Longe de esgotar o tema, o trabalho ora publicado analisa as mais
variadas nuances do assédio moral praticado diariamente nos intramuros
do Poder Judiciário em todas as suas instâncias. Conhecemos o problema
porquê o sentimos na pele , embora por vezes tenhamos dificuldades até
mesmo para identificá-lo, tão banal se tornou.
O
trabalho que segue, por seu caráter, deve ser lido por todos os
servidores. É longo, denso e carece atenção. É possível, se assimilado,
venha trazer algumas luzes à nossa realidade funcional cotidiana,
ajudando-nos a tomar posição contra essa prática odiosa, em relação à
qual devemos aprender a agir de forma mais dura e efetiva.
Assédio moral aos servidores públicos do Poder Judiciário.
Contornos de uma relação jurídica delicada
Servidora do Ministério Público do Rio Grande do Norte. Graduada em
Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Especializanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade
Anhanguera- UNIDERP/LFG.
Sabe-se que o fenômeno do
assédio moral no Brasil inserto no serviço público, em especial no
Poder Judiciário, não é um fato isolado nem recente. Há muito já se
discute sobre sua incidência, inclusive, daquele escondido sob o manto
das instituições judiciárias.
RESUMO:
Este trabalho científico analisa o fenômeno do assédio
moral aos servidores públicos dentro do Poder Judiciário, partindo de uma
análise cronológica sobre o assédio moral na Administração Pública, desde
a sua origem até os dias atuais. O resultado deste trabalho mostra que não há
uma legislação específica a ser posta em relação aos fatos aqui analisados,
gerando grande insegurança e dúvidas da eficácia de qualquer medida paliativa
a ser imposta. Ao decorrer do trabalho é notório o resultado e quão
incidentes são os acessos de assédio moral, e como se dão de forma clara em
todos os setores do Poder Judiciário, sejam nas instâncias inferiores às mais
altas. Pretendemos expor os fatos e mostrar os seus efeitos, e como esses
efeitos podem prejudicar os jurisdicionados, tanto quanto os sujeitos
partícipes da relação jurídica delicada.
1. Introdução
A depressão, durante o século passado, foi considerada por
muitos cientistas e pesquisadores, como o grande mal do século XX.
Hodiernamente, muito se discute a respeito do que seria classificado como a
chaga maior do novo milênio. Com efeito, ousa-se dizer que o mal ainda se
repete, agora, desnudado em suas mais diversas variantes.
A depressão do novo milênio não é mais aquela produzida
pelas paredes frias e sombrias de um quarto escuro qualquer. A depressão
moderna atravessou a rua, até chegar a um mar bravio nunca antes navegado: o
meio ambiente do trabalho, advinda de ações desencadeadas pelo fenômeno
jurídico denominado por assédio moral.
Em tempo, atualmente, diversos casos de assédio moral se
verificam presentes no seio laboral, vitimando centenas, quiçá, milhares de
trabalhadores no mundo inteiro. O século XXI trouxe o acirramento das
concorrências, do mercantilismo social, do confinamento. O trabalhador não é
mais o mesmo de tempos atrás, o seu habitat e o seu "senhorio"
também não são mais os mesmos.
O universo jurisdicional também acompanhou as mais diversas
mudanças sociais, físicas e estruturais do capitalismo. Todavia, esse sistema
econômico, hoje considerado por muitos como falido, trouxe conseqüências
desastrosas às relações de trabalho, e, por conseqüência, às relações
entre o Estado e seus servidores públicos.
Por conseguinte, o homem vem sendo tratado como mais um dos
produtos do sistema e não o contrário. Neste entendimento, se asseverou o
atingimento irreal de metas, o cumprimento de absurdas tarefas, a sobreposição
do número ao elemento humano.
A agressão esporádica do empregador ao seu subordinado aos
poucos se tornou contínua, habitual e contumaz. O assédio moral se fez carne,
saindo do métier comercial e instalando-se nos diversos setores
burocráticos do Estado. E foi mais longe, chegou e hoje também se encontra
presente nos corredores do Judiciário.
Este trabalho analisa de forma singular a nua e perversa face
do assédio moral dentro das instituições públicas judiciais. Um universo
pouco explorado por livros e pouco discutido. Porém, presente na realidade das
mais diversas instituições públicas, com um viés delicado e controverso ao
ser escancarado dentro do Poder mais coercitivo e fechado em suas arestas, o
Poder Judiciário.
