Peço desculpas aos leitores, por mais uma vez voltar antes da hora
na nossa trégua de ano novo, mas tem certas coisas que a gente lê no
jornal e não acredita que possa ser verdade. Podemos até pensar certas
bobagens, jamais dizê-las em público, ainda mais quando ocupamos um
cargo público.
É o caso das declarações de duas altas autoridades de São Paulo
publicadas neste primeiro dia útil de 2012, o ano que começa exatamente
como o outro terminou, com excelências achando que todo mundo é bobo e
aceita qualquer coisa.
Até parece que virou deboche, como já escrevi em
2011.
O Brasil inteiro viu as imagens do vexame que foi a implosão do
antigo Moinho Central, uma operação patrocinada pela prefeitura ao custo
de R$ 3,5 milhões e que utilizou 800 quilos de dinamite para derrubar
um prédio abandonado que pegou fogo no dia 22 de dezembro, prejudicando o
tráfego de duas linhas férreas.
Dos seis andares, apenas dois vieram ao chão. Duas torres altas
ficaram em pé. Em vez de vir a público para pedir desculpas, o prefeito
Gilberto Kassab achou tudo ótimo e deu "nota dez" ao trabalho. Explicou
que o resultado era o esperado e anunciou que o serviço estará
concluído em até 90 dias. Ah, bom...
Na mesma linha, o novo presidente do Tribunal de Justiça de São
Paulo, Ivan Ricardo Garisio Sartori, deu uma inacreditável entrevista ao
repórter Fausto Macedo, publicada pelo "Estadão" desta terça-feira, em
que defende os dois meses de férias dos meritíssimos magistrados como um
direito para "preservar a saúde mental do juiz".
E deu seus argumentos:
"Não considero privilégio porque acho que isso foi visto pelo
legislador, o legislador tem sempre uma razão, a lei tem sempre uma
razão de ser. Considero um direito que a lei previu, que vem em
benefício do cidadão e, possivelmente, a razão, a ratio legis, é a
sanidade mental do juíz".
Ratio legis? Como assim? Vem em benefício de que cidadão esta lei que
privilegia uma classe num país em que a presidente da República está
tirando só 10 dias de férias e o comum dos mortais tem direito a , no
máximo, 30 dias?
De mais a mais, se o legislador tivesse sempre razão e a lei fosse
imutável, ainda viveríamos no tempo da escravidão e as mulheres não
teriam direito a voto.
E que história é essa de precisar de 60 dias de
férias para garantir a saúde mental? Por acaso a presidente Dilma
trabalha menos do que um juíz e nós todos corremos o risco de
enlouquecer?
Garisio Sartori defende a tese, bastante em voga no Judiciário
nacional, de que todos os cidadãos são iguais perante a lei, claro, mas
alguns cidadãos, como ele, são mais iguais do que os outros.
Os
pasteleiros que se cuidem.
"Temos inúmeros problemas psicossociais de juízes. Transformaram a
função jurisicional numa função como outra qualquer, não é assim, soltar
processo como se solta pastel em pastelaria".
Por acaso o nobre Tribunal de Justiça de São Paulo já procurou saber
quantos motoristas de ônibus, lixeiros, médicos, jornalistas,
garimpeiros, professores, operários, garçons, policiais, pilotos e
pasteleiros _ quer dizer, todos aqueles que, com seus impostos, pagam os
salários dos magistrados _ sofrem de problemas psicossociais em função
do seu trabalho?
Assim dá para entender melhor porque o Tribunal de Justiça de São
Paulo é o que mais resiste às investigações da corregedora do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) e não pode nem ouvir falar na ministra Eliana
Calmon, autora da célebre frase:
"Sabe que dia eu vou inspecionar o Tribunal de Justiça de São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro".
Sai 2011, entra 2012, mas o prefeito Kassab "nota dez" e o
desembargador Sartori "direito adquirido" não nos deixam sonhar com dias
melhores.
Ainda bem que as excelências parlamentares continuam de férias. Para
eles, afinal, são três meses de recesso por ano. Está na lei.
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