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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

John Holloway: "Não há modelos ou programas de como sair do capitalismo"

Sociólogo afirma que é preciso novas formas de organização que superem partidos e governos
Por Rafael Zanvettor
Caros Amigos
O filósofo e sociólogo irlandês, John Holloway, teve seu livro Fissurar o capitalismo lançado no Brasil este ano pela Publisher, coincidentemente no mesmo mês de junho em que a população tomava as ruas. Nele, o autor mais uma vez se arrisca na difícil tarefa de quebrar um dos grandes consensos do marxismo e recusar o partido como meio para a emancipação da sociedade. Após o lançamento de Mudar o mundo sem tomar um poder, que já havia gerado dicussão entre a esquerda, e antes do lançamento de seu novo livro, o mundo foi tomado de revoltas e protestos de rua. Em entrevista à Caros Amigos o pensador falou sobre os protestos dos últimos anos e as possibiliades de emancipação para além do governo. Confira abaixo.
Caros Amigos - O senhor acompanhou as manifestações que ocorreram em junho no Brasil?
John Holloway - Sim, eu acho que todos no mundo assistiram o que estava acontecendo no Brasil... Não com muito detalhe, mas sim, claro, daqui pareceu muito entusiasmante.
Algo que caracterizou os protestos foi que os partidos políticos tradicionais não tiveram nenhuma força para conduzi-los. Você acha que isso é uma tendência geral dos protestos globais?
Sim, com certeza, eu acho que isso é uma tendência geral nos protestos por todo o mundo, quero dizer, uma coisa que ficou evidente é que ao mesmo tempo em que eles ocorriam no Brasil, haviam protestos em muitos outros países, na Turquia, acima de tudo, mas também em Estocolmo, na Suécia, e na Bulgária, ao mesmo tempo. E os protestos tinham características muito similares, eram protestos que se incendiavam por motivos diferentes, mas todos dividiam a mesma característica de rejeitar os partidos políticos tradicionais, e os partidos políticos não tiveram papel algum. A sensação era de que havia uma necessidade de recusa, de dignidade, eu suponho. Os protestos pulavam de um lugar ao outro, não se sabia aonde iam acontecer depois.
Há um enfraquecimento dos partidos de esquerda tradicional?
Acho que o enfraquecimento dos partidos de esquerda está ligado com a queda do estado de bem-estar social keynesiano, nos anos 1970. Você pode pensar no período entre 1945 e 1975 como um período no qual parecia possível garantir concessões significantes do capital através do sistema político e através dos partidos políticos de esquerda. Mas, depois da metade da década de 70, isso fica cada vez mais difícil em razão de uma integração mais forte com a dinâmica do capital global entre os diferentes estados, e, portanto, na intensificação da competição entre capitalistas em todo o mundo. Isso faz com que seja muito mais difícil que qualquer estado em particular ou qualquer governo em particular possa dizer: "Bem, nós iremos simplesmente dar as costas ao mercado mundial e procurar soluções justas dentro de nosso território". Bom, isso foi tentado, isso foi tentado no Brasil, e em outros países governados pela esquerda na América Latina, mas não acredito que funcione mais. Certamente não funciona do mesmo modo que pode ter funcionado digamos, há 40 anos atrás, 50 anos atrás. E o desenvolvimento do próprio Capital deixa muito pouco espaço para os partidos políticos de esquerda.
Acho que se você realmente escutar o que as pessoas estão gritando nas ruas, irá escutar: "O capitalismo é um fracasso! Um fracasso! Um fracasso!". E acho que isso é apenas o resultado da experiência das pessoas com o que quer dizer capitalismo, no momento atual, na crise atual. O capitalismo é um desastre para a humanidade, e esse desastre acontece de um milhão de maneiras diferentes, ele pode não ser visto com muita clareza, mas as pessoas experienciam o desastre que é o capitalismo. Elas sabem que não faz muito sentido, elas sabem, de acordo com sua experiência, que ir para partidos de esquera não irá fazer muita diferença. Então elas estão, por um lado, se revoltando, e ao mesmo tempo buscando desesperadamente por uma saída deste sistema.
