Desde quando o homem admitiu a criação de um Estado organizado, a figura odiosa da corrupção se faz presente. Ligada às fraquezas do espírito cívico de cada um de nós, a corrupção estigmatiza instituições, relações humanas e a própria construção do gênio humano. De que forma devemos lidar com esse fenômeno criminológico?
Creio que estamos todos fartos de falar sobre corrupção. Contudo, o
trabalho midiático intenso dos jornais, pasquins e folhetos diários não
deixa tema tão problemático como este se afastar de nossas conversas e
reflexões. É preciso coragem para enfrentar tal discussão, pois a
corrupção ataca não apenas nos mais distantes rincões de nosso país,
estando presente, ainda, dentro de nossas próprias casas ou vizinhanças.
Mas e o que significa a corrupção? De que forma devemos lidar com esse fenômeno criminológico?
A filologia moderna tem empregado tempo razoável no estudo de tal
ocorrência, explicando que a palavra corrupção é oriunda do latim,
corruptio, a qual significa perder, destruir e estragar.
Etimologicamente tal expressão também vem associada a adulteração ou
depravação[i]. A venalidade é um mal que afeta as relações
administrativas e sociais, e decorre do excessivo apego ao poder, ou
ainda, das falibilidades do caráter de alguns cidadãos. Desde quando o
homem admitiu a criação de um Estado organizado, a figura odiosa da
corrupção se faz presente[ii]. Ligada às fraquezas do espírito cívico de
cada um de nós, a corrupção estigmatiza instituições, relações humanas e
a própria construção do gênio humano.
Atualmente, mesmo o Poder Judiciário não escapa dos filtros e
avaliações da sociedade, que não mais tolera a impunidade e a corrupção
que vem assolando a todos os poderes da república. A atuação do Poder
Judiciário, outrora considerada uma panaceia cívica para todas as
mazelas sociais, tem sofrido ataque silencioso daqueles que se valem do
“jeitinho”, tráfico de influências ou amizades perniciosas, buscando a
obtenção de vantagens e favores, tudo em detrimento daqueles que
preferem trilhar o caminho da legalidade e justiça.
Desde há muito, a própria Bíblia — o livro sagrado, inclusive, de
muitos corruptores—, contém exortação de Moisés para que os juízes não
se corrompessem. Mesmo a Lei das XII Tábuas, Tábua Nona, inciso III, faz
menção clara sobre a necessidade de o juiz manter comportamento probo,
sob castigo de receber a pena capital. No Brasil, desde a época das
Ordenações Filipinas, o legislador cuidava de reprimir com veemência a
figura da “boractaria”[iii], a qual se refere a corrupção praticada por juízes, que recebiam suborno para decidirem em favor de uma das partes.
A corrupção dos dias atuais não é uma exclusividade do Poder Judiciário
ou mesmo dos outros poderes que integram a estrutura constitucional do
Estado. A figura da corrupção afeta hoje as mais variadas relações
humanas. Ainda que pudéssemos estabelecer um elo genético indissociável
entre moral e direito, a corrupção ainda assim se apresenta como
fenômeno criminológico intenso e presente. O desvirtuamento causado pelo
comportamento corrupto integra as esferas mais simplórias da existência
humana, como, verbi gratia, no caso do indivíduo que opta por furar um
sinal de trânsito, apoderar-se de coisa achada na rua a qual sabe não
ser sua, não devolver um celular que encontra, ou ainda, do indivíduo
que prefere trair a esposa sob o argumento de que ninguém nunca vai
saber.
Como dizia Aristóteles[iv], o bom cidadão não precisa ser um homem bom.
Mas precisa ter consciência de que é necessária a prestação de serviços
à Cidade. Muitas vezes, entretanto, observamos indivíduos ascenderem ao
poder, sem, contudo, estarem preocupados com a necessidade de fazer o
bem coletivo, ou ainda, lutar pela manutenção da ordem democrática e o
respeito ao espírito cívico. Quem sabe se tivéssemos administradores
melhor imbuídos do interesse público, nossas instituições funcionassem
de forma mais eficaz. Ainda não é assim.
Mas o que causa maior problema, não é isso. Nosso Código Penal, embora
sabidamente lei combativa aos corruptores da coisa pública, parece não
surtir efeitos. Não causa temor, muito menos é capaz de dissolver a
sensação de impunidade que contamina os cidadãos comuns. A prevenção
geral, lição que bem aprendemos ao estudar a teoria do crime, destaca a
necessidade de a sociedade temer a figura do crime e do delito. Em época
não muito distante, cientista criminal conhecido como Feuerbach,
criador da “teoria da coação psicológica”, preocupava-se com os efeitos
do tipo penal frente às condutas sociais, na louvável esperança de ver
refreado o espírito daqueles que trabalham com o intento de lesar os
bens jurídicos tutelados pelo direito. Contudo, nos dias de hoje, parece
que os corruptores não temem a pena. Na verdade, articulam cada vez
mais estratégias criminosas, impelidos pela desmensurada ambição de
enriquecimento rápido, sem trabalho e sem suor.
Toda esta estrutura criada faz incutir no cidadão a ideia de que o
crime pode vir a compensar. É este o raciocínio que os corruptores
nutrem ao elaborar planos audaciosos, como os que vemos noticiados a
todo instante.
Em certa época ouvia-se falar, também, de que a corrupção que nos afeta
é algo cultural, como um estigma que se apega às nossas heranças
ancestrais, das quais não existe combate ou cura. Sobre isso, ouso
discordar. A corrupção não é algo que se ensina nas escolas ou nos
livros. As histórias que fazem sucesso não são aquelas que se ligam a
indivíduos desprovidos de escrúpulos, ao contrário. Cultura, por sua
vez, relaciona-se com a atividade inventiva e criativa do ser humano.
Certos autores defendem que a cultura deve ser analisada através de
valores, instrumentos que encarnam as verdadeiras necessidades do ser
humano, tais como as aspirações espirituais e materiais do homem[v]. Em
nossa Constituição, os valores que defendemos vêm, inclusive, impressos
no próprio preâmbulo e, em nenhum momento, encontramos a valorização de
sentimentos que reflitam a defesa da gatunagem e esperteza, com a qual
alguns têm se vangloriado.
Certamente o que nos falta não são leis, mas o reforço efetivo e eficaz
de valores simples como a honestidade, ou ainda, da própria moralidade,
atualmente corroída pelos dogmas exagerados do individualismo e da
indecência do “ter” em detrimento do “ser”. É preciso coragem, seriedade
e força no combate à corrupção. Essa conscientização deve partir de
cada um de nós, desde as mais simples tarefas diárias, até em nossa
postura frente aos amigos, companheiros e colegas da vida.
Bruno Augusto Prenholato
Mestre
em Direito Internacional e Econômico pela Universidade Católica de
Brasília-UCB, advogado e professor do Instituto Processus de Brasília.
Notas
[i] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2008. P. 392.[ii] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 4. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2006. pp 372-378.
[iii] A corrupção dos juízes denominava-se boractaria, para expressar “o barato que se faz do dinheiro com a justiça” (Fragoso, H.C., Lições de Direito Penal, P.E., IV,.p. 909).
[iv] ARISTÓTELES. Política. Livro III, o cidadão a virtude e o corpo cívico.
[v] MACHADO NETO, Antonio Luis. Sociologia Jurídica. Editora Saraiva, 2? edição. São Paulo, 1973. P. 158.
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