10 de janeiro de 2012
Nesta segunda-feira (9), o ministro Marco Aurélio Mello, no programa Roda Viva
da televisão Cultura de São Paulo, voltou a ignorar o princípio
constitucional da transparência, um dos fundamentos da democracia
representativa. Lógico, o representante do povo (magistrado) não pode
colocar numa caixa-preta sua atuação funcional, de modo a impedir o
exame do cumprimento das suas obrigações e deveres por órgão
constitucional, que é o Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
O ministro Marco Aurélio sustenta que o CNJ não possui poder autônomo
para investigar magistrados sob suspeita de desvios funcionais. Para o
ministro em tela, cabe às corregedorias dos tribunais, estaduais ou
federais, a iniciativa e só perde a exclusividade em caso excepcional de
omissão ou patente incúria.
Para embasar sua tese de afronta ao fundamental princípio democrático
da transparência, o ministro Marco Aurélio, em flagrante leguleio de
ilegítima e odiosa proteção corporativa, fala em ofensa ao princípio
federativo. Esse argumento é equivocado e construído na areia. Basta
atentar, numa evidência solar, para o Superior Tribunal de Justiça
(STJ), com poderes, além da competência originária, de revisar e
reformar decisões jurisdicionais dos tribunais dos estados. E Marco
Aurélio não entende ser o STJ inconstitucional. A autonomia do CNJ, por
evidente, não prejudica a atividade das corregedorias dos tribunais
estaduais e federais, que podem e devem apurar, mantida a avocação até
para evitar decisões conflitantes.
O certo, como já escrevi na minha coluna desta semana na revista CartaCapital,
é ter o ministro Marco Aurélio Mello colocado o Supremo Tribunal
Federal (STF) numa camisa de 11 varas. Ele concedeu, no apagar das luzes
do ano judiciário de 2011, sem que houvesse situação de urgência e
contrariando o espírito de norma constitucional moralizadora (princípio
da transparência), uma medida liminar que esvazia as atribuições
correcionais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instalado em 2005.
A camisa com essa medida (vara) era, na Inglaterra, colocada nos
condenados à morte. No particular, o ministro Marco Aurélio, com a
liminar, levou ao patíbulo a ética e a transparência.
Conhecido como novidadeiro, Marco Aurélio, como aponta o jurista Joaquim Falcão, teve 73% de posicionamentos vencidos em julgamentos de questões constitucionais. No caso do CNJ, ele contou com um “abraço de afogado” dado pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB).
Uma medida liminar só pode ser concedida quando existir urgência. E
essa urgência é verificável, medida, mesurada, diante do risco de dano
irreparável ou de difícil reparação.
A expressão latina periculum in mora é utilizada pelos
autores de obras sobre as primeiras linhas do direito processual para
ensinar que o atraso, a mora, pode prejudicar a satisfação da sentença
final. No caso da liminar de Marco Aurélio, a urgência era nenhuma.
O CNJ já afastou, mediante atuação autônoma, diversos magistrados por
desvios funcionais, como o ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) e ex-presidente da Associação de Magistrados
Brasileiros.
Os ministros do STF, em sessão plenária ocorrida em setembro do ano
de 2011, retiraram de pauta o julgamento de ação direta de
inconstitucionalidade (Adin) sobre a atividade correcional do CNJ. Fosse
urgente a questão, os ministros não teriam adiado o julgamento. No STF
tramitam mais de 30 ações, incluídas as de magistrados sancionados, a
questionar a competência do CNJ. A prevalecer o entendimento aureliano,
tudo será anulado e juízes reintegrados às funções.
O posicionamento de Marco Aurélio é conhecido desde 2004
e insistente, apesar da clareza do dispositivo constitucional: “Compete
ao CNJ conhecer das reclamações contra membros ou órgãos judiciários”.
Para Marco Aurélio, o CNJ nas fiscalizações só pode atuar
subsidiariamente, ou seja, apenas estaria legitimado a agir na inércia
ou incúria das corregedorias estaduais ou federais. Tal entendimento é
minoritário na doutrina brasileira, que entende concorrentes as funções.
A integrar esse quadro surreal não se deve esquecer a liminar do
ministro Ricardo Lewandowski, apesar de correições anteriores realizadas
em diferentes tribunais estaduais. Essa liminar nada urgente suspendeu
as correições no Tribunal de Justiça de São Paulo, em face de suspeitas
de indevidos favorecimentos a um grupo seleto de desembargadores.
O CNJ, é bom lembrar, nasceu de uma reforma do Judiciário que durou
cerca de 11 anos. Quando sancionada, o presidente Lula avisou que o CNJ
abriria a “caixa-preta” do Judiciário. Mais comedido, o ministro da
Justiça, Márcio Thomaz Bastos, falou em órgão de controle externo da
Magistratura brasileira. O órgão não é de controle externo e, também,
não fiscaliza toda a Magistratura: o STF, por interpretação em causa
própria e distante do espírito do legislador, entende estar imune ao
CNJ. O CNJ decorreu de uma exigência da sociedade, inconformada com a
atuação das corregedorias dos tribunais.
Wálter Fanganiello Maierovitch
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