terça-feira, 12 de abril de 2011
Outro exemplo - só a luta muda a vida !!!
Jirau – a surpreendente revolta dos peões...
Esquecidos
pela esquerda e pelos ambientalistas, operários rebelaram-se por
direitos e dignidade. Eles não usam black-tie – mas frequentam o Twitter
e o Facebook. Por Cesar Sanson, no Cepat
O
maior canteiro de obras do país, localizado no sítio do Jirau, cidade de
Porto Velho em Rondônia, na selva amazônica brasileira, ardeu em chamas
no dia 15 de março e em poucas horas virou cinzas. A destruição do
canteiro de obras foi resultado de um levante operário. 22 mil
trabalhadores estavam envolvidos na construção da usina que forma o
complexo hidrelétrico do Madeira.
Os
acontecimentos em Jirau são significativos porque é a maior obra em
andamento do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC e síntese do
modelo desenvolvimentista que reedita o projeto de um Brasil grandioso
como à epoca dos governos de Getúlio Vargas (1930-1945), Juscelino
Kubitschek (1955-1960) e o período militar (1964-1985). Um modelo
baseado em grandes obras, sobretudo de exploração energética com vistas a
suprir o gigantismo consumista de energia de uma nação emergente
exportadora de commodities.
Jirau
é significativo por outro aspecto, situa-se na Amazônia legal, região
em que se desbrava a última fronteira do capitalismo brasileiro. É na
Amazônia legal que se trava a luta para amansar os grandes rios –
Madeira, Xingu, Tapajós, Teles Pires – e sujeitá-los ao projeto
desenvolvimentista. Jirau, nessa perspectiva, também é importante porque
é revelador de uma concepção de desenvolvimento que dá as costas para a
questão ambiental. Jirau é um filme já visto – Itaipu, Balbina, Tucuruí
– e antecipa Belo Monte.
A
questão, porém, mais impressionante de Jirau é a questão social. A
explosão da revolta operária contesta o modelo do Brasil moderno.
Direitos desrespeitados, truculência e autoritarismo das empreiteiras,
sofrimento imposto aos trabalhadores é o outro lado da história que
ninguém viu e percebeu. Empreiteiras, sindicatos e governo ficaram
surpresos com a revolta que paralisou o acelerado andamento do projeto.
Jirau
se insere na lógica da modernização conservadora e manifesta todas as
contradições do país, ou seja, por um lado revela a pujança e o vigor do
crescimento econômico, por outro, produz no seu entorno exploração e
miséria. Jirau diz respeito ao Brasil potência – 8º PIB da economia
mundial e o 73º IDH – incapaz de mitigar os efeitos do seu gigantismo.
Em
Jirau a questão social e a questão ambiental estão relegadas em segundo
plano. Jirau coloca em xeque o modelo desenvolvimentista e também o
governo de esquerda de Dilma Rousseff. Jirau reproduz os mesmos erros
dos militares onde o social não entra e menos ainda o ambiental.
Jirau
interpela também o movimento social, a esquerda militante, as
pastorais, os sindicatos, os ambientalistas. A repercussão dos
acontecimentos de Jirau foram poucas e esparsas. Os sites de
organizações sociais, dos movimentos, das ONGs pouco falaram de Jirau. A
revolta operária em Jirau também pouco sensibilizou os ambientalistas e
suas organizações. Céleres em denunciar, organizar manifestos e
repercutir agressões ao meio ambiente, as organizações ambientalistas
pouco falaram da questão social de Jirau. Percebe-se uma grande
dificuldade do movimento ambientalista em conectar os temas sociais aos
ambientais. A abordagem faz-se geralmente de forma isolada. Compreender,
o que acontece em Jirau auxilia na compreensão do que vem se
transformando o Brasil e contribui para uma análise autocrítica da
esquerda.
A questão social. Jirau vivia sob tensão reprimida
Milhares
de vagas do canteiro de obra da usina hidrelétrica de Jirau foram
preenchidas por migrantes que receberam promessas de “gatos” – agentes
que intermediam mão-de-obra. As construtoras recorrem às mesmas práticas
de recrutamento de trabalhadores dos tempos do “Brasil Grande”, nos
anos 1970, quando o País viveu um surto de desenvolvimento econômico no
período do regime militar.
Porém,
os “gatos” dos anos 2000 sofisticaram os mecanismos de exploração,
cobrando taxa para garantir o emprego e responsabilizando os próprios
trabalhadores pelo pagamento do seu deslocamento e alojamento até a
contratação definitiva. Milhares começaram trabalhando sentindo-se
enganados. O ganho médio de um trabalhador de Jirau gira em torno de R$
1.000,00.
No
canteiro de obra surgiram outros problemas: não pagamento de horas
extras; falta de pagamento de benefícios e participação dos lucros;
diferenciação de salários entre as empreiteiras; truculência dos
seguranças; falta de pagamento da “hora itínere” – tempo gasto pelo
trabalhador sem alojamento para chegar a um local de trabalho distante;
custos alto de medicamentos; desrepeito ao cumprimento da “embaixada” –
período em que o trabalhador visita a família, entre outros. Uma disputa
entre sindicatos ligados à CUT e à Força Sindical também teria
contribuido na deflagração dos conflitos.
