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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O pior da democracia é a liberdade aparente


 





 Poema em linha reta


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
 
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
 
Indesculpavelmente sujo,
 
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
 
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
 
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
 
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
 
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
 
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
 
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
 
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
 
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
 
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
 
Para fora da possibilidade do soco;
 
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
 
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
 
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
 
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
 
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
 
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
 
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
 
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
 
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
 
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
 
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
 
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
 
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
 
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
 
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Fernando Pessoa 



domingo, 30 de dezembro de 2012

Paulo Nogueira: O fiscal também tem que ser fiscalizado


Ao comprar a Folha, Frias comprou prestígio social — e adulação do mundo político

por Paulo Nogueira, em Diário do Centro do Mundo

Quais os limites do jornalismo e dos jornalistas?
Vejamos a Folha de S. Paulo, por exemplo. Ela procura se colocar, em editoriais e em publicidade, como uma espécie de fiscal sagrado dos governos. Tudo bem. Mas é preciso não perder de vista que ela não recebeu essa incumbência da sociedade.
Não foi votada. Não foi eleita.
Fora isso, existe fiscal que não é fiscalizado?
Jornalismo é, como todos os outros, um negócio. Em geral, quem investe em jornalismo não está atrás de dinheiro. Os lucros não costumam ser grandes. O que o jornalismo dá é prestígio, influência. Empresários interessados em recompensas mais palpáveis fazem suas apostas em outras áreas.
No começo da década de 2000, quando a internet já desaconselhava investimentos em papel no Reino Unido, um empresário russo comprou o jornal inglês The Evening Standard, em grave crise financeira, para ganhar respeitabilidade.
É um jogo antigo.
Na biografia semioficial de Octavio Frias de Oliveira, está publicado um episódio revelador. Nabantino, o antigo dono da Folha, estava desencantado porque se julgara traído pelos jornalistas que fizeram a greve de 1961. (Meu pai era um deles.) Decidiu vender o jornal. Um amigo comum de Nabantino e Frias sugeriu que ele comprasse. “Dinheiro você já tem da granja”, ele disse. “O jornal vai dar prestígio a você.”
Na biografia, a coleção de fotos de Frias ao lado de personalidades mostra que o objetivo foi completamente alcançado. Um granjeiro não estaria em nenhuma daquelas fotos (no alto, antes do post).
Sendo um negócio, o jornalismo não está acima do bem e do mal. É natural que prevaleçam, nele, as razões de empresa.  Essas razões podem coincidir com as razões nacionais – ou não. Observe o mais carismático – não necessariamente o melhor ou mais escrupuloso – empresário de jornalismo da história do Brasil, Roberto Marinho, da Globo.
Quem garante que o que era melhor para ele era o melhor para o país? Roberto Marinho era tão magnânimo a ponto de pôr os interesses nacionais à frente dos pessoais?
Como a sociedade não elegeu empresas jornalísticas, seus donos não têm que dar satisfação a ninguém sobre coisas como o uso dão ao dinheiro que retiram. Se decidem vender o negócio, nada os impede.
Essa é a parte boa de você não ter um vínculo ou uma delegação direta da sociedade. Não existem amarras burocráticas para seus movimentos. Mas você não pode ficar com a parte boa e dispensar a outra – a que não lhe garante tratamento privilegiado apenas por ser da imprensa.
No Reino Unido, este é um debate atualíssimo, depois que o tabloide News of the World, o NoW, de Rupert Murdoch, quebrou todas as barreiras da decência e da legalidade na busca de furos. O NoW invadia criminosamente caixas de mensagem de centenas de pessoas, a maior parte delas celebridades e políticos, para vender mais — e portanto ganhar dinheiro com isso.
Quando se soube das dimensões do escândalo, o governo britânico, sob pressão da opinião pública, montou um comitê independente para rediscutir a mídia — o que é aceitável e o que não é.
Os trabalhor foram comandados por Lorde Brian Leveson, um juiz de alto nível que sabatinou grandes personagens do universo da imprensa, sob câmaras de tevê, em busca de luzes. O premiê David Cameron, por exemplo, teve que explicar a Leveson a natureza de sua relação com o grupo Murdoch.
Murdoch, ele próprio, na idade provecta de 81 anos, foi interrogado duas vezes pelo comitê. Neste momento, a questão é se a auto-regulamentação do jornalismo deve ser mantida ou não. As empresas não gostam, naturalmente, da ideia de que a regulamentação seja tirada de seu controle.
O que muita gente se pergunta, no Reino Unido, é por que as pessoas deveriam confiar agora na auto-regulamentação depois de seu espetacular fracasso.
Em seu relatório de recomendações, Leveson defendeu a criação de um órgão regulador independente das empresas jornalísticas. É provável que seja este o desfecho no Reino Unido.
O Brasil terá que passar por uma discussão nos mesmos moldes, em nome do interesse público. Ninguém sabe com certeza dizer quais os limites do jornalismo no Brasil — nem, ao que parece, a própria Justiça, e muito menos as empresas jornalísticas.
A auto-regulamentação fracassou no Brasil. Um órgão regulador independente das companhias — e também, naturalmente, do governo e dos políticos — é tão necessário no Brasil quanto é na Inglaterra.
Na Dinamarca é assim. O Diário defende que se faça o mesmo no Brasil. O interesse público, este sim sagrado, deve prevalecer sobre o interesse das empresas jornalísticas. São interesses distintos. Coloquemos assim, para simplificar: nem tudo que é bom para a família Marinho é bom para o Brasil.
Numa democracia, para que a mídia exerça o vital papel de fiscal, ela tem que ser também fiscalizada.
Este é o ponto de partida para um debate urgente no país.

sábado, 29 de dezembro de 2012

Movimentos sociais precisam eleger sua bancada no Congresso

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“A luta essencial é entre mercado e direitos. A gente quer tirar do mercado e colocar na esfera dos direitos e eles querem mercantilizar. A linha demarcatória é entre neoliberalismo e antineoliberalismo”, define o sociólogo Emir Sader, quando questionado sobre o que é ser de esquerda nos dias de hoje.

Sader esteve em Curitiba para o lançamento de seu livro As Armas da Crítica – Antologia do Pensamento de Esquerda (Editora Boitempo, ao lado de Ivana Jinkings). Em coletiva cedida à imprensa sindical e de esquerda, organizada pelo sindicato de professores estaduais (APP-Sindicato), o que era para ser uma conversa pontual sobre um lançamento tornou-se uma reflexão sobre a crise econômica e a disputa em torno da manutenção do modelo neoliberal, por um lado, e as tentativas populares de romper essa hegemonia; o que passa, de acordo com Sader, pela questão de os movimentos sociais retornarem à disputa na esfera política.

Brasil de Fato – Qual caracterização o senhor faz do atual momento da crise mundial?

Emir Sader – É inerente ao capitalismo a crise. Como Marx reconheceu no próprio Manifesto Comunista, o capitalismo tem uma extraordinária capacidade de transformação da realidade, mas não distribui renda para consumir o que produz. Então, periodicamente o Capital tem crises, que alguns chamam de superprodução e outros subconsumo. A produção cresce e falta consumo, então o paradoxo é que sobram mercadorias nas estantes. Ao invés de distribuir renda para consumir, a crise manda embora trabalhadores e aumenta-se mais ainda a crise. Só que o capitalismo achava que o mercado recompõe isso. Na crise, as empresas que eles consideram fragilizadas, digamos, quebram e o capitalismo retoma seu ciclo de crescimento, num patamar mais baixo, mas mais saudável. Desta vez, não está acontecendo isso. Porque na fase neoliberal do capitalismo, o que é hegemônico é a especulação e não a produção.

