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sexta-feira, 20 de março de 2015

FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS ELEITORAIS: QUEM PAGA MANDA


Márlon Reis*

Os brasileiros, em regra, não dedicam muito de seu tempo para verificar quem são os doadores das campanhas dos seus partidos e candidatos. Este, no entanto, é um tema de relevância inquestionável. É impossível ignorar que aqueles que doam dinheiro às campanhas, tornando-as deste modo viáveis, passam a dispor do poder de exercer uma força decisiva sobre a qualidade do futuro mandato. E, de fato, como mostraremos a seguir, é isso que acontece no Brasil.
Os mandatos políticos estão sendo distorcidos por uma grave realidade em nosso país. O eleitor tem importância menor para os políticos eleitos do que aqueles que atuaram como doadores de campanha. São estes os que serão ouvidos após as eleições. Eles definirão as políticas públicas; eles serão os maiores beneficiários de contratos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; eles, enfim, verão remunerado cada real investido na campanha.
Entre as eleições de 2002 e 2012, os maiores doadores de campanha – e estamos falando somente dos maiores, é importante destacar – somaram um investimento da ordem de um bilhão de reais. Segundo Edélcio Vinha, assessor político do Instituto de Estudos Socioeconômicos, não mais que cinco construtoras, três bancos, um frigorífico e uma metalúrgica foram necessários para deturpar o jogo democrático, determinando a direção de forças políticas e mantendo contratos vultosos com o poder público. Estas dez empresas encabeçam a lista dos maiores doadores de campanha no período de 2002 a 2012, e por isso é importante que o eleitor as conheça. São elas: a Construtora Camargo Corrêa, com uma doação de R$ 178,5 milhões; a Construtora Andrade Gutierrez, que doou R$ 161,3 milhões; a Construtora OAS, com R$ 146,6 milhões; a Construtora Queiroz Galvão, com R$ 129,3 milhões; o frigorífico JBS, ou Friboi, com R$ 113,7 milhões; o Banco Alvorada, com R$ 89,7 milhões; o Banco Itaú/Unibanco, com R$ 78,3 milhões; o Banco BMG, com R$ 73,9 milhões; a UTC Engenharia, com R$ 52,6 milhões; e finalmente, a Gerdau Comercial de Aços, com R$ 47,5 milhões.
Algumas observações sobre essas empresas nos ajudarão a entender melhor sua relação com o poder público: com exceção do Frigorífico Friboi, que tem sede na região centro-oeste e é o maior frigorífico da América Latina, todas as empresas atuam nos segmentos de empreiteiras, bancos e indústria da mineração. A Gerdau Comercial de Aços, embora atue na área comercial, integra na verdade um grupo do setor de indústria pesada. É possível resumidamente afirmar que as empreiteiras, os bancos e a indústria da mineração lideram com larga vantagem o universo dos doadores de campanha. Além disso, cabe observar que as doações realizadas por estas empresas não atendem a qualquer ideologia, uma vez que elas não possuem partido político, o que fica evidente pelos hábitos de doação de algumas das mais importantes delas. Um exemplo é a estratégia adotada pelo Grupo EBX, dirigido pelo empresário Eike Batista, na campanha presidencial de 2010. Nessa ocasião, a companhia optou por financiar tanto a campanha de Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), como a de José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e a de Marina Silva, que então era do Partido Verde (PV). Cada um dos dois primeiros recebeu R$ 1 milhão, e a terceira recebeu R$ 500 mil. Todos os candidatos à presidência da República, portanto, que tinham alguma possibilidade de vitória, mesmo que pequena, receberam doações do Grupo EBX. Este grupo, aliás, tem por hábito a pluralidade e a generosidade de suas ofertas de doação, chegando ao ponto de financiar campanhas, tanto de partidos comunistas, como é o caso do PC do B, quanto dos partidos mais à direita, como é o caso do DEM. No Rio de Janeiro, nas eleições de 2010, o Grupo EBX fez doações a Sérgio Cabral, que viria a ser eleito governador, e também ao seu principal adversário de campanha, o ex-governador Anthony Garotinho.
