A relação entre a imprensa e a realidade é parecida com aquela entre
um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente reflete: a imagem
do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é o objeto como
também não é sua imagem; é a imagem de outro objeto que não corresponde
ao objeto real.
Assim, o público — a sociedade — é cotidiana e sistematicamente
colocado diante de uma realidade artificialmente criada pela imprensa e
que se contradiz, se contrapõe e frequentemente se superpõe e domina a
realidade real que ele vive e conhece.
Como o público é fragmentado no leitor ou no telespectador
individual, ele só percebe a contradição quando se trata da
infinitesimal parcela de realidade da qual ele é protagonista,
testemunha ou agente direto, e que, portanto, conhece. A imensa parte da
realidade, ele a capta por meio da imagem artificial e irreal da
realidade que ele não percebe diretamente, mas aprende por conhecimento.
Daí que cada leitor tem, para si, uma imagem da realidade que na sua
totalidadee não é real. É diferente e até antagonicamente oposta à
realidade. A maior parte dos indivíduos, portanto, move-se num mundo que
não existe, e que foi artificialmente criado para ele justamente a fim
de que ele se mova nesse mundo irreal.
A manipulação das informações se transforma, assim, em manipulação da realidade.
[Nota do Viomundo: Perseu escreveu isso antes dos
bilhões de vasos comunicantes desconcentrados da blogosfera, que deu aos
leitores a oportunidade de trocar opiniões e críticas sobre o conteúdo]
*****
Os padrões de manipulação
[...]
3.3. Inversão da versão pelo fato: não é o fato em si que
passa a importar, mas a versão que dele tem o órgão de imprensa, seja
essa versão originada no próprio órgão de imprensa, seja adotada ou
aceita de alguém — da fonte das declarações e opiniões.
O órgão de imprensa praticamente renuncia a observar e expor os fatos
mais triviais do mundo natural ou social e prefere, em lugar essa
simples operação, apresentar as declarações, suas ou alheias, sobre
esses fatos. Frequentemente, sustenta as versões mesmo quando os fatos
as contradizem. Muitas vezes, prefere engendrar versões e explicações
opiniáticas cada vez mais complicadas e nebulosas a render-se à
evidência dos fatos. Tudo se passa como se órgão de imprensa agisse sob o
domínio de um princípio que dissesse: se o fato não corresponde à minha
versão, deve haver algo de errado com o fato.
[...]
3.4. Inversão da opinião pela informação. A utilização
sistemática e abusiva de todos esses padrões de manipulação leva quase
inevitavelmente a outro padrão: o de substituir, inteira ou
parcialmente, a informação pela opinião. Deve-se destacar que não se
trata de dizer que, além da informação o órgão de imprensa apresenta
também a opinião, o que seria justo, louvável e desejável, mas sim que o
órgão de imprensa apresenta a opinião no lugar da informação, e com o
agravante de fazer passar a opinião pela informação. O juízo de valor é
inescrupulosamente utilizado como se fosse a própria mera exposição
narrativa/descritiva da realidade. O leitor/espectador já não tem mais
diante de si a coisa tal como existe ou acontece, mas sim uma
determinada valorização que o órgão quer que ele tenha de uma coisa que
ele desconhece, porque o seu conhecimento lhe foi oculto, negado e
escamoteado pelo órgão.
Essa inversão é operada pela negação, total ou quase total, da
distinção entre juízo de valor e juízo de realidade, entre o que já se
chamou de “gêneros jornalísticos”, ou seja, de um lado a notícia, a
reportagem, a entrevista, a cobertura, o noticiário e, de outro, o
editorial, o artigo, formas de apreensão e compreensão do real que,
coexistentes numa mesma edição ou programação, se completavam entre si e
ofereciam ao leitor alternativas de formar sua (do leitor) opinião, de
maneira autônoma e independente.
Hoje, exatamente ao contrário, o fato é apresentado ao leitor
arbitrariamente escolhido dentro da realidade, fragmentado no seu
interior, com seus aspectos correspondentes selecionados e
descontextualizados, reordenados inadvertidamente quanto a sua
relevância, seu papel e seu significado, e, ainda mais, tendo suas
partes reais substituídas por versões opiniáticas dessa mesma realidade.
Ao leitor/espectador, assim, não é dada qualquer oportunidade que não a
de consumir, introjetar e adotar como critério de ação a opinião que
lhe é autoritariamente imposta sem que lhe sejam igualmente dados os
meios de distinguir ou verificar a distinção entre informação e opinião.
PS do Viomundo: Rapaz, eu juraria que o Perseu escreveu isso neste fim-de-semana, depois de ler certa revista…
Nenhum comentário:
Postar um comentário