Correio da Cidadania
Para muitos, é tão óbvio quanto angustiante: a mídia empresarial
brasileira é dominada por monopólios consolidados na época da ditadura
militar e não representa qualquer esboço de democratização das
comunicações. Apesar das mídias ditas alternativas, a diversidade de
opinião nos grandes meios de comunicação é inferior à dos anos 50 do
século passado. Além disso, a falta de vez e voz das maiorias é
dramatizada por um vazio jurídico pouco conhecido do público. Isso sim,
devidamente censurado do noticiário.
“Enquanto a imensa maioria do espectro radiofônico é controlada por
grupos empresariais que visam o lucro, ao contrário de vários países, o
Brasil não tem um forte sistema público de comunicação. As emissoras
comunitárias carecem de apoio estrutural e financiamento, quando não são
altamente criminalizadas. O acesso à internet no Brasil ainda é
excludente para metade da população. Portanto, vivemos um quadro em que o
exercício da liberdade de expressão é praticado por quem detém o
controle da propriedade dos meios, e não pela sociedade em geral”,
resumiu a jornalista Bia Barbosa, em entrevista ao Correio da Cidadania.
Na entrevista, a jornalista se vale da postura de diversos veículos
nas eleições, de modo a deixar claro que tais grupos de mídia têm
imensos interesses políticos e econômicos refletidos em seus conteúdos.
“Acredito que os meios de comunicação ‘têm lado’ na disputa de um
projeto de país. Tal lado, em períodos eleitorais, fica muito mais
claro. O aspecto positivo é que, felizmente, uma parcela crescente da
sociedade começa a se dar conta disso. Nesse caso, nem se trata de
julgar se são conteúdos verdadeiros ou mentirosos”.
Barbosa comenta ainda diversos pontos a serem contemplados por um
Projeto de Lei da Mídia Democrática, desenvolvido pelos diversos grupos
que compõem o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e que
visa, antes de tudo, regulamentar artigos constitucionais até hoje
hibernados. No entanto, “não tenho perspectiva, e creio que essa seja a
leitura mais comum do movimento pela democratização da mídia, de que
haverá uma radical transformação no cenário no segundo governo Dilma”,
pontuou Bia Barbosa.
Correio da Cidadania: Como analisa o atual cenário das
comunicações no Brasil, especialmente no que diz respeito à sua
propriedade, aos conceitos de liberdade de imprensa e expressão e à
regulamentação da mesma?
Bia Barbosa: O cenário brasileiro das comunicações
pode ser bem caracterizado pela grande concentração da propriedade.
Enquanto a imensa maioria do espectro radiofônico (rádios e TVs) é
controlada por grupos empresariais que visam o lucro, ao contrário de
vários países, o Brasil não tem um forte sistema público de comunicação.
As emissoras comunitárias carecem de apoio estrutural e financiamento,
quando não são altamente criminalizadas. O acesso à internet no Brasil
ainda é excludente para metade da população, que não pode ser
considerada usuária da rede mundial de computadores.
Portanto, vivemos um quadro em que o exercício da liberdade de
expressão é praticado por quem detém o controle da propriedade dos
meios, e não pela sociedade em geral. Esse desafio nos coloca uma
demanda muito grande de mobilização pra enfrentarmos a conjuntura e
transformar o cenário midiático brasileiro.
Sabemos do enorme poder político e econômico das empresas de
comunicação. Enfrentá-lo, para garantir que o poder público tenha
vontade política de democratizar a voz e a liberdade de expressão, é
algo que requer uma organização e mobilização muito grandes da sociedade
civil. E é nesse sentido que temos trabalhado. O Intervozes é só um dos
grupos que faz a luta, ao lado do FNDC (Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação) e centenas de outras entidades que têm
essa luta como prioritária.
Correio da Cidadania: Qual a sua opinião quanto ao
comportamento da mídia nos últimos anos, especialmente nas gestões
petistas e no mandato de Dilma Rousseff, no que se refere a este
contexto analisado?
Bia Barbosa: Acredito que os meios de comunicação
“têm lado” na disputa de um projeto de país. Isso tem ficado cada vez
mais claro ao menos em uma parcela da chamada grande mídia. Tal lado, em
períodos eleitorais, fica muito mais claro. Vimos o comportamento dos
grandes veículos no processo eleitoral, principalmente no segundo turno
das eleições, mas é algo que se manifesta cotidianamente. Não só na
eleição, mas nos grandes temas que envolvem o futuro da nação e os
direitos da cidadania em geral.
O aspecto positivo é que, felizmente, uma parcela crescente da
sociedade começa a se dar conta disso. E a entender que o conteúdo
veiculado em tais meios é feito a partir de opções político-ideológicas
deles mesmos. Nesse caso, nem se trata de julgar se são conteúdos
verdadeiros ou mentirosos. Mas o simples fato de a população conseguir
entender que há opções claras por trás das escolhas editorais, com
defesas ou críticas a projetos, já faz com que telespectadores, ouvintes
e leitores tenham uma postura mais crítica e autônoma em relação ao que
tais veículos publicam, sem achar que ali constam verdades absolutas e
inquestionáveis.