Como se dá este embate no campo da política? A impressão é que, na opinião pública, se polariza entre alternativas neoliberais e o resgate do keynesianismo.

O grande diagnóstico dos dirigentes capitalistas quando terminou o ciclo expansivo econômico anterior foi o de que a economia deixou de crescer porque havia muita regulamentação e ‘muito Estado’. Então, é preciso liberar a livre circulação do Capital, tirar as travas para que circule. A grande norma passa a ser a desregulamentação, o livre-comércio. Ao fazer isso, não vem um ciclo produtivo e expansivo. Porque o Capital não é feito para produzir, mas para acumular, se ele consegue isso na acumulação é para lá que ele vai. Então, em escala mundial, há uma brutal transferência de capitais do setor produtivo para o especulativo. Hoje, mais de 90% das trocas econômicas no mundo não são compra e venda de bens, são basicamente compra e venda de papéis.

Ele [sistema capitalista] está numa fase particular, diferenciada. O neoliberalismo não teve um ciclo produtivo porque na verdade canalizou recursos para a especulação. A crise explode diretamente no sistema financeiro, bancário. E a hegemonia de ideias é neoliberal. Estão dando soluções neoliberais para a crise na Europa, estão jogando álcool no fogo. Tanto que a Dilma jogou isso na cara da Angela Merkel: cortando [direitos trabalhistas, previdenciários] só se leva a mais recessão e desemprego. Essa é a interpretação dominante.

A outra [solução] é a da reativação keneysiana, um pouco o que a América do Sul está fazendo. Algo óbvio. Na crise se investe mais em políticas sociais, distribui a renda para aumentar a demanda. Como fizemos em 2008. O que tem uma solução, do ponto de vista imediato, anticíclica, funciona relativamente. Tanto que a América do Sul é um polo de desenvolvimento ainda. Falta-nos a demanda deles, mas em outras circunstâncias a crise seria avassaladora. Já existe uma multipolaridade econômica mundial, pela integração regional, pela relação com a China, e também pelo mercado interno de consumo. A visão crítica disso é que é uma solução defensiva em relação à crise.

Se você não muda estruturas econômicas de poder, isso tem limites. Nosso continente foi vítima das transformações mundiais negativas, como a crise da dívida, ditaduras militares, governos neoliberais, e que desarticularam a estrutura industrial, abriram aceleradamente a economia, enfraqueceram o Estado. Então temos coisas paradoxais: os produtos primários agrícolas e energéticos são prioridade na exportação do comércio exterior, então exportamos soja e fazemos política social. Melhor assim, mas de qualquer maneira é uma soja ligada ao agronegócio. Então, temos limitações estruturais, porque a estrutura mundial ainda é hegemonizada pelo neoliberalismo. Só tem saída com a integração regional.
 
Houve o crescimento de renda nos governos Lula e Dilma, mas isso não parece interferir na consciência de classe. O senhor poderia comentar esse processo?

Essa é a maior disputa no mundo hoje. Os EUA são decadentes como potência militar, política e econômica, mas a maior força deles é a força ideológica. O modo de vida estadunidense é a mercadoria mais forte que eles têm, que penetra na China, penetra na periferia dos pobres, são valores determinantes, que ninguém compete com eles. No Brasil, não se está gerando uma nova forma de sociabilidade, correspondente à democratização econômica e social. Isso não está sendo acompanhado de valores. Hoje o risco não é tanto o consumismo, mas quem é que influencia os processos mesmo eleitorais? É a mídia e são as igrejas evangélicas. O movimento popular está muito fragilizado no seu processo de mobilização e também de difusão de ideias. São Paulo foi pega desprevenida neste sentido. Vivemos três ditaduras que são os obstáculos maiores: a ditadura do dinheiro, que é o capital financeiro, ditadura da terra, que é o agronegócio, e a ditadura da palavra, que é o monopólio da mídia, o que dificulta essa criação de consciência nova.

E qual o papel dos sindicatos, cuja atuação parece muito restrita aos seus interesses econômicos?


Difícil porque, nas grandes transformações do mundo, os trabalhadores foram vítimas especiais, não só na esfera produtiva, nas políticas de flexibilização laboral, que enfraquece a base dos sindicatos, mas o próprio mundo do trabalho ficou invisibilizado – parece que ninguém mais trabalha. A jornada hoje não é de oito, mas de doze horas. Esse é o cotidiano das pessoas, que não está em lugar nenhum. Não tivemos muitas gerações de trabalhadores a ponto de gerar uma cultura operária no país, nem sequer na base, tampouco na literatura. São poucas coisas. No mundo rural sim. Então, nas novelas da Globo, que criam o imaginário nacional, o trabalhador não existe. Então, o que ocupa as pessoas o tempo todo, que é o trabalho alienado, não aparece, não está em lugar nenhum. Não está em editoria de jornal.

Quais são os espaços para essa disputa ideológica?

Mesmo sem financiamento público de campanha, o movimento popular deveria eleger sua bancada no Congresso. Sei que não é fácil. Olhamos o Congresso, há retrocessos ou se bloqueia avanços. O agronegócio tem uma bancada fenomenal, e apenas dois representantes de trabalhadores rurais. Quantos representantes os educadores têm no Congresso? Se tem, nem sequer atuam como bancada. Já de donos de escolas privadas está cheio.

Hoje, uma estratégia insurrecional não é viável. A correlação de forças mundial mudou, basta ver a situação de impasse na Colômbia, a América Central se reciclou. Se os zapatistas e o MST militarizassem sua luta seriam massacrados. Então, [a luta] é pela democratização do Estado. É preciso penetrar no Estado, não de qualquer modo. O parlamento é um lugar não só para ter líderes políticos e sindicais. Reclamamos, com razão, que o governo nem colocou a lei de regulamentação da mídia em votação, mas você acha que neste Congresso, formado por donos de meios de comunicação, isso vai passar?

Como o senhor define o campo da esquerda hoje?

O capitalismo assumiu a roupa neoliberal. Veio de um modelo keynesiano, de bem-estar social, para um modelo liberal de mercado. Essa é a linha divisória. Ser de esquerda hoje, moderadamente ou radicalmente, é ser antineoliberal. A luta essencial é entre mercado e direitos. A gente quer tirar do mercado e colocar na esfera do direito e eles querem mercantilizar. A linha demarcatória é neoliberalismo e antineoliberalismo. Há movimentos que são gritos desesperados que não encontram espaço na esfera política. Agora, diferente é o movimento dos estudantes no Chile, que tem organicidade com os sindicatos, fazem greve geral e levaram à quebra de legitimidade do governo Piñera.

Seria possível estratégias combinadas entre movimentos, partidos e governos?


A América Latina teve governos neoliberais na sua versão mais radical. Na década de 1990 tivemos um período de resistência contra essa hegemonia que era tão forte. Os movimentos sociais foram determinantes nessa época. Depois, surgiram governos alternativos. Era a hora de passar da resistência à disputa de hegemonia. Na época, a hegemonia dominante no Fórum Social Mundial era a das ONGs, tanto assim que se teorizou e os movimentos sociais entraram nessa sobre a ‘autonomia dos movimentos sociais’. Autonomia em relação a quê? A gente falava antes de maneira ampla em autonomia em relação à burguesia e etc... Agora, autonomia em relação à política? A ONG sim, nasceu como sociedade civil conquistada. Os movimentos sociais entrarem nessa foi uma loucura. O movimento piquetero acabou na Argentina. Os zapatistas buscaram emancipar Chiapas, independente da luta política no México, são contra até o PRD e as soluções moderadas, em nome da ‘autonomia dos movimentos sociais’. Isso é algo pré-gramsciano. É não disputar a hegemonia. Então, foi fundamental os movimentos bolivianos se reunirem. Derrubaram cinco governos na Bolívia, criaram um partido para disputar a presidência, dando um salto de qualidade. 
 
