Márlon Reis*
Os brasileiros, em regra, não dedicam muito de seu
tempo para verificar quem são os doadores das campanhas dos seus partidos e
candidatos. Este, no entanto, é um tema de relevância inquestionável. É
impossível ignorar que aqueles que doam dinheiro às campanhas, tornando-as
deste modo viáveis, passam a dispor do poder de exercer uma força decisiva
sobre a qualidade do futuro mandato. E, de fato, como mostraremos a seguir, é
isso que acontece no Brasil.
Os mandatos políticos estão sendo distorcidos por uma
grave realidade em nosso país. O eleitor
tem importância menor para os políticos eleitos do que aqueles que atuaram como
doadores de campanha. São estes os que serão ouvidos após as eleições. Eles
definirão as políticas públicas; eles serão os maiores beneficiários de
contratos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; eles, enfim,
verão remunerado cada real investido na campanha.
Entre as eleições de 2002 e 2012,
os maiores doadores de campanha – e estamos falando somente dos maiores, é
importante destacar – somaram um investimento da ordem de um bilhão de reais.
Segundo Edélcio Vinha, assessor político do Instituto de Estudos
Socioeconômicos, não mais que cinco construtoras, três bancos, um frigorífico e
uma metalúrgica foram necessários para deturpar o jogo democrático,
determinando a direção de forças políticas e mantendo contratos vultosos com o
poder público. Estas dez empresas
encabeçam a lista dos maiores doadores de campanha no período de 2002 a 2012,
e por isso é importante que o eleitor as conheça. São elas: a Construtora Camargo Corrêa, com uma
doação de R$ 178,5 milhões; a Construtora Andrade Gutierrez, que doou R$ 161,3
milhões; a Construtora OAS, com R$ 146,6 milhões; a Construtora Queiroz Galvão,
com R$ 129,3 milhões; o frigorífico JBS, ou Friboi, com R$ 113,7 milhões; o
Banco Alvorada, com R$ 89,7 milhões; o Banco Itaú/Unibanco, com R$ 78,3
milhões; o Banco BMG, com R$ 73,9 milhões; a UTC Engenharia, com R$ 52,6
milhões; e finalmente, a Gerdau Comercial de Aços, com R$ 47,5 milhões.
Algumas observações sobre essas
empresas nos ajudarão a entender melhor sua relação com o poder público: com
exceção do Frigorífico Friboi, que tem sede na região centro-oeste e é o maior
frigorífico da América Latina, todas as empresas atuam nos segmentos de
empreiteiras, bancos e indústria da mineração. A Gerdau Comercial de Aços,
embora atue na área comercial, integra na verdade um grupo do setor de
indústria pesada. É possível resumidamente afirmar que as empreiteiras, os
bancos e a indústria da mineração lideram com larga vantagem o universo dos
doadores de campanha. Além disso, cabe observar que as doações realizadas por
estas empresas não atendem a qualquer ideologia, uma vez que elas não possuem
partido político, o que fica evidente pelos hábitos de doação de algumas das
mais importantes delas. Um exemplo é a estratégia adotada pelo Grupo EBX,
dirigido pelo empresário Eike Batista, na campanha presidencial de 2010. Nessa
ocasião, a companhia optou por financiar tanto a campanha de Dilma Rousseff, do
Partido dos Trabalhadores (PT), como a de José Serra, do Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB), e a de Marina Silva, que então era do Partido
Verde (PV). Cada um dos dois primeiros recebeu R$ 1 milhão, e a terceira
recebeu R$ 500 mil. Todos os candidatos à presidência da República, portanto,
que tinham alguma possibilidade de vitória, mesmo que pequena, receberam doações
do Grupo EBX. Este grupo, aliás, tem por hábito a pluralidade e a generosidade
de suas ofertas de doação, chegando ao ponto de financiar campanhas, tanto de
partidos comunistas, como é o caso do PC do B, quanto dos partidos mais à
direita, como é o caso do DEM. No Rio de Janeiro, nas eleições de 2010, o Grupo
EBX fez doações a Sérgio Cabral, que viria a ser eleito governador, e também ao
seu principal adversário de campanha, o ex-governador Anthony Garotinho.
