Consultam-me
as companheiras e os companheiros das lutas populares e de esquerda a
respeito da situação atual das instituições do direito e do Estado no
Brasil. Em face da escalada da repressão jurídica destes últimos tempos,
passo à análise.
Direito e capitalismo
O quadro
presente de perseguições às lutas dos movimentos populares e sociais
poderia ensejar, como horizonte de combate, uma resposta ordeira e
moralista: contra as ilegalidades da repressão estatal, o pleno
estabelecimento do Estado democrático de direito. Pelo contraste, assim
se levantaria uma bandeira de contraposição a uma prática jurídica e
estatal ruim, em favor do direito e do Estado assentados em boas bases. O
resgate de certa moralidade do direito e de bases principiológicas
jurídicas fundantes e ideais seria, então, a arma de confronto à
regressão repressora de nossos dias.
No entanto,
tal leitura é frágil, por desconhecer a natureza do direito e do Estado:
há um indissolúvel e necessário nexo entre direito e capitalismo.
Somente é possível entender as variadas doses de garantias e de
repressões do mundo jurídico a partir de sua correspondência com as
estruturas da reprodução do capital. O direito não é um plano
normativo-institucional bom, justo ou ideal do qual a prática é sua
negação ou sua corrupção. O fenômeno jurídico é o mesmo nas normas e na
sua concreção. Seja em sua forma ou suas práticas, o direito se
estrutura a partir de um talhe igual ao das contradições da sociedade da
mercadoria, isto porque a exploração capitalista se arma exatamente a
partir da subjetividade jurídica. Os indivíduos se compram, vendem-se e
portam mercadorias a partir da condição de sujeitos de direito. A
equivalência operada pelo direito é o segredo da estruturação da
dinâmica do capital. Burguês e trabalhador são iguais e livres, portando
direitos subjetivos e assumindo deveres e obrigações, por meio de uma
infinita circulação da mercadoria, para o acúmulo de capitais.
Por toda sua
forma e sua estrutura, o direito é capitalista. É de sua natureza ser
perpassado pelas contradições deste específico modo de produção. Assim,
nesse quadro em que se situa, não há um direito ideal do qual sua
realidade seria uma corrupção. A começar, porque o ideal do direito é
justamente sua prática. Desde as revoluções burguesas, não há grande
descompasso jurídico entre o ideal e o efetivo, na medida em que nas
sociedades organizadas por Estados nacionais estão dadas todas as
relações, as formas sociais e as estruturas institucionais que permitem
operar as ferramentas suficientes à reprodução do capital. Em seu
núcleo, a prática jurídica é exatamente o que a forma jurídica permite
ser, e esta é reflexa da forma mercantil.
Direito e
capitalismo se perpassam e se imbricam em todas suas estruturas, sem
possibilidade de negação parcial entre si, nem das sociedades para com
eles. O não ao direito é direito: se o direito opera nos vínculos
obrigacionais, jungindo pessoas e coisas a partir da vontade livre, a
negativa de tais vínculos, direitos e deveres não é uma disrupção ou um
afastamento do direito da sociedade. Antes, é apenas uma de suas
modalidades. O crime, que de modo mais exemplar parece ser a negação de
um ideal do direito, não abala as estruturas da reprodução social porque
a forma do direito opera também em conjunto com a forma política
capitalista, que é estatal. Assim sendo, o descumprimento dos vínculos
obrigacionais e o desrespeito à propriedade privada estão já previstos
na própria dinâmica do direito, na medida em que implicam repressão
estatal. O Estado assume a forma de um terceiro em face de burgueses e
trabalhadores, operando então, só por existir materialmente como tal,
uma máquina de violência monopolizada que acaba por ser necessária e
funcional à manutenção da ordem capitalista. O Estado não é burguês
porque seja controlado diretamente pela burguesia ou porque responda
imediata ou exaustivamente a seus interesses, mas sim porque sua
existência, estrutura e dinâmica são derivadas da própria reprodução do
capital, mesmo que negando interesses específicos de burgueses ou da
burguesia. O Estado, se não é diretamente ou por meio dos seus agentes o
comitê gestor da classe capitalista, é uma forma social do capital.
