Por Rosângela Bion de Assis, para Desacato.info
Dias 27, 28, 29 e 30 de outubro, o Instituto de Pesquisas e Estudos
Jurídicos e Culturais (IPEJ) realizou o “I Congresso Internacional de
Direitos Humanos – Barbárie ou Civilização? Os 23 anos do Movimento
Direito Alternativo”, na Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis,
mantida pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (Cesusc), em
Florianópolis. Professores, advogados, juristas e pesquisadores, alguns
conhecidos mundialmente, falaram e debateram durante conferências,
palestras, debates e oficinas, filmes e exposições. Foram dias intensos,
de questionamentos profundos.
Baltazar Garzón, jurista espanhol, conhecido mundialmente ao emitir
uma ordem de prisão em desfavor do ex-presidente do Chile, Augusto
Pinochet, pela morte e tortura de cidadãos espanhóis, proferiu a
palestra de abertura do evento. Para ele, a atual crise na Espanha tem
origem na não apuração dos crimes praticados pela ditadura franquista.
Garzón defendeu o processo de apuração, punição e reconhecimento dos
direitos dos violentados pelas ditaduras militares, como passo
fundamental para a consolidação da democracia. Sem isso, as instituições
democráticas perdem a credibilidade.
O jurista espanhol afirmou que não há como promover a justiça total,
já que cerca de 2/3 dos casos ficam sem solução, mas é possível
investigar e esclarecer quem financiou o golpe e quem se beneficiou com
ele. Garzón, citou a Argentina como o país que mais avançou nesse rumo,
com mais de 1.000 processados. Ele também apontou a importância da
apuração do papel da imprensa nessas ditaduras, já que empresas se
beneficiaram enormemente em troca de benefícios.
Discurso de inclusão, realidade de exclusão
Na palestra, “Teorias Críticas e Educação em Direitos Humanos”,
realizada dia 28 de outubro, pela manhã, Cristiane Derani, Doutora em
Direito pela Universidade de São Paulo e Pós-douturado na Ecole des
Hautes Etudes em Sciences Sociales, Paris, falou sobre os efeitos das
mudanças climáticas no mundo, com a perda do enraizamento cultural e de
origem de países inteiros. A elevação do nível do mar põe em risco a
existência de países pela perda do território. Derani questionou o que
será feito da população das ilhas do pacífico. Povos tradicionais, cujo
vínculo com a terra extrapola questões meramente econômicas e
impossibilita a simples relocação. Para eles a terra tem o mesmo
significado que placenta para o bebê. Ou seja, a perda terra seria a
perda do próprio ser.
Ainda na mesa que abordou as “Teorias Críticas e Educação em Direitos
Humanos”, David Sanchez Rúbio, professor de filosofia do direito na
Universidade de Sevilha-EPS, co-diretor do Programa de Doutorado
em Direitos Humanos e Desenvolvimento da UPO-ESP, afirmou que 3/4 da
humanidade não tem seus direitos reconhecidos e que somente 0,1% dos
direitos sejam resolvidos judicialmente. Para ele, o discurso é de
inclusão num território de exclusão, resultando que os Direitos Humanos
sejam um privilégio não usufruído por grande parte da humanidade.
Para Rúbio, no Ocidente, o Direito não tem sensibilidade pelos
Direitos Humanos; não existe cultura, nem jurídica, nem não jurídica, é
uma cultura minimalista, de efeitos restritos, impedindo a transformação
da sociedade. Ele citou que o homem, branco, proprietário,
heterossexual burguês é considerado superior à mulher negra, ou pessoas
de outras etnias.
O professor defendeu que as ações em defesa dos Direitos Humanos não
fiquem restritas aos órgãos públicos, desempoderando todos os demais.
“Os Direitos Humanos só aparecem quando são violados. O que acontece
antes?” Ele valorizou as práticas que impeçam que eles sejam violados:
“a pessoa pública e privada ativista e cotidianista na luta pelos
Direitos Humanos, no contexto familiar e no trabalho, que não deixa
somente na mão do governo e das instituições públicas”.
Jornalistas mortos e privilégios mantidos
Ainda na manhã do dia 28 de outubro, na palestra “Direitos Humanos e
Processos de Luta, Diálogos desde o Pensamento Crítico”, Luiz Fernando
Coelho, doutor em Ciências Humanas e livre docência em filosofia do
direito pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), especialista
em Direito Comparado, abordou a teoria crítica do Direito, que converge
para repensar todas as teorias críticas para uma visão holística, para
acompanhar o avanço da ciência e da tecnologia. Ele defendeu que os
Direitos Humanos sejam incorporados aos Direitos Fundamentais como
cláusulas pétreas.