Essa prática se repete entre as demais empresas. O Grupo Andrade Gutierrez costuma doar tanto para o Partido dos Trabalhadores quanto para o PSDB. Nas eleições de 2012, Fernando Haddad, do PT, recebeu R$ 1 milhão quando concorria à prefeitura de São Paulo. Já o tucano José Serra recebeu R$ 750 mil. A JBS, ou Friboi, por sua vez, tem recebido da imprensa a alcunha de doadora universal. Isto porque a empresa – que, como já foi dito, é o maior frigorífico da América Latina – tem distribuído dinheiro indistintamente entre os partidos mais plurais e antagônicos entre si. No estado de Goiás, ela foi a empresa que mais doou para campanhas dos deputados eleitos por partidos como PSDB, PP e outros. Entre os quatorze parlamentares eleitos no estado nas eleições de 2006, sete tiveram contribuições da empresa. E nas contas de campanha de cada um destes sete, as doações do grupo aparecem sempre entre as cinco maiores. A empresa fez ainda contribuições para candidatos do PTB e do PR e, fora da base aliada, contribuiu com as candidaturas de políticos do PMDB, como o ex-candidato Marquito Vilela, que recebeu R$ 500 mil.
Em 2010, as empresas que mais doaram para campanhas foram a Camargo Corrêa, a JBS Friboi, a Andrade Gutierrez, o Banco Alvorada, a OAS, o BMG, a Gerdau, a Contax e a GE Engenharia. A Camargo Corrêa, que lidera a lista, com repasses de R$ 103 milhões, destinou 51% desse dinheiro para comitês financeiros e partidos – e é aí que entra outra relevante curiosidade a respeito das nossas eleições.
Os doadores de campanha não estão interessados em aparecer. Nas eleições de 2010, os candidatos eleitos no primeiro turno nas principais cidades do Brasil obtiveram, segundo a Folha de São Paulo, 71% da sua verba de campanha a partir de doações ocultas. Nas 26 capitais, dos R$ 489,5 milhões recebidos, R$ 350 milhões foram transferidos de forma indireta, por intermédio de diretórios dos partidos ou comitês financeiros. Em 2012, dos R$ 819,7 milhões recebidos pelos partidos, R$ 207,4 milhões, ou seja, 25,4% do total, foram contabilizados indiretamente como doações de diretórios e comitês de campanha. A maior parte das doações – R$ 610,2 milhões – vem de “origem não especificada”, segundo a denominação de que se vale o Tribunal Superior Eleitoral. A segunda maior fonte foi o Fundo Partidário, com apenas R$ 36,5 milhões.
Esses números nos levam à conclusão de que as empresas não estão interessadas em relacionar seus nomes aos de determinados candidatos. Os pretendentes, por sua vez, preferem não ter sua imagem relacionada a determinadas empresas que atuam em segmentos sensíveis diretamente ligados à máquina pública. A alteração na lei das eleições, que permitiu a realização das chamadas doações ocultas, foi a solução encontrada pelos parlamentares em 2009. Na prática, essas doações funcionam da seguinte forma: em vez de doar diretamente para um candidato, a empresa faz a doação ao partido político, que, por sua vez, transfere o dinheiro para a conta de campanha do candidato. Ao prestar contas, esse candidato informa qual a origem do valor não à empresa, mas ao partido político. Deste modo, a empresa consegue que seu nome seja omitido nas prestações de contas apresentadas pelos candidatos, sem que haja desrespeito à lei. Como consequência dessa relação, as companhias que doam às campanhas eleitorais se beneficiam de retornos extremamente vantajosos e desiguais – um resultado pouco republicano, por assim dizer, segundo reconhecem os próprios candidatos e empresas.
Outra prova de que a vinculação entre nomes de candidatos e seus generosos doadores não é politicamente interessante a nenhuma das partes envolvidas, está num dispositivo da Legislação Eleitoral Brasileira, que impede a publicação dos nomes dos doadores antes da data da eleição. A lei determina que as contas prévias de campanha sejam publicadas nos dias 2 de agosto e 2 de setembro – o que garante ao eleitor ao menos duas oportunidades para acompanhar as contas de seus candidatos antes do dia do pleito. Curiosamente, entretanto, a mesma lei estabelece que os nomes de doadores de campanha não devem constar nessa prestação de contas preliminar, o que, na prática, obriga os eleitores a votarem às cegas, sem saber os nomes que estão por trás das verbas que sustentam as campanhas dos seus candidatos, o que só lhes será revelado após as eleições. É preciso insistir na singularidade desse dispositivo, levando em conta que a democracia não combina com ideais de sufocamento da transparência.
Há ainda outra estratégia adotada para dificultar o acesso a essa informação: as duas prestações de contas preliminares mencionadas anteriormente – a de agosto e a de setembro – devem ser cumpridas, segundo determina a lei, de forma pública, com divulgação na internet. Esta determinação seria bastante interessante se as informações prestadas pelos candidatos fossem completas, mas não o são. A última prestação de contas, por sua vez, quando finalmente aparecem os nomes dos doadores, não é tornada pública no site do Tribunal Superior Eleitoral, como as anteriores. Em vez disso, ela é entregue à Justiça Eleitoral, em um documento formal de acesso muito difícil.
Para enfrentar esse obstáculo, eu determinei, em maio de 2012, que todos os candidatos pela zona eleitoral de João Lisboa, no Maranhão, que presido como juiz eleitoral, apresentassem os nomes dos doadores de campanha já nas prestações de contas preliminares de agosto e setembro. Para isso, lancei mão da Constituição, que, entre os princípios da administração pública, garante com clareza o princípio da publicidade. Recorri ainda à Lei de Acesso à Informação, que entrara em vigor pouco antes, no dia 6 de maio de 2012. Depois de editar esse ato, colegas de outros estados, como Tocantins, Amazonas, Mato Grosso e Paraná, seguiram o meu exemplo e adotaram determinações similares. Todos agiram de acordo com o mesmo entendimento e passaram a difundir a ideia de que tanto a Lei de Acesso à Informação quanto a Constituição alteravam o conjunto das normas para dizer que, sim, os candidatos são obrigados a revelar os nomes dos doadores de campanhas antes do pleito. Um caso curioso, no entanto, aconteceu em Londrina, no Paraná. O juiz eleitoral Álvaro Rodrigues Júnior havia determinado, seguindo o meu entendimento, a publicação dos nomes de doadores de campanha, mas o Corregedor Regional Eleitoral, desembargador Rogério Coelho, agindo por meio de ofício, sem qualquer pedido de quem quer que fosse, revogou essa portaria, alegando que a norma deveria ser cumprida estritamente como havia sido editada – os nomes dos doadores não deveriam ser revelados antes do pleito. A discussão teve fim no dia 28 de agosto de 2013, quando, pela primeira vez na história da política brasileira, houve uma divulgação prévia de nomes dos doadores em todo o país. Isto porque o Tribunal Superior Eleitoral, a partir de um ato da sua presidente, ministra Cármen Lúcia, decidiu seguir o mesmo entendimento e revelar os nomes dos doadores antes das campanhas. Lamentável nesse episódio foi apenas a necessidade de haver uma interpretação geral da lei à luz dos princípios constitucionais para que se garantisse um direito democrático mínimo. Afinal, não há democracia sem transparência.
É preciso, portanto, que tenhamos sempre em mente a gravidade das consequências dessa relação incestuosa entre o poder econômico e a política. A verdade é que as eleições brasileiras recebem um financiamento público não transparente e extremamente danoso para a nação. O Instituto Kelloggs, ligado à Universidade do Texas, realizou uma pesquisa no Brasil onde revelou-se que, para cada real doado, as empresas recebem um retorno da ordem de R$ 8,50 em contratos públicos. Isso corresponde a um retorno de 750% do investimento e significa que o dinheiro privado que entra na campanha é recompensado com lucros vultosos provenientes de recursos públicos. Surge daí a necessidade de, como cidadãos brasileiros, dirigirmos atenção profunda a este tema.


* Márlon Reis é juiz de Direito titular da 58ª Zona Eleitoral do Maranhão, um dos articuladores da coleta de assinaturas do projeto de lei da Ficha Limpa e autor dos livros "O Gigante Acordado" e "O Nobre Deputado"

Obs.: dois dias antes da publicação deste texto, a Folha de São Paulo noticiou sobre o orçamento de 2015 para o Fundo Partidário: 
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1604415-congresso-aprova-orcamento-2015-com-o-triplo-de-verba-para-fundo-partidario.shtml

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