2. Aspectos históricos do assédio moral
A História recente do país trouxe à baila a perversa face
do assédio moral, através do estudo científico de mestrado realizado pela
pesquisadora e médica do trabalho Margarida Barreto. O trabalho da pesquisadora
foi produto da tese de mestrado em Psicologia Social realizado no ano de 2000,
na Pontifícia Universidade Católica, em São Paulo.
A inovação do tema gerou diversos artigos e ainda no ano
2000, uma matéria da colunista Mônica Bergamo, publicada no jornal Folha de
São Paulo, inaugurou as discussões sobre o novel tema: assédio moral no
ambiente de trabalho.
Dentro da atmosfera laboral, o estudo sobre o assédio moral
foi introduzido por diversos pesquisadores. No âmbito do assédio moral na
Administração Pública, merece destaque, o livro Assédio Moral em face do
Servidor Público, da autora Lilian Ramos Batalha, que principiou o conhecimento
do fenômeno dentro das esferas públicas administrativas.
No Brasil collorido do ano de 1989, o fenômeno do
assédio moral ganhava ares estatutários, destacando-se as medidas tomadas pelo
então presidente: Fernando Collor de Melo. A esse respeito, a autora afirma
que:
"No Brasil, situa-se o conhecimento da matéria a partir do fenômeno nefasto personificado no pseudocaçador de marajás, capitaneado por Fernando Collor, que levou milhares de servidores públicos à disponibilidade, ato para o qual o critério eleito foi o de banir os indesejáveis, o que, por si só, reflete em uma absoluta falta de critério, configurando-se aquela prática como a primeira manifestação em massa do chamado mobbing de Estado no Brasil." (BATALHA, 2009, p. 2)
Dentre estas medidas, destacaram-se: disponibilidades
forçadas a servidores públicos federais e redistribuições. Segundo a autora,
estas medidas foram parte de um pacote de ações orquestradas pelo governo Collor
que inauguraram o fenômeno do assédio moral na Administração Pública
brasileira.
3. O Assédio moral dentro das arestas do serviço público (Poder Judiciário)
Envolto a uma série de especificidades e peculiaridades, o
fenômeno do assédio moral inserto na iniciativa privada, ganha enorme
diferença ante as relações estatuárias desenvoltas aos servidores públicos.
Vê-se que, de um lado, nas relações privadas, têm-se a
subordinação jurídica dos empregados, a indeterminação do prazo do contrato
de trabalho, os princípios da continuidade do serviço, da proteção integral,
da primazia da realidade, dentre outros que norteiam e disciplinam as relações
jurídicas celetistas.
No entanto, ainda que os servidores públicos não possuam
todas as características essenciais de um empregado celetista regular, não se
pode olvidar que detêm alguns traços que os diferenciam dos demais
trabalhadores da iniciativa privada.
É salutar frisar que ainda existem, no Brasil, servidores
públicos admitidos sob o regime celetista, haja vista a emenda constitucional
19/98 que aboliu a previsão do artigo 39 da Constituição Federal de 1988-
CF/88, que estabelecia o sistema do regime jurídico único. Na oportunidade, a
União, os estados, o Distrito Federal e os municípios tiveram a possibilidade
de utilizar mais de um regime jurídico.
O professor José dos Santos Carvalho Filho (2008, p.547)
ilustra bem esta disposição asseverando que:
"Desse modo, tornou-se possível, por exemplo, que um estado tenha um grupo de servidores estatutários e outro de servidores trabalhistas, desde que, é claro, seja a organização funcional estabelecida em lei. O mesmo foi permitido para as demais pessoas federativas. Aliás, a própria União Federal, como já vimos, tem a previsão de servidores estatutários (Lei nº 8.112/90) e de servidores trabalhistas (Lei nº 9.962/2000 e legislação trabalhista)."
Cabe ressaltar, porém, que o Supremo Tribunal Federal julgou
a ADin 2135-4, em sede de liminar, restabelecendo-se a redação original do
artigo, ao qual voltou a dispor sobre a obrigatoriedade do regime jurídico
único para os servidores da administração pública direta, das autarquias e
das fundações públicas.
Nesta ótica, embora com a possibilidade da convivência dos
dois regimes: celetista e estatutário, este último se revela bem mais rígido
em relação aos deveres do servidor. Princípios como a continuidade do
serviço público, bem como o da supremacia do interesse público sobre o
privado acabam por tolher as possibilidades de reação do servidor quando este
se torna vítima de um assédio moral.
Ademais, outras ações como: distribuição de funções
comissionadas e a mitigação da estabilidade com a inclusão da avaliação
periódica de desempenho são fatores que acabam eternizando o silêncio, já
que os assediadores se utilizam destas armas, para ameaçar e perpetuar suas
ações.
Para ilustrar este entendimento, alguns princípios
administrativos são utilizados para corroborar a dificuldade em se caracterizar
e punir os feitores desta prática dentro das esferas públicas. Com efeito,
cite-se o princípio que rege como corolário de todos os atos da
Administração Pública: o princípio da supremacia do interesse público sobre
o privado.
4. Do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado
No exercício de suas atribuições, a Administração
Pública possui diversas prerrogativas, sem as quais não poderiam atuar no
exercício do múnus público.
Reza a disciplina do Direito Administrativo que para o
exercício regular da máquina administrativa, só é possível e permitido se
fazer o que está disciplinado em lei. Em respeito ao princípio constitucional
da legalidade, também disposto no rol dos princípios da administração
pública, insertos no artigo 37 da Magna Carta; restando, em contrapartida, ao
particular, a liberdade de se fazer tudo aquilo que não seja legalmente
proibido.
Com isso, a responsabilidade do Estado tornou-se muito mais
complexa e necessária em face da relacionada ao particular; pois, ao primeiro,
cabe assegurar a escorreita administração da tutela do interesse público,
este, sempre alçado ao patamar superior frente a qualquer interesse privado.
Sobre esta supremacia do Estado, também assevera
brilhantemente o professor José dos Santos Carvalho Filho (2008, p.26):
"Não é o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas sim o grupo social num todo. Saindo da era do individualismo exacerbado, o Estado passou-se a caracterizar-se como Welfare State (Estado /bem estar), dedicado a atender ao interesse público. Logicamente, as relações sociais vão ensejar, em determinados momentos, um conflito entre o interesse público e o interesse privado, mas, ocorrendo esse conflito, há de prevalecer o interesse público".
Sabe-se, contudo, que mesmo ao Estado, se impõem limites. Em
consonância a princípios constitucionais e administrativos, um destes limites
refere-se à possibilidade do particular rescindir o contrato realizado com a
administração, sob a ocorrência de fatos alheios à sua vontade, como por
exemplo, o aumento desarrazoado de uma prestação do contrato administrativo
que não possa mais ser suportado pelo particular.
Nesse mister, há que se buscar a mediação entre os
diversos agentes, visto que a soberania do primado do interesse público em face
do privado não deve ser levado às últimas consequências. Ressalte-se, ainda,
que por carecer de limites objetivos, a primazia do interesse coletivo deve
respeitar os limites constitucionais individuais. Tais limites constitucionais
individuais são tutelados por princípios. Nesse diapasão, cite-se como grande
sustentáculo dos demais: o princípio da dignidade humana.
Sabe-se que, em nome da soberania do Estado e do primado do
interesse público (no qual se norteia toda a administração pública,
emanando-se seus efeitos aos demais poderes), muitas ações duvidosas estão
sendo levadas a efeito. É sutil o limiar entre se considerar o macro frente ao
mínimo, no entanto, princípios que fundamentam o nosso arcabouço
constitucional-ideológico, jamais podem ser olvidados, sob pena de se
privilegiarem coisas, acima de pessoas.
5. A subordinação hierárquica
O assédio moral ou intramuros no âmbito do serviço
público, em especial no Poder Judiciário,possui a delicadeza de ser
anônimo e quase invisível aos olhos de um observador mais acurado.
Isso não se dá por acaso, afinal seus agentes possuem
intensa formação científica, acadêmica e jurídica para entenderem o quão
de criminoso possuem com tais atitudes.
Quando submetido às relações de subjugação, exploração
ou utilização de forças superiores que possam caracterizar e subsidiar uma
reclamação trabalhista em torno de assédio moral, o obreiro celetista tem em
suas mãos a ferramenta de poder exigir o cumprimento do art. 483 do Diploma
Consolidado Trabalhista, a saber, a utilização da rescisão injusta indireta.
