"Também chegou o momento de o STF se submeter ao CNJ, com efetiva participação da sociedade. Hoje, dos 15 conselheiros do CNJ, 9 são juízes. Portanto, a maioria é formada por juízes".
Muita gente pensa que o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu,
depois de horas gastas na semana passada, a competência do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ).
Em outras palavras, imagina-se que a questão CNJ está solucionada.
Existe na sociedade civil a falsa ideia de o STF haver votado pela
autonomia do CNJ e afastado a tese de sua competência ser
meramente subsidiária diante de situações anômalas: morosidade,
protecionismo etc.
Na verdade, o STF apenas cassou a liminar do ministro Marco Aurélio Mello e isso por 6 a 5 votos.
O mérito da ação de inconstitucionalidade proposta pela Associação de
Magistrados Brasileiros (AMB) ainda não foi julgado, embora os
ministros, ao examinar a canhestra liminar de Marco Aurélio Mello,
tenham invadido o mérito.
Com a liminar cassada, o caso vai aguardar no “freezer”. Assim,
poderá ser reaberta a discussão quando voltar à pauta o exame do mérito.
A volta à pauta pode levar anos. Até lá, o julgamento de mérito se
daria com a presença de novos ministros. Cezar Peluso e Ayres Britto se
aposentam em breve por atingir a idade limite de 70 anos. Salvo,
evidentemente, se até lá não for aprovada a emenda
constitucional chamada “bengala”, que eleva para 75 anos, e só para
algumas categorias de funcionários públicos, o limite de idade da
aposentadoria compulsória.
Para usar uma expressão popular adaptada, a carta de mérito ficará
guardada na manga da toga, à espera de novos ventos. Até agora,
repita-se, o STF apenas cassou a liminar do ministro Marco Aurélio
Mello. A decisão definitiva demora e a questão de mérito permanece
aberta.
Como observei hoje em comentário à radio CBN, o STF não colocou uma pá de cal na arte de Damastes, vulgo Procusto, utilizada pela AMB para reduzir as funções do CNJ.
Só para recordar, na mitologia grega Procusto reduzia tamanhos. Isto
ao fazer caber na cama o corpo de viajantes desavisados, que ele
acolhia e oferecia hospedagem depois de trocar indicações de caminhos
para que se perdessem pelas estradas. Procusto cortava cabeças e
membros, caso a cama fosse pequena. Na hipótese de uma cama king size,
Procusto esticava e destroçava o corpo da vítima até adaptá-lo ao leito
de morte. Pelo mito, Procusto tinha à disposição dois leitos de morte e
sempre cortava ou esticava uma vez que usava a cama inadequada.
No momento, existe uma segunda cama de Procusto não desmontada pelo
STF. Ainda vale a liminar concedida, sem pedido de informações ao CNJ,
pelo ministro Ricardo Lewandowski. Esta liminar suspendeu as correições
no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e foi concedida para
preservar o sigilo dos magistrados paulistas ao
se descobrir movimentações financeiras suspeitas. A AMB, ao pedir
liminar, falou em ilegais quebras de sigilo bancários determinados por
Eliana Calmon. Para a Procuradoria-geral da República, ao analisar
representação criminal da AMB contra Eliana Calmon, não houve nem
ocorreu autorização para quebra de sigilo bancário.
Lewandowski estava eticamente impedido de conceder a liminar. Ele foi desembargador de São Paulo e teria, segundo o jornal Folha de S.Paulo,
levantado um crédito de forma pouca republicana, sem que fossem
observados os princípios constitucionais da igualdade e da
impessoalidade. Ao deixar o TJ-SP para assumir a cadeira no STF,
Lewandowski passou na frente de juízes e teria recebido o crédito de uma
só vez, enquanto magistrados recebem em módicas parcelas por anos a
fio.
Para explicar que não estava impedido, Lewandowski disse, e tudo sem
corar, que o CNJ não investiga ministros do STF. Para usar um termo
popular, o ministro auto-proclamou um “tô legal e vamos que vamos”.
Como a AMB acusava a corregedora de prática criminal, estranho não
ter Lewandowski, antes da concessão da liminar, pedido informações à
corregedora Eliana Calmon, como é praxe. Deu logo a liminar e no dia de
encerramento do ano judiciário de 2011.
Nesta semana continua o exame de mais itens da liminar concedida pelo
ministro Marco Aurélio Mello. Com a liminar, Marco Aurélio suspendeu a
atuação do CNJ, órgão que funciona há 6 anos e já puniu muitos
magistrados em processos administrativos. Se a futura decisão de mérito
for pela procedência da ação de inconstitucionalidade da AMB, todas as
condenações serão anuladas e magistrados pedirão reversão aos postos do
quadro ativo.
Com as liminares concedidas pelo ministro Celso de Melo, que como
Marco Aurélio Mello entendia que o CNJ não possuía competência
originária mas suplementar, alguns magistrados de Mato Grosso, afastados
por despacho da ministra Eliana Calmon, voltarão aos cargos. E voltarão
apesar de acusados, com base em provas recolhidas, de
elaborar contratos fraudulentos para encaminhamento de verbas para os
cofres da Maçonaria, órgão privado.
Como se percebe, o Judiciário carece de reformas urgentes. Por
exemplo, passou da hora de se fixar, a exemplo das cortes
constitucionais da Europa, mandato com prazo certo aos 11 ministros do
STF, e, ressalte-se, sem possibilidade de segundo mandato.
Também chegou o momento de o STF se submeter ao CNJ, com efetiva
participação da sociedade. Hoje, dos 15 conselheiros do CNJ, 9 são
juízes. Portanto, a maioria é formada por juízes.
De tudo que se assistiu no episódio envolvendo o STF e CNJ, e Peluso e
Calmon, deve-se atentar para o fato de a AMB ter acertado em cheio ao
comparar os juízes a Cristo. Afinal de contas, entre os cidadãos
brasileiros é velha a crença de que juízes são deuses.
Wálter Fanganiello Maierovitch
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