sábado, 3 de dezembro de 2011
“É preciso solidarizar-se com as ovelhas rebeldes”.
Fernando Pessoa
A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem
por finalidade trabalhar pelo império dos valores próprios do Estado
Democrático de Direito e pela promoção e defesa dos princípios da
democracia pluralista, bem como pela emancipação dos movimentos sociais,
sente-se na obrigação de desvelar a sua preocupação com os
eventos ocorridos recentemente na USP, especialmente em face da
constatação de que é cada vez mais frequente no país o abuso da
judicialização de questões eminentemente políticas, o que está
acarretando um indevido controle reacionário e repressivo dos movimentos
sociais reivindicatórios.
Com
efeito, quando movimentos sociais escolhem métodos de visibilização de
sua luta reivindicatória, como a ocupação de espaços simbólicos de
poder, visam estabelecer uma situação concreta que lhes permita
participar do diálogo político, com o evidente objetivo de buscar o
aprimoramento da ordem jurídica e não a sua negação, até porque, se
assim fosse, não fariam reivindicações, mas, sim, revoluções.
Entretanto,
segmentos da sociedade, que ostentam parcela do poder institucional ou
econômico, com fundamento em uma pretensa defesa da legalidade, estão
fazendo uso, indevidamente, de mecanismos judciais, desviando-os de sua
função, simplesmente para fazer calar os seus interlocutores e, assim,
frustrar o diálogo democrático.
Aliás,
a percepção desse desvio já chegou ao Judiciário trabalhista no que se
refere aos “interditos proibitórios” em caso de “piquetes” e “greves”,
bem como no Judiciário Civil, como ocorreu, recentemente, em ação
possessória promovida pela UNICAMP, em Campinas, contra a ocupação da
reitoria por estudantes, quando um juiz, demonstrando perfeita percepção
da indevida tentativa de judicialização da política, afirmou que “a
ocupação de prédios públicos é, tradicionalmente, uma forma de protesto
político, especialmente para o movimento estudantil, caracterizando-se,
pois, como decorrência do direito à livre manifestação do pensamento
(artigo 5º, IV, da Constituição Federal) e do direito à reunião e
associação (incisos XVI e XVII do artigo 5º)”, que “não se trata
propriamente da figura do esbulho do Código Civil, pois não visa à
futura aquisição da propriedade, ou à obtenção de qualquer outro
proveito econômico” e que não se pode considerar os eventuais
“transtornos” causados ao serviço público nesses casos, pois “se assim
não fosse, pouca utilidade teria como forma de pressão”.
Ora,
se é a política que constrói o direito, este, uma vez construído, não
pode transformar-se em obstáculo à evolução da racionalidade humana
proporcionada pela ação política.
É
por isso que a AJD sente-se na obrigação de externar a sua indignação
diante da opção reacionária de autoridades acadêmicas pela indevida
judicialização de questões eminentemente políticas, que deveriam ser
enfrentadas, sobretudo no âmbito universitário, sob a égide de
princípios democráticos e sob o arnês da tolerância e da disposição para
o diálogo, não pela adoção nada democrática de posturas determinadas
por uma lógica irracional, fundada na intolerância de modelos punitivos
moralizadores, no uso da força e de expedientes “disciplinadores” para
subjugar os movimentos estudantis reivindicatórios e no predomínio das
razões de autoridade sobre as razões de direito, causando inevitáveis
sequelas para o aprendizado democrático.
Não
é verdade que ninguém está acima da lei, como afirmam os legalistas e
pseudodemocratas: estão, sim, acima da lei, todas as pessoas que vivem
no cimo preponderante das normas e princípios constitucionais e que,
por isso, rompendo com o estereótipo da alienação, e alimentados de
esperança, insistem em colocar o seu ousio e a sua juventude a serviço
da alteridade, da democracia e do império dos direitos fundamentais.
Decididamente,
é preciso mesmo solidarizar-se com as ovelhas rebeldes, pois, como
ensina o educador Paulo Freire, em sua pedagogia do oprimido, a
educação não pode atuar como instrumento de opressão, o ensino e a
aprendizagem são dialógicos por natureza e não há caminhos para a
transformação: a transformação é o caminho.
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