Esta ferramenta não se faz presente na realidade do serviço
público, nem aparece adaptada às suas regras pertinentes. O que também torna
delicada a relação entre servidores públicos e sua chefia imediata é o fato
de que esta relação de trabalho não possui a proteção integral da lei, ou
seja, os servidores públicos não são considerados hipossuficientes, como
asseveram os protetivos dispositivos contidos na Consolidação das Leis do
Trabalho- CLT.
Os servidores públicos do Poder Judiciário têm, ainda,
mais diferenças. Embora advindos de concurso público, excetuados os ocupantes
de cargo de livre nomeação e exoneração, os servidores possuem estrita
relação de subordinação não apenas hierárquica com seus chefes (juízes,
desembargadores ou ministros), possuem subordinação funcional e na maioria das
vezes, intelectual. Explica-se, pelo fato de seus imediatos serem agentes
políticos e não somente agentes administrativos, como assim são os seus
subordinados. Os agentes políticos atuam na sociedade de forma indiscutível e
possuem superior destaque face aos princípios constitucionais.
Bem assevera o grande doutrinador José dos Santos Carvalho
Filho (2008, p. 532) ao afirmar que:
"Agentes políticos são aqueles aos quais incumbe a execução das diretrizes traçadas pelo Poder Público. São estes agentes que desenham os destinos fundamentais do Estado e que criam as estratégias políticas por eles consideradas necessárias e convenientes para que o Estado atinja os seus fins."
Ademais, por estarem imbuídos deste papel institucional, os
membros gozam de garantias constitucionais peculiares ao seu mister, quais
sejam: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios,
conforme asseveram os termos do artigo 95 da Constituição Federal de 1988.
Diante de tais prerrogativas, qualquer exercício de
independência ou autonomia originário de um subordinado diante da ocorrência
de atos de assédio moral, torna-se como uma afronta à sua superioridade e é
classificado como uma espécie de insubordinação. Como argumentar e exigir o
cumprimento de direitos com um assediador que diariamente julga casos (vidas),
alguns, até mesmo, com idêntico pedido e causa de pedir do assédio moral
sofrido pelo servidor (vítima).
Com efeito, a subordinação hierárquica também pesa quando
a vítima tenta promover uma denúncia relativa à situação de horrores das
quais está sendo vítima. Não obstante, alguns colegas do magistrado sob
suspeita, diminuem ou mesmo desconsideram as alegações da vítima, sob o
argumento de que suas funções institucionais lhe dão fundamento para agir ao
seu livre alvedrio, sem tolhimento de possíveis ações sancionatórias
impostas aos seus colaboradores (servidores). Argumentam ainda, que tampouco se
submetem à prestação de contas no âmbito de suas secretarias ou gabinetes,
haja vista que o papel fiscalizatório e correicional dos órgãos superiores a
que estão vinculados (leia-se Conselho Nacional de Justiça), se subsumem
basicamente à estrita observância do controle da atuação administrativa e
financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos
juízes, cabendo-lhes, além de outras atribuições, as que lhe forem
conferidas pelo Estatuto da Magistratura.
Por fim, é necessário frisar que o sistema judiciário
atual corrobora para a chamada desconsideração ou mitigação dos direitos dos
servidores, dando margem a situações de assédio, pois coloca dois sujeitos
(magistrado e servidor público), regidos por regimes diferentes (com direitos,
deveres e punições diferentes), trabalhando lado a lado, em busca de um
resultado comum: a excelência de resultados. Em algum momento, essas
diferenças vêm à tona. E nessa hora a violência moral torna-se uma realidade
do cotidiano.
Reconhecer a existência do assédio moral dentro das
instituições judiciárias é o primeiro passo em busca da concretização
desta excelência, pois não há como trabalhar dignamente, se não se tem um
bom ambiente e mínimas condições de trabalho, e nisso incluem-se o respeito e
o reconhecimento pelo legislador do fenômeno do assédio moral.
6. A estabilidade
Durante muitos anos, o servidor público foi visto como um
trabalhador privilegiado. Parte desta visão da população deve-se ao fato de
que os servidores públicos possuem o direito à estabilidade, conforme assevera
o artigo 41 da Carta Magna : "São estáveis após três anos de efetivo
exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de
concurso público." O dispositivo assevera, ainda, que o servidor só
pode ser demitido em hipóteses restritas.