Essa prática se repete entre as
demais empresas. O Grupo Andrade Gutierrez costuma doar tanto para o Partido
dos Trabalhadores quanto para o PSDB. Nas eleições de 2012, Fernando Haddad, do
PT, recebeu R$ 1 milhão quando concorria à prefeitura de São Paulo. Já o tucano
José Serra recebeu R$ 750 mil. A JBS, ou Friboi, por sua vez, tem recebido da
imprensa a alcunha de doadora universal. Isto porque a empresa – que, como já
foi dito, é o maior frigorífico da América Latina – tem distribuído dinheiro
indistintamente entre os partidos mais plurais e antagônicos entre si. No
estado de Goiás, ela foi a empresa que mais doou para campanhas dos deputados
eleitos por partidos como PSDB, PP e outros. Entre os quatorze parlamentares
eleitos no estado nas eleições de 2006, sete tiveram contribuições da empresa.
E nas contas de campanha de cada um destes sete, as doações do grupo aparecem
sempre entre as cinco maiores. A empresa fez ainda contribuições para
candidatos do PTB e do PR e, fora da base aliada, contribuiu com as
candidaturas de políticos do PMDB, como o ex-candidato Marquito Vilela, que
recebeu R$ 500 mil.
Em 2010, as empresas que mais
doaram para campanhas foram a Camargo Corrêa, a JBS Friboi, a Andrade
Gutierrez, o Banco Alvorada, a OAS, o BMG, a Gerdau, a Contax e a GE
Engenharia. A Camargo Corrêa, que lidera a lista, com repasses de R$ 103
milhões, destinou 51% desse dinheiro para comitês financeiros e partidos – e é
aí que entra outra relevante curiosidade a respeito das nossas eleições.
Os doadores de campanha não estão
interessados em aparecer. Nas eleições de 2010, os candidatos eleitos no
primeiro turno nas principais cidades do Brasil obtiveram, segundo a Folha de
São Paulo, 71% da sua verba de campanha a partir de doações ocultas. Nas 26
capitais, dos R$ 489,5 milhões recebidos, R$ 350 milhões foram transferidos de
forma indireta, por intermédio de diretórios dos partidos ou comitês
financeiros. Em 2012, dos R$ 819,7 milhões recebidos pelos partidos, R$ 207,4
milhões, ou seja, 25,4% do total, foram contabilizados indiretamente como
doações de diretórios e comitês de campanha. A maior parte das doações – R$
610,2 milhões – vem de “origem não especificada”, segundo a denominação de que
se vale o Tribunal Superior Eleitoral. A segunda maior fonte foi o Fundo
Partidário, com apenas R$ 36,5 milhões.
Esses números nos levam à
conclusão de que as empresas não estão interessadas em relacionar seus nomes
aos de determinados candidatos. Os pretendentes, por sua vez, preferem não ter
sua imagem relacionada a determinadas empresas que atuam em segmentos sensíveis
diretamente ligados à máquina pública. A alteração na lei das eleições, que
permitiu a realização das chamadas doações ocultas, foi a solução encontrada pelos
parlamentares em 2009. Na prática, essas doações funcionam da seguinte forma:
em vez de doar diretamente para um candidato, a empresa faz a doação ao partido
político, que, por sua vez, transfere o dinheiro para a conta de campanha do
candidato. Ao prestar contas, esse candidato informa qual a origem do valor não
à empresa, mas ao partido político. Deste modo, a empresa consegue que seu nome
seja omitido nas prestações de contas apresentadas pelos candidatos, sem que
haja desrespeito à lei. Como consequência dessa relação, as companhias que doam
às campanhas eleitorais se beneficiam de retornos extremamente vantajosos e
desiguais – um resultado pouco republicano, por assim dizer, segundo reconhecem
os próprios candidatos e empresas.
Outra prova de que a vinculação
entre nomes de candidatos e seus generosos doadores não é politicamente
interessante a nenhuma das partes envolvidas, está num dispositivo da
Legislação Eleitoral Brasileira, que impede a publicação dos nomes dos doadores
antes da data da eleição. A lei determina que as contas prévias de campanha
sejam publicadas nos dias 2 de agosto e 2 de setembro – o que garante ao
eleitor ao menos duas oportunidades para acompanhar as contas de seus candidatos
antes do dia do pleito. Curiosamente, entretanto, a mesma lei estabelece que os
nomes de doadores de campanha não devem constar nessa prestação de contas
preliminar, o que, na prática, obriga os eleitores a votarem às cegas, sem
saber os nomes que estão por trás das verbas que sustentam as campanhas dos
seus candidatos, o que só lhes será revelado após as eleições. É preciso
insistir na singularidade desse dispositivo, levando em conta que a democracia
não combina com ideais de sufocamento da transparência.