Quem está, mal ou bem, construindo um outro mundo possível são os governos latino-americanos. 
 
O FSM devia ser o lugar onde os governos com os movimentos sociais sejam os pontos centrais dessa alternativa.
 
Fonte: Brasil de Fato

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Todo poder emana do uso da toga

Em Maceió a justiça eleitoral decidiu pelo não aumento do número de vereadores, solicitados por mandado de segurança pedido por duas coligações da última eleição. O TRE/AL também decidiu aplicar multa de R$ 10 mil a cada uma delas por “litigância de má fé”.

Nas discussões se aumentaria ou não as vagas no parlamento municipal, ao invés do debate jurídico e sobre o processo em si, discutiu-se a quantidade de trabalho do legislativo maceioense.

Não sabia que o Poder Judiciário tinha a prerrogativa de avaliar a quantidade de trabalho de outro Poder.

Para piorar o imbróglio, uma liminar foi concedida para que os 10 vereadores, fruto do possível aumento de vagas, fossem diplomados. Horas depois o presidente do Tribunal de Justiça derrubou essa decisão.

O vai e vem das decisões é característica pertinente ao Judiciário, mas multar as coligações por má fé porque pediram que o tribunal se manifestasse sobre o tema, é coisa de ditadura pastelão.
Por que não se multa por má-fé os magistrados quando aprovam o aumento dos próprios salários? Já tivemos fala de presidente do TJ em Alagoas defendendo o aumento para não pagar televisão a prazo. O salário dos desembargadores do Tribunal são equiparados aos do Supremo.

Por que não multar por má-fé o governador por ter decretado uma isenção fiscal de milhões de reais por mês para o setor sucroalcooleiro no qual ele faz parte?

Essa multa é apenas mais uma prova da criminalização da política.

Mas o que esperar se estamos num país onde a corte suprema vive de rompantes autoritários? O atual presidente, Joaquim Barbosa, dá chiliques quando é contrariado. A Constituição foi rasgada. Aliás, segundo o próprio Barbosa afirmou em sessão, Supremo “é a Constituição”. Agora vale o que der na cachola do supremo presidente do Supremo.

Toda a luta pela redemocratização do país e os grande embates na constituinte não valem nada, para Joaquim Barbosa. O que vale é a toga. E ponto final.

Os parlamentos também têm sua parcela de culpa nessa judicialização exacerbada das coisas. Quando deixam de legislar, como foi o caso do número de vereadores em Maceió. Aprovaram o aumento, depois o presidente da casa para jogar com a torcida, se fez de rogado e recou. Para finalizar, não foi protocolado em tempo hábil no TRE a aprovação da mudança na quantidade de vereadores.

Inúmeros são os casos de omissão do Congresso Nacional. Não por acaso, o bizarro número de três mil vetos presidenciais para serem apreciados. Mas não dá para engrossar o coro de que la nada se faz. Isso é conversa fiada. Discurso de quem quer desconstruir a democracia no Brasil. O Congresso até poderia ser mais ágil, mais preciso, mais objetivo, mas daí afirmar que lá nada se faz, é mentira!

Mesmo assim, por mais contraditório que pareça, é verdadeiro dizer que por conta de não legislar, o Judiciário o faz. Vários são os temas relevantes não discutidos ou postergados no parlamento brasileiro. Um exemplo? A regulamentação dos artigos constitucionais sobre a comunicação social no Brasil.

Outro fator que precisa ser observado é que sempre quando algum setor, partido ou bancada estadual, perde uma votação, logo se recorre aos tribunais para deslegitimar o pleito. É assim em Brasília, é assim nos estados e municípios.

Coisas de nossa jovem democracia. Jovem e ameaçada. Diante do repaginado discurso udenista, o Poder Judiciário – diga-se de passagem, ilegitimo – traz para si as todas as decisões de nossas vidas, excluindo-se leis, costumes e a independência entre os poderes da República.

Sim, o Poder Judiciário, apesar de importantíssimo para democracia, é ilegitimo. E ainda por cima, vitalício. No Brasil, seus membros, em nenhuma esfera, não são escolhidos pelo povo. De fato, está à margem dele. Com o nosso histórico de autoritarismo, mais cedo ou mais tarde, o “toguismo” surgirá. Se é que já não está surgindo ou surgiu.

E se o “toguismo” pegar? Logo não haverão mais uniformes escolares ou fardamento militares. Todo mundo usando toga. Uma verdadeira “batmania” ou seria “joaquimbarbosamania”?

O lema fatalmente seria “uma toga para cada brasileiro”.
Cadu Amaral - blog do Cadu

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Educação sim, mas com qual projeto?


É muito justo destinar 100% dos royalties do petróleo do pré-sal para a educação, como anunciou o governo através do Ministro Aloizio Mercadante, confirmado pela Presidenta Dilma Rousseff. 

A área de saúde poderia também ser contemplada, mas até agora nada foi dito nesse sentido.

Merece aplausos o anúncio de Mercadante,  mas antes é preciso conhecer o modelo de educação que o governo federal quer para o país. Se for o esquema do Banco Mundial, que a secretária de Educação do município do Rio, Claudia Costin, implanta por aqui, os 100% serão destinados para um esquema de mercado.

Vale lembrar que o Ministro da Educação recentemente tinha jogado um balão de ensaio convidando a secretária Costin para o cargo de Secretária de Educação Básica da Pasta. Professores de todo o Brasil se mobilizaram com abaixo assinado de repúdio. A nomeação não saiu, mas só o fato de anunciar o convite à secretária municipal do Rio, a mesma que serviu ao governo Fernando Henrique Cardoso como Ministra da Administração, é sintomático.
Costin adora falar em resultados, da mesma forma que os defensores da diminuição do Estado e do modelo de gestão colocado em prática por FHC.
É necessário aprofundar a questão para que os brasileiros não se deixem levar por projetos que no fundo não servem ao país, como o modelo educacional propugnado pelo Banco Mundial, voltado para o mercado e com índices de produtividade semelhantes ao de uma empresa privada. Como se a educação fosse um negócio. 

Como existe um sindicalismo de resultados e que apoiou políticas econômicas neoliberais, é necessário estar atento, porque o Banco Mundial propugna uma pedagogia também de resultados. 

Aí cabe a pergunta: que resultados e para quem?

Por estas e muitas outras, antes de destinar os 100% das verbas do petróleo do pré sal para a educação, é necessário questionar o modelo que está sendo implantado não só no Rio, como em São Paulo, onde o PSDB  tem o controle do Estado desde a década de 80, e em outros municípios.

Os brasileiros não podem aceitar um esquema educacional que tenha por objetivo apenas preparar mão de obra para as empresas. Educação em países como o Brasil e demais na América Latina tem de estar voltada para a cidadania, ou seja, a formação de cidadãos críticos.

É tudo que o esquema neoliberal abomina e por isso só aceita educar para satisfazer o mercado.  E também é necessário que o projeto de educação para a formação de cidadãos esteja  inserido em um projeto de nação. Até porque educação e soberania estão interligados. É tudo o que o esquema neoliberal defendido com unhas e dentes pelo PSDB abomina.

Não é à toa que na edição de domingo de O Globo, economistas defensores do esquema neoliberal de FHC, um deles Armínio Fraga, defenderam com unhas e dentes o modelo do PSDB e de quebra alertaram para a importância da educação. Eles querem que a educação se destine à formação de mão de obra, de preferência barata, para empresas, jamais uma educação voltada para a cidadania.

