Por Slavoj Žižek.
Traduzido por Chrysantho Sholl e Fernando Marcelino.
Embora os
protestos sociais em curso nos países ocidentais desenvolvidos pareçam
indicar o renascimento de um movimento emancipatório radical, uma
análise mais detalhada nos compele a elaborar uma série de distinções
precisas que, de alguma forma, embaçam essa clara imagem. Três coisas
caracterizam o capitalismo de hoje: a tendência de longo prazo de
transformação do lucro em renda (em suas duas principais formas: a renda
do “conhecimento comum” privatizado e a renda pelos recursos naturais);
o papel estrutural mais forte do desemprego (a própria chance de ser
“explorado” em um emprego duradouro é percebida como um privilégio); e a
ascensão de uma nova classe que Jean-Claude Milner chama de “burguesia
assalariada” .
Para
explicar a relação entre estas características, comecemos com Bill
Gates: como ele se tornou o homem mais rico do mundo? Sua riqueza não
tem nada a ver com o custo de produção daquilo que a Microsoft vende
(pode-se até mesmo argumentar que a Microsoft paga a seus trabalhadores
intelectuais um salário relativamente alto), isto é, a riqueza de Gates
não é o resultado de seu sucesso em produzir bons softwares por preços
mais baixos do que seus concorrentes ou por uma “maior exploração” de
seus trabalhadores intelectuais contratados. Se este fosse o caso, a
Microsoft teria ido a falência há muito tempo: as pessoas teriam optado
massivamente por programas como Linux que são de graça e, de acordo com
especialistas, de melhor qualidade que os programas da Microsoft. Por
que, então, existem milhões de pessoas que ainda compram Microsoft?
Porque a Microsoft se impôs como um padrão quase universal, “quase”
monopolizando o setor, uma espécie de personificação direta daquilo que
Marx chamou de General Intellect (Intelecto Coletivo), o conhecimento coletivo em todas as suas dimensões, da ciência ao prático know how.
Gates se tornou o homem mais rico em algumas décadas através da
apropriação da renda pela permissão de que milhões participem na forma
do “intelecto coletivo” que ele privatizou e controla.
Deve-se
transformar criticamente o aparato conceitual de Marx: por causa de sua
negligência em relação à dimensão social do “intelecto coletivo”, Marx
não vislumbrou a possibilidade de privatização do próprio “intelecto coletivo”.
É isto que está no coração da luta contemporânea pela propriedade
intelectual: a exploração tem cada vez mais a forma de renda, ou, como
diz Carlo Vercellone, o capitalismo pós-industrial é caracterizado pelo
“tornar-se renda do lucro” [Veja Capitalismo cognitivo, editado
por Carlo Vercellone, Roma, manifestolibri, 2006]. Em outras palavras,
quando, por conta do papel crucial do “intelecto coletivo” (conhecimento
e cooperação social) na criação de riqueza, as formas de riqueza se
tornam cada vez mais desproporcionais em relação ao tempo de trabalho
diretamente empregado na produção, o resultado não é, como Marx parecia
esperar, a autodissolução do capitalismo, mas a transformação gradual do
lucro gerado pela exploração da força de trabalho em renda apropriada
pela privatização do “intelecto coletivo”.
O mesmo
acontece com os recursos naturais: sua exploração é uma das maiores
fontes de renda hoje, acompanhada da luta permanente pra saber quem
ficará com esta renda – os povos do Terceiro Mundo ou as corporações
ocidentais (a suprema ironia é que, para explicar a diferença entre
força de trabalho – que, em seu uso, produz mais-valia sobre seu próprio
valor – e outras mercadorias – que somente consomem seu próprio valor
em seu uso e, portanto, não envolvem exploração -, Marx menciona como
exemplo de uma mercadoria ordinária o petróleo, a própria mercadoria que
hoje é a fonte de extraordinários “lucros”…). Aqui também não faz
sentido vincular as altas e baixas do preço do petróleo com altos e
baixos custos de produção ou preços do trabalho explorado – custos de
produção são negligenciáveis, o preço que pagamos pelo petróleo é a
renda que pagamos para os proprietários deste recurso por conta de sua
escassez e oferta limitada.