Há ainda outra estratégia adotada
para dificultar o acesso a essa informação: as duas prestações de contas
preliminares mencionadas anteriormente – a de agosto e a de setembro – devem ser
cumpridas, segundo determina a lei, de forma pública, com divulgação na
internet. Esta determinação seria bastante interessante se as informações
prestadas pelos candidatos fossem completas, mas não o são. A última prestação
de contas, por sua vez, quando finalmente aparecem os nomes dos doadores, não é
tornada pública no site do Tribunal Superior Eleitoral, como as anteriores. Em
vez disso, ela é entregue à Justiça Eleitoral, em um documento formal de acesso
muito difícil.
Para enfrentar esse obstáculo, eu
determinei, em maio de 2012, que todos os candidatos pela zona eleitoral de
João Lisboa, no Maranhão, que presido como juiz eleitoral, apresentassem os
nomes dos doadores de campanha já nas prestações de contas preliminares de
agosto e setembro. Para isso, lancei mão da Constituição, que, entre os
princípios da administração pública, garante com clareza o princípio da
publicidade. Recorri ainda à Lei de Acesso à Informação, que entrara em vigor pouco
antes, no dia 6 de maio de 2012. Depois de editar esse ato, colegas de outros estados,
como Tocantins, Amazonas, Mato Grosso e Paraná, seguiram o meu exemplo e
adotaram determinações similares. Todos agiram de acordo com o mesmo
entendimento e passaram a difundir a ideia de que tanto a Lei de Acesso à
Informação quanto a Constituição alteravam o conjunto das normas para dizer
que, sim, os candidatos são obrigados a revelar os nomes dos doadores de
campanhas antes do pleito. Um caso curioso, no entanto, aconteceu em Londrina,
no Paraná. O juiz eleitoral Álvaro Rodrigues Júnior havia determinado, seguindo
o meu entendimento, a publicação dos nomes de doadores de campanha, mas o
Corregedor Regional Eleitoral, desembargador Rogério Coelho, agindo por meio de
ofício, sem qualquer pedido de quem quer que fosse, revogou essa portaria,
alegando que a norma deveria ser cumprida estritamente como havia sido editada –
os nomes dos doadores não deveriam ser revelados antes do pleito. A discussão
teve fim no dia 28 de agosto de 2013, quando, pela primeira vez na história da
política brasileira, houve uma divulgação prévia de nomes dos doadores em todo
o país. Isto porque o Tribunal Superior Eleitoral, a partir de um ato da sua
presidente, ministra Cármen Lúcia, decidiu seguir o mesmo entendimento e
revelar os nomes dos doadores antes das campanhas. Lamentável nesse episódio
foi apenas a necessidade de haver uma interpretação geral da lei à luz dos
princípios constitucionais para que se garantisse um direito democrático
mínimo. Afinal, não há democracia sem transparência.
É preciso, portanto, que tenhamos
sempre em mente a gravidade das consequências dessa relação incestuosa entre o
poder econômico e a política. A verdade é que as eleições brasileiras recebem
um financiamento público não transparente e extremamente danoso para a nação. O
Instituto Kelloggs, ligado à Universidade do Texas, realizou uma pesquisa no
Brasil onde revelou-se que, para cada
real doado, as empresas recebem um retorno da ordem de R$ 8,50 em contratos
públicos. Isso corresponde a um
retorno de 750% do investimento e significa que o dinheiro privado que entra na
campanha é recompensado com lucros vultosos provenientes de recursos públicos.
Surge daí a necessidade de, como cidadãos brasileiros, dirigirmos atenção
profunda a este tema.
* Márlon Reis é juiz de Direito titular da 58ª Zona Eleitoral do Maranhão, um dos articuladores da coleta de assinaturas do projeto de lei da Ficha Limpa e autor dos livros "O Gigante Acordado" e "O Nobre Deputado"
Obs.: dois dias antes da publicação deste texto, a Folha de São Paulo noticiou sobre o orçamento de 2015 para o Fundo Partidário:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1604415-congresso-aprova-orcamento-2015-com-o-triplo-de-verba-para-fundo-partidario.shtml
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