É claro que ainda temos desafios muito grandes. A televisão, em
especial, tem um poder muito grande na formação da opinião pública
nacional, mas avançamos cada vez mais no sentido da compreensão das
pessoas sobre o papel dos meios de comunicação, entendendo suas escolhas
e linhas editoriais, o que permite uma leitura mais crítica desses
veículos.
Correio da Cidadania: Acredita que o novo mandato de Dilma
possa avançar um processo de radical democratização da mídia, é possível
ter otimismo quanto a isso?
Bia Barbosa: Temos de ser otimistas, se não,
desistimos de lutar. Mas não tenho perspectiva, e creio que essa seja a
leitura mais comum do movimento pela democratização da mídia, de que
haverá uma radical transformação no cenário. Saudamos a presidente Dilma
quando diz que pretende abrir debate com a sociedade sobre a
necessidade de fazer a regulação dos meios de comunicação.
É importante para desmistificar a ideia de que qualquer regulação é
censura, como propagandeiam diariamente os meios de comunicação, que não
querem, justamente, a democratização do setor. Com isso, colocam na
cabeça das pessoas que a regulação poderia cercear a liberdade de
expressão no país, o que não é verdade.
Assim, temos expectativa de que as declarações da presidente, tanto
no segundo turno como nas entrevistas após o resultado eleitoral (ao
dizer que o setor das comunicações, assim como outros, a exemplo da
economia, precisa ser regulado, a fim de enfrentar a concentração da
propriedade, quebrar monopólios, garantir uma diversidade maior de vozes
no espaço midiático), se tornem ações concretas. E que, de fato, seja
aberto o debate com a sociedade sobre a necessidade de um novo marco
regulatório para as comunicações.
Do nosso ponto de vista, dos movimentos sociais, cobraremos que tal
agenda seja realmente implementada. O que não pode continuar acontecendo
é, depois de 12 anos de governo de esquerda no país, o debate seguir
interditado. Não temos expectativa de que a questão, delicada e
polêmica, se resolverá em quatro anos. Mas pelo menos o debate tem de
ser aberto.
Correio da Cidadania: Quais medidas seriam, em sua opinião,
essenciais a caminho dessa democratização? Como, por exemplo, a ideia de
propriedade pública entra nesse contexto?
Bia Barbosa: O movimento social tem um conjunto de
demandas já construído, a partir das resoluções da primeira Conferência
Nacional das Comunicações, em 2009, que foram sistematizadas em torno de
um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, o Projeto da Mídia
Democrática. Esse projeto, para o qual coletamos assinaturas em todo o
país, prevê, em primeiro lugar, a regulamentação dos artigos da
Constituição Federal que tratam da comunicação, desde o que proíbe o
monopólio até os que preveem a garantia do direito de resposta, o
incentivo à produção independente e regional, a complementaridade entre
os sistemas públicos, privados e estatais. Todos esses artigos carecem
de leis específicas, o que faz com que sigam valendo como princípios
constitucionais, mas não sejam implementados na prática.
Nosso Projeto de Lei da Mídia Democrática também avança em outras
questões, como a importância de garantir a diversidade da representação
étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de respeito às pessoas
com deficiência nos meios de massa etc. Defende mecanismos de proteção
aos direitos das crianças e adolescentes na mídia, fala da importância
de políticas públicas que incentivem a radiodifusão comunitária...
Enfim, trata-se de um conjunto de propostas que convidamos todos a conhecer. Também está no site Para Expressar a Liberdade, que sintetiza uma série de questões fundamentais de garantia do direito à comunicação no Brasil.
Correio da Cidadania: Finalmente, o que pode nos contar do
seminário promovido pelo Fórum Nacional de Democratização das
Comunicações e as atividades que se seguirão na Câmara dos Deputados?
Bia Barbosa: O seminário realizado pelo FNDC foi
preparatório para o Fórum Brasil de Comunicação Pública, que ocorreu na
Câmara e reuniu diferentes atores do campo público. Emissoras de rádio e
TV, legislativas, públicas, comunitárias, universitárias e educativas,
têm uma série de desafios a enfrentar para a consolidação do campo
público da comunicação brasileira.
Nos últimos anos, tais entidades estavam desarticuladas, sem espaço
de diálogo para construir estratégias comuns de ação. E como sabemos que
o campo privado e comercial é muito forte e organizado, a garantia de
espaço para o campo público requer muita articulação e mobilização. O
que tentamos construir no Fórum é justamente isso, para pensarmos
estratégias comuns. Foram mais de 300 pessoas participando e pode-se
encontrar tudo no site e no canal de TV da Câmara.
Escrito por Gabriel Brito e Paulo Silva Junior
|
Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo
Pesquisar este blog
domingo, 23 de novembro de 2014
‘Esperamos que o governo avance um novo marco regulatório para as comunicações’
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário