Escrito por Gabriel Brito |
Uma das maiores greves registradas no Brasil recentemente já completa
um mês, mobiliza dezenas de categorias de servidores públicos, coloca
dezenas de milhares de pessoas nas ruas e quase não é noticiada país
afora. Porém, para os que estão atentos às tensões socioeconômicas do
ano, a greve dos servidores públicos do Paraná pode ser um excelente
parâmetro do que talvez começa a se espraiar. A este respeito, o Correio
da Cidadania entrevistou o historiador e membro do comando de greve da
Unioeste Gilberto Calil.
“Trata-se de um grande conjunto de medidas contra os direitos
trabalhistas. Algumas pontuais, contra categorias especificas, outras
mais amplas. O governo disse que poderia negociar e retirar uma parte
das medida. Mas claramente não está disposto a recuar no ataque ao ParanáPrevidência e
aceitar tirar as mãos dos seus 8 bilhões de reais. Podemos considerar,
sem muita dificuldade, que o ponto central do pacotão é a previdência”,
explicou.
Além de descrever as principais medidas do “saco de maldades”
impetrado pelo governo tucano de Beto Richa, Calil contou detalhes da
ocupação da Assembleia Legislativa do Paraná, as manifestações de rua,
espalhadas pelo estado todo, e o desenrolar do histórico 12 de
fevereiro, quando os professores da rede pública obrigaram os deputados
que tentavam votar o pacotaço na surdina a usarem um camburão para
entrar na mal sucedida sessão parlamentar.
Por fim, alerta que a disputa política continua a todo vapor, com um
alerta especial às universidades. “Por se tratar de uma greve defensiva,
ou seja, para não perder direitos, a vitória fundamental é o acúmulo de
forças. É a demonstração da capacidade de mobilização das categorias.
Essa vitória já é clara. Além disso, do ponto de vista específico das
universidades,o governo tenta impor um modelo de ‘autonomia’
universitária, de acordo com o modelo paulista. Portanto, do ponto de
vista das universidades, temos um segundo grande eixo de pautas”.
A entrevista completa com Gilberto Calil, gravada nos estúdios da webrádio Central 3, pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Inicialmente, qual o panorama atual da
greve dos servidores públicos do Paraná, capitaneada pelos professores
das universidades e escolas, mas contando também com trabalhadores de
outras categorias?
Gilberto Calil: De fato, é uma característica
bastante significativa o conjunto de greves e mobilizações gigantescas.
Do ponto de vista da cobertura da mídia, apenas alguns segundos no
Jornal Nacional, mostrando o que é essa chamada “grande” mídia. Voltando
um pouco no tempo, depois da reeleição, o governador Beto Richa, com
todo aquele discurso demagógico, disse que as contas estavam saneadas e
teríamos muita coisa boa pela frente. Em dezembro, ele lançou um pacote
com uma série de aumentos de impostos, a começar por 40% no IPVA e 25%
do ICMS, entre outros, sob a repentina desculpa de que o estado estava
quebrado. Ainda tentou levar a disputa para o campo partidário, ao
culpar o governo federal.
No final de janeiro, começou a se ventilar o chamado “pacotão de
maldades”, que rapidamente veio à tona, com uma série de ataques aos
direitos dos trabalhadores, na forma de um Projeto de Lei de tramitação
absolutamente estapafúrdia, que até onde sabemos só existe no Paraná.
Tal tramitação permite que a Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP)
faça uma única reunião, chamada de Comissão Geral, que considera como se
todas as comissões, e mais o plenário, estivessem reunidas ao mesmo
tempo, de forma a aprovar um conjunto de Projetos de Lei em um único
dia.
Esse foi o contexto mais amplo do projeto, que basicamente atacava
uma série de direitos trabalhistas, e ainda se articulava com outras
medidas com as quais já temos lidado nos últimos anos, como demissão de
professores, redução das condições de trabalho, precarização das
escolas, o não repasse de verbas de manutenção das universidades...
Concretamente, foi no dia 9 de fevereiro que tal Projeto de Lei
entrou em assembleia. No dia 7, a APP, sindicato dos professores da rede
pública, numa assembleia com mais de 10.000 mil pessoas, deflagrou
greve. Provavelmente, foi a maior assembleia da história dos professores
do Paraná, e imediatamente teve uma repercussão muito grande, uma
mobilização militante muito acima do esperado, o que redundou num grande
acampamento na frente da ALEP, que foi ocupada no dia 9.
