Pesquisar este blog

domingo, 16 de setembro de 2012

Receita demais, repartição de menos


Os tributos aplicados à atividade mineradora foi um dos temas em debate durante o  ‘Seminário sobre o novo marco legal da mineração‘, promovido em Brasília no início da semana pelo Ibase, em parceria com o Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Justiça nos Trilhos e Fase. Um dos convidados para debater o assunto foi o professor Rodrigo Santos, do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Nesta entrevista que concedeu ao Observatório do Pré-Sal ele contou que embora a atividade seja altamente rentável no Brasil, não se reverte quase nada desses recursos para beneficiar as comunidades afetadas pelas operações. Uma das razões é tributária. Segundo o professor, embora boa parte da receita das empresas mineradoras ter origem na exportação, são poucos os tributos que, no Brasil, incidem sobre receita de exportação.

Observatório do Pré-Sal – Quais são as tributações aplicadas à atividade extrativa mineral hoje, no Brasil, e quais seus pontos negativos?
Rodrigo Santos – Os tributos aplicados à atividade extrativa mineral são, em teoria, os mesmos aplicados às demais atividades econômicas, a questão é que alguns deles, como PIS, COFINS e ICMS, por exemplo, não incidem sobre receitas de exportação. Então, na prática, empresas mineradoras com parcela substancial de suas receitas advindas de exportação, são afetadas de forma bastante limitada por esses tributos. Tributos e encargos que incidem sobre a massa salarial das empresas, como o INSS e o FGTS, dentre outros, também possuem impacto limitado sobre as receitas do setor de mineração, considerando que este é um setor intensivo em capital, e não em trabalho. Finalmente, as alíquotas da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) variam entre 0,2 e 3% apenas. Contando ainda com ajustes legais, a tributação efetiva do setor pode ser estimada em 35% de sua receita bruta. No entanto, frequentemente são aplicadas isenções fiscais e tributárias que favorecem a exportação mineral. Desse modo, estimou-se que a Vale S.A. recolheu em 2010, dentre tributos, encargos e royalties, apenas 12,4% de sua receita bruta consolida.
Observatório do Pré-Sal – Como o Brasil está posicionado em relação à outros países no que se refere à tributação sobre extração de minério?
Santos
– A comparação com regimes tributários de outros países nos permite afirmar, com segurança, que o regime brasileiro é um dos mais liberais dentre as principais regiões mineradoras do mundo. A Província de Ontário, no Canadá, por exemplo, que explora principalmente níquel, mas também cobalto, cobre, ouro, prata e zinco, possui uma tributação mineral média de 63,8%. Apenas a China (32%), o Cazaquistão (32%), a Suécia (28,6%) e o Chile (28%), em um grupo de 30 países e regiões, possuiriam regimes mais liberais. Isto significa, na prática, que a liberalidade da tributação mineral no Brasil provê um incentivo adicional à expansão da atividade extrativa mineral no país, incentivo este que vem sendo bem aproveitado pela empresas de extração mineral. Fundamentalmente, é uma questão de escolha política, centrada na capacidade deste setor de gerar as divisas necessárias à geração de superávits comerciais necessários ao equilíbrio da Balança de Pagamentos nacional. É nesse sentido que se pode dizer que a política industrial e de comércio exterior do Brasil funciona como apêndice da política econômica equilibrista seguida pelo Governo Federal.
Observatório do Pré-Sal – Da tributação arrecadada quanto costuma ser revertido para as comunidades afetadas pela mineração?
Santos
– Essa é uma questão que demandaria uma pesquisa adicional, mas que precisa converter-se em um item da agenda de investigação e intervenção acadêmica. O uso de parcela das receitas minerais capturadas por tributos, encargos e royalties é um tema complexo e ainda pouco estudado. No caso dos royalties especificamente, 65% das receitas são destinadas ao município onde se dá a extração, 23% ao estado, e 12% ao IBAMA, Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM) e Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), todos órgãos da União. A única restrição legal ao uso destas receitas é que não podem servir para o pagamento de dívidas e de pessoal permanente. Na prática, no caso dos municípios, esses recursos integram o orçamento do Poder Executivo municipal, sem que haja um sistema de controle social do uso dos recursos. O exemplo do município de Congonhas (MG), que até setembro de 2012 já arrecadou R$ 28,5 milhões, é significativo. O valor é superior a 1/4 da arrecadação muncipal com ICMS e outras receitas (R$ 105,4 milhões em 2011). Isto é, a CFEM constitui uma fonte de recursos substantiva da qual outros municípios não dispõem, e que é utilizada pelo Executivo municipal independentemente de quaisquer formas de controle social. Neste caso específico, com o qual entrei em contato recentemente, os impactos ambientais, econômicos e sociais parecem vir se sobrepondo aos benefícios gerados pelas receitas arrecadadas. O bairro de Pires, por exemplo, cuja população de cerca de 4 mil habitantes se encontra distante 2 km de cinco operações mineradoras de grande porte, vem sofrendo com problemas socioambientais significativos, demonstrando a enorme distância entre a captura de receitas minerais e sua reversão em benefício das comunidades afetadas.
Observatório do Pré-Sal – O Fundo Social da Mineração é uma tributação que já existe em muitos países, como ele funciona?
Santos
- Fundos sociais minerais são formas adicionais de captura de rendas minerais. Ou seja, não podem ser confundidos com tributos, encargos, royalties, ou mesmo com formas de compensação ambiental. Na prática, além dos impactos sociombientais induzidos, a atividade extrativa mineral é caracterizada pela capacidade de produzir efeitos econômicos e territoriais bastante perniciosos como não incentivar o investimento em setores econômicos não diretamente relacionados às suas redes de produção. Desse modo, a mineração tende a simplificar e tornar dependendes as economias territoriais associadas a ela. Além disso, é um setor que lida com a exploração de recursos naturais não renováveis. Nesse sentido, fundos sociais minerais buscam mitigar essas duas formas de desequilíbrio, capturando parcela das rendas minerais em benefício direto das comunidades afetadas por suas redes de produção, que incorporam a extração, a transformação primária e os sistemas logísticos associados. Assim, têm como funções prioritárias a diversificação econômica e a salvaguarda de parcela das rendas minerais em favor das gerações futuras.
Observatório do Pré-Sal – Que países já conseguiram implantar este mecanismo?
Santos
- Há exemplos de fundos sociais minerais em diversos países e regiões mineradoras no mundo. Fiz uma pesquisa em que investiguei mais detidamente exemplos de fundos relacionados ao petróleo, gás natural e minerais metálicos na África do Sul, Azerbaijão, Canadá, EUA, Noruega e Peru. No entanto, a maioria deles possuía duas características bastante problemáticas. Em primeiro lugar, a ingerência governamental, que os tornava itens orçamentários de governos regionais e nacionais. Em segundo lugar, alguns deles tornaram-se organismos similares a fundos financeiros, com pouca ou nenhuma preocupação com os impactos negativos de suas políticas de investimento. Fundos sociais minerais devem ser comunitários, primeiramente, de modo que as comunidades e localidades afetadas economicamente de forma negativa possuam ingerência sobre sua operação. Considerando as dificuldades de o Estado brasileiro, em seus diferentes níveis, de reverter a receita mineral capturada via tributos, encargos e royalties em benefício dessas comunidades e localidades, o fundo assume um caráter decisivo. Por outro lado, fundos sociais minerais devem, também, introduzir mecanismos de superação dos circuitos extrativos minerais, pavimentando uma nova trajetória pós-extrativista em nível local.

Observatório do Pré-Sal – Já existem propostas teóricas para um Fundo Social e Comunitário brasileiro. Quais seriam suas principais características?

Santos
– Já existem propostas para a criação de fundos sociais minerais no Brasil. Tenho conhecimento de propostas formuladas por sindicatos, governos estaduais e mesmo municipais. No entanto, um conjunto de ONGs, composto pelo Ibase, INESC, IEB, e a rede de movimentos sociais Justiça nos Trilhos, vêm fazendo avançar uma proposta relativa à constituição de um marco institucional para a criação de fundos sociais minerais no Brasil. A ideia é que este marco permita ampliar a participação popular no controle e usufruto das receitas minerais em territórios onde já exista atividade extrativa mineral e onde os grupos sociais afetados sejam a favor de sua continuidade. No entanto, o debate sobre fundos sociais minerais deve estar associado intimamente à luta pelos direitos de consentimento e veto à mineração onde quer que os grupos afetados considerem suas atividades um risco a sua reprodução física e social. A lógica da criação de fundos desse tipo deve ser sempre à de superação dos efeitos econômicos negativos da atividade extrativa mineral, constituindo-se como um instrumento de democracia direta e empoderamento das comunidades afetadas.

Nenhum comentário: