"Não serão CPIs nem códigos
de ética que resolverão o problema
da corrupção. O Brasil não é um país
corrupto. É apenas pouco auditado"
O
Brasil não é um país intrinsecamente corrupto. Não existe nos genes
brasileiros nada que nos predisponha à corrupção, algo herdado, por
exemplo, de desterrados portugueses. A Austrália, que foi colônia penal
do império britânico, não possui índices de corrupção superiores aos de
outras nações, pelo contrário. Nós brasileiros não somos nem mais nem
menos corruptos que os japoneses, que a cada par de anos têm um ministro
que renuncia diante de denúncias de corrupção.
Somos,
sim, um país onde a corrupção, pública e privada, é detectada somente
quando chega a milhões de dólares e porque um irmão, um genro, um
jornalista ou alguém botou a boca no trombone, não por um processo
sistemático de auditoria. As nações com menor índice de corrupção são as
que têm o maior número de auditores e fiscais formados e treinados. A
Dinamarca e a Holanda possuem 100 auditores por 100.000 habitantes. Nos
países efetivamente auditados, a corrupção é detectada no nascedouro ou
quando ainda é pequena. O Brasil, país com um dos mais elevados índices
de corrupção, segundo o World Economic Forum, tem somente oito auditores
por 100.000 habitantes, 12.800 auditores no total. Se quisermos os
mesmos níveis de lisura da Dinamarca e da Holanda, precisaremos formar e
treinar 160.000 auditores.
Simples.
Uma das maiores universidades do Brasil possui hoje 62 professores de
economia, mas só um de auditoria. Um único professor para formar os
milhares de fiscais, auditores internos, auditores externos,
conselheiros de tribunais de contas, fiscais do Banco Central, fiscais
da CVM e analistas de controles internos que o Brasil precisa para
combater a corrupção.
A principal
função do auditor nem é a de fiscalizar depois do fato consumado, mas a
de criar controles internos para que a fraude e a corrupção não possam
sequer ser praticadas. Durante os anos de ditadura, quando a liberdade
de imprensa e a auditoria não eram prioridade, as verbas da educação
foram redirecionadas para outros cursos. Como conseqüência, aqui temos
doze economistas formados para cada auditor, enquanto nos Estados Unidos
existem doze auditores para cada economista formado. Para eliminar a
corrupção teremos de redirecionar rapidamente as verbas de volta ao seu
devido destino, para que sejamos uma nação que não precise depender de
dedos-duros ou genros que botam a boca no trombone, e sim de
profissionais competentes com uma ética profissional elaborada.
Países
avançados colocam seus auditores num pedestal de respeitabilidade e de
reconhecimento público que garante a sua honestidade. Na Inglaterra,
instituíram o Chartered Accountant. Nos Estados Unidos, eles têm o
Certified Public Accountant. Uma mãe inglesa ou americana sonha com um
filho médico, advogado ou contador público. No Brasil, o contador
público foi substituído pelo engenheiro.
Bons
salários e valorização social são os requisitos básicos para todo
sistema funcionar, mas no Brasil estamos pagando e falando mal de nossos
fiscais e auditores e nem ao menos treinamos nossos futuros auditores.
Nos últimos nove anos, os salários de nossos auditores públicos e
fiscais têm sido congelados e seus quadros, reduzidos – uma das razões
do crescimento da corrupção. Como o custo da auditoria é muito grande
para ser pago pelo cidadão individualmente, essa é uma das poucas
funções próprias do Estado moderno. Tanto a auditoria como a
fiscalização, que vai dos alimentos e segurança de aviões até os
direitos do consumidor e os direitos autorais.
O
capitalismo remunera quem trabalha e ganha, mas não consegue remunerar
quem impede o outro de ganhar roubando. Há quem diga que não é papel do
Estado produzir petróleo, mas ninguém discute que é sua função
fiscalizar e punir quem mistura água ao álcool. Não serão intervenções
cirúrgicas (leia-se CPIs) nem remédios potentes (leia-se códigos de
ética) que irão resolver o problema da corrupção no Brasil. Precisamos
da vigilância de um poderoso sistema imunológico que combata a infecção
no nascedouro, como acontece nos países considerados honestos e
auditados.
Portanto, o Brasil não é um país corrupto.
É apenas um país
pouco auditado.
Stephen Kanitz é professor
Nenhum comentário:
Postar um comentário