A pretensão do governo era aprovar o pacotão no dia 10. Entre 9 e 12
de fevereiro, houve uma série de confrontos e mobilizações, e neste dia
12, com mais de 30 mil manifestantes na frente da Assembleia
Legislativa, e muitos mais pelo estado paranaense, houve o recuo do
governo, depois de fazer toda sua base aliada de deputados passar uma
grande vergonha nacional: entrar no camburão da polícia pra passar no
meio da manifestação, entrar na ALEP e tentar votar o projeto, até o
último momento, sem diálogo e negociação alguma.
Correio da Cidadania: Mais detalhadamente, o que configura o
‘pacotaço’ de medidas econômicas e fiscais do governador Beto Richa,
grande deflagrador da greve?
Gilberto Calil: As medidas fiscais são de dezembro. O
pacote deste ano tem mais alguns cortes fiscais, mas é basicamente um
pacote de ataque aos direitos dos trabalhadores. Consideramos que a
medida central deste pacotaço é o ataque à previdência dos
trabalhadores. O Paraná, desde 1998, tem o ParanáPrevidência,
ao qual todos os servidores pagam 11% de seu salário bruto mensal, a fim
de obter uma previdência integral. Por conta de tais contribuições, o ParanáPrevidência tem mais de R$ 8 bilhões em caixa.
A parte do governo, sistematicamente não depositada, é de cerca de
outros 7 ou 8 bilhões de reais. Deveria constituir o mesmo fundo, mas o
governo do estado vem sonegando sua parte. O pacote extinguiria o ParanáPrevidência
para os servidores que ingressarem a partir de agora, estabeleceria
teto de R$ 4,400 de aposentadoria e uma previdência complementar (ou
seja, financeirizada, uma previdência de mercado) para quem quiser
manter sua aposentadoria integral. Pelas experiências históricas, já
sabemos que essas previdências complementares vão à falência no campo da
especulação financeira e não há nenhuma garantia de longo prazo de que
elas se mantenham.
No discurso do governo, os servidores atuais manteriam sua
previdência integral. No entanto, o projeto permite que o governo saque
R$ 250 milhões por mês (ou seja, em três anos, justamente o tempo de
governo que Richa tem pela frente, os 8 bilhões poderiam desaparecer) e,
portanto, a base material concreta, que garante a aposentadoria dos
servidores públicos, desapareceria.
Assim, entendemos claramente que não só para os futuros servidores (o
que já seria motivo suficiente para a luta), mas também para os atuais,
a aposentadoria seria comprometida.
Junto disso, há uma enorme série de medidas de cortes, como a
extinção do programa de desenvolvimento educacional (de formação de
professores) e a extinção dos quinquênios, instrumento que permite aos
servidores avançar na carreira (algo básico).
Enfim, trata-se de um grande conjunto de medidas contra os direitos
trabalhistas. Algumas pontais, contra categorias específicas, outras
mais amplas.
No dia 9, o governo disse que poderia negociar e retirar uma parte
das medidas, como no caso das extinções do quinquênio e do programa de
desenvolvimento educacional. Mas claramente não está disposto a recuar
no ataque ao ParanáPrevidência e aceitar tirar as mãos dos seus
R$ 8 bilhões. Podemos considerar, sem muita dificuldade, que o ponto
central do pacotão é a previdência. E nesse ponto os servidores não
estão nada dispostos a negociar, de forma alguma.
Correio da Cidadania: O que você pode contar mais
especificamente das manifestações públicas, nas ruas, especialmente a do
dia 12, quando muitos professores tomaram a Assembleia Legislativa e os
deputados saíram de lá dentro do camburão, ocasião já tornada célebre
nacionalmente?
Gilberto Calil: A ocupação do plenário da assembleia
começou dia 9, e se manteve até dia 12, de forma extremamente
organizada, com a participação fundamental da APP, cujo sindicato tem a
maior base quantitativa, mas também de outros servidores, a exemplo das
sete universidades do estado.
Foram três dias de ocupação, portanto. Com ela, tornou-se inviável a
votação em plenário e, portanto, a alternativa encontrada pelo governo
foi fazer uma reunião no restaurante, no 5º piso da ALEP. Aí, deu-se uma
segunda ocupação, da área de entrada, para bloquear a passagem dos
deputados.
Foi nesse momento que o secretário de Segurança Pública, uma figura
estilo Bolsonaro, um delegado da Polícia Federal chamado Francischini,
teve a feliz ideia de colocar todos os deputados da base aliada e/ou
dispostos a votar e aprovar o pacotão, naquelas condições, dentro de um
camburão. Não para sair da assembleia, mas para entrar, chegar ao 5º
piso e, a portas fechadas, fazer a sessão de aprovação do pacotão.
Foi um episódio que marcou todo o carnaval paranaense. Não é um
carnaval muito destacado, mas o governo Richa nos deu um grande fôlego
ao promover o ‘Bloco do Camburão’, que, sem dúvida alguma, chamou muita
atenção.
Correio da Cidadania: Como tem sido a dinâmica do movimento,
dado que os professores do ensino médio e fundamental estão vinculados à
APP (petista) e os demais têm suas próprias formas de organização e
militância?
Gilberto Calil: De fato, a APP é vinculada ao PT e à
CUT, o que coloca uma série de limites e contradições. No ano passado,
teve uma greve da APP que, surpreendentemente, começou muito forte. Com
poucos dias, numa assembleia bastante questionada pelos métodos e a
própria contagem dos votos, a diretoria encaminhou o final da greve sem
muitas conquistas e com muita contestação da categoria.
Isso já coloca um quadro de muita dificuldade em relação ao
posicionamento da APP, por conta de seu modelo de sindicalismo. Tendo
ela como principal sindicato, há um fórum de servidores públicos, que
reúne 17 sindicatos. Estão lá a APP, os técnicos universitários, o
Sindjus, Sindsaúde, dentre outros. Basicamente, o fórum se pauta pela
perspectiva política cutista.
Fora disso, temos as seções sindicais do ANDES. Das sete
universidades estaduais, seis são vinculadas ao ANDES, exceto a de
Londrina. Portanto, temos uma concepção um pouco diferente, vinculada à
Confederação Nacional de Lutas (CSP-Conlutas).
Esse é o quadro mais amplo que se coloca, embora tenhamos hoje
perspectiva de atuação unificada, uma questão importante, pois as greves
das diferentes categorias são independentes. Cada uma tem uma
assembleia e um Comando de Greve, diferentes. Mas há elementos em comum
na pauta. Nosso lado coloca sistematicamente que a questão da
Previdência é o ponto central de unificação, sem prejuízo para as demais
pautas específicas do estado.
Percebemos no conjunto dos professores da rede pública uma indignação
e revolta muito grandes, talvez além do previsto pela própria direção
de seu sindicato. E tal indignação tem colocado, fortemente, o governo
na defensiva. A ocupação da ALEP, da forma como se deu, não foi feita
por um pequeno grupo, mas sustentada, permanentemente, por 30 mil
pessoas do lado de fora. Esse movimento de massa e a indignação que o
sustenta têm colocado, claramente, o governo estadual na defensiva.
Correio da Cidadania: Diante dessa dinâmica, e por conta de
diversas greves “rebeldes”, acredita que estamos diante de mais um caso
em que as bases atropelam direções burocratizadas, a exemplo de outras
greves recentes pelo Brasil?
Gilberto Calil: Sem dúvida reflete um novo momento.
Não diria com todas as letras, porque formalmente a direção da APP
chamou a greve e mantém o discurso de defesa da greve. Neste momento, a
direção não foi atropelada pela base, mas talvez surpreendida pela
radicalidade, especialmente da ocupação e da forma como se deu. Ocupação
que foi efetivamente decisiva para a derrota do governo. Não vou me
arriscar a dizer que a direção foi atropelada, mas podemos considerar
que o processo foi muito mais longe do que muitos, provavelmente,
imaginavam.
Correio da Cidadania: Acredita que as negociações terminarão em vitória, com o movimento impondo suas pautas?
Gilberto Calil: Por se tratar de uma greve
defensiva, ou seja, para não perder direitos, a vitória fundamental é o
acúmulo de forças. É a demonstração da capacidade de mobilização das
categorias. Essa vitória já é clara. Porém, o governo, de outra forma,
mais “cuidadosa” e sem “tratoraço”, segue com a perspectiva da reforma
da previdência. Isso ainda está em disputa.
Além disso, quanto às universidades, o governo tenta impor um modelo
de “autonomia” universitária, de acordo com o modelo paulista de
orçamento global, estabelecendo uma vinculação da receita das
universidades e responsabilizando-as por conseguir a complementação dos
recursos, através da venda de serviços, cobrança de mensalidades,
privatizações “por dentro”...
Portanto, do ponto de vista das universidades, temos um segundo
grande eixo de pautas, vinculadas à autonomia universitária, cuja
resolução ainda está muito distante. É um momento de avanço das lutas e
mobilizações, que ocorre, com bastante amplitude, todo dia e em muitas
cidades. Mas ainda está tudo em curso.
|
Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo
Pesquisar este blog
segunda-feira, 2 de março de 2015
Greve do Paraná dá o sinal de radicalização social contra um ano de arrochos
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário