Por Giovanni Alves.
O neodesenvolvimentismo é considerado por nós como sendo um novo modo de desenvolvimento capitalista no Brasil apoiado numa frente política composta, por um lado, pela grande burguesia interna
constituída pelos grandes grupos industriais tais como as empreiteiras
OAS, Odebrecht, Camargo Correia, etc, e os grupos industriais da Friboi,
Brazil Foods, Vale, Gerdau, Votorantim, etc e o agronegócio exportador –
todos beneficiados pelo aumento das exportações focado numa agressiva
politica de financiamento através do BNDES, voltados para promover as
empresas e os investimentos brasileiros no exterior; por outro lado,
pelas camadas organizadas do proletariado brasileiro (velha classe operária) e setores populares – incluindo o subproletariado
pobre, beneficiados pelo crescimento da economia, redução do desemprego
aberto e formalização do mercado de trabalho, oferta de crédito para
dinamizar o mercado interno; aumento do gasto público e políticas de
transferência de renda via programas sociais (Bolsa-família, Minha Casa
Minha Vida, Luz para Todos, etc).
A burguesia interna não é burguesia nacional mas sim a grande burguesia brasileira – grandes grupos industriais, que não
rompendo com o capital financeiro interacional, manteriam interesses,
não apenas no crescimento do mercado interno, mas na política de
financiamento da exportação com recursos do BNDES visando inseri-los na
concorrência no plano internacional e tráfico de influencia e acesso a
recursos do Estado político-oligárquico herdado pelos governos
neodesenvolvimentistas.
Diferentemente
do velho nacional-desenvolvimento lastreado na burguesia nacional, o
neodesenvolvimentismo baseado nos interesses da burguesia interna se
resignou à mundialização do capital renunciando, deste modo, ao projeto
de desenvolvimento nacional-popular (o neodesenvolvimentismo é o
desenvolvimentismo capitalista na era do globalismo sob a dominância do
capital financeiro). Entretanto, setores populares da frente do
neodesenvolvimentismo apoiam projeto nacional-popular de desenvolvimento
digladiando-se com os interesses da burguesia interna no interior da
frente política (por exemplo, os governos neodesenvolvimentistas, ao
mesmo tempo que contemplam o agronegócio exportador, incrementam uma
política de crédito para o pequeno produtor e assentamentos dos
sem-terra; ao mesmo tempo que propicia ganhos aos sindicalismo como o
aumento do emprego no setor público e privado, oficialização das
centrais sindicais, melhoria salarial do funcionalismo público,
recuperação do salário-mínimo, aumento da formalização no mercado de
trabalho, o governo neodesenvolvimentista preserva os interesses
estratégicos de acumulação e exploração da burguesia interna
recusando-se a promover uma recuperação dos direitos trabalhistas e
sociais corroídos na década neoliberal. Pelo contrário, mantem-se
indiferente à ofensiva patronal que ocorre no Congresso Nacional e STF
pela disseminação da nova precariedade salarial no Pais.
Ao promover ascensão política da grande burguesia interna em aliança com setores populares – e sem romper com o bloco de poder hegemonizado pelo capital financeiro internacional
– Lula criou o que poderíamos considerar um ornitorrinco político – a
frente política do neodesenvolvimentismo – sendo tal arquitetura
política o próprio espírito do “lulismo”.
Fazendo um
balanço dos últimos dez anos de governos Lula e Dilma, percebemos que
ocorreu no país um “choque de capitalismo” que, impulsionado pela oferta
de crédito e renúncias fiscais em prol dos monopólios, contribuiu,
deste modo, para a expansão dos negócios, especulação imobiliária e
acumulação do capital, e por conseguinte, a preservação (e ampliação) de
formas arcaicas e modernas de degradação do trabalho no Brasil (o
neodesenvolvimentismo – como não poderia deixar de ser – traz em seu
código genético, traços da “modernização conservadora” que caracteriza
as entificações capitalistas hipertardias e dependentes).
A expansão
capitalista na era do neodesenvolvimentismo ocorreu no interior da
macroestrutura do capitalismo neoliberal hegemônico no plano do mercado
mundial – o que explicita os limites do neodesenvolvimentismo.
Neodesenvolvimentismo não significa pós-neoliberalismo. Na verdade,
neodesenvolvimentismo expõem densas contradições orgânicas no interior
da sua frente política, expostas acima, quanto na relação do governo
neodesenvolvimentista com o Estado neoliberal (sociedade política e
sociedade civil) herdado da ditadura civil-militar e “modernizado” pelos
governos neoliberais (1990-2002). A preservação do Estado
político-oligárquico adequado ao capitalismo neoliberal contribuiu para
que se mantivesse (e ampliasse) a corrupção da coisa pública com tráfico
de influencias e propinas nos negócios operados pelas empresas públicas
e grupos industriais da burguesia interna. (vida Operação Lava Jato,
etc).
