segunda-feira, 11 de abril de 2011
ORGANIZAÇÃO SINDICAL NO SERVIÇO PÚBLICO
Renato Kliemann Paese
Glênio Ohlweiler Ferreira
Advogados
Muito
pouco se discute acerca da organização sindical no serviço público;
talvez porque seja um ramo sindical recente, talvez porque os limites da
negociação coletiva sejam mais restritos do que no setor privado
(Flavio Benites - in Direito Sindical Espanhol - demonstra que as
primeiras experiências de negociação coletiva no setor público só
começaram nos anos 60, nos EUA e no Canadá, sendo que, na Espanha,
tão-somente a partir da década de 80), talvez, ainda, porque a formação e
as relações intersindicais do setor público sejam mais “tranqüilas”,
pouco chamando a atenção das Centrais Sindicais.
De
fato, dentro da realidade brasileira, o sindicalismo no serviço público
é um fato histórico recente. Mas isto não é “privilégio” nosso. Geraldo
Von Potobsky (in As organizações sindicais, São Paulo, LTr), com dados
de 1988, aponta que a América Latina é a região com “a maior
concentração de países em que o direito de sindicalização no serviço
público é desconhecido”.
Outro
dado é a proibição de sindicalização de determinadas categorias
(polícia, forças armadas, etc), situação verificada, também, a nível
mundial. Poucos países permitem a sindicalização nas forças armadas e na
polícia. Na Espanha, por exemplo, o direito de sindicalização na
polícia só veio a ocorrer após as demais categorias de servidores
públicos, juntamente (dado interessante) com os servidores ligados à
seguridade social (conforme Juan Garcia Abellan, in Curso de Derecho
Sindical).
Na
verdade, o sindicalismo no setor público já existia, não formalmente,
mas através da intervenção interna e externa das “associações de
servidores” - formalmente com natureza civil, de caráter beneficente -
ou outras formas de organizações diversas da figura “clássica” do
sindicato, muitas das quais se transmudaram, naturalmente e a partir de
1988, em entidades sindicais. Destaque-se, ainda, a possibilidade de
sindicalização, mesmo antes de outubro/1988, dos servidores da CEF,
sociedades de economia mista e fundações de direito privado (art. 566,
parágrafo único, da CLT). A situação, até 1988, era paradoxal: o Estado
reconhecia e “negociava” - especialmente premido por greves - com
organizações que o Estado legislador repudiava.
De
fato, a condição embrionária das associações de servidores em muito
contribuiu, em diversos casos, para facilitar a criação dos novos
sindicatos. Todavia, tais estruturas, muitas vezes, permaneceram vivas,
não raro disputando espaço com a própria entidade sindical recém-criada,
desenvolvendo atividades representativas da categoria próprias do
sindicato.
No
Caderno da CUT de agosto de 1989 (Organização Sindical e Negociação
Coletiva), José Olívio Miranda já alertava para as dificuldades
surgidas com a verdadeira “explosão” de novos sindicatos de
trabalhadores do setor público, orientando acerca da necessidade de
realização de “encontros de massa” para a discussão desta nova
realidade. Apontava, ainda, que “de todas as partes chegam solicitações e
questionamentos sobre a forma de organizar os que trabalham no serviço
público”.
José
Francisco Siqueira Neto (in Contrato coletivo de trabalho - Perspectiva
de rompimento com a legalidade repressiva, São Paulo LTr) refere que a
unidade sindical “nem precisa implicar em um único sindicato, mas sim em
uma convergência de procedimentos, em uma unidade de ação”.
A
própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), apesar de defender
a ampla liberdade na criação de sindicatos, conforme se depreende da
leitura da Convenção nº 87, propõe certo controle estatal no processo de
criação de sindicatos de servidores públicos, traduzido na Recomendação
nº 159 (de 1978), a qual propõe que os requisitos formais existentes em
cada País para a criação daquelas entidades devem evitar a
“proliferação de entidades, a ponto de haver diversas organizações
sindicais representando as mesmas categorias de servidores públicos”.
Entende
a OIT que a pluralidade excessiva de sindicatos no setor público pode
trazer conseqüências desfavoráveis, pela possibilidade de enfrentamento
entre si daquelas entidades, pela disputa da base territorial ou
categorial, perdendo tempo, recursos financeiros e energia.
