flávio Batista, Gustavo Seferian, Luis Carlos Moro.










A terceirização pulveriza a classe trabalhadora, impedindo sua luta coletiva (sindical) e precarizando as suas condições de vida e de trabalho.


Acima de qualquer retórica de que a terceirização se trata de uma reengenharia moderna do processo produtivo, essencial à competitividade das empresas, estando permitida, juridicamente, pelos princípios da livre iniciativa e da liberdade contratual, o fato concreto é que a terceirização, que foi introduzida nas relações de trabalho no Brasil em 1974, pela Lei n. 6.019, ampliando seu alcance a partir de 1993, com a Súmula 331, do TST, que, inclusive, traz a contradição de ter o mérito de restringir a terceirização, só tem gerado sofrimento à classe trabalhadora, sem qualquer benefício concreto à economia nacional, sendo que, juridicamente, fere os princípios do valor social da livre iniciativa, da melhoria da condição social dos trabalhadores, da função social da propriedade, do desenvolvimento da economia sob os ditames da justiça social e da dignidade humana.

Os dados concretos são inquestionáveis: os terceirizados recebem salários mais baixos que os demais trabalhadores; são alvo de um número bem mais elevado de acidentes do trabalho; são vítimas de segregação no ambiente de trabalho, sendo, consequentemente, alvo do assédio moral provocado pela invisibilidade e pela forma descartável como são tratados; constituem a maioria dos trabalhadores resgatados na condição de trabalho análogo ao escravo; são literalmente jogados de um local de trabalho para outro sem qualquer previsibilidade ou critério; têm constantemente alterado o seu horário de trabalho; não recebem direitos básicos e encontram grandes entraves para cobrar esses direitos, seja pela dificuldade da ação coletiva, seja pelos problemas de ordem processual criados pelo numero excessivo de tomadores de serviço ou pela própria precariedade econômica da maioria das empresas de prestação de serviços.

A situação é talvez ainda mais grave no setor público. Primeiro, porque sem o permissivo constitucional a terceirização no setor público representa um sério atentado à conquista democrática do concurso público. Segundo, porque exacerba a lógica da precarização na medida em que a contratação se dá em favor da empresa que apresenta o menor preço (o que, claro, também se dá no setor privado, ainda que de forma não institucionalizada). Terceiro, porque diante das sucessivas trocas de prestadoras, os trabalhadores acabam ficando sem gozar férias (ainda que recebam o valor correspondente), o que pode perdurar por anos. E quarto, por conta do problema adicional de ordem processual, que dificulta a responsabilização do ente público pelo pagamento aos trabalhadores dos direitos não respeitados.

A experiência real da terceirização pode ser verificada nos inúmeros processos que a cada dia tramitam nas Varas do Trabalho de todo o país, assim como nos diversos segmentos em que foi implementada de forma mais ampla.

Ocorre que a compreensão dos efeitos deletérios da terceirização e demais formas de precarização está bastante evidenciada entre os trabalhadores e estes já demonstraram a sua força para, nos últimos anos, barrar os projetos que visavam minar ainda mais os seus direitos, como se deu, recentemente, com o ACE e o Projeto de Lei n. 4.330.

No quadro atual, ademais, a eleição para a Presidência da República é o momento decisivo para que os trabalhadores deixem a postura defensiva a que foram submetidos desde a década de 1990 e passem à luta por melhores condições, que tem como ponto central o fim de toda forma de terceirização, sobretudo porque, surfando na onda da eleição (e da eterna “crise econômica”), alguns segmentos empresariais estão se valendo da sua força exatamente para tentar ampliar a terceirização.

Os problemas em torno da educação, moradia, saúde e transporte são tão relevantes para a classe trabalhadora quanto às garantias para sua ação política e a terceirização é a fórmula básica de uma desarticulação dos trabalhadores.
Sem desprezar outras formas de luta, não se pode deixar de perceber que neste momento o voto representa uma grande arma para os trabalhadores, sendo que o posicionamento dos presidenciáveis a respeito do tema, terceirização, que é propositalmente negligenciado nos debates, deve ser decisivo para a sua escolha.