A
consequência deste crescimento na produtividade alavancado pelo impacto
exponencialmente crescente do conhecimento coletivo é a transformação do
papel do desemprego: embora o “desemprego seja estruturalmente
inseparável da dinâmica de acumulação e expansão que constitui a própria
natureza do capitalismo enquanto tal” [Fredric Jameson, em Representing Capital,
Londres, Verso Books, 2011, p. 149], o desemprego adquiriu atualmente
um papel qualitativamente diferente. Naquilo que, possivelmente, é o
ponto extremo da “unidade dos opostos” na esfera da economia, é o
próprio sucesso do capitalismo (crescimento produtivo etc.) que produz
desemprego (produz mais e mais trabalhadores inúteis) – o que deveria
ser uma benção (menos trabalho duro necessário) se torna uma sina. O
mercado global é, assim, em relação a sua dinâmica imanente, “um espaço
no qual todos já foram, um dia, trabalhadores produtivos, e no qual o
trabalho, em todos os lugares, foi aos poucos retirando-se do sistema”
[Fredric Jameson, em Valences of the Dialetic, Londres, Verso
Books, 2009, p. 580-1]. Isso é, no atual processo de globalização
capitalista, a categoria dos desempregados adquire uma nova qualidade
além da clássica noção de “exército industrial de reserva”: devemos
considerar em relação a categoria do desemprego “aquelas enormes
populações, que ao redor do mundo foram ‘expulsas da história’, que
foram deliberadamente excluídas dos projetos modernizadores do
capitalismo de primeiro mundo e apagadas como casos terminais sem
esperança” [Jameson, em Representing Capital, p. 149]: os assim
chamados estados falidos (Congo, Somália), vítimas da fome ou de
desastres ecológicos, presos a “rancores étnicos” pseudo-arcaicos,
objetos da filantropia e das ONGs, ou (frequentemente os mesmos
personagens) da “guerra contra o terror”. A categoria dos desempregados
deve assim ser expandida para agregar uma população de largo alcance,
dos temporariamente desempregados, passando pelos não mais empregáveis,
até pessoas vivendo nas favelas e outras formas de guetos (todos aqueles
desconsiderados pelo próprio Marx como “lúmpem-proletariado”) e,
finalmente, áreas inteiras, populações ou estados excluídos do processo
capitalista global, como os espaços em branco nos mapas antigos.
Mas esta nova forma de capitalismo não traz também uma nova perspectiva de emancipação? Nisto reside a tese de Hardt e Negri em Multidão: guerra e democracia na Era do Império [Rio
de Janeiro: Record, 2005] onde eles pretendem radicalizar Marx, para
quem o capitalismo corporativo altamente organizado já era uma forma de
“socialismo dentro do capitalismo” (uma espécie de socialização do
capitalismo, com os proprietários tornando-se cada vez mais supérfluos),
de maneira que seria necessário apenas cortar a cabeça do proprietário
nominal e nós teríamos socialismo. Para Hardt e Negri, entretanto, a
limitação de Marx foi estar historicamente limitado ao trabalho
industrial mecanicamente industrializado e hierarquicamente organizado,
razão pela qual a sua visão de “intelecto coletivo” seria como uma
agência central de planejamento; somente hoje, com a elevação do
trabalho imaterial ao padrão hegemônico, a transformação revolucionária
se torna “objetivamente possível”. Esse trabalho imaterial se desdobra
entre dois pólos: trabalho (simbólico) intelectual (produção de ideias,
códigos, textos, programas, figuras etc. por escritores, programadores…)
e trabalho afetivo (aqueles que lidam com afecções corpóreas, de
médicos a babás e aeromoças). O trabalho imaterial é hoje hegemônico no
sentido preciso em que Marx proclamou que, no capitalismo do século XIX,
a produção industrial em larga escala era hegemônica, como a cor
específica dando o tom da totalidade – não quantitativamente, mas
cumprido um papel chave, emblematicamente estrutural. Assim, o que surge
é um inédito vasto domínio dos “comuns”: conhecimento compartilhado,
formas de cooperação e comunicação etc. que não podem mais ser contidos
na forma da propriedade privada – por quê? Na produção imaterial, os
produtos já não são objetos materiais, mas novas relações sociais
(interpessoais) – em suma, a produção imaterial já é diretamente
biopolítica, produção de vida social.