Dadas suas
naturezas sociais, exploratórias e plantadas em contradição, não há um
direito ideal e justo nem um Estado cuja essência seja de bem-comum, que
possam então ser usados como contraste a práticas regressivas no seu
seio. Sendo formas sociais capitalistas, a sorte e os resultados do
Estado e do direito são símiles aos do próprio capitalismo. Explorações,
dominações e opressões estruturadas, gestadas, recepcionadas ou
reconfiguradas pelo capitalismo passam pelo Estado e pelo direito, que
são inclusive centrais para tal processo. Então, com base nos planos
político e jurídico, tudo o que se reclamar por ordem, justiça,
legalidade ou respeito às instituições e aos direitos, na vastidão das
acepções de todos esses termos, caberá exatamente nos limites
contraditórios do capitalismo.
Prática do direito e ideologia
As
mercadorias não se trocam sozinhas no mercado. A reprodução capitalista é
feita por relações sociais e estas, tecidas por seres humanos. O mesmo
no campo jurídico. Há normas e instituições do direito, mas elas só se
concretizam por meio de práticas de seus operadores. Devido à leitura de
mundo juspositivista, é raro quem consiga observar que o fenômeno
jurídico prepondera a partir da aplicação. De modo geral, as avaliações
a respeito do direito dissociam o campo das normas e das instituições
daquele dos seus agentes. Fazendo tal disjunção (que opera com os pares
ideal/real, aparência/realidade ou teoria/prática), dada a dificuldade
de se empreender a crítica estrutural à sociedade, quase sempre os
clamores em face da exasperação causada pelo direito se voltam contra
seus agentes, mais do que contra as próprias instituições do direito.
Há um
impulso geral de crítica ao direito que tem por horizonte denunciar ou
querer mudar aqueles que operam as engrenagens jurídicas e as
instituições políticas. Comparada à denúncia do burguês, a crítica ao
jurista e ao político é mais fácil. Isto porque, no plano do Estado e do
direito, seus agentes não estão “naturalmente” investidos no cargo.
Dependentes de concursos, nomeações ou eleições, haurem sua competência
de cargos cujo poder está previamente normatizado e, daí, uma eventual
abusividade de seus atos é mais facilmente contestada. Ao contrário do
poder econômico, cujos agentes estão escondidos em seus escritórios,
bancos, indústrias, comércios ou lares – e cuja riqueza se legitima com o
trabalho e a herança –, os operadores do direito e da política se
organizam a partir do mundo localizável das instituições jurídicas
estatais: policiais, delegados, promotores ou juízes assim o são porque
investidos de poderes e competências dados pelo Estado. Os campos
político e jurídico acabam por ser alvo primeiro – e, na curta crítica,
também quase sempre final – da insurgência e do combate dos movimentos
progressistas, restando oculto, de seu horizonte, o núcleo econômico
burguês.
Se nesse
diapasão de crítica ou de luta social, fica à sombra, no plano mediato, o
poder do capital, ficam também olvidadas, no plano imediato do direito e
do Estado, até mesmo suas próprias instituições. A crítica ao direito
termina por ser, quase sempre, a crítica ao jurista, bem como a crítica à
política acaba por ser ao político. E a denúncia contra os agentes do
Estado e do direito em geral se baseia no descompasso entre ordenamento
normativo e prática. Se as normas jurídicas garantem direitos
subjetivos, possibilidades de ação, liberdades, fornecendo inclusive
instrumentos processuais judiciais para seu respaldo, então, dadas tais
boas instituições e previsões normativas, o que ocorreria seria um
descompasso localizado no chão da concretude do direito. A assim
postular o problema jurídico da repressão às lutas populares,
desconhece-se, na verdade, a natureza da própria aplicação do direito.
As normas
jurídicas não falam nem existem por si só. Seu sentido é relacional; na
operação jurídica quotidiana e concreta é que se constitui e se afirma.
Não há um sentido normativo eminente ou dado em si mesmo, do qual a
prática jurídica seria uma distorção. O sentido da norma jurídica é o
sentido constituído por sua prática. Se, por absurdo, os órgãos estatais
brasileiros passarem a não reconhecer a possibilidade de que direitos e
garantias fundamentais da Constituição, como o habeas corpus,
sejam remédios jurídicos utilizados por lutadores de movimentos sociais,
e se um corpo médio de pensamento jurídico, seja pelos doutrinadores de
direito, seja pelos comentários na imprensa, também partilhar do mesmo
entendimento, pode-se dizer, então, direta e objetivamente, que o
direito do Brasil não reconhece o habeas corpus a determinadas
categorias de cidadãos em função de seus atos políticos, ainda que a
leitura textual da Constituição revele o contrário. Já Hans Kelsen
compreendia que a interpretação do direito não é aquela que um virtual
leitor possa extrair do texto normativo, mas, sim, a realizada pelos
agentes competentes para tanto. De tal modo, o direito na sua concreção é
uma opção de poder.
