Por Izaías Almada.
O mínimo que
a situação política e econômica do mundo atual exige de cada um de nós é
a reflexão séria, razoável conhecimento da história e da formação das
ideologias e, sobretudo, paciência nos embates teóricos, nos confrontos
com a práxis fascista que, aos poucos, com o enfraquecimento do campo
socialista, foram se tornando aqui e ali protagonistas de alguns dos
acontecimentos históricos mais recentes.
Em outras
palavras: o atual confronto de ideias entre o capitalismo neoliberal,
parcialmente combalido, e a busca de alternativas ao seu já provado e
nefasto exercício e sua prática perversa, necessita passar por um
rigoroso e efetivo diagnóstico. Sob pena de vermos o século XXI repetir,
com outras características e outros atores – é claro – as crises de
1914 e 1929, onde duas guerras mundiais subiram à ribalta e explodiram
em meio a uma notável divisão ideológica, com a ascensão e o confronto
entre governos fascistas e comunistas. E a crença cega de muitos, ou
ingênua (para não sermos considerados pessimistas), numa democracia
utópica, onde os contrários pudessem conviver em harmonia.
Já não é
novidade para aqueles que ainda se preocupam com essas questões observar
que, ao se sentir ameaçado em alguns de seus pilares de maior
sustentação – e a especulação financeira desenfreada e desregulamentada
da segunda metade do século XX se tornou um deles – o capital reage com a
violência que é da sua natureza. E se possível com a violência da
guerra, dos golpes de estado, das eleições sujas. Volta-se
inexoravelmente contra os trabalhadores e todos aqueles que dependem
apenas da força do seu trabalho para sobreviver com um mínimo de
dignidade. A isso alguém já chamou um dia de luta de classes.
O instinto
de sobrevivência do capitalismo, se assim posso me expressar, tem
atingido níveis inimaginados até mesmo pelos seus mais exaltados
defensores, os seus domesticados e ao mesmo tempo agressivos think thanks…
Institutos
de pesquisas científicas, de pesquisas comportamentais e de publicidade,
os mais modernos; o uso da tecnologia de ponta – informatizada ou não –
com o entretenimento sendo dirigido com técnicas sutis de manipulação
do pensamento; o uso descarado da propaganda subliminar, da chantagem
política e econômica com o uso da força militar convencional ou mesmo
nuclear; a mídia seletiva organizada na direção da despolitização do
cidadão comum; a indisfarçável tentativa de estabelecer o pensamento
único e o fim da História; a insistência e a imposição de um falso
conceito de democracia, tudo isso e mais alguma coisa tem lançado a cada
dia que passa a confusão em bilhões de mentes e corações.
Confusão
proposital, criada em sofisticadíssimos centros de estudos subsidiados
pelas principais empresas corporativas na Europa e nos Estados Unidos. A
ação do site Wikileaks e inúmeros vídeos espalhados pela Internet vêm
comprovando o fato à exaustão…
Confusão
para dividir. Dividir para reinar. Reinar para subjugar. O jogo é antigo
e por mais que cada geração tente criar anticorpos ou pensamentos e
práticas alternativas à usura, à riqueza desnecessária, ao poder pelo
poder, ao culto à irracionalidade e ao efêmero, mais o capital se fecha
em sua defesa, muitas vezes cooptando mentes brilhantes nas várias áreas
do saber, com o pagamento de altíssimos salários e bônus anuais ou
mesmo com ações das próprias corporações e empresas de governos com que
ajudam a manter o comboio nos trilhos. Ou seja, a exploração da maioria.
Oitenta anos
parece ser a média de vida do homem contemporâneo na terra. Portanto,
se qualquer um de nós conseguisse levar uma vida regada a champanha e
caviar nesses anos, pois bem, que os outros 99% da humanidade se
lixassem, não é verdade? Pois essa é, sem tirar nem pôr, a situação que
vive o mundo nesse início de novo século.