No mais, a Prefeitura de Petrópolis neste final de 2012 anunciou a desapropriação da “casa da morte”, no bairro de Caxambu, onde as autoridades que mandavam no país na época da ditadura matavam opositores do regime e alguns deles, conforme denúncias do ex-policial Cláudio Guerra, acabaram no forno de uma usina de açúcar no município  de Campos.

O local deverá ser transformado em um museu da memória, para que as novas gerações sejam informadas sobre os acontecimentos em  um período da história brasileira que pouco a pouco está sendo conhecida.

E no Rio, o governador Sérgio Cabral quer transformar o antigo prédio do DOPS, na rua da Relação, um local de bares e lojas comerciais, junto com um Museu da Polícia.

Se a ideia vingar, o povo brasileiro perderá a referência de um local histórico que deveria ter como destino final a criação de um museu para preservação da memória. Na prática, Cabral quer mesmo apagar um período da história brasileira, tenebroso, diga-se de passagem, que não se pode esquecer, para que não se repita.

Que o Brasil tenha um feliz 2013, mas com atenção, porque o conservadorismo, mesmo que disfarçado, e que não tem voto tentará de todas as formas se fazer presente. E a histõria brasileira mostra que quando isso acontece, todo cuidado é pouco. 



Mário Augusto Jakobskind

É correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Companheiro Judiciário



Seguem  para o seu conhecimento as nossas posições em relação às pretensões do CNJ com vistas ao que chamam de adequação da força de trabalho às demandas em curso no Judiciário atual. Cabe acrescentar que a iniciativa do órgão máximo na administração da Justiça brasileira procura ser imposta a todos os tribunais estaduais, pelo que a devida atenção deve ser dispensada ao tema também pelos companheiros de outras regiões do país - a pretensão daquela instituição prejudica a todos . Nós , do SINTRAJUS , não somos contrários à criação de novas maneiras ou ferramentas que viabilizem soluções aos crescentes conflitos da sociedade , estejam os mesmos na esfera pública ou pessoal - para tal existimos enquanto trabalhadores judiciários.

O novo não nos intimida...

Não silenciaremos porém quando  tais iniciativas , venham de onde vierem, adotarem padrões antagônicos e prejudiciais aos interêsses públicos aos quais somos todos, servidores ou magistrados, legal e moralmente subordinados.




EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ.


PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ


Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis: Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída
Quem a reconstruiu tantas vezes?
Em que casas da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo: Quem os ergueu?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A decantada Bizâncio Tinha somente palácios para os seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida Os que se afogavam gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou?
O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias. Tantas questões.

Bertolt
Brecht.


PROCEDIMENTO CNJ N.º 0005389-73.2012.2.00.0000 Relator: Conselheiro José Guilherme Vasi Werner

O SINDICATO DOS TRABALHADORES E SERVIDORES PUBLICOS DO JUDICIÁRIO ESTADUAL NA BAIXADA SANTISTA, LITORAL E VALE DO RIBEIRA DO ESTADO DE SÃO PAULO – SINTRAJUS, CNPJ 13.569.152/0001-51, representado por seu Coordenador Geral, HUGO ROGÉRIO NICODEMOS COVIELLO, brasileiro, solteiro, Auxiliar Judiciário/Agente Operacional, portador do registro geral (RG) 21.934.863-7, inscrito no cadastro de pessoa física do Ministério da Fazenda (CPF/MF) 245.454.808-96; SINDICATO DOS
TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO ESTADUAL DAS CIDADES DE CAIEIRAS E SÃO PAULO- SINDJESP CAIEIRAS E SÃO PAULO, CNPJ- 17 082 902/0001-17, representado por seu Coordenador Geral, LUIZ TADEU MILITO; o SINDICATO DOS SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO ESTADUAL DE SÃO PAULO DOS
MUNICÍPIOS DA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE SÃO PAULOSINDJESP DA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO, CNPJ- 17.101 348/0001-78, representado por sua Coordenadora Geral, NATALINA PEREIRA DA FONSECA; e o SINDICATO DOS SERVIDORES DO JUDICIÁRIO ESTADUAL DE SÃO PAULO DA REGIÃO DE SANTO ANDRÉ, S. BERNARDO DO CAMPO, S. CAETANO DO SUL, DIADEMA, MAUÁ, RIBERIÃO PIRES E RIO GRANDE DA SERRA- SINDJESP ABCDMRR/SP, representado por sua Coordenadora Geral: CLENILZA PANATO, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, pelo advogado que assina in fine, apresentar MANIFESTAÇÃO à MINUTA DE RESOLUÇÃO que dispõe sobre a seleção, distribuição, e movimentação da força de trabalho nos órgãos de justiça estadual de primeiro e segundo grau e dá outras providencias, que o fazemos consubstanciado nos motivos delineados de forma articulada:

Analisando a proposta de resolução do r. Conselho, fica evidente que os atos e ações propostas tem como objetivo principal a diminuição das demandas processuais instituindo a PRODUTIVIDADE no seio da justiça, objetivando reduzir seus tramites a limite aceitável e tolerável, assegurando a efetividade do disposto constitucional que estabelece o direito à “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Em relação a instituição da produtividade - que articularemos mais à frente - entre os servidores certamente não existirá qualquer argumentação em sentido contrário, eis que esta é a prática dos servidores do judiciário, do que dão mostra em seu trabalho diário, e também seu múnus. Os servidores produzem e muito. A insurgência contra os termos da minuta de resolução deve-se a falta de analise das condições de trabalho oferecidas aos servidores do judiciário antes da abordagem produtivista, do próprio escopo que visa transformar um serviço público em produto com parâmetros empresariais e também pela elaboração unilateral de critérios e mecanismos, complexos e engendrados, que afetam diretamente a vida pessoal e familiar dos trabalhadores como a Tabela de Lotação Paradigma Variável.

Para alcançar o patamar de excelência desejado, a nobre Corte conselheira não tem se atentado, data máxima vênia, a outros pontos importantíssimos antes de discutir a implantação da produtividade no judiciário. Ao nosso ver,
nessa discussão é impossível avançar antes da resolução de alguns problemas crônicos dos foros em geral, como a falta de materiais de trabalho, condições ergométricas de trabalho, excesso de jornada e condições insalubres sem justa remuneração.

Se não analisados e solucionados, anteriormente à instituição de produtividade, resultarão em prejuízos ainda maiores para os servidores, magistrados e para os jurisdicionados, eis que estes problemas estão diretamente ligados à qualidade da prestação de serviço jurisdicional. Senão vejamos: Os servidores do judiciário são o “cartão de visita” do jurisdicionado. É por ele que ocorre o primeiro contato - direto ou através dos procuradores - com a justiça. É o servidor que recebe o jurisdicionado, autua o processo, confecciona minutas, despachos, acompanha os prazos e julgamentos, cita e intima as partes (muitas vezes em lugares ermos, onde não entra nem a força policial). São estes trabalhadores que impulsionam a tramitação processual, na maioria das vezes realizando trabalhos com cargas excessivas, os quais serão destinados, de foram indireta, à promoção de juízes.

Esta rotina de trabalho aliada a sobrecarga do trabalho prestado sob intensa pressão, sem o mínimo de recursos materiais e humanos que são necessários ao trabalho, acabam gerando a perda da capacidade laboral e processo de adoecimento dos trabalhadores, o que provoca seu afastamento temporário e sobrecarrega outro servidor, o qual, por consequência deste movimento, entrará no mesmo ciclo vicioso de adoecimento.

Algumas pesquisas cientificas tem apontado a existência de diversas doenças entre os servidores públicos, como LER/DORT, doenças cardiológicas, psicossomáticas e psicológicas. Infelizmente, o Tribunal de Justiça de São Paulo não vem divulgando o numero de servidores afastados por doença, como determina a Lei Federal 12.527/11, o que comprovaria a nossa alegação por fatos concretos.

A divulgação destes dados seria de suma importância para que pudéssemos realizar um debate com toda a sociedade sobre os problemas do judiciário de forma mais franca, e descobrir o que realmente acontece com aqueles que são a “ponta de lança” e os verdadeiros operadores do judiciário pátrio.

Uma das doenças que tem assolado os servidores do judiciário e ocasionado o maior número de casos de perda da capacidade laboral levando ao afastamento imediato do trabalho, é a crise de Burnout que causa a exaustão emocional e sensação de esgotamento emocional e físico. É a cronificação do Estresse emocional.

O trabalhador nestas condições não encontra energia para realizar suas atividades profissionais, sendo que seu trabalho passa a ser penoso, dolorido e desgastante. Não mais consegue falar com o público, atender os advogados, em suma realizar seu trabalho com apreço e satisfação.

Não é novidade a existência de nexo causal entre trabalho e adoecimento cardíaco, respiratório, endócrino, metabólico e outros que já fazem parte de um rol extenso publicado pelo Ministério da Saúde Brasil, sendo que nossos Tribunais analisam de soslaio esta situação periclitante.

Se mantivermos esta situação, teremos uma categoria que não conseguirá realizar as atividades mais corriqueiras do judiciário. Na visão de Cláudio Luiz Sales Pache , cuja obra inspirou este arrazoado, dentro da categoria dos servidores surgiu outra categoria: “...a de sucata de luxo, representada por pessoas razoavelmente remunerada que, ou estão afastadas/se afastam do trabalho ou, trabalhando, ou não, sob o efeito de medicamentos, não conseguem mais atingir a produtividade que lhes era possível e está sendo progressivamente exigida daqueles que ocupam seus antigos postos, de tudo resultado um enorme prejuízo financeiro e social para a Nação”.

Pergunta-se: como implantar produtividade onde não existe instrumentos físicos e humanos para produzir adequadamente? Como produzir mais com cada vez menos trabalhadores satisfeitos e em estado de saúde aceitável.

Fica claro, Ínclito Ministro Presidente, que para melhorar a qualidade do atendimento judiciário se faz necessário melhorar a condição humana de trabalho dos servidores do judiciário, no que diz respeito, principalmente, a sua saúde e condições de trabalho.

A minuta apresentada por este r. Conselho, em nenhum momento destaca em seus CONSIDERANDOS a condição de trabalho dos servidores públicos. As instituições que os representam não foram consultadas sobre a existência de estudos sobre as condições de trabalho, como a que foi realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, e que faz parte das considerações desse Conselho.

Todas as considerações apontam para questões relacionadas à operacionalidade, gasto financeiro (com pessoas), indevida lotação, e apenas um fala de condições de trabalho, mas apenas condições de trabalho dos magistrados.

Pelo que parece, os servidores são apenas detalhes, que poderão ser corrigidos com o azeitamento da máquina judiciária nos exatos pontos das considerações.

Ledo engano, não se constrói um judiciário célebre e sadio, sem discutir a questão dos trabalhadores, em especial sua condição de trabalho.

O gênio humano Bertolt Brecht, em um dos seus mais belos poemas “ Perguntas de um trabalhador que lê “, retrata bem a reverência a grandes mudanças, conquistas e heróis da história, e um
completo esquecimento aos que labutaram e escreverem com sangue estas histórias.

Em uma das passagens o gênio diz: “ cada página uma vitória. Quem cozinhava o banquete? A cada dez anos um grande homem. Quem pagava a conta. Tantas histórias. Tantas questões.”

Portanto, antes de mais nada, deve-se corrigir esta falha imperdoável de não se levar em conta as Condições de Trabalho dos Servidores, na mesma proporção que levou-se em conta nas considerações a Condição de Trabalho dos Magistrados.

A proposta de resolução é uma antropofagia jurídica, eis que sua implantação com metas de produtividade para melhorar a qualidade da prestação jurisdicional, resulta em se alimentar da carne dos servidores que combalidos e sem força serão obrigados a entregar seu suspiros de morte na realização da “JUSTIÇA”.

Não é possível ter justiça, sem que se faça justiça aos injustiçados.


Temos que analisar em que medida um direito constitucional (duração razoável do processo e aos meios que assegurem sua tramitação célere) se sobrepõe a outro direito garantido pela constituição (direito ao meio ambiente de trabalho equilibrado digno).

A lex legum estabelece no parágrafo 1º do artigo 5º a aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais, devendo o Estado garantir esta aplicabilidade de forma eficaz, não podendo ser ignorada e/ou relativizada pelo Estado.

A Carta Magna também garante a proteção ao meio ambiente devendo o Estado garantir e proteger este direito fundamental, sendo que o artigo 200 da

Constituição elevou o meio de trabalho a idêntica proteção constitucional, coadunando com o inciso XXII do artigo 7º da CF, que trata da redução dos riscos laborais.

Em tese estes direitos estariam em conflito, se nos ativ
ermos apenas às regras desumanizadas da proposta de Resolução, que não se atentou as condições de trabalho dos servidores. Mas para estabelecer a aplicabilidade das disposições constitucionais que tratam da questão do judiciário e a garantia de uma justiça rápida e eficiente, é necessário, aplicar a justiça a quem deve de oficio administrá-la para o jurisdicionado, que é o Servidor Publico.

Portanto, somos contrários à aplicação do referida resolução sem que retifique a inversão de valores na sua formalização, pois entendemos que as consequências serão a piora da qualidade da prestação jurisdicional, o agravamento das questões relativas à falta de funcionários - com absurdo desgaste da força de trabalho - a deterioração das condições de saúde dos funcionários e a chancela oficial para o aumento das terceirizações nos judiciários estaduais, incluindo as funções diretamente ligadas à atividade judicante.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é o maior do país, e um dos maiores do mundo. No entanto a relação entre o seu comando e os servidores e funcionários, relegada a segundo plano nas últimas duas décadas, gerou uma situação gravíssima para o desempenho das atividades dos funcionários sob vários aspectos, mesmo que a atual gestão tenha alterado em parte a situação de descaso, abrindo o diálogo e tomando algumas medidas que visam recompor direitos, o que saudamos como atitude positiva, porém ainda insuficientes diante dos sofrimentos de mais de vinte anos.

Começamos pelo déficit de servidores e funcionários no atual quadro do TJSP que supera treze mil cargos vagos, considerando um Estado que possuí a maior população entre as unidades federativas com mais de 40 milhões de habitantes e um volume atual de dezenove milhões de processos judiciais.

A falta de servidores acarreta super exploração da força de trabalho, sobrecarregando os servidores, gerando doenças laborais e consequentes afastamento por licença saúde, além do aumento do assédio moral.

Some-se a isso, uma política salarial baseada no arrocho, com uma defasagem salarial acumulada desde 2002 em 10,27%, fora a própria inflação anual, sendo assim em março de 2013 – data base legal da categoria - a defasagem salarial total dos servidores deve alcançar 17%.

Embora a verba de pessoal do TJSP alcance cifras bilionárias é importante destacar que não há separação entre a folha de pessoal dos servidores e a dos magistrados, sendo que a dos magistrados consome cerca de 37% do total, embora numericamente seus componentes sejam quase vinte vezes inferior ao número de servidores, decorrência de uma política salarial que privilegia o pagamento de indenizações mensais de milhares de reais aos magistrados, algumas inclusive milionárias como as que recentemente foram investigadas por es
se órgão e ganharam as manchetes dos jornais durante a relatoria da ministra ElianaCalmon.

