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sábado, 1 de março de 2014

Em movimento para encontrar o equilíbrio





Enquanto é perceptível o retrocesso em relação a alguns temas, surge também a esperança no comportamento de grupos jovens. Para esses que há pouco tempo conquistaram o equilíbrio físico, a busca por ideias harmoniosas parece ser algo natural. Talvez seja por isso que toda nova geração tem o poder de renovar costumes...
por Daniel Ribeiro
Outro dia recebi um vídeo de uma sobrinha andando de bicicleta sem rodinhas pela primeira vez. Era impressionante a felicidade sentida pelo simples fato de estar equilibrada sobre duas rodas. Atualmente convivendo com várias crianças da família, me surpreendo toda vez que elas conquistam a habilidade sobre algo tão banal como ficar de pé. Esse convívio me faz pensar constantemente sobre o equilíbrio. Como pode algo tão simples trazer tanta felicidade e orgulho? E por que é que depois da primeira engatinhada, do primeiro passo e da bicicleta sem rodinhas nós paramos de buscar o equilíbrio? Para onde vai a necessidade de se equilibrar depois que conseguimos manter o corpo ereto?

Como a natureza sempre encontra uma maneira de se impor sobre nossas vontades, acredito que essa busca continua, mesmo inconscientemente. E suponho que, como seres pensantes que somos, a necessidade do equilíbrio é direcionada para o campo das ideias. Mas fica a dúvida: mesmo que ele não seja tão palpável e concreto como ficar de pé pela primeira vez, por que não buscamos esse equilíbrio com a mesma urgência e vontade que as de uma criança para dar seus primeiros passos?

Infelizmente, observando o nosso comportamento como sociedade, parece que o equilíbrio está longe de ser um objetivo. A seção de comentários de qualquer site de notícias, na qual encontramos opiniões assustadoramente preconceituosas escritas por pessoas cheias de ódio, é exemplo disso. Que esses pontos de vista sempre existiram não é novidade. Mas, por serem radicais, eram também irrelevantes e ficavam restritos aos seus pequenos grupos. Aparentemente, essa restrição ficou no passado. Hoje, aquele tio racista e preconceituoso, que normalmente não encontrava eco para suas opiniões no almoço de domingo, agora reúne a sua turma na internet. Mesmo considerando que é nessa mesma rede que também se reúnem minorias historicamente oprimidas, que hoje conseguem se organizar e fazer valer suas vozes, é inegável que opiniões radicais voltaram a ter força na nossa sociedade.

Enquanto é perceptível o retrocesso em relação a alguns temas, surge também a esperança no comportamento de grupos jovens. Para essas pessoas que há pouco tempo conquistaram o equilíbrio físico, a busca por ideias harmoniosas parece ser algo mais natural, como o passo seguinte à bicicleta sem rodinhas. Talvez seja por isso que toda nova geração tem o poder de renovar ideias e costumes. Hoje em dia, é grande a quantidade de jovens que apoiam os direitos dos homossexuais. A convivência com a diversidade sexual, seja no dia a dia, em contato com casais gays que vivem “fora do armário”, seja com inúmeros personagens homossexuais do cinema e da TV, formou uma geração mais tolerante. Vivem constantemente conectados em rede com as mais diversas culturas e opiniões. Podem ser influenciados tanto por uma música feita na Coreia como por uma revolução no Egito. Quando deixam de viver exclusivamente com as ideias que surgem dos colegas de escola ou de vizinhos, tornam-se seres humanos mais conscientes das diferenças e da diversidade. Em contato frequente com a pluralidade existente no mundo, parecem encontrar naturalmente um ponto de equilíbrio entre a forma como vivem e a maneira como vivem os outros.

Em 2013, essa percepção sobre o “outro” pôde ser vista durante as “manifestações de junho”. A busca por respostas para o desaparecimento do pedreiro Amarildo não à toa foi uma das mais significativas reivindicações. Era curioso como, de repente, as pessoas passaram a se importar com uma questão para a qual normalmente não se dá muita atenção: o sumiço de um jovem pobre, morador de favela. Quando os jovens de classe média enfrentaram pela primeira vez a violência policial, parece ter ficado mais fácil se identificar com aqueles que encaram cotidianamente essa brutalidade. Puderam ignorar o discurso elitista e preconceituoso que condena pobres como “bandidos” e, por experiência própria, perceberam que há truculência deliberada e muita injustiça no comportamento policial. A impressão era de que, por meio da reflexão sobre a forma como nossa sociedade é organizada, se atingia uma opinião mais equilibrada sobre um tema complexo.

Por outro lado, um exemplo localizado em São Paulo revela que o espírito coletivo pode ser facilmente relegado. O individualismo mostrou sua cara nas manifestações dos paulistanos contra o aumento do IPTU. A proposta do novo cálculo era promover justiça social: em vez de toda a população ter exatamente o mesmo aumento, um terço das residências seria beneficiado pela redução ou isenção do imposto, enquanto o restante teria uma elevação baseada no bairro em que morasse. Com esse aumento, seria possível cobrir os gastos da grande reivindicação das manifestações de junho: os custos da manutenção da tarifa de ônibus. E o que é melhor: aqueles que ganham mais e moram em bairros centrais bancariam a passagem daqueles que moram nas periferias. Parecia justo. O problema foi tentar mexer no bolso das forças conservadoras, essas que não gostam muito de equilíbrio e que, representadas por uma imprensa elitista, aproveitaram o sentimento de revolta ainda presente no ar para colocar a população contra a ideia. Sendo assim, o que se viu foi uma reação maciça, desinformada e egoísta contra o aumento. Apesar de algumas passeatas, foi nas redes sociais que os jovens optaram por se manifestar de forma mais ampla e acalorada.

Como pode, então, uma geração tolerante e supostamente bem informada muitas vezes ser cooptada por forças conservadoras, que a fazem sucumbir a um individualismo simplório e mesquinho?

Eu apostaria na superficialidade do debate. Hoje, toda informação precisa caber em 140 caracteres. Quem tem o poder de síntese acaba vencendo a guerra das ideias. Por outro lado, a complexidade dos fatos, do mundo e da realidade não cabe em tão pouco espaço. Exige, portanto, estudo, leitura, dedicação e tempo. É aí que temas extremamente importantes acabam perdendo espaço nos perfis e murais das redes sociais. Os feeds, com fluxo constante de notícias, fotos, vídeos e “memes”, fazem os usuários ter a falsa sensação de estarem informados. Nem é necessário ler a notícia, basta ver o título para tomar uma posição e, assim, curtir e compartilhar. Ganha, então, a manchete mais atraente, a mais escandalosa, a mais chocante. Perde-se, assim, o equilíbrio.

Essa geração, portanto, precisa decidir qual será seu legado. 

Talvez a falta de tempo e o excesso de informação acabem definindo essa turma. Infelizmente, correm o risco de se tornar a geração que não sabe nada sobre muita coisa e que, ainda assim, dá opinião sobre tudo, sintetizada em uma hashtag. Por outro lado, tem tudo para ser a geração do equilíbrio, ponderada, que não aceita facilmente ideias radicais e não se deixa ser facilmente manipulada. Com acesso fácil e rápido ao conhecimento, esses jovens só precisam agora processar com dedicação e tempo a informação que recebem, podendo prescindir mais e mais das rodinhas de suas bicicletas. 


Daniel Ribeiro 

Cineasta, é diretor dos curtas-metragens Café com leite (2007) e Eu não quero voltar sozinho (2010), e do longa Hoje eu quero voltar sozinho(2014).


Ilustração: Tulipa Ruiz

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