Ademais, as relações de trabalho que envolvem servidores
públicos colacionam características bem singulares. A primeira, já conhecida,
é a presença da estabilidade - conseguida após o cumprimento do estágio
probatório e da conseqüente avaliação especial com finalidade específica,
após o cumprimento do lapso temporal de 3 (três) anos. A segunda
característica, não menos complexa, é a subordinação jurídico-hierárquica
entre um agente político (magistrado/desembargador/ministro) e um agente
administrativo (servidor público).
Sabe-se que o fenômeno do assédio moral no Brasil inserto
no serviço público, em especial no Poder Judiciário, não é um fato isolado
nem recente. Há muito já se discute sobre sua incidência, inclusive, daquele
escondido sob o manto das instituições judiciárias. Segue abaixo, trecho do
artigo "O assédio moral no âmbito da administração pública".
Destaque-se a parte final do ilustrado artigo, na qual a autora menciona trechos
do artigo: Assédio moral apressa pedido de demissão, escrito por Luciano
Grüdtner Buratto, o qual relata que os profissionais com estabilidade, como,
por exemplo, os servidores públicos, atualmente são um dos principais alvos do
assédio moral:
A partir de então, vêm saindo reportagens em todos os meios de comunicação de circulação nacional abordando a exposição dos (as) servidores (as) públicos (as) a constrangimentos no exercício oficial de seu cargo ou função pública. Nos jornais, a primeira matéria saiu na Folha de São Paulo, em 25.11.2000, na coluna de Mônica Bérgamo: "[...] trabalho que não será utilizado está cometendo psicoterror, ou assédio moral"; depois, mais um artigo na Folha de São Paulo, como numa das edições de junho de 2001, denominado: Assédio moral apressa pedido de demissão, escrito por Luciano Grüdtner Buratto, para cujo Free-lance: "o maior alvo é quem tem estabilidade", conforme podemos verificar alguns dos parágrafos dessa matéria, verbo ad verbum : "Foi-se o tempo do chefe grosseiro. Hoje o mercado oferece uma variedade de métodos mais sutis para quem quer demonstrar poder ou apressar o pedido de demissão de algum funcionário.
[...] Um dos principais alvos de assédio moral são os profissionais com estabilidade, como diretores de sindicato e servidorespúblicos. Para eles o terror é mais prolongado devido a dificuldade de demiti-los. A estratégia usada é tentar vencê-los pelo cansaço (grifos nossos)
O que não se sabia, ou pelo menos, não se desconfiava, era
o fato de haver determinadas pessoas que pudessem estar mais suscetíveis, ou
mesmo, fossem o alvo preferencial de ações de assédio moral. Em tempo, os
servidores públicos. O texto acima é bem claro ao afirmar que esta classe é
um dos focos buscados pelo assediador.
Não obstante a impossibilidade de promoção direta da
demissão, pela garantia da estabilidade, alguns servidores são submetidos a
forçoso e prolongado sofrimento e são vítimas de intensas sessões de "psicoterror".
Algumas dessas medidas assediadoras são acobertadas pelo
manto da exigência do cumprimento do princípio da eficiência, largamente
asseverado nas instituições públicas, e, com efeito, o Poder Judiciário
também lhe deve cumprimento.
Porém, são impostas grandes metas (ou metas inalcançáveis)
ou exige-se o zeramento de pendências administrativas (das quais o desfecho
independe do servidor). Até aí, não haveria o que se falar em contrário.
Contudo, muitos magistrados erram na medida e lançam mão do
perigoso instrumento da intimidação, com seu poder disciplinar e hierárquico
trazido por sua peculiar função. Esta intimidação provoca medo e angústia
aos expectadores do ambiente de trabalho. Servidores públicos ou não. Ademais,
o pavor não se resume apenas ao servidor (alvo da violência), mas acomete a
todo o ambiente organizacional, restando-o prejudicado. Afinal, se hoje eles
são vítimas, amanhã, os demais colegas também poderão ser.
Desta situação, indubitavelmente se originam incontáveis
licenças médicas, para tratamentos psíquicos ou físicos, desencadeados pelas
habituais ações assediadoras. É uma relação de causa e efeito. Não há
como se considerar isoladamente uma ação de assédio moral e o desencadeamento
desta para todo o serviço público. Quando um servidor público falta ao
serviço por licença-médica, o Estado paga duas vezes. Paga pelo prejuízo ao
serviço, cuja ausência do servidor colabora para o andamento mais lento dos
trabalhos e paga à vítima, que, por direito, tem seus dias de falta abonados.