O mais novo exemplo dessa política é a extensão aos magistrados do pagamento de auxílio alimentação – ainda que o TJSP siga a realizar compra de alimentos para o preparo de lanches e refeições dos magistrados no Tribunal e nos fóruns – e a retroação desse pagamento a 2006, em função de um mero pedido da entidade de classe da magistratura ( Apamagis ) pelo valor atual de R$ 29,00. Ressalte-se que bastou um pedido da entidade de classe dos magistrados sem qualquer julgamento ou decisão judicial que garanta tal retroatividade. Calcula-se em mais de 90 milhões de reais o gasto do TJSP para pagar o privilégio retroativo da alimentação dos magistrados paulistas.

Enquanto isso servidores seguem a ter um passivo trabalhista gigantesco, não obstante a atual gestão ter iniciado o pagamento de parcelas de férias e licenças – prêmio, após o escândalo do pagamento das indenizações milionárias nas gestões Belocchi e Viana Santos, denunciados justamente por es
seConselho.

No aspecto das condições de trabalho aos servidores e funcionários, a precariedade parece tornou-se lema. Faltam mobiliário adequado a execução das funções com a preservação da saúde dos funcionários, serviços informatizados modernos e ágeis, locais adequados, onde não haja problemas de excesso de calor por falta de equipamentos de climatização como na região de atuação do SINTRAJUS, o litoral paulista, incluindo a Baix
ada Santista, e o Vale do Ribeira (casos dos Fóruns de Santos, São Sebastião, Praia Grande, Itanhaém, Caraguatatuba), de rachaduras nas paredes e no piso com a entrada de insetos e água das chuvas (Fórum de Cubatão), locais improvisados e sem condições de espaço (Fórum de Mongagua), sem segurança adequada (Fórum de Peruíbe), sem espaço físico para acomodação dos servidores e da imensa quantidade de processos (Fóruns de Santos, São Vicente, Guarujá Enseada, Praia Grande, Cubatão). Enfim uma situação vergonhosa e vexaminosa de condições de trabalho baseadas na improvisação, nas chamadas “gambiarras”, que afetam a saúde dos funcionários. Há também os problemas relativos às questões de insalubridade e periculosidade de servidores que atuam nos setores de suporte da atividade judicante, que em alguns casos aguardam anos para que o TJSP se prontifique a contratar um perito para avaliar tais condições, mesmo com processo judicial em transcurso, caso já lendário dos mecanógrafos de Santos, que apesar de trabalharem com solventes químicos e querosene, há mais de vinte anos, tiveram cortados o pagamento de percentual de insalubridade e nunca receberam equipamentos de proteção individual com as devidas instruções, obrigações e fiscalizações de uso. A descrição, Nobre Conselheiro, parece de um organismo medieval, mas infelizmente essa é a realidade diária para parte considerável dos servidores do TJSP.

Diante desse quadro a resolução do CNJ ao limitar a realização de concursos, ao criar um contraditório sistema de lotação variável, ao fixar limites de produtividade distantes da realidade e das condições atuais de trabalho de um tribunal como o de São Paulo – reiteramos o maior do país – estará condenando a qualidade dos serviços jurisdicionais, a saúde dos trabalhadores dos judiciários estaduais e tampouco alcançar
á
seus objetivos, porém efetivará a prática das terceirizações no setor público incluindo as próprias funções de apoio à atividade judicante.

A Tabela de Lotação Paradigma Variável (TLPV) começa sendo a própria contradição. Ora se um valor, um índice ou um número é um paradigma, é um conceito ideal, deve-se trabalhar para alcanç
á-lo, e não considerar como prática um rebaixamento do paradigma da ordem de 30%, pois obviamente o paradigma passa a ser outro. A TLPV resultará também no deslocamento constante de funcionários, afetando diretamente a estrutura pessoal e familiar o que consideramos em nada contribuirá para aumentar a produtividade do trabalho jurisdicional. A lógica presente na resolução, embora sejamos um serviço público, é a empresarial privada, que tem como objetivo lucrar mais gastando menos. Porém o acesso à justiça e a devida prestação jurisdicional não são um produto, tampouco se pode mensurar lucro nessas atividades.

Existem deficiências para aumentar a celeridade processual no Brasil, estamos de acordo, porém sabemos, por ser a ponta mais próxima da realidade do trabalho diário e em contato direto com a população e advogados, que tais deficiências decorrem das falhas administrativas, realizadas e comandadas por magistrados, e pelo complexo e moroso conjunto legal processual do país que permitem infindáveis e burocráticos recursos que retardam a aplicação das leis. Portanto não são os servidores os responsáveis, ainda que pela resolução do CNJ sejam os servidores que sofrerão as consequências dessa mudança.



A eficiência do trabalho dos servidores do judiciário paulista pode ser bem avaliada ao constatarmos que com 43.000 servidores ativos, trabalhamos com 18 milhões de processos no ano de 2011, o mesmo número de processos operados pela Justiça Federal que possui, em todo o país, cerca de 80.000 servidores.

Portanto, é a presente para manifestar contrariedade a proposta de resolução do Conselho Nacional de Justiça - CNJ , devido a falta de mecanismos objetivos de melhora na relação de Trabalho e Saúde do Trabalhador, principalmente, e nas demais questões apontadas nesta manifestação, que não serão solucionadas com a implantação de PRODUTIVIDADE ou outra formula mágica proposta por “teóricos não praticantes” que visam somente dar um toque de verniz novo em uma casa em ruínas, sem consequências praticas para a agilização da prestação jurisdicional e na melhoria da qualidade de atuação dos servidores públicos do Judiciário.

Nestes termos, E que nos manifestamos.

Santos,17 de dezembro de 2012.

HUGO ROGÉRIO NICODEMOS COVIELLO
CoordenadorGeralSINTRAJUS

JONADABE R. LAURINDO
OABSP176.761


O que podemos aprender com hippies e punks



Absorvidos aparentemente pelo mercado, eles retornaram pela atualidade de sua crítica radical ao consumismo e desejo de produzir com autonomia...

Por Rafael Azzi, no Outras Palavras
















Atualmente há um determinado tipo de ideologia que conquistou grande parte da sociedade. Essa ideologia vem gerando consequências como prejuízo à saúde dos indivíduos, aumento da desigualdade social e degradação do meio ambiente. Trata-se de uma ideia sedutora e perigosa que hoje está mais difundida no mundo do que qualquer religião ou outra forma de pensamento. 

Essa ideologia é o consumismo.

Nenhuma sociedade sobrevive sem algum tipo de relação entre produção e consumo. O consumismo não é o mero incentivo ao consumo; é o pensamento de que uma vida boa e feliz depende inteiramente da quantidade de bens materiais que se pode consumir. Ao nível dos países, é a ideia de que o bem estar de uma nação deve ser medido apenas pelos números de produção e consumo de bens. Nesse contexto, o principal papel do Estado seria estimular a população para que consuma cada vez mais. Para o consumismo, o sucesso de uma sociedade ou de um indivíduo é medido simplesmente pela quantidade de produtos consumidos.

Essas noções estão de tal forma naturalizadas no imaginário coletivo que causa estranhamento demonstrar que elas representam uma ideologia cuja origem pode ser investigada à luz da história recente da sociedade ocidental.
No campo das ideias, o primeiro estímulo para o desenvolvimento da economia de consumo foi dado pelo escocês Adam Smith. Em 1776, o economista publicou o texto A riqueza das nações, no qual defendia que o verdadeiro progresso econômico ocorre quando os indivíduos são livres para buscar os próprios interesses. Assim, quando todos agem de forma egoísta, a sociedade como um todo se beneficia. Cabe ao Estado interferir o menos possível nessa dinâmica e apenas deixar que as pessoas invistam livremente em seus interesses individuais. Surge então a teoria que sustenta, até hoje, a essência do capitalismo.