A luta por respeito e dignidade
A
revolta de Jirau, entretanto, não se deu apenas por melhores condições
de trabalho e salários. Relatos colhidos pelo Ministério Público do
Trabalho de Rondônia dão conta de que parte importante das
reivindicações dos trabalhadores é por respeito e dignidade. Entre as
reclamações ouvidas pelo Ministério do Trabalho encontram-se:
1 – Fim da truculência de seguranças e encarregados – xingamentos, empurrões, cárcere privado temporário;
2
– Tratamento respeitoso aos trabalhadores que chegarem aos alojamentos
alcoolizados. A dependência de álcool é vista como uma doença;
3
– Respeito na relação entre o “sala fria” e o ”peão”, sem assédio
moral. Em Jirau, “sala fria” é o funcionário que trabalha em salas com
ar-condicionado;
4
– Pagamento por “hora itínere” – o tempo de viagem para canteiros de
obras fora do perímetro urbano (só para quem não mora em alojamentos).
5
– Serviços eficientes nos refeitórios, para evitar que o tempo da fila
do bandejão não consuma boa parte do período do almoço. Refeições
adequadas e alojamentos higiênicos;
6
– Garantia aos que trabalham em locais isolados e distantes de casa do
pagamento e do cumprimento da “embaixada” – período em que o trabalhador
visita a família;
7 – Cumprimento das promessas feitas pelo agenciador de trabalho;
8 – Pagamento de hora extra;
9 – Pagamento de cesta básica que leve em conta os preços do comércio local;
10 – Indicação de representantes da empresa para ouvir denúncias contra outros funcionários.
Muitas
das reclamações relacionam-se às exigências por respeito. As novas
gerações de trabalhadores são do tempo da universalização do ensino e
das febres das lan houses e do celular. Ligados de alguma forma ao
“mundo” de jovens de outras classes sociais e lugares por meio da
Internet e do celular, demonstram personalidade e consciência de seus
direitos. A diferença dos “peões” dos anos 1990 manifesta-se também no
orgulho de se vestir bem.
O caos social no entorno de Jirau
A
questão social de Jirau não se resume aos problemas vivenciados no
canteiro de obras, extrapola para os seus arredores. A região das obras
das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, registra uma
explosão de criminalidade e de casos de exploração sexual de crianças e
adolescentes. O aumento dos problemas supera o ritmo do crescimento
populacional.
“Jirau
é um sinal de alerta ao governo e seus empresários”, diz nota da
Aliança dos Rios da Amazônia, composta pelos Movimento Xingu Vivo para
Sempre, Aliança Tapajós Vivo, Movimento Rio Madeira Vivo e Movimento
Teles Pires Vivo. Segundo os movimentos, “Jirau concentra todos os
problemas possíveis: em ritmo descontrolado, trouxe à região o
‘desenvolvimento’ da prostituição, do uso de drogas entre jovens
pescadores e ribeirinhos, da especulação imobiliária, da elevação dos
preços dos alimentos, das doenças sem atendimento, e de violências de
todos os tipos”.
Empreiteiras, governo e sindicatos. Reação tardia
As
empreiteiras, o governo e os sindicatos supreenderam-se com a revolta
em Jirau. Não esperavam os acontecimentos e depois de uma tentativa de
desqualificar o caráter da rebelião de lutas por direitos, correm agora
atrás do prejuízo. A procura por soluções rápidas não é apenas por
sensibilidade para com a questão social. O governo teme sobretudo que
Jirau repita-se em outros canteiros de obras do PAC. Destaque-se que 80
mil operários da construção civil estavam parados no mês de março.
Pacto pelo PAC
Temendo
novas rebeliões, o governo passou a articular uma agenda preventiva.
Articulou uma reunião com as centrais sindicais, empresas
concessionárias e Ministério Público do Trabalho para tentar chegar a um
pacto e impedir um colapso no principal programa de investimentos do
governo. A grande preocupação do governo é com a proximidade da Copa do
Mundo e das Olimpíadas, daí a necessidade de estabelecer regras mínimas
para as grandes obras a serem cumpridas pelas empreiteiras.
Revolta de Jirau não sensibiliza esquerda e ambientalistas
O
pouco interesse que a revolta de Jirau provocou no debate da esquerda
brasileira também é reveladora que parte dessa esquerda pensa da mesma
forma que o governo. Setores majoritários da esquerda acreditam que o
crescimento econômico é a varinha de condão para a resolução de todos os
problemas. Particularmente da pobreza. A equação é conhecida. O
crescimento econômico produziria um círculo virtuoso:
produção-emprego-consumo.
Essa
esquerda é tributária de uma intepretação marxista que se aproxima do
liberalismo. Ambos – marxismo e liberalismo – bebem na fonte da
racionalidade produtivista que vêem a natureza como fonte inesgotável de
crescimento econômico. Essa concepção não se coaduna mais com a
emergência da crise climática.
Parte
da esquerda não se dá conta de que embora a sociedade industrial ainda
seja preponderante, a essência da forma de organizar a sua produção é
empurrada cada vez mais para a periferia do núcleo propulsor do novo
capitalismo – a economia do imaterial, a new economy, onde a
biodiversidade assume uma nova dimensão.
Os
ambientalistas, por outro lado, também deram pouca atenção para os
acontecimentos de Jirau. Diferentemente de determinada esquerda que olha
prioritariamente a questão social, muitos ambientalistas têm olhos
apenas para a questão ambiental. Como a revolta de Jirau foi sobretudo
uma questão social, não se viu as organizações ambientalistas
repercutirem e se posicionarem sobre os fatos. Fosse um desastre
ambiental que tivésse ocorrido em Jirau, qual teria sido a postura dos
ambientalistas?
Se
é um fato que a esquerda tradicional não conecta o social com o
ambiental, também é um fato que parcela significativa do movimento
ambientalista não articula o ambiental com o social.
Cesar Sanson é pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT.
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