A ironia é
que Hardt e Negri se referem aqui ao próprio processo que os ideólogos
do capitalismo “pós-moderno” celebram como a passagem da produção
material para a simbólica, da lógica centralista-hierárquica para a
lógica da autopóiese e da auto-organização, cooperação
multi-centralizada etc. Negri é aqui efetivamente fiel a Marx: o que ele
tenta provar é que Marx estava certo, que a ascensão do intelecto
coletivo é, em longo prazo, incompatível com o capitalismo. Os ideólogos
do capitalismo pós-moderno estão afirmando exatamente o oposto: é a
teoria marxista (e sua prática) que permanecem dentro dos limites de uma
lógica hierárquica e sob controle centralizado do Estado, e assim não
conseguem lidar com os efeitos sociais da nova revolução informacional.
Existem boas razões empíricas para esta afirmação: de novo, a suprema
ironia da história é que a desintegração do Comunismo é o exemplo mais
convincente da validade da tradicional dialética marxista entre forças
produtivas e relações de produção com a qual o marxismo contou na sua
tentativa de superar o capitalismo. O que arruinou efetivamente os
regimes Comunistas foi sua inabilidade em acomodar-se à nova lógica
social sustentada pela “revolução informacional”: eles tentaram dirigir
esta revolução com um novo projeto de planejamento estatal centralizado
de larga escala. O paradoxo, assim, é que aquilo que Negri celebra como
chance única de superação do capitalismo, é exatamente o que os
ideólogos da “revolução informacional” celebram como ascensão de um novo
capitalismo “sem fricção”.
A análise de
Hardt e Negri possui três pontos fracos que, em sua combinação,
explicam como o capitalismo pode sobreviver ao que deveria ser (em
termos marxistas clássicos) uma nova organização da produção que o
tornaria obsoleto. Ela subestima a extensão do sucesso do capitalismo
contemporâneo (pelo menos em curto prazo) de privatizar o “conhecimento
comum”, assim como a extensão com que, mais do que a burguesia, são os
próprios trabalhadores que se tornam “supérfluos” (número cada vez maior
deles torna-se não somente desempregado, mas estruturalmente
inempregável). Além disso, mesmo que seja verdade, em princípio, que a
burguesia está progressivamente se tornando desfuncional, deve-se
qualificar esta afirmação – desfuncional para quem? Para o próprio
capitalismo. Isto quer dizer que, se o velho capitalismo envolvia
idealmente um empreendedor que investia dinheiro (seu ou emprestado) em
produção organizada e dirigida por ele próprio, recolhendo o lucro, hoje
está surgindo um novo tipo ideal: não mais o empreendedor que possui
sua própria empresa, mas o gerente especialista (ou um conselho
administrativo presidido por um CEO) de uma empresa de propriedade dos
bancos (também dirigidos por gerentes que não possuem os bancos) ou
investidores dispersos. Neste novo tipo ideal de capitalismo sem
burguesia, a velha burguesia desfuncional é refuncionalizada como
gerentes assalariados – a nova burguesia recebe cotas, e mesmo se ela
possui uma parte na empresa, eles recebem as ações como parte da
remuneração pelo trabalho (“bônus por sua gerência bem sucedida”).
Esta nova
burguesia ainda se apropria da mais-valia, mas da forma mistificada
daquilo que Milner chama de “mais-salário”: em geral, a eles é pago mais
do que o salário mínimo do proletário (este ponto de referência
imaginário – frequentemente mítico – cujo único verdadeiro exemplo na
economia global de hoje é o salário de um trabalhador numa sweat-shop
na China ou na Indonésia), e é esta diferença em relação aos
proletários comuns, esta distinção, que determina seu status. A
burguesia no sentido clássico, assim, tende a desaparecer. Os
capitalistas reaparecem como um subconjunto dos trabalhadores
assalariados – gerentes qualificados para ganhar mais por sua
competência (razão pela qual a “avaliação” pseudo-científica que
legitima os especialistas a ganharem mais é crucial hoje em dia). A
categoria dos trabalhadores que recebem mais-salário não está,
obviamente, limitada aos gerentes: ela se estende a todos os tipos de
especialistas, administradores, funcionários públicos, médicos,
advogados, jornalistas, intelectuais, artistas… O excesso que eles
recebem tem duas formas: mais dinheiro (para gerentes etc.), mas também
menos trabalho, isto é, mais tempo livre (para alguns intelectuais, mas
também para setores da administração estatal).