No Programa de Governo da candidata Marina Silva há uma clara defesa de ideais neoliberais. As posições parecem mesmo reproduções do projeto tucano da década de 90, deixando evidenciada uma prevalência da racionalidade econômica sobre o humano. Ainda que com esforço retórico faça menção à preservação de políticas sociais, o conteúdo ideológico do programa se revela quando, por exemplo, diz que “A formação de capital humano é o nosso maior desafio”, ou quando escora-se no fundamento típico da pregação neoliberal da chamada “abertura de mercados”, que, no fundo, aniquilou a produção nacional e incentivou a especulação internacional. A respeito, o Programa propõe: “Aumentar a competição internacional em todos os setores a fim de forçar a eficiência das empresas brasileiras”.

No aspecto da legislação trabalhista traz a mesma ladainha, utilizada na década de 90 (que já havia sido explicitada no início da ditadura militar), de que as conquistas históricas da classe trabalhadora serão respeitadas: “O Brasil conta com uma legislação trabalhista construída ao longo de mais de 70 anos de história. Ela assegurou vários avanços. Essas conquistas históricas serão preservadas.”

Chega mesmo a reforçar a ideia, apregoando que “Assegurar o bem-estar e a melhoria de vida dos trabalhadores é uma bandeira importante do socialismo democrático… (….) Daí o compromisso com a preservação dos direitos conquistados em anos de luta”…

Mas escorrega na vala comum do neoliberalismo ao reproduzir a velha cantilena de que “É necessário atualizar a legislação”.

E por “atualização”, entenda-se: ampliar a terceirização, no mesmo estilo do que se defendeu na década de 90. A terceirização aparece no Programa, mais de uma vez, como uma espécie de pedra fundamental para o aumento do faturamento das empresas.

Além disso, reitera-se o argumento principal de que os entraves jurídicos à implementação de uma terceirização em larga escala representam obstáculos ao desenvolvimento do país:


“Existe hoje no Brasil um número elevado de disputas jurídicas sobre terceirização de serviços com o argumento de que as atividades terceirizadas são atividades fins das empresas. Isso gera perda de eficiência do setor, reduzindo os ganhos de produtividade e privilegiando segmentos profissionais mais especializados e de maior renda.
Disciplinar a terceirização de atividade com regras que a viabilizem, assegurando o equilíbrio entre os objetivos de ganhos de eficiência e dos de respeito às regras de proteção do trabalho.”


Ou seja, na visão do Programa de Marina, o problema do Brasil são os terceirizados e as entidades que tentam garantir a esses trabalhadores os seus direitos. A solução preconizada é retirar a resistência protagonizada pelo Direito do Trabalho, deixando que, no livre jogo do comércio, com a corda da ameaça do desemprego em virtude de uma infindável crise econômica no pescoço, os trabalhadores abram mão, por sua “livre vontade”, de seus direitos históricos, o que fica ainda mais favorecido sem a resistência sindical, pois a terceirização, como dito inicialmente, pulveriza a classe trabalhadora.

Ou seja, o projeto econômico da presidenciável Marina retroage em 20 (vinte) anos nos ataques às garantias dos trabalhadores, pondo em grave risco a própria economia nacional, que, vale repetir, somente não foi à bancarrota em 2008 por conta da resistência que a classe trabalhadora, com apoio decisivo da comunidade acadêmica e de entidades representativas de magistrados, procuradores e advogados trabalhistas, impôs ao projeto neoliberal no final da década de 90/início dos anos 2000.

É evidente que uma arma decisiva que os trabalhadores possuem para impedir esse retrocesso é o voto. Mas é de todo conveniente verificar o posicionamento dos demais candidatos a respeito desse assunto, pois no governo do PT as tentativas para avançar na terceirização também se apresentaram e estão expressas, inclusive, no projeto de lei, apresentado pelo governo, que regula o SUT – Sistema Único do Trabalho (PL 6.573/2013).

