A sociedade brasileira, em geral incentivada pela grande mídia, vive
momento de euforia pelo fato de o Brasil sediar dois dos maiores eventos
esportivos do planeta – a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de
2016. Há muitas expectativas e discursos segundo os quais esses
megaeventos trarão para as cidades sedes muitas vantagens como melhorias
da infraestrutura urbana, entrada de milhões de dólares trazidos pelos
turistas, geração de novos empregos, aumentos nas arrecadações públicas e
divulgação positiva do país em todo o mundo.
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Lei Geral da Copa: O povo brasileiro diz não
Os megaeventos esportivos ocorridos em outros países têm mostrado
que, por trás dos grandes espetáculos, das medalhas, das imagens que
emocionam e dos discursos dos legados trazidos, está o interesse do
grande capital na obtenção de elevados lucros em curto espaço de tempo
e, como consequência, ocorre violação generalizada dos direitos humanos.
Violações
Essa prática de violações contra os mais pobres tem ocorrido em todas
as cidades sedes dos megaeventos mundiais. Alguns exemplos: em Pequim,
cerca de 1,5 milhão de pessoas foram desalojadas de suas moradias; na
cidade do Cabo, 20 mil moradores de favelas foram transferidas para
alojamentos “microondas” ; em Barcelona, as pessoas sem teto foram
expulsas para fora da cidade durante os jogos; em Atenas, as comunidades
ciganas sofreram remoções; em Atlanta, os afroamericanos foram
desalojados e sem tetos indiciados; em Sydney, as comunidades aborígines
de áreas próximas aos sítios olímpicos foram desalojadas.
Na cidade do Rio de Janeiro, desde a preparação para os Jogos
Pan-Americanos de 2007, estendendo-se até hoje, a sucessão de governos
tem implementado operações “limpezas”, “tolerância zero” ou “choque de
ordem” para recolher e reprimir a população em situação de rua e
criminalizar e expulsar os moradores das comunidades pobres que vivem em
áreas valorizadas.
"O modelo de desenvolvimento econômico praticado no Brasil provocou acelerada urbanização da pobreza, incluiu o País entre as maiores economias mundiais, mas o tornou um dos países com maior desigualdade social" |
Essas ações, comuns nas cidades sedes dos megaeventos, fazem parte
dos planos estratégicos urbanos que são embasados na compreensão da
cidade como empresa, isto é, cidades eficientes para os investimentos
financeiros e seguras para os patrocinadores, onde a miséria e os
conflitos sociais não podem existir para não macular a embalagem do
produto que está à venda. Esses planos têm a lógica dos negócios, sempre
se sobrepondo aos direitos sociais da população. Promovem a expulsão
dos pobres ou “higienização” das áreas que terão grande visibilidade
durante os eventos, como condição necessária para estampar a “cidade
cartão postal”.
O modelo de desenvolvimento econômico praticado no Brasil –
concentrador de capital, terra, renda e poder e exploração da mão de
obra - provocou acelerada urbanização da pobreza, incluiu o País entre
as maiores economias mundiais, mas o tornou um dos países com maior
desigualdade social e com piores Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.
O que significa as megaobras e os megaeventos para o País com milhões
de pessoas em situação de extrema pobreza, sem acesso à saúde, educação,
moradia, saneamento, transportes, segurança pública.
Apropriação de recursos públicos
As megaobras no Brasil, tanto no mundo rural quanto no urbano, além
dos objetivos oficiais do desenvolvimento econômico que nem sempre são
alcançados, têm favorecido a apropriação de recursos públicos por parte
de grupos privados, práticas de corrupções em todas as suas etapas,
destruição da fauna e flora, desequilíbrios ecológicos, despejos
forçados de comunidades tradicionais, exploração de mão de obras,
precarização do trabalho e tantas outras violações da dignidade humana.
Os megaeventos representam hoje formas mais sofisticadas e maquiadas
para que o grande capital nacional ou internacional tenha novos polos
seguros para os seus investimentos por meio de grandes obras de
reestruturação urbana. Às vezes há fatos novos, mas o processo é o mesmo
de sempre, isto é, a concentração da riqueza com base na exploração da
mão de obra, apropriação máxima da renda da terra e o interesse privado
sobrepondo ao interesse público e as necessidades sociais. As greves dos
trabalhadores que estão construindo os estádios do Maracanã e Mineirão,
ocorridos em 2011, entre outras, foram motivadas por falta de condições
básicas de trabalho como a segurança e salubridade, alimentação
estragada, baixo salários, jornada de trabalho desumano, pagamentos das
horas extras e concessão de benefícios já previstos nos acordos de
trabalho.
