Por Izaías Almada.
"A verdadeira
democracia não se compraz com a ação deletéria dos pusilânimes. Muito
menos com a ação de uma imprensa que se nutre na seiva da mentira e da
chantagem, de um Congresso acovardado e de um Judiciário manipulado por
interesses criminosos"
A fotografia
do contraventor Carlos Cachoeira nas páginas de vários jornais
brasileiros, com um sorriso que mistura cinismo e arrogância, é um
deboche contra a sociedade brasileira. E cabe aqui indagar: existem
ingênuos na política?
Minha
primeira resposta à pergunta acima é dizer sim. Até para me defender de
uma possível vontade de dizer não e com isso cair na generalização sobre
a atividade exercida profissionalmente por milhares e milhares de
vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores, ministros,
juízes e até presidentes da república.
Contudo, os
últimos acontecimentos políticos no Brasil provocados pela operação
Monte Carlo da Polícia Federal, onde se descobriu, ao que tudo indica, o
ninho de um jornalismo marginal e criminoso entre nós, parecem indicar
que sim: existem políticos ingênuos. Ou melhor: políticos e não só cuja
ingenuidade poderá agora ser posta à prova, tendo estes a oportunidade
de comprovarem a sua boa fé ou – e isso será curiosamente revelador – se
usam ou usaram os seus cargos e seus mandatos ou eventuais postos de
comando em determinadas situações para cometerem – sob o disfarce das
leis que os protegem – crimes contra a democracia, o povo e a
constituição federal brasileira.
Tomemos aqui
alguns exemplos bem recentes para comprovarmos a nossa modesta tese. O
caso do procurador geral da república Roberto Gurgel que, ao receber
relatório da Polícia Federal da Operação Vegas sobre as contravenções do
empresário bicheiro Carlinhos Cachoeira e que não levou à frente o
processo. Ingenuidade ou o procurador compactuou com o crime organizado?
Vendo-se
confrontado com a possibilidade de ser chamado a comparecer à CPMI
Veja/Demóstenes/Cachoeira para explicar a lambança, quis dar a entender
que essa possibilidade seria uma tentativa de vingança dos que estão
para responder sobre o Mensalão de 2005. Acontece que o Mensalão de
2005, como lembra o jornalista Mino Carta, está por se provar. Mais que
isso: existem indícios de que esse mesmo mensalão, que provocou uma
grande CPI no Congresso Nacional, com enormes gastos para os cofres
públicos, teria sido concebida no vente de uma operação de crime
jornalístico entre o bicheiro e a revista VEJA.
O senador
Demóstenes Torres, o Catão do cerrado (como é chamado pelo jornalista
Paulo Henrique Amorim), homem íntegro e probo até prova em contrário
está a poucas horas de depor na CPMI e ali desfazer a cachoeira de
denúncias que pesam contra ele. Na sua ingenuidade, talvez, o ínclito
senador Demóstenes pensou em ajudar o Brasil a se livrar de homens
corruptos, tornando-se amigo do empresário Carlos Cachoeira, num claro
exemplo de maquiavelismo e perspicácia política às avessas. Ou seria o
contrário?
Nessa
cruzada cívica, juntou-se a jornalistas experientes e também ingênuos,
pois a melhor maneira de denunciar os crimes – segundo a tese desses
mesmos jornalistas – é unir-se aos criminosos, nem que seja por dever de
ofício. Afinal, a melhor maneira de surpreender e denunciar um crime é
aliar-se ao criminoso. A tese deveria entrar no currículo das escolas
como técnica de jornalismo investigativo.
A revista
VEJA, exemplo da mais cristalina ética jornalística e grande defensora
dos direitos de liberdade de expressão para ela e alguns coleguinhas,
escreveu numa de suas últimas capas esta pequena chamada: ‘Como
Demóstenes conseguiu enganar tantos em tanto tempo?’ Quanta isenção, não
caro leitor? Quanto espírito crítico… Como é que essa tribuna da
liberdade de imprensa, essa luz que ilumina a escuridão no país, se
deixou enganar, como todos nós, por tanto tempo? Ingênuos, talvez?…
O relator da
malfadada CPI do dito mensalão, senador Osmar Serraglio, outro que deve
andar com a pulga atrás da orelha, também apareceu esses dias na
imprensa para defender o relatório final dos trabalhos que comandou.
Claro: como explicar aos seus eleitores e ao país que Caixa 2 não é
pagamento de mensalidade a deputados para votarem matérias de interesse
do governo? Como explicar que os vídeos com o funcionário dos correios
recebendo propina e do funcionário Waldomiro Diniz foram manipulados
para uso criminoso contra membros do governo Lula? Como admitir que
fossem enganados por uma quadrilha comandada por um bicheiro e
manipulados por interesses corporativos apoiados por jornalistas venais e
inescrupulosos?
Ninguém
gosta de admitir que foi ou é enganado, ainda mais por bandidos. São
histórias que me fazem lembrar o velho e surrado golpe do bilhete
premiado. A vítima, gananciosa ou ingênua, jamais se perdoará pelo papel
ridículo que faz.
Nos exemplos
acima citados, e outros poderão ser comprovados no avançar da
CPMI-Demóstenes/VEJA/Cachoeira, ficamos todos com a impressão de que boa
parte de nossos políticos, alguns empresários, juízes e donos dos
principais meios de comunicação do país são pessoas ingênuas, crédulas
nas suas próprias boas intenções e de seus pares e sócios no crime,
quero dizer, no desvelo para com a nação.
Conclusão? O
ingênuo Policarpo, abençoado pelo chefão, telefonou duzentas vezes ao
contraventor Cachoeira para ver se ele era mesmo contraventor. Como não
encontrou provas disso, defendendo-o publicamente numa outra CPI,
arriscou dizer ao chefão que descobriu umas coisinhas nas conversas que
poderiam limpar o país da gigantesca corrupção dos bandidos do PT.
Publique-se, disse o ingênuo chefão. Televisões ingênuas e jornais
ingênuos repercutiram as conversinhas do ingênuo Policarpo com o
exemplar cidadão Cachoeira e o país mergulhou num mar de lama nunca
dantes visto entre nós.
Olhos
atentos e nada ingênuos de homens praticantes de privatarias e outras
licitações ilícitas riam-se a bandeiras despregadas, antegozando a volta
ao poder. Nessa altura centenas de milhares de ingênuos se deram as
mãos no Legislativo, no Judiciário, na Imprensa, na sociedade em geral
e, numa demonstração inequívoca de que somos uma nação que preza a
democracia em todos os seus pormenores, julgamos e condenamos cidadãos
antes que pudessem se defender.
Nada como o
passar do tempo.
Sempre haverá uma luz no final do túnel e com toda a
certeza ela não provém da imprensa calhorda que debocha do ingênuo
cidadão brasileiro, pois ingênuos somos nós, contribuintes e eleitores.
A verdadeira
democracia não se compraz com a ação deletéria dos pusilânimes. Muito
menos com a ação de uma imprensa que se nutre na seiva da mentira e da
chantagem, de um Congresso acovardado e de um Judiciário manipulado por
interesses criminosos.
***
Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968
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