A
Alemanha, com certeza, pode ser citada como o melhor exemplo de
liberdade de sindicalização no serviço público. Não só não existem
restrições à sindicalização dos membros da polícia e das forças armadas,
como também surgiram entidades sindicais representativas tanto de
trabalhadores do setor público como do setor privado.
Mario
Pasco Cosmópolis (pesquisador Peruano) indica que, no seu País, a
sindicalização dos servidores públicos é feita em separado dos
trabalhadores do setor privado, fato que também ocorre na Venezuela e na
Dinamarca. Em contrapartida, a Noruega segue o exemplo alemão,
agrupando trabalhadores públicos e privados num mesmo sindicato.
A
unificação de trabalhadores públicos e privados, de um mesmo ramo,
deve-se, principalmente, ao alto grau de sindicalização do sindicatos de
servidores públicos, fenômeno, aliás, de nível mundial, conforme atesta
Tiziano Abreu (in Relaciones de trabajo en la administracion publica -
tendencias y perspectivas), chegando a 66,9% (dados de 1982) no Japão e
79,6% na Alemanha.
Voltando
à experiência alemã, temos a existência de sindicatos exclusivos de
servidores públicos e sindicatos representativos de servidores públicos
e trabalhadores privados, de categorias especiais e também a nível
geral, sem a exclusão de qualquer grupo profissional.
É
a verdadeira idéia do sindicato do ramo, onde trabalhadores públicos e
privados unem-se numa entidade representativa de ambos, tomando como
referência a atividade (saúde, educação, transporte, etc.) exercida. Em
termos de Brasil, a idéia pode beirar a utopia, mas não é impossível de
ser implementada. Pode, com certeza, iniciar pela concretização do
sindicato do ramo do próprio setor público, hoje, felizmente ou não
(depende do ponto de vista), fragmentado em diversos sindicatos dentro
de um mesmo feixe administrativo. Outra dificuldade decorre da criação
de sindicatos categoriais muito específicos dentro de um mesmo ramo de
atividade, voltados umbicalmente à sua própria categoria, dificultando
uma unificação de lutas e bandeiras contra o Estado-patrão (*).
Por
que não a unificação de sindicatos do ramo judiciário, do ramo da
educação ? Por que não a unificação dos servidores públicos do ramo da
saúde a nível municipal, estadual e federal, principalmente pela
existência do SUS onde, em muitos locais de trabalho, temos os três
níveis laborando conjuntamente ? Também não é possível tal unificação
num novo organismo, preservando, se necessário, as estruturas já
existentes ? São divagações e exemplos que se prestam para o debate e a
crítica dos companheiros.
Impedimentos
legais para a criação de um sindicato do ramo, unificando trabalhadores
públicos e privados, a princípio, não sao identificáveis, em que pese a
existência de vozes contrárias (José Claúdio Monteiro, in A
sindicalização no serviço público, Genesis, Curitiba), ancoradas na
expressão “representativa de categoria profissional” do art. 8º, inciso
II, da CF/1988 (trabalhadores públicos e privados com regramentos e
regimes totalmente diversos representariam “categorias” diversas”). A
existência de regimes diversos não pode ser apontada como impedimento,
vez que não raro temos sindicatos, de servidores públicos, representando
celetistas e estatutários (a nível federal, de outubro/1988 e até o
advento da Lei 8.112/90, tal situação estava plenamente configurada). Os
impedimentos, na verdade, são de ordem prática, vez que teríamos um
sindicato com duplo papel de negociação e atuação junto à categoria.
Some-se
a isto a dificuldade de organização pela própria estruturação do
serviço público, dividido no sentido vertical (três esferas - municipal,
estadual e federal) e horizontal (administração direta e indireta, com
autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia
mista).
São
estes, portanto, elementos que se prestam para o debate e a crítica,
certos da evidente necessidade de unificação das lutas do setor público,
contra o “rolo compressor” do projeto neoliberal, tendente à exclusão
absoluta da figura do Estado, colocando os servidores no “banco dos
réus”, como “responsáveis” pela crise do Estado e o deficit econômico.
-
Texto divulgado em encontro de caráter nacional em Porto Alegre/ RS -
Outubro de 1997 e ainda atual dadas as condições e cultura em que
vivemos nos serviços públicos.
- (*) Grifo nosso.
SINTRAJUS
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