Logo, as inovações técnicas da Revolução Industrial permitiram que um grande número de pessoas tivesse acesso a bens materiais que estavam nas mãos da elite. O princípio de democratização do consumo foi levado adiante por Henry Ford que, ao criar sua companhia, em 1901, tinha como objetivo que todas as classes pudessem adquirir um carro, até então um artigo de luxo. Ford realizou seu desejo em 1908, com o lançamento do primeiro Modelo T, um automóvel resistente, barato, simples de dirigir e fácil de consertar.

O industrial pretendia que seu carro popular fosse feito para durar e se preocupava em não fazer melhorias que tornassem o modelo anterior obsoleto. Graças ao desenvolvimento da linha de montagem e da escala de produção, Ford conseguiu baratear cada vez mais o preço de seu Modelo T, que passou de US$950, em 1909, para US$290, em 1924.

Devido ao desenvolvimento da linha de montagem, produtos industrializados mais complexos como os carros e os eletrodomésticos deixaram de ser privilégio e se tornaram acessíveis para muitos. As famílias médias norte-americanas logo possuíam bens materiais em abundância, destinados às mais diversas ações. As empresas, movidas por questões econômicas, mudariam radicalmente a visão e o papel do consumo na sociedade.

Durante a década de 1920, percebendo que logo poderiam ter um excesso de produção, as empresas resolveram investir no aumento da demanda. A solução seria fazer com que as pessoas quisessem comprar coisas novas mesmo que as coisas antigas ainda estivessem funcionando. Acabava a era do consumo que servia para suprir as necessidades. A criação e o constante estímulo à aquisição de bens materiais se tornariam ações centrais no desenvolvimento da sociedade. A chave para a prosperidade econômica era a criação organizada da insatisfação, pois se todos estivessem satisfeitos ninguém teria interesse em comprar coisas novas. A insatisfação social seria organizada de duas maneiras: a obsolescência dos produtos e a propaganda.

A obsolescência dos produtos faz parte de uma estratégia de mercado que pretende manter o consumo constante fazendo com que os produtos parem de funcionar (obsolescência programada) ou tornem-se obsoletos em pouco tempo (obsolescência percebida), tendo que ser substituídos.

A obsolescência programada consiste em simplesmente reduzir a vida útil do produto, fazendo com que ele funcione cada vez menos tempo. Esse tipo de obsolescência teve início com as lâmpadas elétricas. Em 1924, as lâmpadas duravam cerca de 2.500 horas, enquanto que em 1940 o padrão já havia sido reduzido para 1.000 horas.

No que se refere à obsolescência percebida, trata-se da essência da política das empresas contemporâneas: lançamentos no mercado de novos modelos com mínimas atualizações, apenas com o objetivo de tornar obsoletos os produtos anteriores. Assim, os consumidores sentiriam a necessidade de se manter sempre atualizados com bens de última geração, descartando produtos antigos, ainda que estejam em funcionamento.

Hoje, tais estratégias comerciais, iniciadas na primeira metade do século 20, chegaram ao extremo, sobretudo em relação aos bens tecnológicos. Aparelhos de telefonia móvel são produzidos para serem trocados, em média, a cada ano. Um exemplo tradicional de obsolescência percebida é o Ipod: lançado em 2001, o aparelhinho já havia passado por seis “gerações” em 2009, levando-se em conta apenas o modelo “clássico”. Se incluirmos as variações do mesmo produto, como o Shuffle, o Nano, o Mini e o Touch, são impressionantes 24 modelos de um mesmo produto, tudo isso em apenas 11 anos. Além disso, a bateria do primeiro modelo de Ipod era produzida para durar apenas um ano; depois desse período, o consumidor seria obrigado a comprar um novo produto, pois o aparelho era produzido de uma forma que praticamente impossibilitava a reposição de bateria.

De forma ampla, essas práticas comerciais aumentaram de forma drástica a demanda por recursos naturais e aceleraram a produção de lixo. Cada vez mais computadores, celulares e eletrodomésticos, ainda em pleno funcionamento, são descartados. A obsolescência dos produtos aumentou a demanda; mas isso ainda não era suficiente para as empresas, pois o consumidor não possuía a autonomia de escolher quando se atualizar. A solução seria encontrar uma forma de aumentar a insatisfação e estimular os desejos de consumo. Surgem então as técnicas de controle e de manipulação das massas desenvolvidas a partir das teorias psicanalíticas de Freud sobre o ser humano.

Eleito pela revista Time um dos norte-americanos mais influentes do século 20, Edward Bernays foi o criador da propaganda moderna. Ele utilizou as ideias de seu tio, Sigmund Freud, para manipular as emoções e os desejos das massas. Bernays acreditava que ao conhecer as motivações das pessoas, seria possível influenciar seu comportamento sem que elas se dessem conta disso. Ao vincular bens materiais a desejos inconscientes, Bernays ensinou às indústrias como fazer as pessoas desejarem algo de que não precisam de fato. A propaganda não se limitaria mais a apresentar o produto e a informar sobre suas qualidades. Agora, a publicidade teria o objetivo de influenciar a audiência, produzindo respostas emocionais e não racionais aos produtos. Nesse momento, surge a noção de consumismo como é compreendida atualmente, tornando-se uma forma de explorar mentes, emoções e identidades das pessoas.Medos e inseguranças são manipulados de modo a serem traduzidos em desejos de produtos materiais, e a sociedade é então condicionada a desejar sempre além.

Para aumentar o desejo das pessoas, o consumismo instiga as inseguranças e as carências emocionais, gerando cada vez mais ansiedade e depressão nos indivíduos. Tal fato ocorre pois a propaganda na cultura consumista é baseada em uma falsa promessa de felicidade. Os bens materiais são vendidos como uma forma de suprir carências que não são do âmbito material. Estimula-se a busca da solução de problemas emocionais através da aquisição de produtos comerciais. A propaganda vende a ideia de que mais produtos nos farão mais amados, mais estimados, mais felizes e mais valorizados. A verdade é que, quanto mais tempo o indivíduo gasta focado na aquisição dos bens, menos tempo ele possui para cultivar vínculos afetivos com a família, os amigos e a comunidade.

A dinâmica “mais produtos = menos vínculos” não foi pensada ao acaso. Bernays acreditava que as massas eram irracionais e perigosas e que deveriam ser controladas. Para ele, a democracia sem o controle da população configurava um fator de risco para a estabilidade social. Nesse sentido, seu método de propaganda buscava manter as massas ocupadas em busca da felicidade através de bens materiais. Quanto mais o consumismo é estimulado, menos as pessoas se interessam pela participação ativa na política. Na cultura consumista, as pessoas são induzidas a acreditar que a felicidade não depende do Estado ou da sociedade, mas dos produtos criados pelas empresas. O cidadão que busca a realização pessoal através da participação política transforma-se no consumidor que passivamente aguarda as empresas realizarem seus desejos. A liberdade política torna-se então a liberdade de consumir. Dessa forma, a combinação de democracia e consumismo é a fórmula perfeita para manter o povo longe do poder e preservar o status quo.

Além da apatia política, a cultura consumista estimula o egoísmo, a inveja e promove a desagregação social. Em uma sociedade baseada no consumismo, não basta ter o suficiente para viver bem; o consumismo é comparativo. Assim, manipula-se o desejo a fim de possuir mais do que o outro: mais do que o vizinho, mais do que o colega de trabalho, mais do que as pessoas que aparecem nas mídias sociais e tradicionais. Isso gera uma infinita insatisfação e um ciclo de consumo cada vez em proporções maiores. As pessoas tornam-se isoladas, centradas nos próprios desejos; e, por sua vez, a sociedade é construída de forma mais fragmentada.

