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sábado, 10 de março de 2012

Ivan Lessa: Carta de um emancipado


Terça-feira os candidatos republicanos à presidência dos Estados Unidos foram protagonistas daquilo que, pela tradição, é chamado de "super-terça-feira", uma vez que seus partidários fazem valer suas preferências eleitorais em um grande número de Estados americanos, entre os quais encontra-se o Tennessee, onde floresceu, se cabe o verbo, a escravidão e um gênero típico musical, o rock'n'roll.



Lembrando-me de sua contribuição ao legado cultural de nosso grande país irmão do norte, e confiante que, seja qual for o republicano escolhido para a disputa do alto cargo ora ocupado pelo medíocre Barack Obama, veio-me à mente, como sempre acontecem essas coisas – uma ideia ou pensamento puxa outro – a história do escravo emancipado e uma carta por ele escrita em 1865, ano em que terminou a Guerra Civil americana, e que vem fazendo o interminável percurso na internet devido à sua originalidade e inteligência. Mais de 2 milhões já a leram.

A carta foi escrita com a colaboração de um advogado de Dayton, no estado de Ohio (também parte da "supervotação"), e era em resposta a uma "gentil oferta" feita por seu ex-"dono", o coronel Patrick Hennessy Anderson, de convencer, ou seduzir, o antigo escravo, Jourdon Anderson (era prática os escravos adotarem os sobrenomes de seus amos), a deixar o norte do país, onde ganhava US$ 25 por mês, e voltar a trabalhar para ele.

O "Coronel" (onde todos eram coronéis menos os escravos), que por duas vezes mandara bala em Jourdon, oferecia-se para reembolsá-lo e à sua mulher pelas décadas em que trabalharam de graça para o, como diríamos nós, "senhorzinho".

Nos trechos que pincei da carta do emancipado, Jourdon Anderson (ela é longa demais para este espaço que ocupo), procurei passar adiante o miolo de seu humor que ultrapassa qualquer sabedoria.

Após a introdução a "seu Velho Senhor" da cidade de Big Spring, diz ele, nos parágrafos abaixo traduzidos:

"Que bom não ter se esquecido de mim e querer que eu volte a trabalhar para o senhor. Prometendo inclusive fazer mais por mim que qualquer outra pessoa. Sempre me senti desconfortável ao me lembrar do senhor. Pensei que os Yankees há muito já o tivessem enforcado por acolher soldados rebeldes da Confederação em sua casa. Embora o senhor tenha atirado duas vezes em mim, eu não queria que nada de mau lhe acontecesse e folgo em saber que ainda está vivo. (...) Eu gostaria de saber principalmente quais as boas oportunidades que o senhor pretende me oferecer. Eu aqui vou indo bem, as crianças estão matriculadas no colégio e Grundy deverá ser pastor, segundo seu professor. Tratam-nos bem. Eu e Mandy vamos à Igreja com regularidade. Para que eu me decida, aguardo suas linhas explicando-me as vantagens que aí consigo eu teria. (...) Quanto à minha liberdade, que o senhor me diz que eu terei, nada tenho a lucrar com isso, uma vez que minha documentação de homem livre me foi dada em 1864 em Nashville. (...) Concluimos, Mandy e eu, que seria interessante que nos enviasse a quantia relativa a meus 32 anos e aos 20 de Mandy, período em que servimos ao senhor. Isto serviria para acertarmos nossas contas e nos ajudaria a perdoarmos certas coisas. Peço que inclua os juros habituais na quantia a ser enviada pela Adam's Express aos cuidados de V. Winters, Esq, Dayton, Ohio. (...) Confiamos que o Criador tenha enfim aberto seus olhos para as injustiças cometidas contra nós e nossos pais ao nos fazer trabalhar sem qualquer recompensa. (...) Minha maior vontade, neste momento, é ver meus filhos serem instruídos. Por favor, diga-nos ainda se alguma escola foi aberta perto de suas redondezas. Diga alô por mim a George Carter e agradeça a ele por ter tirado de suas mãos a pistola quando o senhor atirava em mim. De seu velho servo, Jourdon Anderson”

Na "super-terça-feira", candidatos republicanos são enfáticos quando se pronunciam contra a escravidão e seus legados.

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