“Que continuemos a nos omitir da política é tudo o que os malfeitores da vida pública mais querem” - Berthold Brecht
Diante das greves que estão se alastrando país afora, tanto dos
docentes e servidores de Instituições Federais do Ensino Superior como a
dos trabalhadores do transporte público, vêm à tona o velho debate em
torno do direito à greve, sua legitimidade e interpretações a seu
respeito.
POr definição ‘greve’ é a suspensão temporária e coletiva do trabalho
condicionado à aprovação da entidade representativa da categoria
(sindicato), mediante assembleia com o intuito de reivindicar melhores
condições de trabalho, ampliação dos direitos ou evitar a perda de
benefícios. Esse direito está assegurado pelo artigo 9º da Constituição
Federal de 1988 e regulamentado pela Lei 7.783 de Junho de 1989 e prevê
que, após ocorrerem tentativas frustradas de negociação, é facultado aos
trabalhadores o direito a greve.
Na prática, percebe-se que, mais do que uma forma legal de
manifestação do trabalhador por melhorias, a greve se constitui como um
importante instrumento de mobilização em prol de interesses coletivos.
Isso, por sua vez, credita a ela um caráter não só de luta política
contra as instituições que oprimem os trabalhadores, mas também como
exercício de cidadania, direitos humanos, identidade coletiva e
solidariedade.
Responsabilidade do Estado
Nos dias de hoje, cada vez mais as pessoas estão sendo condicionadas a
pensar somente em si próprios. E há uma grande parcela de culpa do
Estado em relação a isso. O que temos visto, sobretudo com as reformas
ocorridas pós-90, é a redução da responsabilidade da esfera pública
sobre o bem-estar social e a garantia de serviços básicos como educação,
saúde, previdência e habitação que tem sido paulatinamente transferido à
responsabilização das famílias. Dia após dia percebemos que o governo
atua, de alguma forma, para reduzir os gastos sociais sob o pretexto da
necessidade de equilibrar as contas públicas!
Conforme destacou o jornal ‘O Globo’ de 27/05, Espanha, EUA e Chile
passaram, num passado não muito distante, por reformas (des) estruturais
no ensino superior, substituindo as universidades públicas tradicionais
por programas de bolsas e financiamento público estudantil aos
ingressantes em instituições privadas (equivalentes ao PROUNI e FIES no
Brasil) e, atualmente, a realidade mostra que a formação superior nesses
países está cada vez mais inacessível às classes média e trabalhadora.
Ato Político
A greve atual dos docentes e servidores da IFES trata-se, portanto,
de um ato político contra essas reformas que estão tirando direitos dos
"A greve atual dos docentes e servidores da IFES trata-se, portanto, de um ato político contra essas reformas que estão tirando direitos dos cidadãos e responsabilidades atribuídas historicamente ao Estado" |
cidadãos e responsabilidades atribuídas historicamente ao Estado.
Logo, apoiá-la significa resgatar o sentido histórico da solidariedade,
olhar para o outro como o reflexo de si mesmo e pensar que os benefícios
conquistados por aqueles que se dispõe a reivindicar são compartilhados
por todos!
Vejamos pelos salários o quão os serviços públicos ligados à
educação, saúde e assistência social estão à margem das preocupações
atuais do estado: Sinasefe (clique para ver o post) .
Percebe-se a partir do gráfico que as atividades ligadas à seguridade
social e educação estão entre as mais mal remuneradas, enquanto as
funções relacionadas à manutenção da ordem e ao controle burocrático e
jurídico-institucional são as que pagam melhor. Os professores do ensino
superior, por exemplo, não só são os servidores públicos federais com
doutorado mais mal remunerados do Brasil, como detém salários inferiores
a diversos cargos que exigem apenas ensino médio ou superior. Diante
dessas constatações podemos nos perguntar: Que tipo de estado estamos
constituindo? Políticas sociais e educação ainda se constituem como
políticas universalizantes e de interesse público?
Muito além da aparente visão de que as reivindicações são meramente
salariais, os professores estão lutando pela melhoria das condições de
trabalho e manutenção da educação pública, gratuita e de qualidade. O
Projeto de Lei 2203/2011 proposto pelo governo prevê, por exemplo, a
remuneração complementar de professores mediante projetos financiados
pela iniciativa privada. Ainda que isso possibilite um salário maior aos
professores que sujeitarem a tais práticas, esta proposição compromete a
estrutura e o caráter da universidade pública que deve estar
comprometida com ensino, pesquisa e extensão pensados em prol da
sociedade e não dos interesses do setor privado.
Infraestrutura
Quanto às condições de trabalho, pode-se inferir que, se por um lado o
governo propagandeia a expansão de vagas nas IFES através de um
programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - o
Reuni, por outro, não providenciou os investimentos necessários em
infraestrutura, superlotando salas de aula e chegando ao cúmulo de
improvisar salas e secretarias até dentro containers como acontece nos
campus de Rio das Ostras e Campos de Goitacazes da UFF. Também falta
pessoal, mas, ao invés de planejar a reposição do corpo docente, o
governo está propondo um plano de carreira que obriga o professor a
cumprir uma carga horária maior a fim de minimizar a escassez de
professores à custa da precarização do trabalho docente.
