quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Para refletir - táticas patronais no funcionalismo público costumam se utilizar exatamente desse artifício ... e já conhecemos os resultados .
O mito do bônus
Ladislau Dowbor
O artigo de Nic Fleming, (New Scientist
9 April 2011) refresca realmente o ambiente. Como ele mesmo escreve,
“muitos economistas acreditam que os incentivos contam toda a história.
No entanto, os fatos (the evidence) nos dizem que eles se enganam”.
Uma série de pesquisas recentes mostra que temos aqui uma faca de dois
gumes. As pessoas ficam sem dúvida contentes em receber um bônus, mas à
medida que o espírito do bônus se instala, as pessoas perdem de vista
os objetivos reais das suas contribuições profissionais, e os
resultados se invertem.
A cultura do bônus sem dúvida se
generalizou, inclusive em áreas como educação, saúde e semelhantes.
Parecia tão óbvio que por uma recompensa as pessoas se esforçariam
mais, que esqueceram de pesquisar se realmente isto se verifica. “Pode
vir como um choque para muitos descobrir que um amplo e crescente corpo
de dados (evidence) sugere que em muitas circunstâncias,
pagar por resultados pode até fazer as pessoas ter uma performance
ruim, e que quanto mais se paga, pior a performance”.
Na
realidade, o que as pesquisas mostram é que ao promover o estímulo da
recompensa por resultados – a “cenoura” para fazer as pessoas
trabalharem mais – aumenta o estímulo financeiro, mas reduz-se
progressivamente a motivação intrínseca do trabalho bem feito, do prazer
da competência. De certa forma, “quanto mais se recompensa as pessoas
por fazer algo, mais a sua motivação intrínseca tende a declinar”. “Os
estudos sugerem que oferecer recompensas pode travar a tendência das
pessoas fazerem as coisas pelo prazer da realização, uma ideia conhecida
como efeito de sobre-justificação (overjustification). Esta foi a base
de uma série de livros de Alfie Kohn nos quais ele argumenta que
recompensar crianças, estudantes e trabalhadores com notas, incentivos e
outras ‘propinas’ leva a um trabalho inferior no longo prazo…Os que
recebem os bônus inevitavelmente jogam pelo seguro, tornam-se menos
criativos, colaboram menos e se sentem menos valorizados”.
Ainda
que a reação natural e um pouco cínica nos faça duvidar, o fato é que
uma meta-análise (sistematização de análises anteriores) de 128
pesquisas coordenada por Edward Deci, da Rochester University (NY),
sugere que se trata de dados muito firmes. Segundo Deci, “os fatos são
absolutamente claros. Não há dúvidas que praticamente em todas as
circunstâncias em que as pessoas estão fazendo coisas para obter
recompensas, recompensas extrínsicas tangíveis minam a motivação
intrínseca…uma vez que se torna as pessoas dependentes de resultados e
não dos comportamentos, para obter as recompensas, os dados mostram que
as pessoas irão tomar o caminho mais curto para estes resultados”.
Não
estamos sonhando. Fica claro, no artigo de Fleming, que quando se está
fazendo coisas estúpidas apenas por dinheiro, o bônus não irá reduzir
uma motivação que o trabalhador já não tinha. Mas no conjunto, a
dependência do bônus, da recompensa material calculada a cada esforço,
tende finalmente a desviar a atenção das pessoas dos resultados mais
amplos do processo produtivo, e isto é particularmente importante nas
atividades densas em conhecimento que ocupam cada vez mais espaço.
Geraint
Anderson, que trabalhou anos em bancos em Londres, e escreveu Cityboy
sobre o trabalho no meio financeiro, tão dependente de bônus, resume o
assunto: “Se você pode roubar o avanço dos seus colegas, buscar crédito
pelas realizações deles, tocar a sua própria corneta e puxar o saco do
seu chefe (kiss your boss’s arse), você pode sim aumentar o seu
bônus”. Anderson, que ganhou dois bônus anuais de meio milhão de libras
cada, sabe de que está falando.
Os argumentos trazidos por
Fleming são importantes. Seguramente não se aplicam a todas as
circunstâncias. Mas da mesma forma como estamos deixando de acreditar
nas bobagens do tipo que o ser humano se guia pela maximização racional
das vantagens individuais, estamos começando a repensar a teoria da
cenoura. Não somos coelhos. E os desastres financeiros gerados pelos
administradores que mais recebem bônus no planeta constituem um
argumento interessante.
Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central
de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de
São Paulo e da UMESP, e consultor de diversas agências das Nações
Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social”, “O
Mosaico Partido”, pela editora Vozes, além de “O que Acontece com o
Trabalho?” (Ed. Senac) e co-organizador da coletânea “Economia Social
no Brasil“ (ed. Senac) Seus numerosos trabalhos sobre planejamento
econômico e social estão disponíveis no site http://dowbor.org'
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