A forma
jurídica advém de outras formas sociais necessárias e, a partir dessa
base, seus demais contornos só são o que a prática jurídica entende
sê-los. Como a maioria dos juristas e mesmo do senso comum sobre o
direito está habituada a ler sua natureza a partir da norma e não da
prática, em decorrência disso, aventa-se um sempiterno moralismo
relacionado ao descompasso entre letra normativa e efetividade. Para
além de tal idealismo normativo, é preciso desvendar o direito a partir
da sua materialidade, de seus mecanismos de compreensão, decisão e
aplicação.
A prática do
jurista é constituída por seu horizonte de mundo, que pode ser
entendido tanto como o conjunto das opções de valores ou inclinações
subjetivas quanto como um quadro das estruturas gerais que formam os
sujeitos. No campo do conjunto que orienta suas perspectivas imediatas,
um magistrado pode ser conservador ou reacionário em suas sentenças. Um
policial violento pode avançar mais desbragadamente no uso da força que
outro que, por índole mais contida, faz um exercício de reflexão de
enxergar no indivíduo sob sua arma um cidadão. Esse campo é o da
moralidade imediata e individual, que explicaria os pendores e as
inclinações de cada operador do direito e do Estado. Tal leitura, ainda
que já buscando se arraigar na prática, é insuficiente e incompleta.
A ideologia
se estabelece no jurista e no agente estatal não no nível das
possibilidades voluntárias ou conscientes. Estas existem, é claro. Mas o
fundamental da ideologia opera na própria constituição estrutural da
subjetividade. Nesse campo, que é o inconsciente, formam-se os
arcabouços necessários à armação geral do entendimento de mundo e das
práticas do jurista.
Aquele que
age como policial assim o faz porque se reconhece como operador do
Estado, porque porta uma arma, porque é investido num cargo ao qual faz
jus porque sabe ter granjeado méritos em concurso, porque é da ordem,
cumpridor dos deveres perante as instituições e respeitador dos ideais
maiores da sociedade. Além disso, há seu reconhecimento de sua condição
de homem, religioso, filho de Deus, corajoso, destemido, de boa sorte
etc. Para que ele se entenda como policial, não lhe basta apenas saber
as competências e o múnus que lhe foram investidos pelo Estado e pelo
direito. Ele só é policial no quadro de todo esse complexo, cujas formas
que lhe constituem escapam do controle de sua individualidade.
Ser policial
ou agente do direito e do Estado é se entender ideologicamente como
tal. Assim, sendo policial, projeta seu comportamento a partir daquele
geral de sua corporação. Seu destemor é virtude que julga ser esperada
por todos os demais, de dentro e de fora de sua instituição. Ser homem
lhe dá poderes e fardos específicos. Ser filho de Deus lhe dá acesso a
forças e a negociações psíquicas especiais com o que julga o Alto,
inclusive pela sorte de sempre matar e não ser morto até aquele momento.
Todo esse quadro de referências é administrado e passa por ele, mas não
vem dele. Não está na conta de sua mera opção ser um homem distinto
daquilo que socialmente forma um homem. A subjetividade do agente do
direito e do Estado, bem como de qualquer ser humano, é constituída por
formas sociais que lhes são coercivas.
A ideologia
do direito é, então, a mesma ideologia que se erige e que constitui os
sujeitos em – e a partir de – suas relações sociais. Nesse campo mais
decisivo, toda a ideologia não é outra que não a ideologia do
capitalismo. Há ordem, há direito, há razão, há proporção e
equivalência, há responsabilidade pelos atos, há legitimidades na
apropriação dos bens, dos cargos e do poder político e jurídico etc.
Essa ideologia não é formada por conta de um engano coletivo nem
tampouco por meio de operações voluntárias ou de escolhas cerebrinas de
algumas pessoas. A ideologia não é um balanço a posteriori dos
valores a que os indivíduos optarão. É, sim, a própria constituinte da
possibilidade de entendimento dos indivíduos. Não há sujeito sem
ideologia. O mero ser vivente não é uma opção da sociabilidade
capitalista.
A ideologia
advém da prática. Não é uma deliberação, não está no nível do capricho
ou da voluntariedade, mas é o resultado de relações sociais que se
cristalizam em formas sociais. A ideologia do direito e do Estado
corresponde à materialidade das práticas capitalistas, sendo-lhe a mesma
por outro ângulo. Todos transacionam e trocam para explorarem e serem
explorados. A ideologia é a do sujeito de direito. Todos reconhecem que
os seus bens e os bens alheios não podem existir sustentados pela força
bruta de cada qual. A ideologia é a do Estado como única força legítima.
