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domingo, 31 de março de 2013

É isso a felicidade?


Foto: Galeria de Mr Conguito/Flickr

A tarde toda deste domingo esteve nublada, por isso a Rô e eu fomos andar mais cedo. Saímos numa hora em que normalmente o sol descarrega sua raiva sobre o mundo. Ninguém se arrisca muito, andando pelas ruas. Hoje o dia estava diferente, e notamos isso logo ao sair de casa. As pessoas, num domingo à tarde, em geral vão-se tornando melancólicas por causa da segunda, que se aproxima, mas sem desistir de buscar até o último segundo sua quota de felicidade. Via-se bem que não era um dia qualquer, destes que nossa cultura pragmática chama de úteis.


Nos primeiros quinhentos metros encontramos crianças brincando na rua: vôlei por cima de um elástico, uma ponta presa na veneziana da esquerda e a outra num ferro que sobrou no muro inacabado, à direita; amarelinha no asfalto, riscada com caco de telha, terminando em um céu todo estrelado, onde as crianças pisavam mesmo sem conhecer o Orestes Barbosa; um par de tênis servindo de traves para a pelada; meninas e meninos correndo uns atrás dos outros numa brincadeira que não cheguei a entender. E lá íamos nós, singrando aquele mar de crianças até sairmos na outra margem.

Duzentos metros à frente deparamos com um jovem de terno surrado e gravata berrante. Tinha a testa enrugada, coberta de suor, e um olhar atônito, como costumam ser as pessoas que vão prestar contas de sua semana. Levava um livro grosso e preto na mão. Quem sabe um varal cheio de pecados, na consciência.

Na avenida das Sibipirunas, uma avenida que já visitou esta coluna, nossa marcha foi interrompida por um velho Opala que saiu do nada, em alta velocidade, e sumiu em poucos segundos. Em seu interior, um menino de boné com a aba virada para as costas, provavelmente surdo, porque o barulho do escapamento aberto não conseguia suplantar o volume de seu aparelho de som. Você sabe  como é o barulho de uma bate-estaca? Assim mesmo. O garoto ia com pressa de chegar e, chegando, teria pressa de fazer; começando, viria a pressa de terminar e, terminando, sentiria a pressa de viver, que é a mesma pressa de morrer. É a isso que eles dão o nome de “curtir”.

Em um dos quarteirões da avenida, existem apenas três casas. Duas, separadas apenas por um muro, ficam perto da esquina. A outra, no meio do quarteirão, vive isolada entre terrenos baldios. Lembro-me vagamente de que havia um casal sentado no piso da varanda com os pés na calçada. É uma casinha simples, como simples me pareceram seus moradores, quando ali passamos pela segunda vez e aquelas presenças me chamaram a atenção. Domingo à tarde, o almoço digerido, aproveitavam aquela sombra nebulosa, pois isso não é coisa que se desperdice por aqui. De vez em quando moviam os lábios, parecendo falar. Uma vez o velhinho coçou o braço. O domingo se escoava lentamente, e a sensação de que o prazer vai chegando ao fim parecia não afetá-los. Esperavam, apenas, o fim do dia, da semana, o fim. Não estavam preocupados com o efeito estufa tampouco com a crise econômica da Europa. Desfrutavam fisicamente a passagem da brisa e do tempo.

Cada um, a seu modo, ia em busca de alguma coisa que a gente pode chamar de felicidade. Quanto a mim, encontrei a minha chegando ao fim desta crônica.

Menalton Braff


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