Por LEONARDO CALDERONI E PEDRO CHARBEL*
Tem-se dito pelos que defendem o convênio entre a USP e a PM que não se pode tratar a Cidade Universitária como algo que está fora da cidade de São Paulo.
A própria reitoria tem feito discursos nesse sentido.
E é verdade: a USP faz parte do território paulistano, paulista e brasileiro, mesmo sendo uma autarquia.
Ter autonomia, afinal, não é o mesmo que ter soberania.
Agora, se a Cidade Universitária está sujeita a todas as leis
municipais, estaduais e nacionais e deve ser tratada como qualquer outra
parte do território, por que ela se fecha – material e intelectualmente
– ao resto da sociedade?
Por que a mesma reitoria que agora afirma a não-soberania da USP teve
o poder, há alguns anos, de vetar a construção de uma estação de metrô
dentro do campus?
Por que em uma universidade pública, financiada pela sociedade, esta
mesma não pode usufruir de seus espaços livremente sem uma carteirinha?
A USP virou uma terra de autonomia seletiva.
Na hora em que convém a determinados interesses, há sim bastante
autonomia para afastar a “gente diferenciada” que viria de metrô para
dentro dos muros da universidade.
Mas na hora em que não interessa, a autonomia some e o “campus é parte da cidade”.
O discurso da segurança serve ora para defender o segregacionismo, ora para defender a integração.
Aparentemente estamos condenados a sermos eternos reféns das “razões de segurança”.
Seria realmente desejável que os que defendem a integração da Cidade Universitária nesse caso, fizessem-no em tudo mais.
Isso porque a Cidade Universitária não deixará de ser uma “ilha” por causa de um convênio com a PM.
Deixará de sê-lo no dia em que não for hostil aos que “não possuem carteirinha”.
Deixará de sê-lo quando a comunidade São Remo, ao lado da USP, deixar
de ser vista como antro de criminalidade ou fonte de mão de obra para
os serviços terceirizados da universidade; e passar a ser vista como uma
comunidade que detém o direito sobre aquele espaço assim como qualquer
outro cidadão, afinal não é a Cidade Universitária um espaço como
qualquer outro dentro da cidade de São Paulo?
Acima de tudo, a USP deixará de ser uma “ilha” quando realmente for
uma universidade pública, na qual toda a sociedade possa usufruir do seu
espaço e o conhecimento lá produzido não atenda apenas às demandas do
capital privado – o que é legítimo, mas de modo algum suficiente.
O papel da universidade deve superar o Ensino e a Pesquisa.
É necessário que haja Extensão, isto é, que se trave um diálogo
horizontal entre o conhecimento universitário e o restante da sociedade,
em um processo que traga a sociedade para dentro da universidade, e
vice-versa, tanto física quanto intelectualmente.
Mais do que uma questão de espaço e jurisdição, está em debate, portanto, o caráter público da USP.
É preciso desvincular as discussões recentes de casos pontuais e associá-las a algo muito maior.
No limite, a principal discussão não deve ser o convênio entre USP e
PM em si, mas a maneira como este se deu e como são tomadas todas as
decisões relevantes da política universitária, dentre as quais este
convênio é só mais uma.
Ao contrário do que afirma a reitoria, esse convênio não foi decidido
por uma “ampla maioria”, simplesmente porque nenhuma decisão importante
na USP é tomada de maneira democrática.
Novamente reina a autonomia seletiva: a universidade não está acima
da lei quando se trata de polícia, mas segue desrespeitanto
determinações de leis federais, como a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, no que tange aos seus processos deliberativos.
Não à toa, a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da
Capital instaurou, nesse ano, um processo para apurar irregularidades na
eleição da reitoria e na disposição dos assentos dos docentes em órgãos
colegiados constituintes do colégio eleitoral.
Se o convênio USP-PM encontra suas justificativas no factual problema
da segurança, a maneira como ele foi firmado já o invalida por
completo.
É a mesma maneira pela qual se permite que processos administrativos sejam usados como forma de repressão e controle político.
Advêm da mesma estrutura as iniciativas que ilham o Ensino e a
Pesquisa desenvolvidos dentro da USP, na qual os cursos pagos e os
convênios com grandes empresas são as únicas formas de diálogo com a
sociedade.
Recentemente, a Congregação da Faculdade de Direito da USP declarou o reitor João Grandino Rodas “persona non grata”.
Reconhecer os problemas da gestão Rodas é, sem dúvida, um passo importante.
É fundamental, todavia, entendermos que o reitor que está sob
investigação do Ministério Público encontrou na estrutura da própria
universidade as possibilidades para assim atuar.
Mais do que uma “persona non grata”, há na USP toda uma “estrutura non grata”.
E no caso da Cidade Universitária, além da estrutura decisória, também a estrutura física precisa ser rearquitetada.
Quando o diálogo não for mais uma promessa vazia e a democracia uma
propaganda enganosa, aí sim a USP poderá deixar seus dias de ilha e
autonomia seletiva para trás.
A USP não deve mais ser um enorme terreno desértico, hostil e sem
iluminação; assim como deve se afirmar enquanto universidade pública a
serviço da comunidade.
A universidade deve ser permeável à sociedade em sua totalidade, não
só no que diz respeito à polícia – cuja atuação e estrutura devem ser
questionadas dentro e fora do campus.
Só assim, a Cidade Universitária será um lugar muito mais seguro e,
principalmente, muito mais útil à cidade que a abriga e aos cidadãos que
a sustentam.
*Leonardo Borges Calderoni e Pedro Ferraracio Charbel são estudantes de Relações Internacionais da USP.
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