Todos se reconhecem como cidadãos e portadores do direito de escolher
seus governantes. A ideologia é a da democracia como valor universal.
Nesse
quadro, a ideologia do direito é o resultado da materialidade das
relações sociais capitalistas. Não destoam os valores centrais do
direito daquilo que é a própria concretude da sociabilidade da
mercadoria. Tanto o direito é núcleo decisivo e geral da ideologia do
capitalismo que até a crítica ao direito, quase sempre, termina por ser
seu louvor. O combate ao direito opera, via de regra, na reposição da
ideologia ao seu pedestal. O policial que agiu com violência desmedida
extrapolou o poder que lhe foi dado. O excedente, extra, é ilegítimo:
portanto, o central do poder do policial é legítimo. O magistrado que
decidiu ideologicamente pôs seu horizonte político pessoal à frente da
hermenêutica mais clara e apropriada da norma. O ideológico da sentença
judicial é ilegítimo: portanto, o poder de julgar do juiz é legítimo, e
as normas jurídicas, se interpretadas retamente, também o são.
Pode-se e
deve-se, é verdade, fazer uma crítica ao magistrado e ao policial. Mas,
uma vez puxado o novelo, ele redundará necessariamente na crítica ao
direito e ao Estado. E, ainda mais a fundo nos fios do novelo, ele
chegará necessariamente à crítica do capitalismo.
A propósito do atual
A ideologia
cobre totalmente o vasto campo da sociabilidade. Ela constitui a
subjetividade, dando sentido às relações sociais que o sujeito opera.
Ela é vista, além do mundo econômico, do direito e do Estado, na
família, na escola, na religião, na empresa, no esporte etc. Mas um dos
pontos fundantes da materialidade da ideologia, no capitalismo
contemporâneo, se perfaz nos meios de comunicação de massa, com
contornos importantes para a prática jurídica.
Eventuais
dinâmicas no seio da ideologia se explicam pela natureza contraditória
da reprodução capitalista, que é atravessada por conflitos necessários e
oposições e antagonismos variados. Nesse quadro de constantes mudanças
nos influxos da ideologia, é preciso entender que a atual escalada de
conservadorismo, reacionarismo e repressão dos agentes do Estado e do
direito não é distinta da mesma escalada geral existente na sociedade. É
essencialmente parelha, porque dentro da mesma estrutura de implicações
recíprocas. Os mecanismos pelos quais os meios de comunicação de massa
constituem, bombardeiam, estabelecem e interditam o conhecimento e a
interpretação dos indivíduos encontra eco imediato no afazer do direito,
que passa a ser caudatário desse mesmo processo, retroalimentando-o. Só
se sabe que tal perspectiva de mundo, tal ato ou tal pessoa são odiosos
porque a televisão, a revista, o jornal, o rádio e a rede social assim
propagam. O jurista, então, não é o operador primeiro da avaliação
ideológica. É mais um receptáculo perpassado por um maquinário de
constituição de avaliações que se impõem como inexoráveis socialmente. O
agir jurídico é pautado nos seus horizontes gerais pela mídia.
Peculiarmente, acaba por dar à própria mídia a verdade que gestou, agora
com chancela pela decisão do direito.
A atual
investida repressora do direito está em nível quantitativamente igual ao
mesmo processo em fluxo na sociedade brasileira e mundial. O direito
não tem corpo intelectual, valorativo e material suficiente para servir
de contraposto às vagas ideológicas gestadas na dinâmica social geral. A
criminalização dos movimentos populares e dos movimentos que lutam pela
ruptura ou pela superação do capitalismo é um mecanismo que encontra no
direito seu lócus eminente, mas não sua força motriz. A mídia cria a
caça para o direito se reconhecer como caçador. Remanesce, ao cabo de
tudo isso, a própria dominação do capital. As mesmas linhas de força do
capital alimentam e direcionam tanto o direito quanto os meios de
comunicação de massa, sendo que estes ainda se implicam reciprocamente. O
direito não se concebe fora do quadro geral de valores da sociedade,
que é dado imediatamente pela mídia e, mediatamente, pelo capital. O
horizonte do mundo jurídico prático não é diverso do movimento geral de
conservadorismo ou reacionarismo do capital, como nem quer sê-lo.