Nessa mesma palestra, Manuel Eugenio Carballido, professor dedicado a
educação popular na Venezuela, membro da red de apoyo por la Justicia y
la paz, professor de teoria tradicional e teoria crítica de direitos
humanos da Universidade Pablo de Olavide de Sevilla, apontou exemplos
em que barbárie se apresenta como civilização e se apropria do
discurso dos Direitos Humanos. Para ele, o direito da propriedade
privada está no centro do discurso dos Direitos Humanos. “Os donos dos
meios de comunicação se utilizam do discurso da liberdade de imprensa
para manter seus privilégios, mas esse discurso não serve para impedir
que jornalistas morram, como em Honduras, onde 30 já morreram, citou
Carballido.
O professor Venezuelano falou que o capitalismo globalizado se
apropriou do discurso dos Direitos Humanos, e que os setores sociais
precisam se aproriar e reinventar os Direitos Humanos. “É uma tragédia
que um homem branco, hetero, proprietário católico não seja igual a uma
mulher, negra, sem bens. Deveria ser.”
Para Carballido, o capitalismo gera uma forma de compreender a vida e
é preciso criar alternativas. “Estamos vivendo uma crise civilizatória,
as pessoas está confundindo liberdade com liberdade de consumir. Temos o
desafio de realizar um diálogo intercultural afetivo, não é só um
desafio político. Temos que recuperar a capacidade da utopia.” Usando a
expressão citada pelo palestrante, suas palavras foram para os presentes
“uma injeção de energia revolucionária”.
A reprodução da barbárie
Ainda na palestra “Direitos Humanos e Processos de Luta, Diálogos
desde o Pensamento Crítico”, Edmundo Lima de Arruda Jr., doutorado em
Sociologia – Université Catholique de Louvain, pós-doutorado em
Sociologia Política na Universitè Paris 8 Saint Denis e pós-doutorado em
Sociologia na Universitè Paris X Nanterre, abordou o leque cada vez
maior de interesses em busca de reconhecimento. Arruda defendeu que o
movimento pelos Direitos Humanos repense suas contribuições para a
reprodução da barbárie. Ele citou os mil chineses assassinados por ano,
por pena de morte. “A primeira potência do mundo, desrespeita totalmente
os Direitos Humanos”.
No dia 29 de outubro, na Palestra que tratou dos “Fluxos Migratórios
Forçados e Fórmulas de Interdições Humanitárias”, Virgínius Lianza da
Franca, doutor em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná),
falou dos 630 haitianos que vieram para o Brasil, percorrendo 8.300km a
pé, atravessando 16 países, fugindo de uma grave crise econômica. Ele
citou os instrumentos legais que estão sendo construídos para oferecer
refúgio para as 82 nacionalidades que existem no Brasil.
Também na manhã do dia 29, que palestra que abordou “Magistratura,
Psicanálise e Direitos Humanos”, Alexandre Moraes da Rosa, juiz de
direito do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, doutor em direito pela
UFPR, com estágio de pós-doutoramento em Direito ( Faculdade de Direito
de Coimbra e Unisinos), falou da paranóia do juiz contemporâneo. Para
ele, a presença da matriz religiosa na elaboração do pensamento não se
desfaz da noite para o dia. O juiz afirmou que hoje estagiário faz
sentença, “nós temos a ilusão de que as decisões judiciais acontecem
pela razão, mas não passa de uma ilusão”.
Somos todos potenciais agressores
Nessa mesma palestra, Lédio Rosa de Andrade, desembargador do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, membro do Instituto
dos Advogados do Rio Grande do Sul e da Associação dos Juízes para a
Democracia, citou que seria mais correto falar de direitos fundamentais
já todos os direitos são humanos, mas alertou: “Todos somos potenciais
agressores dos direitos humanos”.
Lédio afirmou que o Brasil tem hoje uma magistratura jovem, adoecida,
deprimida, decorando um conteúdo inútil para a prova que depois nunca
mais utilizarão, trabalhando num país injusto onde não se pode fazer
justiça.
Também na mesa “Magistratura, Psicanálise e Direitos Humanos”,
Roberto Aguiar, advogado, foi secretário de Segurança Pública no
Distrito Federal e no Rio de Janeiro, professor na Universidade de
Brasília (UnB) afirmou que o Direito não tem mais relação com o mundo de
hoje. Para ele, a retórica jurídica é feita pra afastar as pessoas, é
uma retórica sem sentido, uma linguagem feita para o povo não entender,
para esconder do povo. “O juiz não é neutro, é conservador e antigo e
Direito é poder de coerção orientado pelo Estado”.
