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terça-feira, 3 de julho de 2012

Palavras e silêncios

Rodolpho Motta Lima


As palavras são um diferencial da nossa espécie, refletindo o que pensamos e sempre provocando, dialeticamente, novos pensamentos.   Foi Vygotsky  quem disse que   “uma palavra que não representa uma ideia é uma coisa morta, da mesma forma que uma ideia não incorporada em palavras não passa de uma sombra.”  

 
As palavras estão   aí. Para o bem e para o mal. Na boca de um Luther King ou de um Gandhi, por exemplo, ou na pena de um Neruda ou de um Lorca, elas revelaram potenciais extremos da dignidade e sensibilidade a que pode chegar o homem.  Palavras de conquista.  Palavras libertárias. Não se pode dizer o mesmo dos discursos de um Hitler ou dos sofismas belicosos de  um Bush ou de qualquer  dos títeres que a sociedade humana vem gerando ao longo do tempo,  para a sua própria infelicidade. Palavras de opressão. Palavras infames.
Há palavras de domínio e de submissão, há as que brotam sinceras do fundo da  alma e as que, superficiais, constroem  demagogias e inverdades.  Há  palavras claras, transparentes, cujo objetivo é revelar, e palavras obscuras ou camaleônicas, cujo intento é esconder ou mistificar. Mas há também silêncios significativos.      
Nos últimos dias, tive a minha atenção despertada  para três ocorrências que ilustram esse tema. Três situações bem diversas na forma, no conteúdo e na abrangência. 
Uma delas tem a ver com um  texto de Caetano Veloso, publicado no Globo do domingo passado (“Idades”). Um texto interessante, bem construído, em que o escritor, em uma espécie de “geleia geral” (mas sem perder a linha temática), mistura momentos de memorialismo com considerações existenciais  sobre os efeitos do tempo, passando  por observações de afeição à gramática, encontrando espaço para menções a Chico Buarque e Machado de Assis, e fechando a coluna considerando “lindo o Cristiano Ronaldo e sua difusão mundial da música de Teló”... Caetano é um artista da palavra que, às vezes, deixa entrever posicionamentos discutíveis, quando não paradoxais. Um direito conquistado pelo seu assumido  temperamento voltado para o instigante, para a provocação.
Quase no fim do texto,  ele afirma  que amadureceu o bastante para dizer que não acreditava que conceitos como  “luta de classes” explicassem tudo. O suficiente para que o jornal colocasse justamente tais palavras na chamada da primeira página para o artigo. No meio de um texto com passagens de absoluta sensibilidade poética, os editores resolveram destacar o que, no caso, era mais  uma digressão do que uma defesa de tese. Uma escolha infeliz ou  premeditada intenção?  Sei lá.
Tentar  minimizar a existência de conflitos  e de interesses divergentes, quando não totalmente contrários, entre as camadas privilegiadas da sociedade e segmentos  desfavorecidos, entre ricos e pobres, é um posicionamento típico das elites, como forma, talvez, de apaziguar sua consciência ou de amortecer reações. Palavras enganadoras, palavras dissimuladas. De qualquer forma, nesse caso teria sido melhor,  talvez, o silêncio , pois não me consta que alguém de respeito intelectual tenha dito alguma vez que a luta de classes explica TUDO...
Não explica, por exemplo,  uma outra luta, a de  Anderson Silva, da badalada MMA,   contra Chael Sonnen. Segundo a mídia, o lutador brasileiro teria dito, entre outras,as seguintes palavras : “Não tem conversinha desta vez. Quando entrar lá dentro, ele vai engolir todos os dentes da boca. Vou arrancar dente por dente. Depois que eu bater nele, muita gente vai ficar  assustada com o que vai acontecer com o esporte. (...) Perna  quebrada, cara quebrada,vou quebrá-lo  inteiro”.      
Em um artigo que escrevi aqui no DR quando pressenti  os objetivos mercadológicos de impor essa modalidade de luta ao cardápio esportivo brasileiro, tentei colocar em discussão o que me parecia ser uma dispensável  e perigosa disseminação da violência entre nós, que tanto nos queixamos dela no dia a dia de nossas cidades.  E  continuo pensando que um “esporte” que enseja palavras como as que Anderson Silva utilizou – com o silêncio complacente da crítica esportiva - nada traz de positivo para a sociedade.  Palavras enfurecidas, palavras de violência...
O terceiro caso – que também não se explica pela luta de classes -  não tem a ver com o  uso das palavras, mas com a ausência delas.  Aqui no Rio de Janeiro, 20 funcionários do restaurante Cervantes da Barra ganharam, cada um deles , em um bolão da Quina, 635 mil reais. Um vigésimo primeiro personagem, um copeiro do estabelecimento, que sempre vinha participando de bolões anteriores e que – segundo afirmam as reportagens -  era um grande motivador do grupo para as apostas, dessa vez não entrou no bolão, pois estava com dificuldades e não podia contribuir com os 10 reais necessários.  O fato está sendo registrado como um episódio que envolveu 20 sortudos e um azarado...  
E está sendo explorado, como sempre, de forma  oportunista  e piegas pela  mídia.  Correndo o risco de contrariar muita  gente, penso, contudo, que, se for verdade (e isso é importante) que o copeiro “azarado” era, historicamente, um participante constante e um grande incentivador para que o grupo seguisse apostando,  estariam faltando, pelo menos até o momento em que escrevo, por parte dos “sortudos”, palavras de reconhecimento  e de comunhão. Em nome da solidariedade da classe, não custava nada transformar os 20 ganhadores em 21...       

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