Na medida em que o neodesenvolvimentismo promoveu um “choque de capitalismo” no Brasil, implementou-se o toyotismo sistêmico
no plano da produção do capital. É o que temos salientado nos últimos
anos: a disseminação do espirito do toyotismo nas práticas de gestão da
indústria, serviços e inclusive administração público, a exacerbação do
fetichismo da mercadoria e as múltiplas alienações que permeiam a vida
cotidiana, a crise de sentido e os carecimentos radicais que inquietam
camadas médias (e populares) e a adoção do modo de vida just-in-time
contribuíram efetivamente para a inquietação social que caracteriza as
metrópoles brasileiras e a agudização da crise do trabalho vivo.
Com o
“choque de capitalismo” da era do neodesenvolvimentismo, o capital
impulsionou o processo de desmonte da pessoa humana nos seus elementos
compositivos (subjetividade, alteridade e individualidade). Na era do
neodesenvolvimentismo surgiram novas formas de precarização laboral que
se articulam com a nova precariedade salarial caracterizada pelas
práticas de flexibilização de jornada, remuneração e contratação do
trabalho. Nos dez anos de neodesenvolvimentismo, apesar dos indicadores
positivos da macroeconomia do trabalho expostos acima, cresceram a
rotatividade do trabalho e a prática da terceirização laboral, expondo a
formação de um novo e precário mundo do trabalho. A precarização do
homem-que-trabalha ou a degradação da pessoa humana se manifesta no
crescimento exponencial dos adoecimentos laborais.
O
neodesenvolvimentismo nos governos Lula e Dilma tinha como estratégia
política, o lulismo que implementou um “reformismo fraco”, evitando o
enfrentamento direto não apenas com o grande capital financeiro
internacional que hegemoniza o bloco de poder do capital no
Brasil, mas também evitando o enfrentamento com a grande burguesia
interna que compunha a frente política do neodesenvolvimentismo. O mote
do lulismo era o lema “Lula, Paz e Amor” e o lema do governo era “Um
Brasil para Todos”. Na verdade, a grande argúcia política do lulismo foi
construir uma estratégia política que deslocasse politicamente frações
do bloco de poder do capital – a burguesia interna – para seu projeto de
governo com apoio de frações da classe trabalhadora organizada e o
subproletariado pobre. O lulismo e a arquitetura da frente política do
neodesenvolvimentismo tornaram-se o espírito da governabilidade do
projeto político de governo conduzido por um Executivo do PT num país
capitalista onde a correlação de forças a favor da classe trabalhadora
após o dilúvio neoliberal era bastante desfavorável no plano
político-institucional.
Entretanto é
preciso salientar que o neodesenvolvimentismo da década de 2000 – os
governos Lula – beneficiou-se da conjuntura favorável da economia
mundial baseada, por exemplo, na bolha financeira e valorização das commodities.
Na medida em que a economia brasileira crescia, reduzia-se o conflito
redistributivo entre as classes que compunham a própria frente do
neodesenvolvimentismo e inclusive, os conflitos redistributivos no
interior das classes dominantes que compunham o bloco do poder do
capital. Ao mesmo tempo o realinhamento eleitoral do PT que incorporou a
base política do subproletariado pobre, deu-lhe impulso político, não
apenas para Lula reeleger-se mas depois, eleger a sucessora Dilma
Rousseff. Os indicadores positivos da macroeconomia do trabalho na era
Lula compuseram os anos dourados do neodesenvolvimentismo em contraste,
por exemplo, com os anos de chumbo do neoliberalismo da década de 1990. A
última grande performance do neodesenvolvimentismo foi a
política macroeconômica adotada como resposta à crise de 2008,
alternativa às políticas de austeridade fiscal e monetária exigidas pela
direita neoliberal e adotadas na União Européia.
Entretanto, a conjuntura da economia mundial se inverteu na década de 2010. A bolha financeira estourou em 2008 e o preço das commodities
despencam no mercado mundial. Esse é o ponto significativo de inflexão
da conjuntura que demarcará os limites do neodesenvolvimentismo nos
governos Dilma. A crise financeira de 2008 alterou a dinâmica da
conjuntura da economia mundial e prolongou-se, com diferentes
modulações, na década seguinte, arrastando-se num longo depresso
nas economias centrais (tal como a crise de 1929). No núcleo orgânico
do sistema mundial do capital, emergiu em 2010, com vigor, a crise da
União Européia impulsionada depois pelas medidas de austeridades
neoliberais propostas pela Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão
Européia), atingindo principalmente, os países do sul da Europa,
aumentando o desemprego e a pobreza social, desmontando os rudimentos de
Welfare State construídos na era dourada do capitalismo
central. A juventude altamente escolarizada que trabalha – o precariado –
é a parte mais penalizada das políticas neoliberais de austeridade
adotadas pelo capital financeiro nos países do sul da Europa. As
perspectivas de recuperação da economia européia em 2013 frustraram-se e
percebeu-se depois em 2014, sinas de desaceleração – e inclusive
recessão – no carro-chefe da economia européia: a Alemanha. Ao mesmo
tempo, apesar de ter saído da recessão., a economia norte-americana
cresce a taxas medíocres e a economia japonesa não consegue sair da
estagnação econômica de longa data. Mas um acontecimento significativo
da primeira metade da década de 2010 não é apenas a persistência da
crise européia e o crescimento medíocre da economia dos EUA e estagnação
no Japão, mas a desaceleração da economia da China com impactos nos
ditos países emergentes.
As
perspectivas da segunda metade da década de 2010 não são promissoras –
pelo contrário, não existem perspectivas de retomada da crise do
capitalismo global, colocando dificuldades candentes para o segundo
governo Dilma que herdou os limites do neodesenvolvimentismo.
Internamente o bloco de poder do capital no Brasil se rearticula na
década de 2010 visando não apenas desgastar e implodir a frente política
do neodesenvolvimentismo, mas – no interior da própria frente política
do neodesenvolvimentismo – a grande burguesia interna busca isolar e
derrotar os setores populares no interior da frente política.
Por um lado,
o capital financeiro, fração hegemônica do bloco de poder, que faz
oposição sistemática à frente política do neodesenvolvimentista desde
2002, encontrou aliados em setores insatisfeitos da grande burguesia
interna, que, num cenário de crise internacional, pressionam o governo
Dilma para adotar medidas de redução do “custo Brasil”, isto é, desmonte
dos direitos trabalhistas (o movimento parlamentar do PSB e do próprio
PMDB indicam sinais de corrosão da frente neodesenvolvimentista).
O mal-estar
do neodesenvolvimentismo ocorreu, num primeiro momento, em 2012 e 2013 –
quando o governo Dilma confrontou diretamente o capital financeiro
reduzindo as taxas de juros e utilizando bancos públicos para política
de crédito. Naquele momento, a fração do capital financeiro hegemônica
na grande mídia e frações insatisfeitas da grande burguesia interna que
não conseguiram apoio do governo para implementar a Reforma Trabalhista
visando reduzir direitos dos trabalhadores, sitiam o governo Dilma que
encontra a partir de 2013, ano pré-eleitoral, um cenário de desgaste
midiático por conta da queda do crescimento da economia devido a
contenção de investimentos privados – parte do empresariado nacional num
cenário de crise mundial recusou-se a investir; pressões
inflacionárias, com novos conflitos distributivos entre as classes e
camadas de classes; e pressões sociais por parte de camadas médias,
órfãs do neodesenvolvimentismo.
As jornadas
das ruas de 2013, movimento massivo impulsionado, por um lado, pelos
limites do neodesenvolvimentismo, e por outro, enquadrado pela mídia
neoliberal hegemônica, compõem o cenário primordial de mal-estar do
neodesenvolvimentismo. As demandas sociais postas pelos protestos de rua
não poderiam ser satisfeitos por um governo neodesenvolvimentista
constrangido pelas contradições orgânicas da frente política e
constrangido pela contradição crucial entre governo
neodesenvolvimentista e Estado neoliberal. A estratégia política do
lulismo construída num cenário macroeconômico favorável para
redistribuição de renda sem confrontar o grande capital (década de
2000), torna-se inócuo num cenário de persistente crise econômica
mundial e candentes conflitos distributivos entre classes e no interior
das classes .Deste modo, as políticas do neodesenvolvismo encontram na
metade da década de 2010 um cenário adverso tanto internamente quanto
externamente – embora as duas situações se inter-relacionem.
Por um lado,
o aprofundamento da crise do capitalismo global com a desaceleração da
China, acompanhada pela desaceleração da economia alemã. No centro
capitalista, pressões deflacionárias se contrastam com pressões
inflacionárias no Brasil que obrigam o governo a aumentar os juros para
contê-las num cenário de desaceleração da economia. Apesar do baixo
crescimento, o governo Dilma mantém o gasto público com programas
sociais, incomodando os setores da ortodoxia neoliberal não apenas
ligados ao capital financeiro mas a grande burguesia interna que exige o
ajuste fiscal. A dificuldade de fechar as contas do governo em 2014
expõem as dificuldades de manter as políticas do neodesenvolvimentismo
que beneficiaram as camadas populares e ameaçam romper a frente política
entre grande burguesia interna e camadas populares.
