Fernando Rodrigues
A inexorável perda do poder
BRASÍLIA - Perder poder é sempre desagradável. Impossível agir
com naturalidade nessas situações. A estridente disputa interna no
Judiciário nada mais é do que o sintoma de um processo cujo desfecho
será o fim da inimputabilidade na qual se refugiam muitos juízes.
Parece que foi há cem anos, mas, na década passada, o presidente do
Supremo Tribunal Federal era Nelson Jobim. Obcecado por números, ele
iniciou uma coleta a respeito dos orçamentos de Tribunais de Justiça do
país. Inexistia estatística confiável sobre os ganhos dos juízes.
"Os TJs não diziam o valor exato dos salários. Em vários casos, eu pedi a
algum juiz amigo que me desse uma cópia do seu contracheque, do qual eu
rasgava a parte com o nome. Aí, calculava-se o valor da folha de
pagamento daquele determinado tribunal", lembra Jobim.
Nesta semana, a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana
Calmon, revelou que 45% dos desembargadores de São Paulo não entregam
suas declarações de bens e rendimentos ao TJ. Em Mato Grosso do Sul,
100% descumprem essa regra -imposta por uma lei de 1993.
Segundo Eliana Calmon, alguns juízes não entregam suas declarações por
desconhecerem a exigência legal. Críticos dirão: eles fingem ignorância.
É possível, embora não seja um despautério imaginar juízes
desinformados, despreparados e incapazes de entender com precisão a
função que desempenham.
Há uma frase comum quando alguém questiona uma sentença. O magistrado
quase sempre responde: "Decidi de acordo com a minha consciência".
Argumento menos republicano, impossível.
Juiz deve proferir decisões de
acordo com a lei.
E agir no seu cotidiano da mesma forma.
No fundo, a
crise atual é positiva. Mostra o Judiciário prestes a perder seu poder
autocrático.
O processo é lento, mas inexorável.
Juízes terão de se
comportar como todos os outros cidadãos.
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