A Presidenta Dilma, é verdade, disse estar muito preocupada com o impacto do programa de governo da presidenciável Marina, “no que diz respeito à terceirização do trabalho no Brasil”.

E asseverou:

“Eu fico muito preocupada e queria dizer que eu não fui eleita para desempregar ou reduzir a importância da indústria, principalmente aquela que pode ser uma indústria que tenha grande absorção de tecnologia e inovação, e não serei reeleita para isso.” (Marina rebate Dilma: “Ela deveria ter medo de não ter o próprio programa”Terra Magazine, 1/9/2014)


Isso, no entanto, é muito pouco para uma definição da classe trabalhadora, ao menos nesse aspecto, em favor da Presidenta, ainda mais diante do histórico recente do apoio de seu governo às tentativas de diminuição das garantias trabalhistas que vieram no ACE e no PL 4.330, destacando-se, ainda, o PL 6.573, já citado.

De todo modo, a Presidenta tem a oportunidade, a partir da presente carta, de explicar qual é exatamente a posição de seu governo com relação à terceirização, sendo que o mesmo se requer, por oportuno, de todos os demais candidatos.


Aguardemos as respostas!



São Paulo, Setembro de 2014.



***

sábado, 13 de setembro de 2014

SINDICATOS DE LUTA

Neste sábado ocorreu mais uma reunião conjunta comSindjesp CASP, RMSP, ABCDMRR, SINTRAJUS e COMANDO DA BASE na subsede da ASSOJUBS situada na Rua da Glória, 152, Capital.




sexta-feira, 12 de setembro de 2014

PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO NO TJ-SP


O TJ-SP editou normas de serviço no âmbito do processo judicial eletrônico, refere-se ao provimento CG n. 21/2014, que entrará em vigor em 07 de janeiro de 2015, publicado no D.J.E. em 27 de agosto de 2014.

https://www.dje.tjsp.jus.br/cdje/consultaSimples.do?cdVolume=8&nuDiario=1720&cdCaderno=10&nuSeqpagina=13

ATENÇÃO APOSENTADOS(AS)!!!!


Na tarde do dia 10 de setembro, na sede da ASSOJUBS em Santos, ocorreu mais uma reunião do núcleo dos aposentados. O assunto era o IAMSPE (Institudo de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual). A discussão foi conduzida por Rosângela dos Santos (Secretária Geral da ASSOJUBS), tendo em vista a ausência justificada do Professor Guilherme Nascimento do CAPESP (Centro Associativo dos Profissionais de Ensino do Estado de São Paulo) e integrante da CCM-IAMSPE (Comissão Consultiva Mista do Iamspe).  Contou também com a participação dos diretores da ASSOJUBS Silvio Realle (tesouraria), Luis Fabiano Mendes (Planejamento) e Alexandre dos Santos (Presidente). O SINTRAJUS esteve presente com os diretores Michel Iorio (oordenador Geral), Gisele Alonso (Secretária Geral e Adelson Gaspar (Finanças).
Rosangela dos Santos discorreu sobre o tema, falando sobre a importância do IAMSPE na vida dos trabalhadores do Judiciário e do arrependimento de alguns que tenham solicitado a exclusão da contribuição compulsória no valor de 2% ao mês, pois muitos não conseguem arcar com os altos custos dos planos médicos. Apesar das limitações do atendimento em nossa região, visto que há apenas um CEAMA (Centro de Atendimento Médico Ambulatorial) e no socorro imediato possuem o Hospital dos Servidores localizado na Capital.
O Presidente da ASSOJUBS, Alexandre dos Santos, informou sobre o PLC 949/2014 em trâmite na ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), que permite o retorno dos funcionários que pediram a exclusão e a inclusão dos dependentes (pai/padrastro, mãe/madrasta).
Viridiana Amaral Coelho do UDEMO (Sindicato dos Especialista de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo) e integrante da CCM-IAMSPE, informou que mesmo com o atendimento reduzido na região, lembrou de casos em sua família que necessitaram de cirurgia e tratamento no Hospital dos Servidores, onde tiveram um bom atendimento.
Michel Iorio, Coordenador do Sintrajus, esclareceu às companheiras aposentadas da dificuldade de se firmar convênios hospitalares na Baixada Santista, visto que muitos dos hospitais particulares já possuem seus planos médicos próprios e os hospitais públicos estão sendo privatizados por meio de OS(s) (Organizações Sociais) e em virtude de lei são proibidos de firmarem convênios com o IAMSPE.
Por fim, foi enaltecida a luta incansável dos integrantes da CCM-IAMSPE por um melhor atendimento na região, para que se torne deliberativa, ou seja, participe das decisões no IAMSPE e não tão somente consultiva. E da necessidade que mais pessoas participem das reuniões mensais nas últimas quinta-feiras do mês na Capital.
Foi discutido também sobre a PEC 555/2006 que extingue a contribuição previdenciária dos inativos.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

