Bruna Ventura
Para garantir os lucros da Fifa, a organização da Copa do Mundo de 2014 fere “direitos já consolidados” no Brasil, segundo Erick Omena, pesquisador do Observatório das Metrópoles e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ).
Quando Omena fala em “direitos já consolidados”, ele se refere aos
retrocessos nas legislações em vigor, que, de acordo com o pacote da
Copa, podem ser alteradas por conta dos interesses da Fifa e de seus
parceiros.
Apesar de a Lei Geral da Copa
ocupar o centro do debate, o pesquisador lembra que há outras medidas e
consequências relacionadas ao megaevento que podem ferir os direitos da
população brasileira. Veja abaixo como a organização da Copa pode ferir
os nossos direitos:
Estatuto do Torcedor
Com uma cervejaria entre seus patrocinadores oficiais, a Fifa contraria o Estatuto do Torcedor
e libera o consumo de álcool nos estádios. Além disso, suspende o
artigo do estatuto que limita os preços dos alimentos comercializados
durante os jogos.
Código de Defesa do Consumidor
A Lei da Copa concede à Fifa exclusividade na divulgação, propaganda,
venda e distribuição de produtos, serviços e marcas relacionadas ao
evento esportivo. As regras relativas aos ingressos, por exemplo, seriam
determinadas pela entidade, e não pelo Código de Defesa do Consumidor.
Meia entrada
A Fifa reservou 300 mil ingressos para os assentos da chamada
categoria 4 (os piores lugares dos estádios) para brasileiros e 100 mil
para pessoas de baixa renda, indígenas e idosos, que terão direito à
meia entrada. Os estudantes só poderão pagar meia na categoria 4,
segundo informações do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Comércio local e ambulantes
É proibido comercializar qualquer produto que faça menção à Copa de
2014 dentro das chamadas Áreas de Restrição Comercial, isto é, nos
estádios, em seus entornos e vias de acesso. Nessas áreas, somente a
Fifa pode operar. Além de constituir monopólio, a medida restringe a
liberdade de escolha, direito garantido pelo Código de Defesa do
Consumidor.
Livre expressão popular
A customização de calçadas e muros de propriedades privadas ou
públicas com referências à Copa está proibida nas Áreas de Restrição
Comercial.
Tribunais especiais
A“utilização indevida de símbolos oficiais” será crime punido com
detenção e multa. “A punição é mais severa do que seria na nossa
legislação vigente. No entanto, a garantia de monopólio da Fifa, que
esvazia o potencial do comércio local, está legitimada”, afirma Erick
Omena.
Direitos de imagem, som e radiodifusão
A Fifa é titular exclusiva de todos os direitos de imagem, som e
radiodifusão. A entidade pode limitar a presença da imprensa, como fez
durante o sorteio das eliminatórias, em julho de 2011.
Responsabilidade da União
A União responderá amplamente por “todo e qualquer dano resultante ou
que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de
segurança relacionado aos eventos”. A obrigação de indenizar a Fifa com
verbas públicas é legitimada de forma genérica, já que quase tudo se
enquadraria nessa formulação.
Isenção de impostos
A lei 12.350,
conversão de uma medida provisória, isenta a Fifa e seus parceiros de
impostos como Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto
sobre Operações Financeiras (IOF), Imposto de Renda e até mesmo
contribuições sociais. “Essa lei vai contra todo o discurso político de
benefícios trazidos por megaeventos”, declara Omena.
Regime Diferenciado de Contratações
O já aprovado Regime Diferenciado de Contratações, ou RDC, torna as
regras de licitações ligadas à Copa menos rigorosas, sobretudo quanto à
obediência ao princípio da publicidade de dados públicos. “Pelo RDC, é
possível atribuir a uma mesma empresa a responsabilidade por todo o
processo de planejamento e execução, isto é, a própria empresa
contratada pode determinar os parâmetros a serem seguidos por ela mesma
ao longo da implantação do empreendimento, através da chamada
contratação integrada”, afirma Omena.
Megaendividamento
A Lei 12.348, conversão de uma medida provisória, altera o limite de endividamento dos municípios para a Copa.
“Os mesmos municípios não podem comprometer o seu Orçamento além do
limite com questões urgentes, como saneamento básico”, diz Omena.
Remoções compulsórias
A previsão é que 150 mil famílias das doze cidades sedes da Copa sejam removidas até 2014, segundo levantamento do Comitê Popular da Copa. No Morro da Providência, Centro do Rio, as remoções já começaram. Engenheiros voluntários do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea-RJ)
contabilizam que ao menos 832 famílias da Providência devem ser
desalojadas para a construção do Porto Maravilha. “Não está havendo
debate com a sociedade, principalmente com os grupos mais afetados, dos
pequenos comerciantes, ambulantes e moradores de comunidades”, afirma
Erick Omena. “Onde estão os ganhos da população?”.
Imóveis mais caros
Um levantamento feito pelo Sindicato da Habitação do Rio de Janeiro (Secovi Rio) mostrou que os valores de imóveis na cidade aumentaram 700% nos últimos dez anos. Desde 2008, os preços crescem acima da inflação.
Para o Comitê Popular da Copa, a especulação imobiliária somada às
remoções de moradias populares “aprofundam o apartheid social pela
vertente da habitação”.
Transporte
A mobilidade urbana também foi analisada pelo Comitê, conforme publicado no Dossiê de Megaeventos e Violações de Direitos Humanos,
lançado em abril. A passagem de ônibus teve reajuste de 10% em 2012,
enquanto a das barcas que ligam o Rio a Niterói aumentou mais de 60%. O
metrô carioca, a R$ 3,20, é o mais caro do país, e as obras de
integração estão sendo realizadas sem transparência, segundo o Comitê.
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