O
procedimento de avaliação que qualifica alguns trabalhadores para
receberem mais-salário é, claramente, um mecanismo arbitrário de poder e
ideologia sem nenhuma ligação séria com a competência real – ou, como
diz Milner, a necessidade de mais-salário não é econômica, mas política:
para manter uma “classe média” com o propósito de estabilidade social. A
arbitrariedade da hierarquia social não é um erro, mas todo o seu
propósito, de forma que a arbitrariedade da avaliação cumpre um papel
homólogo à arbitrariedade do sucesso de mercado. Isto é, a violência
ameaça explodir não quando existe muita contingência no espaço social,
mas quando se tenta eliminar esta contingência. É neste nível que se
deve buscar pelo que se pode chamar de, em termos um tanto vagos, a
função social da hierarquia. Jean-Pierre Dupuy [em La marque du sacre,
Paris, Carnets Nord, 2008] concebe a hierarquia como um dos quatro
procedimentos (“dispositivos simbólicos”) cuja função é fazer com que a
relação de superioridade não seja humilhante para os subordinados: a hierarquia (a
ordem externamente imposta de papéis sociais em clara contraposição ao
valor imanente dos indivíduos – eu, portanto, experimento meu menor
status social como totalmente independente do meu valor intrínseco); a desmistificação (o
procedimento crítico-ideológico que demonstra que as relações de
superioridade/inferioridade não estão fundamentadas na meritocracia, mas
são resultado de lutas objetivamente ideológicas e sociais: meu status
social depende de processos sociais objetivos, não de méritos – como diz
Dupuy sarcasticamente, a desmistificação social “cumpre o mesmo papel,
em nossas sociedades igualitárias, competitivas e meritocráticas do que a
hierarquia nas sociedades tradicionais” [p. 208] – isto nos permite
evitar a conclusão dolorosa de que “a superioridade do outro é o
resultado de seus méritos e conquistas”; a contingência (o
mesmo mecanismo, porém sem a sua forma crítico-social: nossa posição em
escala social depende de uma loteria natural e social – sortudos são
aqueles que nascem com melhores disposições e em famílias ricas); a complexidade
(superioridade ou inferioridade dependem de um processo social complexo
independente das intenções ou méritos dos indivíduos – digamos, a mão
invisível do mercado pode causar o meu fracasso ou o sucesso do meu
vizinho, mesmo que eu tenha trabalhado muito mais e seja muito mais
inteligente). Ao contrário do que parece, todos estes mecanismos não
contestam ou sequer ameaçam a hierarquia, mas a tornam palatável, uma
vez que “o que desencadeia o turbilhão da inveja é a ideia de que o
outro merece a sua sorte e não a ideia oposta, a única que pode ser
abertamente expressa” [p.211]. Dupuy extrai desta premissa a conclusão
(óbvia, para ele) de que é um grande erro pensar que uma sociedade que
seja justa e que se perceba como justa será assim livre de todo o
ressentimento – ao contrário, é precisamente em tal sociedade que
aqueles que ocupam posições inferiores encontraram uma válvula de escape
para seu orgulho ferido em violentas explosões de ressentimento.
Aí reside um
dos maiores impasses da China hoje: o objetivo ideal das reformas de
Deng Xiaoping era introduzir um capitalismo sem burguesia (como classe
dominante); agora, entretanto, os líderes chineses estão descobrindo
dolorosamente que o capitalismo sem hierarquia estável (conduzida pela
burguesia como nova classe) gera permanente instabilidade – portanto,
que caminho tomará a China? Mais genericamente, esta é possivelmente a
razão pela qual (ex-)comunistas reaparecem como os mais eficientes
gestores do capitalismo: sua histórica inimizade com a burguesia
enquanto classe se encaixa perfeitamente na tendência do capitalismo
contemporâneo em direção a um capitalismo gerencial sem burguesia – em
ambos os casos, como Stalin disse a muito tempo, “os quadros decidem
tudo” (está surgindo também uma diferença interessante entre a China de
hoje e a Rússia: na Rússia os quadros universitários eram ridiculamente
mal pagos, eles de fato se confundiam com os proletários, enquanto na
China eles são bem remunerados com um “mais-salário” como meio de
garantir sua docilidade).