Despejos forçados
As obras de infraestrutura, como estacionamentos próximos aos
estádios e ampliação das vias para locomoção, já em andamento em 2011,
têm causado muitos despejos forçados de famílias que estão com as vidas
estruturadas nesses locais. Elas são desalojadas sem que tenham solução
habitacional adequada. Previsões bastante realista que calculam que
cerca de 150 mil famílias de baixa renda serão removidas nas doze
cidades sedes da copa 2014.
Na verdade, centenas de remoções que já vêm ocorrendo utilizam dos
momentos dos megaeventos para expulsar as populações de baixa renda que
vivem em áreas valorizadas para que o setor imobiliário se apropriem da
valorização fundiária. Para isso, conta ainda com parcerias dos
diferentes níveis e instâncias públicas.
Como são operações bastante complexas, os patrocinadores trabalham
com várias estratégias, dentre as quais destacamos: grande investimento
na construção de significados simbólicos e patrióticos para que a
população brasileira seja apenas um torcedor eufórico, alienado e
descomprometido com os problemas sociais que sucumbem o país; as obras
dos megaeventos devem ser tratadas como obras emergenciais que não
necessitam cumprir todas as exigências legais.
Custos
O estudo do Tribunal de Contas da União (TCU), em janeiro de 2011,
previa que a realização da Copa de 2014 custaria R$ 23 bilhões com
construções e reformas de estádios, ampliação de aeroportos e mobilidade
urbana, sendo que, desse montante, 98,56% seriam de recursos públicos.
Logicamente, esta previsão deve ser superada em muito quando da
concretização das obras. A previsão não contém as isenções,
contribuições e despesas de segurança que serão feitas pelos municípios e
estados.
Imaginem se a relação do custo final com o custo previsto for o mesmo
que ocorreu com os Jogos Pan-Americano de 2007 do Rio de Janeiro, que
previam gasto de R$ 350 milhões, mas custaram R$ 3,9 bilhões. A Grécia e
o seu povo sabem muito bem o que é pagar as conseqüências do déficit
nos cofre públicos deixado pelos Jogos Olímpicos de 2004.
"A Grécia e o seu povo sabem muito bem o que é pagar as conseqüências do déficit nos cofre públicos deixado pelos Jogos Olímpicos de 2004" |
Grande parte desses recursos é para obras de estádios públicos ou
privados, mas que após a Copa do Mundo será de uso de agremiações
particulares e subutilizadas. Vários estádios custarão para os cofres
públicos mais de um bilhão de reais, cujo valor é superior aos
orçamentos da área social das cidades sedes, para receberem apenas cinco
jogos insignificantes para seus moradores. Os estádios poderiam ser
adequados às necessidades sociais e esportivas das cidades a custos bem
menores.
Instituições privadas
A Fifa (Federação Internacional de Futebol Associados) e COI
(Confederação Olímpica Internacional), responsáveis pela Copa do Mundo e
Jogos Olímpicos, são instituições privadas, com muitas comprovações de
corrupções, e que com a Lei da Copa e contratos submete os países sedes
em territórios sob sua dominação desrespeitando a cultura, as
legislações, os poderes instituídos e seus interesses tornam interesses
públicos. Tudo isso para assegurar os altíssimos lucros aos grupos
envolvidos.
É um momento que exige de todos os cidadãos estado de alerta para que
não sejam instrumentalizados pela euforia patriótica esportiva. São
necessárias mobilizações e ações concretas para fiscalizar, denunciar e
impedir que mais uma vez as vantagens de uma minoria signifiquem mais
segregação urbana, exclusão social e violações de direitos.
Para dificultar as resistências populares, as prefeituras das cidades
sedes têm apresentado mapas e planos com pouca precisão sobre locais e
pessoas que serão atingidas com as intervenções. A prática da
criminalização das lutas sociais é outro artifício para enfraquecer
qualquer resistência. Os gestores públicos das cidades sedes, muitos
deles vinculados com o setor da construção civil, têm utilizado desse
momento eufórico, de forma articulada com setor do Judiciário, para
realizar remoções arbitrárias de comunidades, principalmente aquelas
mais vulneráveis por não possuírem a posse da terra regularizada.
Os movimentos sociais e instituições de direitos humanos têm denunciado cotidianamente práticas de barbaridade com a população em situação de rua, repressão aos trabalhadores ambulantes, violências policiais nos despejos, criminalização dos movimentos sociais, enfraquecimento de grupos do Judiciário e outras ações para assegurar os objetivos dos patrocinadores.
Outro ponto que devemos estar atentos neste momento é a questão da prostituição infantil, pois o Brasil tem sido uma das rotas dessa prática.
A sociedade tem o dever de participar de todas as discussões e o
direito de intervir nos megaeventos, porque serão realizados com
recursos públicos, são intervenções urbanas de interesse de todos os
munícipes. O que está em jogo na prática é que todo este processo para a
realização dos megaeventos pode gerar ainda mais injustiça social.
Luiz Kohara é membro do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e pesquisador FAUUSP/Fapesp
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