Por Izaías Almada.
Enquanto a
reforma política brasileira inspira a fantasia de inúmeros cidadãos e
fica arquivada e esquecida em gavetas de Brasília, torna-se necessário,
vez por outra, avaliarmos o quadro geral da República nessa área e nos
debruçarmos sobre uma ou outra questão de inegável relevância.
Uma delas,
em ano eleitoral, é a formação desse novo partido que, indicam as
circunstâncias, se constituirá – mesmo diminuindo o número de seus
representantes no Congresso a cada eleição – no arauto do atraso,
profeta do passado, no exemplo da intolerância, no arrimo da imoralidade
pública e privada. Trata-se do jovem Frankenstein dos nossos partidos,
cujos remendos vão sendo costurados à medida que o país toma
conhecimento da verdade sobre a grande conspiração entre bandidos da
imprensa, bandidos do congresso nacional e bandidos de outras origens e
atividades, também conhecidos por empresários de jogos ilegais.
Quando se
pensa que chegamos ao fundo do poço da ignomínia e do deboche de
honrados cidadãos, capazes que são de esticar a mão para dentro dos
cofres públicos e recolhê-las para dentro dos próprios bolsos, os deuses
da ética nos brindam com novas e patéticas novidades sobre o bloco dos
bandidos do colarinho branco e de caráter bem sujo. Sobre o assunto,
recomenda-se a leitura de A Privataria Tucana e os relatórios da PF sobre a operação Monte Carlo.
Saber que há
grupos e corporações embaralhando e dando as cartas no jogo político e
econômico do capitalismo, no jogo do público e do privado, não é
propriamente uma novidade. Que se disputa o poder político seja através
de eleições democráticas ou mesmo de revoluções populares ou golpes de
estado, consoante o interesse a ser contemplado ou imposto, também isso é
tão antigo quanto o próprio sistema e a história do homem. Logo, não
seria nada espantoso para a atual sociedade brasileira mais essa
investigação da Polícia Federal que veio à tona nas últimas semanas.
Contudo,
ainda é possível a muitos de nós o sentimento de indignação ou, o que é
pior, o amargor de nos sentirmos impotentes diante da pusilanimidade e
do deboche com que certos políticos denigrem não só a sua própria imagem
e a dos partidos que representam, mas – sobretudo – a natureza da
atividade a que se dedicam como homens públicos e (na teoria, pelo
menos) o de serem os guardiães dos princípios éticos e democráticos.
A ditadura
de 1964/68 criou dois partidos políticos artificiais, Arena e MDB,
apenas para dar ao país e talvez ao mundo a fugaz impressão de que a
troca de generais e a existência de um congresso com dois partidos ali
representados espalhassem a sensação de sermos uma ‘ditabranda’, segundo
o neologismo criado por algum sociólogo de botequim…
De lá para
cá o país foi governado dentro da cartilha neoliberal e a tal Aliança
Renovadora Nacional, antes de se tornar PFL e agora DEM, deitou e rolou
sob a proteção da força militar, com a ajuda de uma imprensa subjugada
ou defensora de seus próprios interesses e do interesse de seus grandes
anunciantes, da cooptação sistemática de acadêmicos e intelectuais, da
destruição das garantias dos trabalhadores, da escravização para o
trabalho no campo, do sucateamento do ensino e da saúde, da privatização
de empresas públicas, a tal ponto que a eleição de um operário
metalúrgico e uma ex-guerrilheira, com milhões e milhões de votos nas
urnas, mesmo que com grande empenho da parte deles, ainda não foi capaz
de quebrar a espinha dorsal de tal domínio.
Entre 1964 e
2012, duas novas gerações de brasileiros passaram dos bancos escolares à
direção de empresas, de alunos a professores, de eleitores de primeira
viagem ao conjunto de novos governantes nos níveis municipais, estaduais
e federais, de filhos a pais, de pais a avós, de indiferentes a
participantes ou vice e versa, juntando-se todos aos mais velhos com a
sua experiência adquirida no pós guerra para uma caminhada cheia de
esperanças e frustrações. Todos, absolutamente todos, a se informarem e a
formarem opiniões a partir de jornais, revistas semanais e canais de
televisão, de cujos editais escorre o veneno da injúria, mata-se a
reputação de adversários políticos e concorrentes nos negócios privados
e, sobretudo, públicos.
Nessa
caminhada sobrecarregada de decepções nos campos da política partidária,
onde o que menos importa em muitos casos é o interesse do país; no
exercício da justiça, cujo palco é manchado pela vaidade e até pela
corrupção de juízes apequenados; na correção mais implacável das mazelas
sociais, com um grau nada desprezível de sucateamento na educação
formal; na luta pela soberania do país contra a eterna falácia dos
entreguistas, e com as ideologias se baralhando, programas de governo se
distanciando dos seus objetivos, políticos a mudarem de partidos,
partidos a mudaram de nomes, o país a mudar de fisionomia, sendo que nos
últimos nove anos – sob alguns bons aspectos – até para melhor, mas
ainda assim sem a convicção de que se pode mudar mais e com mais
verticalização e segurança.
Não
obstante, pesados os prós e os contras, não podemos perder de vista a
estratégia do adversário, quando ela existe e, sobretudo, a do inimigo. A
cultura do dinheiro e do sucesso a qualquer custo, a competição
selvagem como alavanca para o progresso e para o desenvolvimento, a
eliminação paulatina dos conceitos éticos, a mentira e a falácia como
armas de convencimento e difusão de ideias, continuam a ser o manancial
onde se abastecem a esperteza de maus políticos, da imprensa venal e da
justiça de classe, esse triunvirato de imenso poder corrosivo sobre uma
sociedade que ainda não conseguiu se descolar inteiramente do seu
passado de país escravagista, monocultor, aculturado e dependente.
A educação
formal no Brasil ainda não foi capaz, apesar de inúmeras tentativas, de
criar mecanismos que apetrechem o cidadão, desde os primeiros bancos
escolares, a refletir e entender os direitos e deveres do convívio
social, de maior respeito ao coletivo, aos direitos do outro, do combate
cotidiano ao princípio de ‘tirar vantagem em tudo’ e até de aceitar a
corrupção dos amigos e combater a dos adversários ou mesmo inimigos. A
cultura do ‘farinha pouca meu pirão primeiro’… Ainda há um caminho a
percorrer, difícil, cheio de armadilhas, que requer paciência e
perseverança no dia a dia, nas semanas e meses que passam, inexoráveis.
As eleições municipais de 2012 vão retomar esperanças e oferecer ao
Brasil nova oportunidade de outro passo à frente, de outra batalha
contra os que insistem em olhar para um país que quer abandonar o lado
mais escuro do seu passado.
E se há um
partido político que representa no Brasil de hoje não só uma visão de
passado e de retrocesso político, a que devemos todos estar bem atentos
para não retroagirmos nesse pouquinho de democracia conquistada, nos
avanços na área econômica e na defesa de nossa soberania, esse partido
que junta o reacionarismo conservador ao discurso da modernidade
neoliberalizante, atende no momento pela obscena sigla de PSDEMB.
***
Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968.
Nenhum comentário:
Postar um comentário