É verdade
que, na atualidade, o primeiro grito de todos os que lutam por uma
sociedade superadora do capitalismo está em reclamar contra o retrocesso
das instituições, que sobre eles faz recair sua violência. Os
movimentos de esquerda, socialistas, sociais e populares e as lutas
anarquistas ou para a aceleração das contradições destrutivas da
sociedade da mercadoria, a partir de um dado grau de articulação e de
repercussão estrutural, enfrentam necessariamente um forte combate por
meio da repressão jurídica e estatal. Esse processo é verificado
universalmente na história das sociedades capitalistas. A criminalização
dos movimentos sociais é praticamente um passo inexorável de reação
empreendido pelas classes burguesas, pelos meios de comunicação que as
sustentam e pelas instituições jurídicas e estatais. Não há, no limite,
Estado ou direito ao mesmo tempo plenamente a favor do povo e contra o
capital na sociabilidade capitalista. A luta de grupos dominados e
especialmente de classes exploradas, ao ganhar materialidade e maior
envergadura, sói enfrentar reação aberta.
No caso
brasileiro atual, tais contradições mal começam a aflorar, mas já
revelam muito. Elas devem servir, no estágio atual, de base para
construir novos patamares de luta, enfrentando os poderes imediatos da
repressão como forma de poder qualificar passos mais estruturantes. Se é
preciso combater o aumento da criminalização dos movimentos populares e
anticapitalistas, isso se faz estancando a base ideológica de tal
escalada, que reside em bombardeios de militâncias informativas
conservadoras e reacionárias feitas pelos meios de comunicação de massa
majoritários. É fundamental construir aparelhos ideológicos suficientes
para a batalha das ideias. Sem seus próprios meios sólidos de
comunicação de massa, as lutas progressistas não aglutinam o povo e,
portanto, estão fadadas a um baixo alcance ou ao fracasso.
Para que
haja juristas e agentes políticos orientados de maneira progressista, é
preciso que o maquinário da produção imediata da ideologia leve a tanto.
Daí, uma luta ideológica progressista, que no Brasil não existe e nunca
chegou a ser uma política estatal tentada, é a única possibilidade de
garantir que os fatos da luta não sejam sempre narrados como os fatos
segundo a mídia ou os mercados. Qualquer tentativa social progressista
ou politicamente de esquerda no Brasil, sem constituir rapidamente um
desarme do bloqueio da razão cínica, escandalizante, conservadora ou
reacionária presente, não permitirá o mínimo avanço ideológico
necessário para se iluminar, então, a própria natureza do direito e do
Estado na sociabilidade capitalista.
Na base das
lutas de classes, há o fato de que estas operam no campo das
instituições que são derivadas das formas da sociabilidade capitalista.
Daí, as lutas progressistas, se se avolumam, apontando para uma eventual
superação do capitalismo, passam então a se apresentar antagônicas às
instituições estabelecidas e no seio das quais estão arraigadas. Nesse
momento, tratando da esfera eminentemente jurídica, a luta progressista
há de investir na transformação e na superação de suas instituições,
mais do que propriamente na correção de conduta de seus agentes.
Numa ferida
histórica incontornável, a escravidão no Brasil foi, ao tempo,
chancelada e albergada pelo direito e pelo Estado. No passado e no
presente, por todo o espaço do globo, direitos e Estados estruturaram e
estruturam o capitalismo e a exploração de bilhões por uma parcela
ínfima de burgueses. E em que pesem os bilhões de explorados e os
perseguidos, presos aos trabalhos assalariados ou aos cárceres, em
nossas plagas, em mais um 11 de agosto, continua-se a comemorar o
direito.
***
Alysson Leandro Mascaro,
jurista e filósofo do direito brasileiro, nasceu na cidade de
Catanduva (SP), em 1976. É doutor e livre-docente em Filosofia e Teoria
Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (Largo São
Francisco/USP), professor da tradicional Faculdade de Direito da USP e
da Pós-Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, além de fundador e professor emérito de muitas instituições
de ensino superior. Publicou, dentre outros livros,Filosofia do direito e Introdução ao estudo do direito, pela editora Atlas, e Utopia e direito: Ernst Bloch e a ontologia jurídica da utopia, pela editora Quartier Latin e o mais recente Estado e forma política, pela Boitempo. É o prefaciador da edição brasileira de Em defesa das causas perdidas, de Slavoj Žižek, e da nova edição de Crítica da filosofia do direito de Hegel, de Karl Marx, ambos lançados pela Boitempo.
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