A corrosão
da frente política do neodesenvolvimento em 2014 se explicita tanto no
plano do processo sucessório – as últimas eleições para Presidência da
República – quanto na própria governabilidade. No plano social, os
limites do neodesenvolvimentismo se explicitam pelo menos desde 2013 com
a pressão das ruas por reformas sociais. O governo, refém de suas
contradições, constrangido pelo Estado neoliberal – e sendo ele próprio
artífice do ornitorrinco político (a frente politica do
neodesenvolvimentismo), proclama, como palavra de ordem, a Reforma
Política visando desatar o nó gordão da governabilidade espúria. Na
verdade, para que ocorram as reformas sociais necessárias para a
democratização do Brasil torna-se necessária uma nova institucionalidade
política capaz de representar efetivamente a vontade popular.
Entretanto, o desejo do governo – pelo menos de parte dele, ligado ao
setores mais avançados do PT – implica confrontar-se com os pilares da
frente neodesenvolvimentista que contém larga representação de frações
das classes dominantes do bloco de poder do capital.
As eleições
de 2014 significaram no plano da governabilidade maiores dificuldades
para o governo neodesenvolvimentista. Por um lado, um Congresso mais
conservador resiste a reforma política capaz de representar a vontade
popular. Por outro lado, num cenário de desaceleração e inclusive
recessão econômica, o projeto de desenvolvimento com inclusão social não
se sustenta. Crescer a economia tornou-se a única saída para preservar a
frente do neodesenvolvimentismo. Ao mesmo tempo, crescem no interior da
própria frente política hegemonizada pela grande burguesia interna,
pressões para o governo Dilma adotar a agenda neoliberal que coloca como
pressuposto da retomada da economia, um profundo ajuste fiscal que
penaliza programas sociais e direitos dos trabalhadores.
A pressão
pela agenda ortodoxa não é só da burguesia rentista mas de parcelas da
burguesia interna que num cenário de aprofundamento da crise mundial,
prepara uma ofensiva contra os direito dos trabalhadores no Congresso
Nacional e no Supremo Tribunal Federal, por exemplo, aprovando projetos
de lei da terceirização ampla e irrestrita. A alta corte constitucional
no Brasil tornou-se a ferramenta da precarização do trabalho no Brasil
vilipendiando a Justiça do Trabalho.
Portanto, no
caso do Brasil, a explicitação dos limites do neodesenvolvimentismo
leva a um profundo mal-estar social e político, colocando dificuldades
candentes para o último governo Dilma, impondo-se, mais do que nunca, a
pauta da construção de uma nova frente política hegemonizada pela
esquerda capaz de mobilizar a sociedade brasileira e isolar as forças
conservadoras e reacionárias no plano institucional. No plano da
governabilidade, as imensas dificuldades exigem um salto de qualidade de
intervenção política do PT, não apenas no Congresso Nacional, mas
principalmente na sociedade civil, onde se dará efetivamente o embate
pela preservação da democracia e conquistas populares da era do
neodesenvolvimentismo e ampliação para além do próprio
neodesenvolvimentismo da satisfação das necessidades sociais. A pauta da
Reforma Política com constituinte exclusiva é o sine qua non
para todas as reformas necessárias para democratizar o Estado e a
sociedade brasileira. Inclusive, sem Reforma Política capaz de resgatar a
representação da vontade popular no Congresso Nacional, a
democratização dos meios de comunicação de massa não ocorrerá – como não
ocorreu nos últimos dez anos de Lula e Dilma.
Entretanto,
num cenário de crise da economia, caso o Brasil não cresça capaz de
permitir a inclusão social e a redistribuição de renda sem confrontar os
interesses do grande capital, a disputa política e a luta de classes
podem tornar-se uma tarefa política inglória para setores populares num
país onde não existem organizações de massa e direção política de
esquerda capaz de hegemonizar o processo social. Como ocorreu em junho
de 2013, num cenário de inquietação social e campanha midiática voraz, a
direita deve pautar o movimento visando derrubar o governo antes mesmo
do pleito de 2018.
***
Giovanni Alves é
doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e
professor da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com
bolsa-produtividade em pesquisa e coordenador da Rede de Estudos do
Trabalho (RET), do Projeto Tela Crítica e outros núcleos de pesquisa
reunidos em seu site giovannialves.org. É autor de vários livros e artigos sobre o tema trabalho e sociabilidade, entre os quais O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo (Boitempo Editorial, 2000) e Trabalho e subjetividade: O espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório (Boitempo Editorial, 2011).
Nenhum comentário:
Postar um comentário