Além disso,
esta noção de “mais-salário” também nos permite lançar novas luzes sobre
os atuais protestos “anti-capitalistas”. Em tempos de crise, o
candidato óbvio para “apertar os cintos” são os níveis mais baixos da
burguesia assalariada: uma vez que o seu mais-salário não cumpre nenhum
papel econômico imanente, a única coisa que permite diferenciá-los do
proletariado são seus protestos políticos. Embora estes protestos sejam
nominalmente dirigidos pela lógica brutal do mercado, eles efetivamente
protestam contra a gradual corrosão de sua posição econômica
(politicamente) privilegiada. Lembremos da fantasia ideológica favorita
de Ayn Rand (de seu Atlas Shrugged), a de “criativos”
capitalistas em greve – esta fantasia não encontra sua realização
perversa nas greves de hoje, que em sua maioria são greves da
privilegiada “burguesia assalariada” motivada pelo medo de perder seu
privilégio (o excedente sobre o salário mínimo)? Não são protestos
proletários, mas protestos contra a ameaça de ser reduzido à condição
proletária. Isto quer dizer: quem ousa se manifestar hoje, quando ter um
emprego permanente já se tornou um privilégio? Não os trabalhadores mal
pagos (no que sobrou) da indústria têxtil etc. mas o estrato de
trabalhadores privilegiados com empregos garantidos (muitos da
administração estatal, como a polícia e os fiscais da lei, professores,
trabalhadores do transporte público etc.). Isto também vale para a nova
onda de protestos estudantis: sua maior motivação é o medo de que a
educação superior não mais lhes garanta um mais-salário na vida futura.
Está claro,
obviamente, que o enorme renascimento dos protestos no último ano, da
Primavera Árabe ao Leste Europeu, do Occupy Wall Street à China, da
Espanha à Grécia, não devem definitivamente ser desconsiderados como uma
revolta da burguesia assalariada – eles guardam potenciais muito mais
radicais, de forma que devemos nos engajar numa análise concreta caso a
caso. Os protestos estudantis contra a reforma universitária em curso no
Reino Unido são claramente opostos às barricadas do Reino Unido em
agosto de 2011, este carnaval consumista de destruição, a verdadeira
explosão dos excluídos. Em relação aos levantes do Egito, pode-se
argumentar que, no começo, houve um momento de revolta da burguesia
assalariada (jovens bem educados protestando contra a falta de
perspectiva), mas isto foi parte de um amplo protesto contra um regime
opressivo. Entretanto, até que ponto o protesto conseguiu mobilizar
trabalhadores e camponeses pobres? Não seria a vitória eleitoral dos
islâmicos também uma indicação da base social estreita do protesto
secular original? A Grécia é um caso especial: nas últimas décadas
surgiu uma nova “burguesia assalariada” (especialmente na administração
estatal superdimensionada) graças à ajuda financeira e empréstimos da
União Europeia, e muitos dos protestos atuais, mais uma vez, reagem à
ameaça de perda destes privilégios.
Além disso,
esta proletarização da baixa “burguesia assalariada” vem acompanhada do
excesso oposto: as remunerações irracionalmente altas dos grandes
executivos e banqueiros (remunerações economicamente irracionais, uma
vez que, como demonstraram as investigações nos Estados Unidos, elas
tendem a ser inversamente proporcionais ao sucesso da empresa). É
verdade, parte do preço pago por essa super remuneração é o fato dos
executivos ficarem totalmente disponíveis 24 horas por dia, vivendo
assim num estado de emergência permanente. Mais do que submeter estas
tendências a uma crítica moralista, deveríamos interpretá-las como a
indicação de como o próprio sistema capitalista não é mais capaz de
encontrar um nível interno de estabilidade autorregulada e de como esta
circulação ameaça sair do controle.
Slavoj Žižek nasceu
na cidade de Liubliana, Eslovênia, em 1949. É filósofo, psicanalista e
um dos principais teóricos contemporâneos. Transita por diversas áreas
do conhecimento e, sob influência principalmente de Karl Marx e Jacques
Lacan, efetua uma inovadora crítica cultural e política da
pós-modernidade. Professor da European Graduate School e do Instituto de
Sociologia da Universidade de Liubliana, Žižek preside a Society for
Theoretical Psychoanalysis, de Liubliana, e é um dos diretores do centro
de humanidades da University of London. Dele, a Boitempo publicou Bem-vindo ao deserto do Real! (2003), Às portas da revolução (escritos de Lenin de 1917) (2005), A visão em paralaxe (2008), Lacrimae rerum (2009) e os mais recentes Em defesa das causas perdidas e Primeiro como tragédia, depois como farsa(ambos de 2011).
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