“Simplesmente não posso pensar pelos outros, nem para os outros, nem sem os outros” (Paulo Freire)
Nesses dias de Rio + 20, muito tem se falado em sustentabilidade,
vinculando-a principalmente às questões climáticas, como se fosse
preciso de mais algum outro fator de desequilíbrio além dos já
existentes no nosso cotidiano para que tomássemos consciência da
URGÊNCIA de promovermos mudanças no nosso sistema sócio-cultural.
Uma pergunta que sempre fica no ar é: será possível a implantação de
medidas que produzam alterações efetivas na relação do ser humano com o
que o cerca sem se resolver o desequilíbrio do acesso à cidadania?
Enquanto a imensa maioria da população é tratada como subcidadã, não
tendo acesso à saúde, educação e justiça, outros desfrutam privilégios
inimagináveis, como se deuses fossem, acima do bem e do mal.
Em tempos de web, onde pela primeira vez na história da humanidade
qualquer um de nós pode consumir e produzir informação, reafirmando que
as estruturas de macro-poder nascem e se consolidam a partir das
micro-relações, não é de se estranhar o fracasso da Rio+20.
Paralelamente ao espetáculo absolutamente midiático dos chefes de
Estado e representantes de grandes corporações, a população, já cansada
de discursos vazios que redundam em ações antagônicas a esses mesmos
discursos e que têm como objetivo preservar interesses e privilégios de
uns poucos em detrimento de legítimos interesses de todos os demais,
organizou-se e se fortaleceu ainda mais na Cúpula dos Povos, repetindo o
roteiro da Rio 92.
Já em 92, quando a web ainda engatinhava, à revelia dos encontros
midiáticos dos chefes de Estado, os movimentos sociais se utilizaram das
sombras dos poderosos para se encontrarem, reconhecerem seus
verdadeiros aliados e construírem cumplicidades, ampliando suas
relações, movimento esse traduzido por uma frase bastante emblemática: “Pensar localmente, agir globalmente!”.
Nos anos seguintes o que se viu foram as demandas sociais ganharem
força, obrigando as empresas privadas a criarem rapidamente o movimento
de “responsabilidade social empresarial”, uma verdadeira aberração,
nascida do desespero de um classe que se recusava a abrir mão de uma
frágil liderança conquistada com o efêmero sucesso da política liberal
adotada pela Dama de Ferro, Margareth Thatcher, na Inglaterra. Mas a
“mentira tem pernas curtas”, como diz o velho ditado popular.
Assim, o movimento de “responsabilidade social empresarial”
rapidamente perde credibilidade perante a população, ao ficar
evidenciado o absurdo de sua existência (você já pensou que esse
movimento, ao premiar empresas que, antes de mais nada, cumprem com suas
obrigações, legitimaria a “irresponsabilidade social empresarial” ou “responsabilidade anti-social empresarial”), sendo substituído pela marca “desenvolvimento sustentável”, muito mais lucrativo para as empresas.
Enquanto na “responsabilidade social” as empresas teriam que
desembolsar recursos para financiarem supostos “projetos sociais”, no
desenvolvimento social elas transferem a responsabilidade do sucesso ou
do fracasso dos seus projetos sociais para seus funcionários, ao
responsabilizarem-nos por economizarem insumos básicos (como energia,
papel, água, matéria-prima etc.), reduzindo drasticamente seus custos de
produção e aumentando, nas mesmas proporções, suas margens de lucro e,
ainda por cima, posando de parceiros da população e do meio ambiente.
Paralelamente a todo esse movimento da sociedade do espetáculo, a
população, silenciosamente, se organiza e se estrutura, tendo a web como
uma ferramenta poderosíssima, que, felizmente para todos nós, foi
inicial e absolutamente desprezada pelos supostos “senhores” do poder,
tratada como se fosse mais um “brinquedo” de jovens, adolescentes e
crianças.
Somente recentemente os donos do poder se deram conta do poder da
web, mas aí a população já havia se apossado dela, transformando-a numa
poderosa ferramenta para conquistas sociais, como a eleição do primeiro
presidente negro dos EUA; o fim de regimes ditatoriais como ocorreu no
norte da África; a realização de greves como as estudantis no Chile,
Canadá (Quebec), Brasil; a promulgação de leis de interesse popular,
como a “Ficha Limpa”; a ocupação de espaços públicos como protesto pelo
regime sócio-econômico que vivemos, de uma forma absolutamente pacífica;
a organização de manifestações de movimentos de fatias da população até
aqui afastados dos núcleos de poder, como as passeatas gays etc.
É evidente que a realização da Rio + 20 não passou de novo espetáculo
midiático para atender a interesses diversos, menos os do cidadão,
como, por exemplo, uma tentativa desesperada do fortalecimento de um
tema, o Aquecimento Global, que já produziu uma agenda comum entre as
grandes corporações, seus representantes encastelados em cargos de
chefes de Estado e a população.
Infelizmente para uma minoria e felizmente para a imensa maioria de
nós, dessa vez o abismo que separa os interesses do grande capital e os
nossos, dos cidadãos comuns, é intransponível. O próximo passo para se
produzir o evidentemente imprescindível desenvolvimento sustentável é
absolutamente incompatível com o capitalismo voraz que vivemos, capaz de
devorar países como Grécia, Espanha, Portugal, e que requer resultados
imediatos e lucros crescentes: trata-se do “consumo consciente”.
Sem dúvida alguma estamos no limiar de novos tempos, onde a
manipulação da sociedade em prol de interesses escusos se tornará cada
vez mais difícil e a célebre frase “todo o poder emana do povo, pelo
povo, para o povo” se tornará cada vez mais realidade, traduzida pelo
exercício de uma cidadania planetária, com os cidadãos conscientes que “o bater de asas de uma borboleta na China interfere nos EUA”.
Acredito que é a hora de deixarmos de eufemismos, reconhecermos que a
diversidade não é necessária somente nas plantas e nos animais que
coabitam o nosso planeta, mas também entre nós humanos, e enfrentarmos
desafios maiores, do tamanho de nossa existência, buscando a “Cidadania Sustentável”,
aquela em que o cidadão se sinta acolhido pelos seus e possa fazer as
escolhas de sua vida a partir de seus direitos e deveres com a
sociedade, entendendo que ele é um produto do meio e que sem ele não
existe.
Utopia, nem tanto, vejam o que acontece, por exemplo, com os países que compõem a península da Escandinávia?
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