"Mas porque a grande mídia ao invés de expor as reivindicações, ajudar a pressionar por mudanças o fazem jogando uns trabalhadores contra outros ou denegrindo a imagem dos manifestantes e ou das reivindicações?" |
Outro problema enfrentado por aqueles que reivindicam mudanças e que
também contribuem enormemente para as pessoas se posicionarem contra as
greves advém das forças ideológicas conservadoras em defesa dos
interesses privados daqueles que estão na outra ponta da reivindicação
veiculadas de diversas forma, sobretudo, pela grande mídia. Terça-feira,
dia 15/05, foi noticiada a greve dos ferroviários da seguinte forma:
“Greve do transporte público atinge 6 capitais e prejudica os
trabalhadores”! Não seria essa uma metáfora para chamar os grevistas de
vagabundo? Seguindo a mesma linha editorial a TV Globo noticiou uma
manifestação ocorrida no dia 05/06 com mais de 10 pessoas, destacando um
fato isolado ocorrido entre um pequeno grupo de estudantes com a
polícia!
Mas porque a grande mídia, ao noticiar essas questões, ao invés de
expor as reivindicações, ajudar a pressionar por mudanças ou, ao menos,
expor os dois lados da moeda, o fazem dessa forma, jogando uns
trabalhadores contra outros ou denegrindo a imagem dos manifestantes e
ou das reivindicações?
Há uma clara intencionalidade em descredibilizar os manifestantes,
primeiro porque esses veículos de comunicação estão exercendo seu poder
de persuasão e de formação de opinião em favor dos interesses dominantes
e, segundo, porque essa é uma excelente forma de tirar a identidade
solidária e coletiva da manifestação, bem como de conduzirem as pessoas a
caírem na infeliz armadilha de culpar aquele que reivindica a redução
de injustiças ou melhorias de condições de trabalho (nesse caso os
grevistas) e não os seus patrões que os mantém com salários baixos e
direitos aquém do necessário ou merecido para o exercício das profissões
dos manifestantes!
Sem Diálogo
É esse também o interesse do governo ao manifestar publicamente que
não irá negociar com grevistas! Contudo, em tempos de trégua, o diálogo
também não acontece, haja vista que as negociações a respeito da
reestruturação da carreira docentes iniciaram em agosto de 2010 tendo
como ponto de partida uma proposta do governo pior que o plano de
careira atual e, de lá para cá, não houve nenhuma sinalização dos
representantes públicos em atender às demandas levantadas pela
categoria.
Portanto, posicionar-se a favor da greve é também se negar a
reproduzir um discurso ideológico e hegemônico contrário ao direito à
livre
"Considerando-se, portanto, todos os argumentos políticos, orçamentários e jurídicos em favor da greve, espera-se do governo o atendimento das demandas dos servidores públicos" |
manifestação cidadã de se reivindicar melhorias, bem como ao de
pressionar governos e empregadores quando se sentirem prejudicados.
Por fim vale ressaltar que, apesar do governo argumentar falta de
recursos e restrição orçamentária, o cenário macroeconômico é
extremamente favorável. O crescimento econômico e as políticas adotadas
pelo governo possibilitou aumento de 19% na arrecadação pública no
último ano, acumulação de superávit primário na ordem de R$ 45 bilhões
somente nos quatro primeiros meses de 2012 e, segundo a economista e
professora da UFRJ Denise Lobato Gentil, a política atual de queda na
taxa de juros propicia uma economia de cerca de R$ 11 bilhões para cada
ponto percentual baixado na Selic. Por outro lado, a professora destaca
que o percentual gasto com folha de pagamento em relação à receita
Líquida do Setor Público tem se reduzido e as reivindicações de
reestruturação no plano de carreira não passam de R$ 6 bilhões. Se a
isso for somado um montante de R$ 2 bilhões para gastos com
investimentos, tal como foi proposto pela associação de reitores das 59
IFES ao ministro da educação Aloízio Mercadante, as reivindicações não
somente são plausíveis perante o cenário de acúmulo público de riquezas
atual como representam menos de 0,2% do PIB. Portanto, pode-se inferir
que, para o governo, ‘nem caro é’!
Considerando-se, portanto, todos os argumentos políticos,
orçamentários e jurídicos em favor da greve, espera-se do governo o
atendimento das demandas dos servidores públicos e que todos os
professores ligados às IFES façam valer aquele velho ditado de que “o
direito de um termina onde começa o direito do outro”, assumindo então a
greve como um direito legítimo e democrático concedido por lei e, mais
do que isso, como um instrumento histórico de luta por bem-estar social
em que diversos trabalhadores pagaram com suor e, as vezes, sangue em
prol de benefícios usufruídos por todos os cidadãos brasileiros!
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