O consumo tem se consolidado como o objetivo central da vida pessoal, arregimentando as esferas do lazer, da cultura, da vida social e familiar. Osshoppings estabeleceram-se como novos templos de dedicados súditos, espaços nos quais as pessoas reúnem-se, consomem e passam seu tempo livre. Entretanto, deve-se observar que, ao contrário dos antigos templos e das praças públicas, nosshoppings a vida social se empobrece e é reduzida ao simples ato solitário de comprar.

Porém, o consumismo nem sempre triunfou sem oposição. Algumas vozes dissonantes surgiram no decorrer do século 20. Dentre elas, as mais expressivas estão ligadas à cultura hippie nos anos 60, e do movimento punk, nos anos 70.

A cultura hippie floresceu nos anos 1960 nos EUA, epicentro do consumismo. Os hippies rejeitavam as hierarquias e as instituições estabelecidas, contestavam os valores da classe média, opunham-se às armas nucleares e à guerra e eram comumente vegetarianos. Eles utilizavam-se de artes alternativas como o teatro de rua e o rock psicodélico para expressar suas ideias e valores. Opondo-se à política tradicional, cultivavam ideias não doutrinárias e libertárias em favor da paz, do amor e da vida em comunidade.
Desiludidos pela sociedade moderna extremante individualista, egoísta e competitiva, decidiram viver em comunidades próprias e independentes, adotando um estilo de vida coletivo que estimulava a cooperação e a comunhão com a natureza. Nessas comunidades, as decisões são consideradas coletivamente, não havendo hierarquias, e todos os participantes exercem alguma função. Adota-se como prática o cultivo dos próprios alimentos e o comércio ocorre entre os moradores através da troca ou da permuta.

Já a cultura punk surgiu nos anos 70 nos EUA e na Inglaterra. Ela se caracteriza por ser um movimento extremamente urbano que, de forma ampla, defende uma visão anarquista centrada na autonomia do indivíduo, opondo-se à mídia tradicional, ao Estado, às instituições religiosas e às grandes corporações capitalistas.

A primeira manifestação cultural do punk foi no âmbito musical. O punk rock surge como a retomada de um estilo autêntico, no qual o mais importante é a expressão individual, pois os membros estavam profundamente decepcionados com a cena do rock que, na época, se mostrava vinculada à grande indústria da música. O showbizz americano e inglês tinha como preocupação produzir estrelas e divulgá-las em grandes shows, criando artistas que, na visão dos punks, careciam de autenticidade. Assim, a cultura punk começou a produzir músicas curtas e bastante simples, tocadas com pouco mais do que três acordes, sendo facilmente reproduzidas por qualquer pessoa sem formação musical. Essa concepção musical tinha como objetivo instigar outros jovens a criar suas próprias bandas. Surgia então uma grande expressão do anticonsumismo: a cultura do “faça você mesmo” (do inglês do it yourself – DIY).

O princípio do “faça você mesmo” relaciona-se ao questionamento tanto da necessidade de comprar coisas quanto dos processos existentes que impulsionam a dependência do indivíduo às estruturas sociais vigentes. De acordo com a cultura punk, os indivíduos podem se expressar e produzir trabalhos sérios, ainda que com recursos limitados. As bandas punks gravavam suas próprias músicas, produziam e distribuíam os álbuns, e se apresentavam em garagens ou em porões, evitando o controle das grandes corporações e assegurando a liberdade de suas performances. Suas ideias circulavam através de fanzines, isto é, publicações caseiras realizadas, editadas e distribuídas por fãs.

Aparentemente, esses dois movimentos culturais perderam a força inicial após alguns anos, tendo sido, de certa forma, assimilados pela moda e pela sociedade consumista, ainda que isso soe paradoxal. Entretanto, pode-se afirmar que suas ideias demonstravam força suficiente para, cinquenta anos depois, ressurgirem como uma possibilidade alternativa à atual cultura de consumo.

Na verdade, longe de estarem esquecidos, muitos desses valores permanecem na nossa cultura em áreas inusitadas. É possível afirmar que a contracultura dos anos 60 promoveu o desenvolvimento do computador pessoal e a organização da internet. A concepção de uma grande rede mundial sem fronteiras, sem qualquer autoridade central, na qual indivíduos são livres para compartilhar informações, deve-se à influência hippie da cultura americana. Os valores hippies baseados nas ideias de comunhão e de colaboração mostram-se cada vez mais presentes no mundo virtual e tecnológico. Exemplo disso são os sites de construção coletiva estilo wiki; bem como os softwares livres e de código aberto, nos quais todos podem contribuir livremente e de forma espontânea para o desenvolvimento, o compartilhamento, a edição e a difusão de ideias e de conhecimento.

Na sociedade contemporânea, a internet permite o compartilhamento de ideias, tornando-se um instrumento capaz de estimular novas formas de consumo e de conexão entre as pessoas. A noção de consumo colaborativo vem crescendo em meio à troca de ideias, pondo em cena práticas alternativas que envolvem trocar, emprestar, reusar e revender objetos. Torna-se cada vez mais comum grupos que se organizam e se reúnem a fim de trocar roupas, brinquedos e livros; planejando caronas; compartilhando carros e aparelhos eletrônicos; praticando a permuta de serviços; fazendo uso do sistema de book crossing ou couchsurfing. As atividades são realizadas e negociadas diretamente entre as pessoas, estimulando os laços de comunidade e permitindo viver bem com menos dinheiro. Em tais práticas, o indivíduo é valorizado pelo modo como interage com a comunidade, marcando o surgimento de um novo tipo de capital: o capital social.

O movimento do “faça você mesmo” hoje é mais presente do que nunca. Através de vídeos e aulas pela internet, na rede é possível ter acesso a possibilidades infinitas de aprender a produzir e a divulgar suas próprias realizações, fugindo da cultura passiva consumista e buscando a realização pessoal de forma ativa. Hoje pode-se plantar vegetais em casa, fazer cerveja caseira, costurar as próprias roupas e até mesmo produzir objetos manufaturados. A produção pode ser individual ou coletiva, e os objetos podem ser feitos para o próprio consumo ou para a venda, pois o século 21 aumentou a produtividade da produção de pequena escala. Pode-se exercitar a criatividade, desenvolver novas habilidades e talentos e a criatividade em novas formas de produzir bens de consumo. A ética do “faça você mesmo” dá poder aos indivíduos e às comunidades, encorajando o emprego de abordagens alternativas para a solução de problemas.

Assim, observa-se que a sociedade consumista enfraquece os laços sociais, estimula o individualismo, e retira a autonomia dos indivíduos, que se tornam consumidores passivos, cujo único poder é a escolha entre a marca A ou a marca B. Em contrapartida, a cultura hippie e seus ideais fortalecem a ideia de coletividade e de colaboração. O princípio do “faça você mesmo” estimula a autonomia, dá poder e liberdade aos indivíduos.

Um novo modelo cultural pode entrar em cena, criado à luz de ações que priorizam a partilha de produtos e de conhecimentos, a produção de bens de consumo, e o comprometimento crítico por seu modo de vida, a fim de consolidar conexões sociais e comunitárias. 

Meio século depois do surgimento dos hippies, eles e os punks são mais atuais que nunca: já temos todas as ferramentas que possibilitam promover  uma sociedade mais feliz, socialmente mais justa e ecologicamente sustentável, bem como o desenvolvimento de uma economia de abordagem essencialmente humana, e não simplesmente monetária. 

Teremos coragem para usá-los?