Na contramão da tendência mundial, autoridades paulistas agem para desnacionalizar um setor estratégico para economia brasileira: a engenharia de projetos
Por José Roberto Bernasconi *
Sobre o mesmo tema: Em nosso blog, “Como o tsunami cambial começou a afetar o Brasil”
A competitividade de um país em um cenário internacional marcado pela
recessão europeia, pelas dificuldades econômicas das nações
desenvolvidas e a provável diminuição do crescimento da China, com o
acirramento da concorrência pelos mercados mundiais, é dada por sua
capacidade de produzir inovação e tecnologia em produtos de alto valor
agregado e com custos competitivos.
Nessa conjuntura, a situação do
Brasil é preocupante, especialmente quando um estado tão importante para
o PIB nacional, como São Paulo, dá sinais de que pretende recorrer à
inteligência estrangeira –mais exatamente espanhola– em setor tão
fundamental como o de projetos de engenharia para o desenvolvimento da
infraestrutura metroviária na capital e na Grande São Paulo.
Se essa intenção for levada à prática pelos governos
paulista/paulistano na expansão do metrô de São Paulo, que possui plano
de investimentos de R$ 60 bilhões até 2018, na ampliação de três linhas
já existentes e a criação de duas novas linhas, os governantes do estado
e da prefeitura de São Paulo estarão incentivando a desindustrialização
do país e a transferência de empregos e recursos para a Espanha. E o
que é pior: tudo pago com dinheiro brasileiro. A justificativa alegada
para essa iniciativa, de que “hoje temos carência de engenheiros para a
execução de projetos” é, no mínimo, um equívoco. A causa fundamental de o
metrô paulistano não conseguir se expandir na velocidade suficiente
para atender ao aumento da demanda é a falta de planejamento, não de
engenheiros ou de profissionais de projeto. O fato de o Metrô/SP ter
construído apenas dois quilômetros de linhas por ano nos últimos 32 anos
deve-se a diversos fatores, entre eles, a prolongada recessão que
acometeu o Brasil nos últimos 25 anos (1980-2005), diminuindo os
recursos e o investimento público em transportes, assim como nas demais
áreas de infraestrutura. E, sobretudo, pela falta de planejamento
rigoroso e consistente, que preveja e assegure no orçamento recursos
compatíveis com as necessidades de expansão da rede metroviária.
O Brasil tem cerca de 20 mil empresas de projeto de arquitetura e
engenharia, distribuídas pelo país, a maior parte delas localizada em
São Paulo. Essas empresas foram responsáveis por projetos do Metrô
paulistano, desde seus primórdios, de hidrelétricas como Ilha Solteira,
Porto Primavera, Jupiá, entre outras, além de projetos de portos,
aeroportos, de rodovias-símbolo, como a dos Imigrantes, Bandeirantes e
Ayrton Senna, por exemplo, e possuem um know-how acumulado a duras penas
e com grande investimento, dos profissionais, boa parte deles com
mestrado e doutorado, e da sociedade, por meio de inversões em
universidades públicas com faculdades de engenharia de ponta, que formam
e especializam esses profissionais de alto nível.
A engenharia é uma das bases mais fortes para dar suporte à inovação,
ao incremento tecnológico e, portanto, à competitividade de um país.
Estados Unidos, Europa – especialmente Espanha, Inglaterra, Alemanha,
França e Bélgica –, Japão e China têm pleno conhecimento disso e não
permitem que empresas e profissionais estrangeiros atuem livremente em
seus territórios. A China, que ostenta os maiores índices de crescimento
do PIB industrial, só admite que empresas estrangeiras operem no
mercado chinês por meio de joint ventures com empresas locais. Os
Estados Unidos, os países europeus, China e Japão, entre outros,
utilizam os projetos de engenharia e financiamentos para vender obras e
equipamentos. O Brasil, atualmente um dos países mais visados pelas
nações em crise econômica, tem uma oportunidade única para explorar essa
situação privilegiada em seu próprio benefício. Para isso, as empresas
brasileiras de projetos de arquitetura e engenharia podem contratar
profissionais de países em dificuldades, como Portugal e Espanha, por
exemplo, que trariam sua expertise e a compartilhariam com os
profissionais brasileiros, transferindo conhecimento e tecnologia.
Os benefícios para o Brasil seriam visíveis, não somente no curto
prazo, mas especialmente nas próximas décadas, com a melhoria da
competitividade brasileira em áreas estratégicas e de grande valor
agregado. Isto é fundamental para revertermos o atual quadro econômico
brasileiro, no qual a indústria, que já representou 25% do PIB, hoje
reduziu-se a menos de 15% – retrato vivo da desindustrialização do país –
com o déficit na balança comercial industrial atingindo mais de US$ 90
bilhões.
Introduzir empresas estrangeiras de projetos nas grandes obras é como
facilitar a entrada de um verdadeiro ‘Cavalo de Tróia’ no país. Esse
risco pode e deve ser evitado se os governantes mirarem no exemplo do
setor de óleo e gás, cuja política governamental exige no mínimo 65% de
conteúdo nacional, incluídos nesse percentual os projetos de engenharia.
Ou seja, da inteligência estratégica para o desenvolvimento sustentável
do país.
*José Roberto Bernasconi é presidente da Regional São Paulo do Sinaenco (Sindicato da Arquitetura e da Engenharia)
Nenhum comentário:
Postar um comentário