De Roma, especial para o Portal Terra.
O
governador Geraldo Alckmin, efetivamente, não tem nenhum cacoete de
estadista. Ele acaba fornecer, e não só aos paulistas, a prova provada
do seu diletantismo frente a questões maiores e fundamentais.
Alckmin
acaba de dar, com apoio em dispositivo constitucional que claramente
não atende ao interesse público, um tapa na cara dos promotores e dos
procuradores de Justiça do estado de São Paulo. Isto ocorreu ao
preterir, para a chefia do Ministério Público estadual, o mais votado
pelos membros da instituição.
O
governador paulista escolheu, na lista tríplice apresentada e a quebrar
salutar tradição democrática e republicana, o segundo mais votado. Ou
melhor, ele preferiu o mais palatável pela proximidade com a sua equipe
de governo e com a do candidato a prefeito municipal José Serra, que
lidera as pesquisas de intenção de votos.
A
propósito, a equipe de governo de Alckmin é integrada por membros
licenciados do Ministério Público, que fizeram pressão para que a
escolha recaísse no segundo mais votado. Também o referido Serra se
cerca de antigos procuradores. Vale lembrar que, após a Constituição de
1988, membros do Ministério Público não podem deixar a instituição para
ocupar cargos, por eleição ou nomeação, em outros poderes (Legislativo,
Executivo e Judiciário). Por isso, e a título de exemplo, é que temos
Demóstenes Torres como senador da República.
O
dispositivo constitucional, segundo já interpretou incorretamente o
Supremo Tribunal Federal, não é retroativo. Assim, os membros do
Ministério Público empossados antes da promulgação da Constituição podem
se licenciar para ocupar cargos ou funções em outros poderes.
O
falido sistema brasileiro centraliza, com exclusividade e na figura do
procurador-geral, a legitimidade para a iniciativa de procedimentos e
ações criminais em face de detentores de foros privilegiados.
Só
para lembrar, o procurador-geral da República é escolhido pela
presidente da República. A recondução do atual procurador-geral da
República, Roberto Gurgel, foi cuidada, junto à presidente Dilma, pelo
então ministro Antonio Palocci, de triste memória. No governo FHC, o
procurador-geral da República reconduzido ficou conhecido pelo apelido
de “engavetador-geral da República”.
Como
sabem até as portas dos auditórios dos fóruns e dos tribunais, a
independência do Ministério Público é vital num Estado Democrático de
Direito. São relevantíssimas as suas atribuições de representar a
sociedade civil e em nome dela, por exemplo, ser o titular da ação penal
pública.
Alckmin
não poderia ter errado tanto. Vale frisar, ainda, que deu o tapa na
cara dos promotores e dos procuradores de Justiça do estado de São Paulo
num momento em que o mundo civilizado recorda os 20 anos da célebre
Operação Mãos Limpas (Mani Pulite), de sucesso absoluto na repressão à
corrupção político-partidária italiana.
Só
para lembrar, a Operação Mãos Limpas, iniciada pela magistratura do
Ministério Público de Milão (não existe foro privilegiado na
Constituição italiana de 1948), mostrou que pode ter corrupto de
esquerda, de direita, de centro e até verde. Enfim, de todas as
ideologias e em todos os partidos. Para se ter ideia, um dos alvos foi o
então primeiro-ministro Bettino Craxi, que fugiu para a Tunísia e lá
permaneceu até falecer de morte natural, em janeiro de 2000.
Diante
do apurado pela Operação Mãos Limpas nenhum partido político teve
condições éticas e legais de sobreviver. Vieram novos partidos e,
alguns, recuperaram antigos condenados: um deles, salvo pela prescrição
criminal, foi ministro por dois dias do então premiê Silvio Berlusconi: a
pressão popular foi tamanha que Aldo Brancher deixou o cargo. Na semana
passada, Brancher foi apanhado pelo Ministério Público em novo
escândalo, desta vez com o senador Umberto Bossi, da Liga Norte.
O
importante é que, após a Operação Mãos Limpas (que nada tem a ver com
Máfia como se pensa no Brasil), a magistratura do Ministério Público
italiano continua independente, forte e atenta.
Como
já mencionei neste espaço, e vale repetir para se comparar um sistema
que funciona com outro, o brasileiro, dos privilégios e da competência
exclusiva dos procuradores-gerais, a sociedade civil italiana acompanha,
no momento, o escândalo referente ao líder do poderoso partido da Liga
Norte. Com independência e autonomia, atuam os procuradores de Nápoles,
Calábria e Milão. Os magistrados do Ministério Público, de Nápoles,
Calábria e Milão, apanharam, com a boca na botija, o senador Bossi e a
vice-presidente do Senado, Rosy Mauro. Cerca de 500 milhões de euros de
reembolsos públicos de campanhas foram desviados para cobrir despesas
da família Bossi. A vice-presidente do Senado, Rosy Mauro, recebia um
mensalão da Liga Norte de Bossi (já demissionário da secretaria-geral do
partido). Isso para ela e para o amante que é o seu chefe de gabinete.
Com o mensalaão, Rosy Mauro abriu até um sindicato.
Pano Rápido.
O governador Geraldo Alckmin não quis um procurador-geral independente e
deixou de lado a regra democrática de escolher o mais votado, em
um sistema que tem o vício de deixar ao fiscalizado (chefe do Executivo)
a escolha do fiscalizador.
Wálter Fanganiello Maierovitch
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