Isso significa que as possibilidades de emancipação estão mais longe de serem realizadas?
Não, não acho. Em primeiro lugar: o capital se tornou mais forte? De certo modo o capital se tornou mais forte, mas também se tornou mais frágil, ao mesmo tempo. Do mesmo modo, acredito que ter tirado os partidos políticos de esquerda do caminho é na verdade uma libertação porque os partidos políticos de esquerda não podem, e nunca poderiam, levar-nos além do capitalismo. No melhor cenário, o partido político de esquerda, que assume o controle do governo, poderia introduzir reformas significativas que poderiam ser benéficas para a população, mas ao mesmo tempo, o próprio fato de estar no governo, o próprio fato de que eles controlam o Estado significa que eles estão integrados ao sistema capitalista. Qualquer governo tem que promover a acumulação do capital dentro de seu território, qualquer governo deve fazê-lo, independente de sua ideologia. E, se deve tentar promover o acúmulo de capital dentro de seu território, então, tem de fazer o capital o mais lucrativo o possível, e isso significa fazer o possível para atrair capital para o país. E é claro, isso significa fazer concessões a ele, isso significa dar a eles condições que são favoráveis à expansão da mineração, por exemplo, ou a presente expansão da acumulação extrativista. Isso significa, de um modo ou de outro, restringir a luta dos trabalhadores. Significa fazer tudo o que for possível para fazer do país um país capitalista bem sucedido. Como eu acho que os últimos dois governos brasileiros (Lula e Dilma Rousseff) fizeram.
Isso não significa que as possibilidades de emancipação estejam fora do caminho, mas que uma ilusão é tirada do meio do caminho, a ilusão de que podemos transformar o mundo através do Estado; acho que é isso que está desaparecendo. Não é que as pessoas pararam de dizer que é absolutamente essencial transformar o mundo, mas acho que cada vez mais elas estão dizendo: "Bem, talvez nós não saibamos como fazer, mas certamente não passa pelo estado, não passa pelos partidos políticos. Precisamos pensar em um novo modo", e isso significa uma libertação imensa do potencial emancipatório.
Isso se aplicaria a qualquer nova alternativa de esquerda, como o Syriza, na Grécia?
Bem, se analisarmos o caso da Grécia e o Syriza, que eu acho que é muito interessante, vemos que é muito importante de fato. Na Grécia houve essa crise atroz, obviamente resultado do atual desenvolvimento capitalista, ou seja, o modo como o capitalismo mundial empurrou a crise para o território específico da Grécia. E lá houve uma tremenda oposição, tanto da esquerda centrada em seus partidos, como dos autonomistas e anarquistas. Devemos dizer que nenhum deles conseguiu ser bem sucedido em impedir as medidas de austeridade impostas pelo Estado em colaboração com Fundo Monetário Internacional (FMI) e a União Europeia (UE). O Syriza é uma reação muito importante contra isso, quase venceu a última eleição, ainda é, em termos de popularidade, o partido líder, e há possibilidades reais de que eles ganhem a próxima eleição. O Syriza certamente seria melhor que o governo atual, mas o quanto eles poderiam conquistar é bastante questionável porque ainda estaria na posição de ter que defender a acumulação de capital na Grécia, de ter que aceitar o domínio do dinheiro, mesmo que se decidissem por deixar o Euro, o que não acredito que seja muito provável, eles ainda estariam sujeitos a operação do mercado monetário. Então a única possibilidade real de quebrar a lógica do capital é um movimento a partir de baixo, no qual você esquece os partidos, esquece os governos e começa a contruir uma forma diferente de viver, um modo diferente de fazer as coisas, uma forma de se organizar contra e para além do sistema.
E qual seria essa saída?