REMOÇÃO 2014 - OFICAIS DE JUSTIÇA, AGENTES, ASSISTENTES SOCIAIS, PSICÓLOGOS E CONTADORES

            O Comitê de Gestão Permanente do Processo de Remoção 2014 se reuiniu em 09 de setembro de 2014 na Capital, quando esteve presente Alexandre do Santos (Presidente da ASSOJUBS - Associação de Base dos Trabalhadores do Judiciário do Estado de São Paulo e Secretário de Assuntos Jurídicos do SINTRAJUS - Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públidos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira) analisando os últimos recursos. 

            A publicação da lista definitiva da Remoção para os Oficiais de Justiça, Assistentes Sociais, Psicólogos, Contadores e Agentes Administrativos sairá no dia 17 de setembro no DJE. Os servidores permanecerão nos atuais postos de trabalho até o dia 31 de outubro. E após essa data, poderão assumir nas comarcas escolhidas, conforme Comunicado Nº 679/97 DEPE.

             Participaram da reunião também Elisabete Borgianni (AASPTJSP), Adolfo Benedeti (Assojuris), Maurício Queirós (Affocos), Maria Fernanda de Toledo Rodovalho (juíza assessora da Presidência), Tarcísio dos Santos (secretário da Área da Saúde), Lilian Salvador Paula (secretária de Planejamento de Recursos Humanos), Pedro Cristóvão Pinto (secretário da Primeira Instância) e Solange Moreira Rocha (coordenadora da CPRH 1).

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Ditadura econômica, o grande tabu das eleições?


140905-Grilo


Sem reverter políticas que submetem sociedade às finanças, Brasil permanecerá paralisado. Mas tema não entra em debate, por estranhas razões


Por Guilherme Boulos | Imagem: Rubem Grillo, Gula (1981)


Quem diria! Mal se passaram seis anos da crise em que as políticas neoliberais afundaram o mundo e eles já estão aí com todo o vigor. A aposta na mão invisível do mercado e na desregulamentação das finanças quase levou a maior economia do mundo ao colapso em 2008. Os Estados Unidos, a Europa e a economia mundial pagam o preço até hoje.

Não demorou, porém, para que os intelectuais da banca superassem a vergonha e o descrédito, saíssem do armário e recuperassem a autoconfiança para defender a mesma rota do fracasso. Abstraíram 2008 e reaparecem de cara lavada para apresentar as mudanças necessárias na economia brasileira.

Já foi dito que a história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa. Neste caso até os personagens são os mesmos. Vejam vocês, Armínio Fraga! As últimas três campanhas presidenciais do PSDB o esconderam a sete chaves, assim como a FHC. Dizem que há lugares do país que quando seu nome é citado as pessoas correm para bater três vezes na madeira. Dá azar. Incrível, mas Aécio Neves teve a coragem de reabilitá-lo.

Aquele que quando foi presidente do Banco Central elevou a taxa de juros de 25% para 45%! O homem do arrocho e dos banqueiros. Que foi diretor do fundo de investimento de George Soros, símbolo da especulação financeira mundial.

E é o mesmo velho Armínio. Diz agora que os salários subiram muito ultimamente e que a redução de juros nos anos anteriores foi “preocupante”. Em entrevista à Folha de S.Paulo, esta semana, deixou claro que gostaria de rever as regras do seguro-desemprego, aumentar a idade mínima para aposentadoria e dificultar a concessão de pensões.

Tudo em nome do combate à inflação. Só deixa de dizer que ao fim de sua gestão no Banco Central, no governo FHC, a inflação era de 12,5% ao ano, quase o dobro da atual, que ele julga fora de controle. E isso com juros estrondosos.

Sorte tem o país que o candidato que o anunciou como futuro ministro da Fazenda está praticamente fora do páreo eleitoral.

Mas, como diz o povo mais acostumado a sofrer, desgraça pouca é bobagem. A queda de Aécio foi acompanhada da subida meteórica de Marina Silva. E Marina, talvez no afã de atrair o mercado para seu projeto, tinha já erigido como conselheiro econômico ninguém menos que Eduardo Giannetti da Fonseca. Economista da nata do neoliberalismo brasileiro.

Giannetti tem distribuído por aí a mesma cantilena que arruinou os trabalhadores no Brasil, produzindo desemprego, arrocho salarial e recessão econômica na década de 90. O discurso de Marina é da nova política, mas começa mal ao recorrer à velha economia.

Também em entrevista à Folha, no ano passado, Gianetti sistematizou sua listinha de desejos: autonomia do Banco Central, readequar a Petrobrás e os bancos públicos nos “critérios de mercado”, desatrelar o reajuste das aposentarias ao salário mínimo e por aí vai. O modelo de seus sonhos, disse ele, é o segundo mandato de FHC e o primeiro de Lula (o mandato mais conservador dos governos petistas). Cita como referência as “heroicas” privatizações e a desregulamentação de capitais por FHC.

Sua obsessão – agora repetida por Marina – é fortalecer o dito tripé macroeconômico. Austeridade fiscal, aumento do superávit primário e livre câmbio. Não é preciso ser economista nem ter sobrenome europeu para saber que isso implica cortes de investimentos e de gastos sociais do Estado. Austeridade fiscal é um nome elegante para dizer corte no orçamento público. Superávit primário é um termo técnico para se referir à reserva de recursos para pagar juros da dívida aos banqueiros – o que, por sua vez, implica cortes orçamentários.

Marina terá que se decidir. Ou quer manter e ampliar políticas sociais e investimentos públicos, ou quer fazer cortes. Do ponto de vista lógico, tentar conciliar os dois é tão impossível quanto empenhar-se em desenhar um círculo quadrado. Simplesmente não dá. Marina deve a todos esta resposta. Ou está com Giannetti ou está com Chico Mendes.

A reabilitação dos neoliberais, ao que parece, não foi apenas um apelo desesperado do PSDB, mas uma tendência do debate econômico nestas eleições. Não deixa de ser, de algum modo, a volta dos que não foram. Já que os governos petistas – Dilma inclusive – conservaram importantes aspectos neoliberais em sua política econômica. Não por acaso os lucros bancários foram recordes. O pré-sal foi concedido à exploração privada, assim como aeroportos e rodovias.

Mas tragicamente o discurso da mudança entre os principais candidatos não critica esse conservadorismo. Ao contrário, diz que ele foi insuficiente e volta-se contra as limitadas iniciativas de enfrentá-lo. A titubeante redução dos juros básicos, o uso de bancos públicos para baratear o crédito, a atuação das estatais na indução de investimentos e os gastos com assistência social, que não chegam a 4% do orçamento Federal.

A crítica é feita pelo viés conservador. E deixa claro que o debate econômico no Brasil ainda é pautado pelo interesse do mercado financeiro. Enquanto for assim teremos de conviver com o eterno retorno dos neoliberais.