7. A exoneração por avaliação periódica de desempenho- Um delicado instrumento
É sabido que os servidores públicos federais adentram as
esferas estatutárias, por intermédio da aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para
cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Este
direito foi constitucionalmente assegurado por intermédio do artigo 37, inciso
II da atual Carta Política.
O referido artigo traz ainda em seu bojo outras garantias
constitucionais destinadas aos servidores públicos, as quais se destacam: a
possibilidade de uso do direito de greve, a destinação das atribuições de
direção, chefia e assessoramento, às funções de confiança exercidas
exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e a exigência que
certos cargos em comissão, sejam preenchidos por servidores de carreira nos
casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei.
Com efeito, a Constituição Federal traz dois institutos de
avaliação de desempenho sobre os servidores públicos federais. O primeiro é
a avaliação especial de desempenho. A exigência deste instituto se faz
obrigatória para a aquisição da estabilidade, tendo natureza obrigatória,
sendo realizada por comissão especial instituída para esta finalidade, com
fulcro no artigo 41, § 4º da CF/88. O segundo instituto é a avaliação
periódica de desempenho.
Os dois institutos, embora sejam parecidos, não se
confundem. Esta última avaliação refere-se a uma das três hipóteses de
perda do cargo de servidor público estável, insertas no artigo 41 da
Constituição Federal de 1988.
"Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:
I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;
III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. "(grifos nossos)
Merece registro, o fato do primeiro instrumento (avaliação
especial de desempenho), embora não com estes termos, estar disposto no artigo
20, da Lei 8.112/90, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos servidores
públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
No entanto, verifica-se que a avaliação periódica de desempenho não está
elencada entre as hipóteses legais de perda de cargo público inseridas na
referida lei, conforme disciplina o artigo 41, § 1º da Constituição Federal.
Embora não presente no referido diploma, a avaliação
periódica de desempenho está disciplinada na atual Carta Magna e é, sem
dúvida, um instrumento de controle bastante utilizado pela administração
pública.
Embora necessite de regulamentação própria, por meio de
lei complementar, a avaliação periódica de desempenho é regulada em muitos
órgãos públicos, por intermédio de resoluções internas.
Atualmente, existem diversas resoluções que tratam acerca
da avaliação periódica de desempenho e sua utilização para fins de
promoção a servidores públicos federais. No âmbito do Poder Judiciário,
cite-se o exemplo da Resolução nº 22.582 do Tribunal Superior Eleitoral, que
dispõe sobre o desenvolvimento nas carreiras, dos servidores ocupantes de
cargos de provimento efetivo dos quadros de pessoal dos Tribunais Eleitorais e
dá outras providências.
Inicialmente, o procedimento de avaliação periódica de
desempenho foi instituído na Carta Política, por intermédio da emenda
constitucional nº 19/98, para listar as hipóteses de perda de cargo público
do servidor público estável.
Posteriormente, a instituição da citada avaliação buscou
adequar-se também para outras atividades da administração pública, como por
exemplo, a utilização para fins de promoção e desenvolvimento na carreira de
servidores públicos.
Com efeito, em alguns casos, o referido mecanismo vem sendo
utilizado como forma de intimidação a servidores públicos, realizada por
magistrados como instrumento de coação para a submissão de servidores e
colegas de trabalho, que, por acaso, sejam testemunhas de atos de assédio
moral.
Ademais, calha frisar que, usualmente, esta avaliação de
desempenho é realizada pelo superior imediato, ou seja, pelo magistrado (agente
assediador). Ao impor o seu uso como necessário para a progressão funcional, o
Estado mune o assediador com instrumentos privilegiados de força e de pressão.
Nas secretarias judiciárias, este instrumento é bastante
utilizado como pontuação para o preenchimento de chefias ou cargos de
confiança.
Com isso, o assediador detém o meio certo e eficaz para
prolongar a jornada de sofrimentos psicológicos, fazendo a vítima pensar,
diversas vezes, antes de denunciar qualquer ato insidioso de assédio moral,
afinal, esta terá muito mais a perder.
Em muitos casos, o assediador aproveita este instrumento para
humilhar, subjugar, diminuir "em números" o trabalho do servidor,
provando o quão distante são as relações de poder que os cercam, mostrando,
com isso, a superioridade do cargo que ocupa, em detrimento do hipossuficiente e
dependente de "pontos": servidor público.
