Ricardo Kotscho
O que diriam agora o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, o governador Geraldo Alckmin e o coronel Carlos Mello, comandante da PM na operação Pinheirinho, à mulher magra olhando para o vazio, deitada ao lado de crianças no chão da igreja do bairro Campo dos Alemães, que está na primeira página da Folha desta terça-feira?
O que diriam agora o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, o governador Geraldo Alckmin e o coronel Carlos Mello, comandante da PM na operação Pinheirinho, à mulher magra olhando para o vazio, deitada ao lado de crianças no chão da igreja do bairro Campo dos Alemães, que está na primeira página da Folha desta terça-feira?
É impossível não ficar penalizado ao ver a fotografia de Marlene
Bergamo, que conta de forma dramática a história da reintegração de
posse de um terreno de 1,3 milhão de metros quadrados onde moravam 6 mil
pessoas, no último domingo, em São José dos Campos.
Se a PM transformou a área numa "praça de guerra", como acusou o
ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, agora as
imagens das famílias vivendo em condições subhumanas e degradantes
mostram cenas dignas de campos de refugiados. Ou será só por uma ironia
da vida que o local é conhecido como Campo dos Alemães?
Cercadas por 300 PMs, 1.500 pessoas dormiam nos bancos ou no chão da
igreja que tem o nome bem apropriado de Nossa Senhora do Socorro,
rodeadas por seus parcos pertences, sem saber para onde irão na hora das
missas. A comida vem de doações, os banheiros não têm chuveiro e há
apenas oito vasos sanitários para todos.
A reportagem da "Folha" contou ao menos três doentes com pneumonia
entre as 2.500 pessoas jogadas em colchões num pátio de esportes da
Escola Dom Pedro de Alcântara, onde "crianças brincavam em meio a restos
de comida e a fezes de pombos".
Os desabrigados ganharam pulseirinhas coloridas distribuídas para
identificar quem pode entrar nos abrigos, o que deixou muitos deles
revoltados por entenderem que se trata de uma forma de discriminá-los.
O sentimento é resumido pelo catador de sucata Rogério Mendes
Furtado, de 28 anos: "É como se fosse uma coleira que nos colocaram para
nos identificar quando andamos na rua. Vizinhos nos chamam de cachorros
do governo".
Será que os assessores das autoridades que determinaram a invasão do
Pinheirinho não nos fariam o favor de levar às excelências esta
reportagem que deixa indignado qualquer cidadão com um mínimo de
sensibilidade e amor ao próximo?
De nada adianta agora o governador Alckmin dizer que só acionou a
Polícia Militar para cumprir uma ordem judicial. A mesma edição do
jornal informa que Alckmin tomou a decisão na sexta-feira e só no dia
seguinte recebeu o pedido de reintegração de posse emitido pelo Tribunal
de Justiça de São Paulo.
Também as críticas à operação policial feitas por Carvalho e outros
ministros do governo Dilma agora de nada adiantam para as famílias
desabrigadas. Por que não tomaram nenhuma providência concreta antes,
além de participar de reuniões de negociação entre a corda e o
enforcado?
Para que serve, afinal, o Ministério das Cidades, além de fazer
licitações suspeitas? Por que o governo federal não tomou a iniciativa,
antes da chegada da PM de Alckmin, de desapropriar e urbanizar a área
ocupada há oito anos, hoje avaliada em R$ 18o milhões de reais? Em
tantos encontros que tiveram no ano passado, Dilma e Alckmin não
poderiam ter encontrado uma solução conjunta para o Pinheirinho?
E por que a Advocacia Geral da União não procurou regularizar a posse
dos terrenos antes da decisão da Justiça paulista de devolver o terreno
à massa falida do especulador Nagi Nahas?
São muitas as perguntas que ficam depois deste trágico confronto que
virou notícia em todo o mundo. Por que, por exemplo, o governo do Estado
e a Prefeitura de São José dos Campos, ambos por acaso sob o comando de
tucanos, não cadastraram as famílias antes da invasão policial e
providenciaram locais decentes para levá-las?
Agora é tarde para ficar discutindo a responsabilidade de cada um. O
mal está feito. Não adianta um ficar culpando o outro e continuar
repetindo que "ordem da Justiça não se discute, cumpre-se". Muito
bonito, e daí?
Sim, e se a ordem for para desocupar um hospital infantil que está
com os impostos municipais atrasados? Cumpre-se também, com cassetetes,
balas de borracha e bombas de gás pimenta durante a madrugada, como
aconteceu no Pinheirinho, aos gritos de "levanta, vagabundo"?
A democracia brasileira evoluiu em muitos campos e, quando pensamos
que hoje vivemos num país minimamente civilizado, volta o "modus
operandi" da ditadura, quando primeiro se prendia e se batia para depois
pedir documentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário