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terça-feira, 18 de novembro de 2014

Radicalizar a democracia para vencer a barbárie


jurista


Por Rosângela Bion de Assis, para Desacato.info


Dias 27, 28, 29 e 30 de outubro, o Instituto de Pesquisas e Estudos Jurídicos e Culturais (IPEJ) realizou o “I Congresso Internacional de Direitos Humanos – Barbárie ou Civilização? Os 23 anos do Movimento Direito Alternativo”, na Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis, mantida pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (Cesusc), em Florianópolis. Professores, advogados, juristas e pesquisadores, alguns conhecidos mundialmente, falaram e debateram durante conferências, palestras, debates e oficinas, filmes e exposições. Foram dias intensos, de questionamentos profundos.
Baltazar Garzón, jurista espanhol, conhecido mundialmente ao emitir uma ordem de prisão em desfavor do ex-presidente do Chile, Augusto Pinochet, pela morte e tortura de cidadãos espanhóis, proferiu a palestra de abertura do evento. Para ele, a atual crise na Espanha tem origem na não apuração dos crimes praticados pela ditadura franquista. Garzón defendeu o processo de apuração, punição e reconhecimento dos direitos dos violentados pelas ditaduras militares, como passo fundamental para a consolidação da democracia. Sem isso, as instituições democráticas perdem a credibilidade.
O jurista espanhol afirmou que não há como promover a justiça total, já que cerca de 2/3 dos casos ficam sem solução, mas é possível investigar e esclarecer quem financiou o golpe e quem se beneficiou com ele. Garzón, citou a Argentina como o país que mais avançou nesse rumo, com mais de 1.000 processados. Ele também apontou a importância da apuração do papel da imprensa nessas ditaduras, já que empresas se beneficiaram enormemente em troca de benefícios.

Discurso de inclusão, realidade de exclusão
Na palestra, “Teorias Críticas e Educação em Direitos Humanos”, realizada dia 28 de outubro, pela manhã, Cristiane Derani, Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo e Pós-douturado na Ecole des Hautes Etudes em Sciences Sociales, Paris, falou sobre os efeitos das mudanças climáticas no mundo, com a perda do enraizamento cultural e de origem de países inteiros. A elevação do nível do mar põe em risco a existência de países pela perda do território. Derani questionou o que será feito da população das ilhas do pacífico. Povos tradicionais, cujo vínculo com a terra extrapola questões meramente econômicas e impossibilita a simples relocação. Para eles a terra tem o mesmo significado que placenta para o bebê. Ou seja, a perda terra seria a perda do próprio ser.
Ainda na mesa que abordou as “Teorias Críticas e Educação em Direitos Humanos”, David Sanchez Rúbio, professor de filosofia do direito na Universidade de Sevilha-EPS, co-diretor do Programa de Doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento  da UPO-ESP, afirmou que 3/4 da humanidade não tem seus direitos reconhecidos e que somente 0,1% dos direitos sejam resolvidos judicialmente. Para ele, o discurso é de inclusão num território de exclusão, resultando que os Direitos Humanos sejam um privilégio não usufruído por grande parte da humanidade.
Para Rúbio, no Ocidente, o Direito não tem sensibilidade pelos Direitos Humanos; não existe cultura, nem jurídica, nem não jurídica, é uma cultura minimalista, de efeitos restritos, impedindo a transformação da sociedade. Ele citou que o homem, branco, proprietário, heterossexual burguês é considerado superior à mulher negra, ou pessoas de outras etnias.
O professor defendeu que as ações em defesa dos Direitos Humanos não fiquem restritas aos órgãos públicos, desempoderando todos os demais. “Os Direitos Humanos só aparecem quando são violados. O que acontece antes?” Ele valorizou as práticas que impeçam que eles sejam violados: “a pessoa pública e privada ativista e cotidianista na luta pelos Direitos Humanos, no contexto familiar e no trabalho, que não deixa somente na mão do governo e das instituições públicas”.

Jornalistas mortos e privilégios mantidos
Ainda na manhã do dia 28 de outubro, na palestra “Direitos Humanos e Processos de Luta, Diálogos desde o Pensamento Crítico”, Luiz Fernando Coelho, doutor em Ciências Humanas e livre docência em filosofia do direito pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), especialista em Direito Comparado, abordou a teoria crítica do Direito, que converge para repensar todas as teorias críticas para uma visão holística, para acompanhar o avanço da ciência e da tecnologia. Ele defendeu que os Direitos Humanos sejam incorporados aos Direitos Fundamentais como cláusulas pétreas.
Nessa mesma palestra, Manuel Eugenio Carballido, professor dedicado a educação popular na Venezuela, membro da red de apoyo por la Justicia y la paz, professor  de teoria tradicional e teoria crítica de direitos humanos da Universidade Pablo de Olavide de Sevilla, apontou exemplos em  que  barbárie se apresenta como civilização e se apropria do discurso dos Direitos Humanos. Para ele, o direito da propriedade privada está no centro do discurso dos Direitos Humanos. “Os donos dos meios de comunicação se utilizam do discurso da liberdade de imprensa para manter seus privilégios, mas esse discurso não serve para impedir que jornalistas morram, como em Honduras, onde 30 já morreram, citou Carballido.
O professor Venezuelano falou que o capitalismo globalizado se apropriou do discurso dos Direitos Humanos, e que os setores sociais precisam se aproriar e reinventar os Direitos Humanos. “É uma tragédia que um homem branco, hetero, proprietário católico não seja igual a uma mulher, negra, sem bens. Deveria ser.”
Para Carballido, o capitalismo gera uma forma de compreender a vida e é preciso criar alternativas. “Estamos vivendo uma crise civilizatória, as pessoas está confundindo liberdade com liberdade de consumir. Temos o desafio de realizar um diálogo intercultural afetivo, não é só um desafio político. Temos que recuperar a capacidade da utopia.” Usando a expressão citada pelo palestrante, suas palavras foram para os presentes “uma injeção de energia revolucionária”.

A reprodução da barbárie
Ainda na palestra “Direitos Humanos e Processos de Luta, Diálogos desde o Pensamento Crítico”, Edmundo Lima de Arruda Jr., doutorado em Sociologia – Université Catholique de Louvain, pós-doutorado em Sociologia Política na Universitè Paris 8 Saint Denis e pós-doutorado em Sociologia na Universitè Paris X Nanterre, abordou o leque cada vez maior de interesses em busca de reconhecimento. Arruda defendeu que o movimento pelos Direitos Humanos repense suas contribuições para a reprodução da barbárie. Ele citou os mil chineses assassinados por ano, por pena de morte. “A primeira potência do mundo, desrespeita totalmente os Direitos Humanos”.
No dia 29 de outubro, na Palestra que tratou dos “Fluxos Migratórios Forçados e Fórmulas de Interdições Humanitárias”, Virgínius Lianza da Franca, doutor em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), falou dos 630 haitianos que vieram para o Brasil, percorrendo 8.300km a pé, atravessando 16 países, fugindo de uma grave crise econômica. Ele citou os instrumentos legais que estão sendo construídos para oferecer refúgio para as 82 nacionalidades que existem no Brasil.
Também na manhã do dia 29, que palestra que abordou “Magistratura, Psicanálise e Direitos Humanos”, Alexandre Moraes da Rosa, juiz de direito do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, doutor em direito pela UFPR, com estágio de pós-doutoramento em Direito ( Faculdade de Direito de Coimbra e Unisinos), falou da paranóia do juiz contemporâneo. Para ele, a presença da matriz religiosa na elaboração do pensamento não se desfaz da noite para o dia. O juiz afirmou que hoje estagiário faz sentença, “nós temos a ilusão de que as decisões judiciais acontecem pela razão, mas não passa de uma ilusão”.

Somos todos potenciais agressores
Nessa mesma palestra, Lédio Rosa de Andrade, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul e da Associação dos Juízes para a Democracia, citou que seria mais correto falar de direitos fundamentais já todos os direitos são humanos, mas alertou: “Todos somos potenciais agressores dos direitos humanos”.
Lédio afirmou que o Brasil tem hoje uma magistratura jovem, adoecida, deprimida, decorando um conteúdo inútil para a prova que depois nunca mais utilizarão, trabalhando num país injusto onde não se pode fazer justiça.
Também na mesa “Magistratura, Psicanálise e Direitos Humanos”, Roberto Aguiar, advogado, foi secretário de Segurança Pública no Distrito Federal e no Rio de Janeiro, professor na Universidade de Brasília (UnB) afirmou que o Direito não tem mais relação com o mundo de hoje. Para ele, a retórica jurídica é feita pra afastar as pessoas, é uma retórica sem sentido, uma linguagem feita para o povo não entender, para esconder do povo. “O juiz não é neutro, é conservador e antigo e Direito é poder de coerção orientado pelo Estado”.
Aguiar que já publicou mais de 40 obras, entre livros e artigos, afirmou que “vamos chegar ao ponto do orgasmo eletrônico e não vemos que isso é uma forma de dominação!”.  Ele denunciou que empresas americanas estão comprando escolas brasileiras e isso põe em risco a existência do pensamento crítico nas estruturas educacionais do país.  O professor também falou do mito do Brasíl pacífico e sem preconceito: “esse mito precisa ser destruído, vivemos num país tenso.”

Dormir e sonhar é fundamental
Na manhã do dia 30 de outubro, que aborou as “Ações e Perspectivas para Efetividade dos Direitos Humanos”, Willis Santiago Guerra Filho, mestre em direito pela Pontifícia Universidade Católica de são Paulo, doutorado em Ciência do Direito, Universität Bielefeld, Alemanha e em Filosofia (IFCS-UFRJ), citou que a ditadura militar adotou a tortura como prática de governo, era uma repressão jurisdicizada que tirou a vida de pessoas da pior maneira possível. “Como eu pude me iludir que o Supremo Tribunal Federal da ditadura militar iria interpretar a Constituição de forma democrática? Que seria possível desvincular Direito de política?” Para Willis é preciso reformar as instituições, como o Tribunal Superior do Trabalho.  “Tem ministro do Supremo admitindo que  a prisões brasileiras não garantem a dignidade humana. E falam como se não tivessem nada a ver com isso”.
O palestrante defendeu a reforma política, que não está na pauta. Para ele, é preciso ouvir o titular maior do poder, o povo. Estamos caminhando para a barbárie da civilização da razão, ou barbárie tecnologizada.
Willis chamou a atenção para a expoliação do tempo, para a subtração do tempo. “Hoje até o festejo também é trabalho, monetarizaram inclusive o carnaval. Em qualquer época do ano é possível festejar um carnaval. A festa da farsa é a farsa da festa.” Ele afirmou que estamos sendo os grandes violadores dos nossos Direitos Humanos e sequer nos damos conta. “Não sei o que fazer para nos alertar de que dormir e sonhar é fundamental!”, concluiu.

Radicalizar a democracia para vencer a intolerância
Ainda na manhã do dia 30, a palestra sobre “O Mundo do Trabalho e os Direitos Humanos”, Leonardo Wandelli, doutor em direitos humanos e Cidadania pela UFPR, diploma de Estudios Avanzados em Derechos Humanos y Desarollo pela Universidad  Pablo Olavide de Sevilha, Juiz do Trabalho da 9 Região, falou que a modernidade nos ensinou a separar o tempo do trabalho do tempo da vida, como se o tempo de trabalho fosse um tempo de não vida. Ele defendeu que o tempo do trabalho seja dedicado ao exercício dos direitos fundamentais, pois junto com a precarização da compra e venda da força de trabalho vem a precarização da vida. “Há uma epidemia de adoecimento físico e psíquico no ambiente de trabalho”, alertou.
Wandelli afirmou que as pessoas trabalham para o outros, com os outros, sobre as coisas do mundo e sobre si. “É auto realizar-se. É uma boa missão para os profissionais do direito”, defendeu.
Também nesta mesa, Sérgio Servulo da Cunha, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), representante da AOB nacional no Movimento pela Ética na Política o no Fórum Nacional contra a Violência no Campo, defendeu que “que o tempo de intolerância seja suplantado pela fraternidade e pela radicalização da democracia, que é o maior antídoto da intolerância.”
Para o palestrante, no direito do trabalho há um ponto de partida: a união dos trabalhadores; e um ponto de chegada: a melhoria das condições de trabalho. “O que temos em relação aos Direitos Humanos no mundo do trabalho foi construído com sangue, suor e lágrimas. Nada foi agraciado pelos patrões.”
Sérgio Servulo da Cunha  afirmou que a representação eleita no congresso aprofunda o conservadorismo e o patrimonialismo. As eleições sinalizaram que o Brasil precisa radicalizar na democracia e no diálogo, principalmente no mundo do trabalho. Ele apontou que as taxas de filiação aos partidos políticos no Brasil são baixas, em 2012, cerca de 10%. “As pessoas não querem debater e participar e isso tem consequências em todas as instâncias da sociedade.”

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