Na sociedade contemporânea, será lícito falar de uma geração sem
bússola?
Limitando-nos ao Brasil, as opiniões se bifurcam e trifurcam.
Alguns insistem, não sem um certo saudosismo, na distância que separa os
anos de 1960-70-80, por uma parte, e os tempos atuais, por outra, para
acentuar o confronto entre uma geração “engajada do ponto de vista
eclesial, social e politico” e uma geração que “parece não querer nada
com nada”. Naquelas décadas pretéritas, afirmam, alguns referenciais
orientavam a práxis libertadora: o socialismo enquanto alternativa ao
capitalismo, a Teologia da Libertação, a opção pelos pobres… Tudo isso
resultando, concretamente, na organização dos movimentos sociais e
populares, do sindicalismo combativo, da efervescência no meio
estudantil, na formação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e
Pastorais Sociais, bem como na defesa dos direitos humanos,
particularmente dos indígenas, afro-brasileiros, mulheres… E ainda em
uma atitude empenhativa seja por parte da Música Popular Brasileira
(MPB) quanto por parte de não poucos intelectuais e acadêmicos de
esquerda.
Outros tentam negar essa pretensa distância entre as gerações de
ontem e de hoje. Segundo estes últimos, cada geração engendra seus
próprios referenciais teóricos e suas formas de ação, suas práticas de
incidência no meio em que vivem. Na verdade, dizem, são o contexto e os
desafios históricos que mudam, obrigando as pessoas a buscarem novas
formas de organização e de mobilização. Assim, a geração atual não seria
menos empenhativa social e politicamente, mas engajada de uma outra
maneira. A aparente inércia, apatia e falta de interesse pela rex publica,
e por seus problemas em geral, podem ser lidas como atitude de rebeldia
frente a uma politização e a um economicismo exacerbados nas décadas
anteriores. O pêndulo socioeconômico e político foi levado a um tal
extremo que, atualmente, tende ao pólo oposto de um comportamento light.
Em uma palavra, a juventude estaria cansada do discurso politizante,
mas, ao mesmo tempo, não se recusaria a oferecer suas forças, vitais e
positivas, para o bem-estar da população e do país. O próprio
“hedonismo”, como o denominam muitos, pode representar um “não”
implícito ou explícito à mistura exagerada (ou confusa) entre política e
vida cotidiana ou entre política e religião. O mesmo se pode dizer da
letra e conteúdo das músicas preferidas pelo público: mais do que
alienadas e sem nexo, parecem indicar uma saturação, banalização,
diluindo-se num sentido fugaz, efêmero e evasivo.
Outros, ainda, trilham uma via intermediária entre a geração de ontem
e a de hoje, vale dizer, entre a defesa do engajamento e a negação do
total descompromisso. Mudaram os ideiais e valores, sem dúvida, mas o
compromisso social hoje passa por novos canais, novos instrumentos e
novas coordenadas históricas. Nota-se, isso sim, um acentuado descrédito
quanto às instituições políticas, educacionais, religiosas e de
parentesco (respectivamente, o partido, a escola, a Igreja, a família),
mas não faltam ações individuais e/ou grupais que visem uma incidência
transformadora na sociedade. Em outros termos, a sensibilidade e a
solidariedade não estão mortas, mas requerem novos gestos e novos meios.
Como prova disso, costumam ser apontadas as redes sociais da Internet,
onde amizades e encontros virtuais não poucas vezes se concretizam em
ações concretas em favor dos extratos sociais de baixa renda. A
conclusão é que não se trata de apontar o dedo em riste contra uma
“geração sem bússola”, e sim de perceber novos referenciais e novo
entusiasmo que orientam práticas igualmente novas e primaveris. Sangue
novo na práxis sociopolítico!
As estrelas podem ter-se apagado no céu e os marcos podem ter
desaparecido da estrada – para usar a imagem de Simone de Beauvoir. O
chão pode ter fugido debaixo dos pés: muitos adolescentes e jovens
parecem, sim, um tanto quanto órfãos, perdidos e solitários, mas não
lhes faltam energias e vontade para mudar a situação em que se encontra a
sociedade atual. O que falta, por parte de boa parte dos representantes
das gerações ditas “combativas”, é uma atitude de escuta, compreensão,
confiança, simpatia, além de abertura de oportunidades… Tudo isso em uma
parceria de mútua colaboração, onde jovens e adultos se dispõem a
aprender, a crescer e a se enriquecerem uns com os outros.
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