8. Medidas assediadoras
O rol de atitudes caracterizadoras do assédio moral no
serviço público não é taxativo, como exemplo, citem-se algumas ações: a
negação do superior em orientar adequadamente seus subordinados quanto aos
procedimentos de trabalho e de rotinas administrativas, o silêncio maldoso em
não responder perguntas sobre o trabalho ou o ambiente organizacional, a
realização de tarefas impossíveis de serem cumpridas ou com prazos
extremamente exíguos, humanamente improváveis de conclusão.
Em alguns casos, verifica-se que depois do cumprimento da
meta estipulada e a apresentação do resultado do trabalho, o superior
hierárquico ignora consideravelmente o trabalho da vítima, riscando ou mesmo
rasgando o seu objeto. Em alguns casos, colocando-o, até mesmo, em uma gaveta
qualquer de seus gabinetes, sem a menor intenção de utilizar o trabalho
posteriormente, usando-o, na melhor das hipóteses, como forma de exibição da
incompetência da vítima para os demais subordinados.
No âmbito do Poder Judiciário, alguns magistrados utilizam
suas prerrogativas constitucionais como escudo para ações insidiosas de
assédio moral. Merece registro a utilização de gratificações como moeda de
troca e barganha, como um instrumento de intimidação para diretores de
secretaria, servidores comissionados, requisitados ou cedidos.
Negociam-se o silêncio e a honra, em nome de posição,
promoção ou mesmo a "estabilização" de servidores. Na verdade,
quem não quer galgar posições funcionais, também não quer regredir.
Vê-se também nas instâncias judiciárias ações
assediadoras de transferência ex officio de servidores, a
redistribuição com fundamentos técnicos não comprovados, a retirada de
gratificações, funções de confiança ou cargos comissionados, com intuito
puramente despótico e punitivo.
Ainda, em relação ao fenômeno do assédio moral no
Judiciário, merece destaque a entrevista da psicóloga Lúcia Maria Amaral,
inserta no Jornal do Judiciário nº 224, de 23 de setembro de 2005, intitulada
"O assédio moral no Judiciário é gritante", afirmando que o
assédio moral está disseminado no Judiciário Federal, mesmo que de formas
sutis.
A citada psicóloga trabalhou como credenciada ao Tribunal
Regional Federal da 3ª Região, de 1999 a 2004. Neste trabalho, acompanhou
centenas de casos e relatos de assédio moral sofridos por servidores públicos
federais do Poder Judiciário. Curioso observar que a psicóloga foi
descredenciada logo após questionar um procedimento realizado pelo Departamento
da Justiça Federal. Para aclarar o entendimento do assédio moral nas
instâncias judiciárias, segue abaixo um trecho da entrevista da psicóloga:
As pessoas chegavam com queixas de depressão, que estavam ‘perdidas’, não sabiam o que fazer. Em geral, tinham medo de tudo, até de trabalhar. Essas eram as queixas principais. ‘Estou procurando você porque eu estou muito depressivo’. Alguns estavam com Síndrome do Pânico. A pessoa começa a somatizar e ter problemas emocionais. Até para justificar, ela precisa de ajuda, precisa gritar de alguma forma. Às vezes, a depressão ou somatização de doenças orgânicas é uma maneira do corpo pedir socorro. Mas nem isso é considerado, quando é caso de assédio moral, pela chefia. Ao contrário, quando a pessoa procura atendimento psicológico e esse chefe fica sabendo, começa a boicotar os horários, mesmo sendo um serviço que o tribunal disponibiliza para o funcionário. [...]
[...] Minha experiência teve haver mais com o acompanhamento aos casos no Judiciário. Aí foi gritante, realmente complicou. E é uma coisa que salta aos olhos, porque você pensa: ‘poxa, dentro do Judiciário, da Justiça? Como isso pode acontecer’. Acho que o assédio também pode ser caracterizado como no meu caso, quando se dispensa uma pessoa que presta um serviço direta ou indiretamente e que era competente no serviço por pelo menos seis, sete anos. É muito comum as pessoas chegarem e não encontrarem seu computador no local, ou sua mesa ou suas incumbências, enfim, retiram a sua identidade. E a pessoa pergunta para os colegas e não têm nenhuma explicação. Você não pode pensar. Tem que pensar como eles ou não faz parte do esquema.