Aguiar que já publicou mais de 40 obras, entre livros e artigos,
afirmou que “vamos chegar ao ponto do orgasmo eletrônico e não vemos que
isso é uma forma de dominação!”. Ele denunciou que empresas americanas
estão comprando escolas brasileiras e isso põe em risco a existência do
pensamento crítico nas estruturas educacionais do país. O professor
também falou do mito do Brasíl pacífico e sem preconceito: “esse mito
precisa ser destruído, vivemos num país tenso.”
Dormir e sonhar é fundamental
Na manhã do dia 30 de outubro, que aborou as “Ações e Perspectivas
para Efetividade dos Direitos Humanos”, Willis Santiago Guerra Filho,
mestre em direito pela Pontifícia Universidade Católica de são Paulo,
doutorado em Ciência do Direito, Universität Bielefeld, Alemanha e em
Filosofia (IFCS-UFRJ), citou que a ditadura militar adotou a tortura
como prática de governo, era uma repressão jurisdicizada que tirou a
vida de pessoas da pior maneira possível. “Como eu pude me iludir que o
Supremo Tribunal Federal da ditadura militar iria interpretar a
Constituição de forma democrática? Que seria possível desvincular
Direito de política?” Para Willis é preciso reformar as instituições,
como o Tribunal Superior do Trabalho. “Tem ministro do Supremo
admitindo que a prisões brasileiras não garantem a dignidade humana. E
falam como se não tivessem nada a ver com isso”.
O palestrante defendeu a reforma política, que não está na pauta.
Para ele, é preciso ouvir o titular maior do poder, o povo. Estamos
caminhando para a barbárie da civilização da razão, ou barbárie
tecnologizada.
Willis chamou a atenção para a expoliação do tempo, para a subtração
do tempo. “Hoje até o festejo também é trabalho, monetarizaram inclusive
o carnaval. Em qualquer época do ano é possível festejar um carnaval. A
festa da farsa é a farsa da festa.” Ele afirmou que estamos sendo os
grandes violadores dos nossos Direitos Humanos e sequer nos damos conta.
“Não sei o que fazer para nos alertar de que dormir e sonhar é
fundamental!”, concluiu.
Radicalizar a democracia para vencer a intolerância
Ainda na manhã do dia 30, a palestra sobre “O Mundo do Trabalho e os
Direitos Humanos”, Leonardo Wandelli, doutor em direitos humanos e
Cidadania pela UFPR, diploma de Estudios Avanzados em Derechos Humanos y
Desarollo pela Universidad Pablo Olavide de Sevilha, Juiz do Trabalho
da 9 Região, falou que a modernidade nos ensinou a separar o tempo do
trabalho do tempo da vida, como se o tempo de trabalho fosse um tempo de
não vida. Ele defendeu que o tempo do trabalho seja dedicado ao
exercício dos direitos fundamentais, pois junto com a precarização da
compra e venda da força de trabalho vem a precarização da vida. “Há uma
epidemia de adoecimento físico e psíquico no ambiente de trabalho”,
alertou.
Wandelli afirmou que as pessoas trabalham para o outros, com os
outros, sobre as coisas do mundo e sobre si. “É auto realizar-se. É uma
boa missão para os profissionais do direito”, defendeu.
Também nesta mesa, Sérgio Servulo da Cunha, vice-presidente da
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil), representante da AOB nacional no Movimento pela
Ética na Política o no Fórum Nacional contra a Violência no Campo,
defendeu que “que o tempo de intolerância seja suplantado pela
fraternidade e pela radicalização da democracia, que é o maior antídoto
da intolerância.”
Para o palestrante, no direito do trabalho há um ponto de partida: a
união dos trabalhadores; e um ponto de chegada: a melhoria das condições
de trabalho. “O que temos em relação aos Direitos Humanos no mundo do
trabalho foi construído com sangue, suor e lágrimas. Nada foi agraciado
pelos patrões.”
Sérgio Servulo da Cunha afirmou que a representação eleita no
congresso aprofunda o conservadorismo e o patrimonialismo. As eleições
sinalizaram que o Brasil precisa radicalizar na democracia e no diálogo,
principalmente no mundo do trabalho. Ele apontou que as taxas de
filiação aos partidos políticos no Brasil são baixas, em 2012, cerca de
10%. “As pessoas não querem debater e participar e isso tem
consequências em todas as instâncias da sociedade.”
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