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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

A classe média no Brasil


Nas últimas seis décadas, dos anos sessenta para cá, o país sofreu grandes transformações. Num primeiro período, entre 1960 e 1985 a economia cresceu num ritmo acelerado, a uma taxa média anual superior aos 6%. 

A população quase duplicou: dos 70 milhões (censo de 1960) pulamos para mais de 130 milhões em 1985. No segundo período, de meados dos anos oitenta até hoje, a economia desacelerou e a taxa de crescimento populacional se reduziu à quase à metade. 

Nessas últimas cinco décadas o PIB brasileiro aumentou quase dez vezes, a população praticamente triplicou a renda per capita aumentou 3,4 vezes. 

É verdade que os benefícios desse crescimento não trouxeram melhoria dos padrões de vida para a maioria da população. 

De meados dos anos sessenta até o início dos anos noventa caiu a participação dos salários na renda nacional. O salário mínimo – do final dos anos cinqüenta ao início da década de noventa – perdeu dois terços do seu poder de compra atingindo seu menor valor real desde 1940, ano em que foi criado. O discurso da ditadura militar no período era que o país deveria crescer, acumular, concentrar, para só depois distribuir. Delfim Netto foi o principal arauto. A partir da vigência do Plano Real, nos governos de FHC, e especialmente nos de Lula e Dilma, com o controle da inflação, os salários em geral e especialmente o mínimo passaram a ter significativos acréscimos no seu poder de compra. 

De 1996 até hoje aumentou 140% em termos reais, descontada a inflação.
Apesar dos avanços, neste início da segunda década do século XXI somos, ainda, um país que explora mão de obra escrava. Temos quase um terço da força de trabalho assalariada na informalidade, sem carteira assinada, sem proteção previdenciária.
Apesar disso, a grande mídia vende a idéia que estamos consolidando uma grande sociedade de consumo de massa. E os políticos cada vez mais falam na necessidade de proteger a nossa “classe média”. Será isso verdade? O Brasil já tem hoje uma expressiva e crescente “classe média”? Qual sua importância social e política no conjunto de nossa sociedade? Que nível de renda permite que uma família pobre passe a integrar a “classe média”? É evidente que a amplitude destas questões transcende os limites de um simples artigo. Mas, é claro, não impedem que façamos algumas observações iniciais.
Largamente utilizada sem que se saiba exatamente o que é, a expressão “classe média” não resiste ao mais superficial exame à luz do conhecimento sociológico. A sociologia ortodoxa (ou funcionalista) define classe social como um grupo de pessoas unidas por vínculos ocupacionais ou econômicos, semi-organizado e cônscio de sua unidade, solidário, semi-fechado, antagônico a outros grupos. Assim, na verdade o que designamos genericamente como “classes médias” são, na verdade, vários grupos sociais extremamente heterogêneos, não organizados, sem unidade ocupacional ou padrão uniforme de renda, com largo espectro ideológico e baixo nível de conscientização política. Estes grupos só tem em comum o fato de situarem-se numa posição intermediária entre a maioria pobre e a diminuta minoria rica, composta por não mais do que 2 ou 3% da população total.
Facilmente manipuláveis conforme mostra nossa história política recente. Em 1964 marcharam com “Deus e a família pela liberdade” e em troca receberam arrocho salarial e uma ditadura que terminou com o estado de direito. Aplaudiram o Cruzado I e sofreram a amarga decepção do Cruzado II. Os “fiscais do Sarney” não impediram a escalada inflacionária e sentiram na pele os amargos efeitos da fórmula Bresser-FMI. Acreditaram mais tarde em FHC e, pouco depois assistiram uma reviravolta: o bem falante sociólogo da Sorbonne, dito de esquerda, ao assumir o poder trocou de lado e pediu que esquecessem tudo que ele havia escrito até então. Tipo aquela música do Roberto Carlos:…”daqui pra frente, tudo vai ser diferente…” E o pior: FHC liquidou, a preço de banana centenas e centenas de bilhões de dólares do patrimônio nacional. Um vendilhão do templo, desculpem o uso da surrada metáfora, infelizmente não me ocorre outra.
Qual o nível mínimo de renda familiar que separa a pobreza da chamada “classe média baixa”? O tema é controverso e, é claro, este valor varia de um país para outro dependendo do seu grau de desenvolvimento e riqueza. Nos Estados Unidos, por exemplo, considera-se que uma renda familiar anual acima dos 24 mil dólares (cerca de 4.500 reais mensais) significa o ingresso na classe média de baixo poder aquisitivo. Uma em cada sete famílias norte-americanas situa-se abaixo deste patamar. São 45 milhões de pessoas vivendo na pobreza. No Brasil o DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos Econômicos) calcula que 3.100 reais/mês (4,3 salários mínimos) seja a renda mínima para que uma família atenda suas necessidades básicas. Se considerarmos este valor como o mínimo para o ingresso na classe média baixa e consultarmos o nosso último censo do IBGE, o de 2010, constatamos que as chamadas “classes médias” no Brasil não representam mais do que 11 ou 12% da população total. Só 3,1% dos assalariados brasileiros tinham em 2010 renda cima de 10 salários mínimos mensais e mais de 70% ganhavam 2 salários mínimos ou menos.
Os números mostram com clareza que só poderemos ter uma sociedade minimamente justa se os programas governamentais – direta ou indiretamente – tiverem como foco e absoluta prioridade o fim da miséria absoluta e da pobreza em que vivem, ainda, mais de três quartos da população brasileira.

Paulo Muzell é economista.

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