O doloroso
nesse quadro é ver o esforço que se faz hoje por muitos daqueles que já
foram protagonistas do pensamento alternativo, quando resolvem entregar
os pontos e já não suportam mais defender as difíceis ideias do
humanismo solidário, de uma sociedade mais justa, se possível sem
classes.
“Arroubos da
adolescência”, “fui iludido na minha boa fé de jovem que queria
mudanças”, “revoltas da juventude” e outras baboseiras do gênero são
cinicamente usados (quando são) para encobrir o oportunismo, a falta de
ética e de caráter, a traição à luta dos menos favorecidos. Os exemplos,
infelizmente, têm se multiplicado em escala geométrica.
No Brasil, e
é disso que se trata aqui, temos um curioso quadro político, onde
traços surrealistas despontam aqui e ali à medida que os anos passam.
Nossos mais destacados partidos políticos, aqueles que conseguem fazer o
maior número de congressistas, governadores e prefeitos rechearam-se de
políticos “profissionais”, boa parte deles sem qualquer formação
ideológica mais consistente ou – o que parece ser ainda mais grave – a
viver num constante pular de galho em galho, na suposta esperteza de
ficar em cima do muro quando se pede deles uma definição e, caso nenhuma
dessas alternativas seja assim tão aliciante ou moralmente confortável,
a formar novos partidos, quase sempre sem lastros de representatividade
popular. Fenômeno que se dá à direita e à esquerda do espectro político
é bom que se diga.
A política
tanto pode ser o exercício ético da administração pública em benefício
de todos os cidadãos de uma cidade, de um estado, de um país, ou pode
ser o valhacouto das grandes negociatas, cabide de empregos para amigos e
familiares, esconderijo de bandidos engravatados e espertalhões como –
aliás – tem sido escancarado a cada dia que passa. Tanto no executivo,
no legislativo e no judiciário, esse triunvirato republicano tão ao
gosto da retórica vazia de sentido. Independente do esforço daqueles que
ainda lutam e se esforçam para que as coisas se passem de outra
maneira.
A nova face
da direita brasileira, com a natural renovação de seus quadros mais
reacionários e conservadores, tem hoje a comandá-la vários integrantes
da histórica esquerda do país, inclusive de adeptos da luta armada nos
anos 1960. Novidade? Nem tanto, apenas o número de oportunistas
aumentou. A ideologia, também ela, se transformou numa mercadoria
negociável na praça dos três poderes, onde a governabilidade por um lado
e o apego ao poder por outro comandam as ações de homens e mulheres,
muitos deles que ainda não perceberam que o país quer caminhar em novas
direções. Não tanto por consciência política, como querem ou desejam
alguns, mas por necessidade de sobrevivência.
O melhor
exemplo dessa situação é o show de obstinação e insensibilidade que, há
alguns anos, vem dando o cidadão José Serra. Com uma trajetória iniciada
ainda antes do golpe de 1964, José Serra carrega em seu currículo de
homem público a mais estarrecedora imagem de quem persegue um objetivo
que já nem ele mesmo sabe mais qual é. O poder pelo poder ou a
possibilidade de levar a cabo uma tarefa incompleta em seus tempos de
Fernando Henrique Cardoso: a entrega do país ao capital internacional.
Ou ainda, com a publicação do livro A Privataria Tucana, a possibilidade de fugir à responsabilidade de ter que responder a uma CPI no Congresso Nacional.
Os idos de
março definirão o verdadeiro início do ano político brasileiro. As
eleições de outubro abrirão o espaço de 2014. Um ano em que o Brasil irá
se posicionar em continuar por uma senda de emancipação econômica,
soberania e defesa de seus recursos naturais ou a possibilidade de
voltar a um passado de irresponsabilidades administrativas, assalto ao
patrimônio nacional e impunidade para aqueles que se acostumaram com as
migalhas da Casa Grande.
***
Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968.
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