O problema, é claro, é que não sabemos qual é a saída do sistema; há 40 anos achávamos que sabíamos. Achávamos: "É muito claro o que significa revolução; revolução significa organizar um partido, construir o partido até o ponto em que ele tome controle do estado, seja através de eleições, seja pela luta armada, e então o governo revolucionário irá transformar a sociedade". Agora sabemos que isso não funcionou,  e não apenas não funcionou, mas onde teve um impacto, o resultado foi um desastre. É só olharmos o caso da Rússia, ou o caso da China. Essas não seriam sociedades onde eu gostaria de viver, e não penso: "Oh, como gostaria de ter vivido na Moscou dos anos 50". Então acho que devemos dizer: "Nós não sabemos o caminho para fora do capitalismo". E isso é muito importante porque quando dizemos que não sabemos qual é o caminho passamos a debater isso, não dizemos às pessoas quais são as respostas, como os partidos. Como dizem os Zapatistas: "Preguntando caminamos". Perguntamos enquanto caminhamos, para achar um jeito, para articular as opiniões das pessoas sobre como podemos entrar em um sociedade diferente. Isso significa, é claro, pensar em termos de assembleia.
E se chegarmos lá, iremos perceber que os levantes nos últimos anos foram acima de tudo grandes movimentos de assembleia, no Norte da África, na Grécia, Espanha, em todo o movimento Occupy pelo mundo, e agora no Brasil, na Turquia etc. Estes foram movimentos de pessoas se juntando e desenvolvendo novas formas de organização que respeitam, ou procuram respeitar, as diferentes opiniões, de juntá-las em um processo que pode ser considerado um processo de reconhecimento mútuo. E acho que se você se voltar para a história do anticapitalismo, percebe que sempre houve duas tradições dentro do movimento anticapitalista, sempre houve a tradição da assembleia, da comuna, do soviet, do conselho e, por outro lado, a tradição do partido. O partido dominou ideologicamente a tradição do anticapitalismo nos últimos 200 anos, nós pensamos sempre primeiro no partido, mas isso não está certo, as assembleias sempre estiveram lá durante todo o tempo, e sempre foram a verdadeira fonte de dinamismo no anticapitalismo. Eu acho que é isso que está ressurgindo com a rejeição dos partidos, vemos o surgimento do assembleísmo, e assembleísmo significa que não há modelos, ou programas de como sair do capitalismo.
Mas as assembleias não poderiam coexistir com partidos, atuando, por exemplo, dentro das assembleias?
Acredito que possam coexistir mas há sempre uma tensão aí. Porque são dois conceitos diferentes, do modo como entendo. O partido é, na verdade, uma tentativa de trazer pessoas para um modo de pensar pré-determinado, e fazer uso de assembleias, ou reuniões, com o objetivo de fortalecer o partido e a ideia de, no fim, tomar o poder do Estado ou influenciá-lo internamente. E acredito que uma assembleia caminha no sentido oposto; uma assembleia é uma tentativa de dizer: “Aqui e agora nós quebramos a lógica do poder. Aqui e agora nós vamos articular o movimento do poder de baixo pra cima. Aqui e agora vamos escutar o que as pessoas dizem”. E tentar trazer algo fora de acordo, ou de consenso, através da discussão e respeito mútuo. Esta lógica está diametralmente oposta à lógica do partido, então, elas podem coexistir, mas elas coexistem um uma tensão. E é claro, se você olhar para trás para a história de assembleias há sempre a tentativa de grupos particulares ou partidos de dominar assembleias; em alguns lugares, eles são bem sucedidos em dominar as assembleias, arruinando toda a dinâmica delas.
Não haveria hoje uma disparidade entre a necessidade de mudança, expressa pelos protestos e revoltas, e a necessidade de uma nova forma de poder, como a assembleia?
Sim, acho que, em geral, as pessoas sabem o que não querem. Acredito que a ação política, o movimento político, começa com o grito: “Não! Nós não queremos o que temos”. Nós sabemos que a atual forma de organização social é um desastre, sabemos que o capitalismo é um desastre; você não precisa ser de esquerda para saber que o capitalismo é um desastre. Nós sabemos que ele produz injustiças enormes, que produz muita violência, nós sabemos que ele está destruindo as próprias condições da existência humana no mundo, então o que fazemos é gritar, e sair às ruas e dizer: “Não, nós não queremos um aumento no preço do ônibus”. Mas o que as pessoas realmente estão dizendo é: “Nós não queremos esta sociedade, estamos fartos de toda essa injustiça, Ja Basta!". Não podemos mais tolerar isso, e a difícil pergunta é: para onde vamos a partir daí? Dizer que o capitalismo é um desastre é óbvio, nós não temos que pensar muito para perceber que o capitalismo é um desastre. Muitas vezes acho que a esquerda perde muito tempo tentando argumentar que o capitalismo é terrível, não vale a pena! É obvio que é terrível, nós sabemos disso!
O verdadeiro problema é como vamos além disso. E aí acredito que temos um número imenso de experiências, pessoas tentando construir outras formas de viver aqui e agora, pessoas tentando viver em uma lógica que não é a lógica do dinheiro, e gosto de pensar nesse milhares de modos diferentes de fazer as coisas como fissuras na textura da dominação. Então você pode pensar nessas rachaduras. Por exemplo, pra mim, que vivo no Méxiico, a primeira experiência que vem à mente são os Zapatistas. Os Zapatistas se levantaram em 1994 e disseram: “Ja Basta! Nós não iremos aceitar isso mais, nós iremos organizar nossa própria comunidade de nosso modo próprio, nós não iremos deixar o governo entrar, nós não seguiremos a lógica do capital, faremos as coisas de um modo diferente”. E é isso que eles fizeram e estão fazendo nos últimos 20 anos; eles têm seu próprio sistema educacional, seu próprio sistema de seguro saúde, seu próprio sistema de saúde, sua própria justiça, seu modo próprio de organizar sua comunidade, e esta é uma fissura imensa no tecido do capitalismo. Mas você também pode pensar isso em uma esfera muito menor, como em um levante em uma cidade. Pensando no México, tivemos o levante em Oaxaca, em 2006, onde as pessoas tomaram o controle da cidade por 5 meses, passaram a administrar a si próprios e não deixavam a polícia ou o governo entrar. Eles organizaram sua própria coleta de lixo e todo o resto que é necessário para a vida cotidiana. Você começa a ver esses milhões e milhões de experimentos por toda a parte, e às vezes eles são infantis, ou podem parecer infantis e não ir muito longe, mas a nossa visão de mundo começa a mudar. E acho que esse é o caminho que devemos seguir.
Você tem um prognóstico para os acontecimentos politicos dos próximos anos? Podemos ter esperança em uma mudança radical ou os governos vão aumentar a repressão e se tornarem cada vez mais autoritários?
Acho que tudo isso irá acontecer. Acho que é bem claro que os governos irão aumentar a repressão cada vez mais. Um exemplo que me vem à mente é o caso da Espanha, onde houve nos últimos dias uma proposta de lei que tornaria os protestos ilegais, além de também tornar ilegal filmar as ações da polícia. Isso é completamente chocante, mas também faz parte da tendência global, os governos estão se tornando cada vez mais repressores. Isso exclui a esperança em uma mudança radical? De forma alguma! Porque, ao mesmo tempo, há um aumento na percepção de que o capitalismo é um desastre, de que não podemos continuar do jeito como estamos. Então acho que as duas coisas irão acontecer ao mesmo tempo, iremos ver o aumento da repressão e, por outro lado, também veremos mais explosões sociais como a que vimos no Brasil em junho. Haverá a possibilidade de governos caírem cada vez mais rápido. Provavelmente veremos novas formas de assembleia. Acho que o que veremos é a intensificação das contradições. Onde isso vai nos levar? Não sabemos. Se irá nos levar rapidamente ao eclipse total da humanidade, o que é uma possibilidade muito real, ou se irá nos levar a uma emancipação real da humanidade em relação ao capital. Acho que isso está completamente em aberto, isso vai depender da força com a qual dizemos “Não!”.

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