Para coibir a prática abusiva do assédio moral dentro das
repartições públicas judiciárias, no ano de 2008, a Federação Nacional dos
Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (FENAJUFE)
lançou a cartilha "Venha para a luta contra o Assédio Moral" com
tiragem de 30 mil exemplares, em comemoração aos 15 anos de luta em defesa dos
interesses dos trabalhadores, além de lançar a campanha sobre o assédio moral
nos locais de trabalho. Calha mencionar pequeno trecho da cartilha, acerca dos
atributos do assédio moral no serviço público:
É importante considerar, entretanto, que o assédio moral
apresenta contornos diferentes no serviço público, sendo uma das razões a
garantia da estabilidade no vínculo funcional. Diante dessa situação e em
face da difusão dessa espécie de prática, é relevante que o tema seja
discutido por toda a sociedade e, especialmente pelos servidores
públicos.(Cartilha sobre Assédio Moral da FENAJUFE)
Estas formas de mobilização de sindicatos de trabalhadores
e de servidores públicos traduzem uma chamada de atenção para a utilização
da informação direta como um mecanismo de defesa e de prevenção contra
futuras ações assediadoras, haja vista que, enquanto não há a
conscientização do mal, não há a cura deste. E se não se conhece o
problema, não há como se combatê-lo com eficácia.
9. Ponderações finais
Com efeito, do presente estudo impendem-se diversas
considerações.
O corolário ideológico de nosso arcabouço jurídico não
admite que o interesse privado sobressaia-se, em face do primado do interesse
público. Contra isso, não se fazem ponderações. O fato em que se cuida
analisar é o de não existir reconhecimento do assédio moral como uma prática
orquestrada, não apenas por empregadores particulares, mas em nome do grande
empregador (Estado).
Sabe-se que o Estado é responsável pelo bem-estar social e
também pelo efetivo e regular cumprimento das funções administrativas, não
se olvidando da proteção e a garantia dos direitos humanos fundamentais.
O dever do Estado não se resume apenas ao poder de
fiscalização, controle e observância dos preceitos da tutela coletiva, pois
atua também frente ao desenvolvimento econômico e social de seus cidadãos, e
os servidores públicos, entes de qualquer denominação, assim também os são.
Neste desiderato, ao serviço público cumpre a efetiva
realização de todos os procedimentos legais em consonância com os princípios
da Administração Pública e os princípios gerais do direito.
O que não se admite é o fato de os próprios agentes da
Lei, serem acusados de condutas criminosas (não toleradas) de opressão,
humilhação, violência moral e psicológica. E, ainda, em nome de uma
supremacia de prerrogativas constitucionais presentes não em razão da pessoa,
mas em razão do cargo que ocupam, e do papel institucional que desempenham na
coletividade jurídica.
Os servidores públicos são os principais agentes que movem
a grande máquina estatal, na busca da efetivação das políticas públicas de
desenvolvimento público, sejam nas áreas de: saúde, educação, bem-estar,
segurança pública. É a base organizacional da pirâmide.
Não é razoável que alguns agentes políticos do Estado
(magistrados) se valham dos cargos para proporcionar verdadeiros acessos de
fúria contra empregados subordinados. Não se deve tolerar qualquer atitude desta
natureza. Seja no serviço público federal, estadual ou municipal. O papel da
sociedade é de fiscalizar os serviços e cobrar a efetiva prestação
jurisdicional do Estado, bem como o bom trato para com os seus servidores.
Os princípios da dignidade humana e o da supremacia do
interesse público se colidem, na proporção em que são submetidos ao crivo do
"permitido e tolerado" procedimento de assédio moral presente nas
repartições públicas, especialmente no âmbito do Poder Judiciário. Este
Poder, fechado em suas arestas é o responsável pelo cumprimento efetivo da
Lei. Ab initio, constitucionalmente não lhe cabe a fiscalização, por
já existir o Órgão Ministerial, porém, ao Poder Judiciário cabe o principal
ato: dizer o Direito e fazer cumpri-lo, dentro e fora de suas arestas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Editora Lumen Juris, 2008.
FRANCA, Inácia. O assédio moral no âmbito da
administração pública. Disponível em:<www.google.com.br>,
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HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência
perversa no cotidiano. 11ª edição, Rio de janeiro, Editora Bertrand
Brasil, 2009.
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